Sem título-5 - Nucleo de Humanidades
Sem título-5 - Nucleo de Humanidades
Sem título-5 - Nucleo de Humanidades
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Mais adiante, após o casamento com Magda (jovem nórdica, muito parecida<br />
com Leonor e que ele conheceu em Davos, on<strong>de</strong> a filha esteve internada) e já<br />
alucinado pelo reconhecimento do incesto moral, entrega-se, <strong>de</strong>sesperadamente,<br />
à paixão física, a ponto <strong>de</strong> se tornar para Magda um homem misterioso, enigmático<br />
e, por isso, incompreensível, com expressões faciais monstruosas e “faiscantes”:<br />
182<br />
E ela recordava-se do brilho singular que surpreen<strong>de</strong>ra às vezes nos olhos <strong>de</strong><br />
Luis, durante os amplexos. Às vezes? Quase sempre. Eram umas faíscas<br />
vermelho-esver<strong>de</strong>adas que, irradiando das pupilas, lhe cobriam o rosto duma<br />
luz estranha, duma luz fantástica, arrepiante. (SÁ-CARNEIRO, 1984, p. 68)<br />
3. O relevo e a glorificação da e pela arte<br />
Como todo protagonista <strong>de</strong> Sá-Carneiro, Luís <strong>de</strong> Monforte também é<br />
um artista, mais especificamente, um dramaturgo, cuja ascensão se torna eminente<br />
quando da encenação <strong>de</strong> “Glória” – “um dos mais belos estudos que<br />
existem sobre a “gran<strong>de</strong> fera”. A “gran<strong>de</strong> fera”, aqui, configura-se numa metáfora<br />
da própria arte, tão explorada e esmiuçada nas digressões do narrador.<br />
Vejamos, pois, como Mário <strong>de</strong> Sá-Carneiro enten<strong>de</strong> o que vem a ser a “arte” e<br />
o seu feitor – o “artista”, discorrendo a respeito <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong>ssas digressões.<br />
No capítulo II, há dois momentos em que o narrador disserta sobre o<br />
objeto <strong>de</strong> seu trabalho: o primeiro, quando Luís procura refugiar-se na arte ante<br />
o abandono <strong>de</strong> Júlia, e o segundo, quando do triunfo do drama “Glória”. Ele<br />
revela, diante do <strong>de</strong>sespero <strong>de</strong> Luís, que:<br />
...o prazer <strong>de</strong> criar avantaja-se a todos. Em frente da arte, o artista esquece. A<br />
sua dor, se não se cura, suaviza-se pelo menos. A arte é um refúgio. O artista,<br />
na sua angústia, consola-se com a sua arte. É que a arte é também um<br />
“brinquedo”. Os homens são crianças eternas. (SÁ-CARNEIRO, 1984, p. 15)<br />
Tal concepção <strong>de</strong> “arte” equivale a uma “poética” ou a um “programa <strong>de</strong><br />
arte”, segundo Luigi Pareyson em Os problemas da estética. Para ele:<br />
Há quem busque na arte um alimento espiritual completo e, por isso, lhe assinala<br />
um campo <strong>de</strong> ação vasto como a própria vida. Complexos conteúdos espirituais e<br />
múltiplas funções na vida, e há quem busque na arte o alívio <strong>de</strong> um instante <strong>de</strong> pura<br />
contemplação e o fascinante <strong>de</strong>leite do sonho, sendo, por isso, levado a consi<strong>de</strong>rála<br />
apenas como evasão da vida e não da fantasia. (PAREYSON, 1984, p. 42)<br />
Mário <strong>de</strong> Sá-Carneiro e, conseqüentemente, Luís <strong>de</strong> Monforte inseremse<br />
nessa segunda concepção, já que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a arte evasiva e lúdica; mas, nem<br />
por isso, sem “um posicionamento completo em face da vida”, uma vez que são:<br />
O incesto, <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Sá-Carneiro