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Sem título-5 - Nucleo de Humanidades

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4. A realização onírica do pecado<br />

No que concerne ao incesto – ponto fulcral da narrativa -, este já se<br />

indicia, sutilmente, em vários momentos no fluxo da história. O primeiro <strong>de</strong>les<br />

po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>notado no capítulo II, quando do abandono <strong>de</strong> Júlia: “Ela era com<br />

efeito o que <strong>de</strong> mais seu Júlia <strong>de</strong>ixara perto <strong>de</strong>le. A filha recordara-lhe a mãe.”<br />

(SÁ-CARNEIRO, 1984, p. 16)<br />

Outro indício, não tão sutil quanto o já referenciado, <strong>de</strong>vido mesmo à<br />

manifestação maliciosa do narrador e ao seu caráter reticente, revela-se após a<br />

morte da filha, quando Luís se refugia em sua casa <strong>de</strong> Lisboa e se apega aos<br />

objetos e roupas outrora pertencentes a Leonor:<br />

184<br />

Imóvel, chorava longo tempo e, por fim, levava aos lábios um feixe <strong>de</strong>ssas<br />

roupas íntimas, perturbadoras, don<strong>de</strong> se <strong>de</strong>sprendia, estonteante, um perfume<br />

loiro a mocida<strong>de</strong> e a carne. Beijava-as, sofregamente as beijava, numa ânsia,<br />

num <strong>de</strong>lírio tal, que mais parecia <strong>de</strong> luxúria que <strong>de</strong> dor. (SÁ-CARNEIRO,<br />

1984, p. 51)<br />

A partir daí, num crescendo vigoroso e intenso, o incesto emerge, aos poucos,<br />

do plano do subconsciente e afeta a racionalida<strong>de</strong>: “beijou <strong>de</strong> novo as travessas,<br />

beijou-as com <strong>de</strong>sespero, beijou-as como quem beija uma recordação <strong>de</strong> amor,<br />

até que por fim – voltando-lhe a razão – fechou o estojo num confrangimento<br />

horrível, arremessou-o para o fundo duma gaveta.” (SÁ-CARNEIRO, 1984, p.<br />

56)<br />

Já na página seguinte, tal manifestação da subconsciência ganha realce<br />

por parte do narrador, <strong>de</strong>nunciando o que há por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong>ssas alucinações e<br />

<strong>de</strong>lírios do protagonista. O leitor, por conseguinte, acaba sendo conduzido facilmente<br />

ao <strong>de</strong>slindamento do mistério, <strong>de</strong>vido a essa atitu<strong>de</strong> do narrador:<br />

Freqüentemente tinha visões estranhas: Uma noite, antes <strong>de</strong> adormecer,<br />

pensando em Leonor, foi a imagem <strong>de</strong> Júlia, a imagem esquecida da gran<strong>de</strong><br />

amante loira, que se aquarelou nas trevas, toda nua sobre um leito <strong>de</strong> rosas.<br />

Enquanto durava a visão perturbadora nem só por um momento ele<br />

esquecera a filha. (SÁ-CARNEIRO, 1984, p. 57)<br />

Nova manifestação do <strong>de</strong>sejo carnal pela filha, realçada pelo narrador<br />

com mais veemência através não só <strong>de</strong> uma oração em negrito e reticências, mas<br />

também <strong>de</strong> uma linha pontilhada, ocorre no Folies-Bergère, quando da apresentação<br />

<strong>de</strong> um bailado. Quem lhe suscita agora a volúpia por Leonor não é Júlia,<br />

mas “uma das muitas profissionais do amor”, com os lábios pintados e os seios<br />

à mostra. Contudo, nem Júlia, nem as prostitutas assumem o trono <strong>de</strong> Leonor,<br />

por não serem como Magda, a sua ressuscitação física.<br />

O incesto, <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Sá-Carneiro

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