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Arquivo em PDF - Dom Bosco

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Psico<strong>Dom</strong>, v.2, n.2, jun. 2008____________________________________________<br />

Leandro Kruszielski<br />

Encontro do Núcleo de Estudos <strong>em</strong><br />

Psicologia da Faculdade <strong>Dom</strong> <strong>Bosco</strong> (Nepsi)<br />

Mesa-redonda – O Mistério da Consciência<br />

1 Eugenio Pereira de Paula Júnior<br />

2 Leandro Kruszielski<br />

3 Caroline Guisantes de Salvo<br />

4 Fabio Tha<br />

O t<strong>em</strong>a deste encontro do Núcleo de Estudos de Psicologia da Faculdade <strong>Dom</strong> <strong>Bosco</strong><br />

que estará <strong>em</strong> debate é a Consciência. A consciência é vista de diversas formas, por<br />

diversas abordagens. Vamos iniciar com o professor Eugênio, que vai abordar a<br />

consciência sob o ponto de vista da teoria sócio-histórica da atividade, seguido da<br />

minha fala sobre o ponto de vista da neurociência, posteriormente a professora Caroline<br />

vai abordar a vertente comportamental e, finalizando, o professor Fabio vai apresentar a<br />

abordag<strong>em</strong> psicanalítica da consciência. A idéia é trazer os pontos de vista e ao final,<br />

realizar um debate. A proposta de confrontar as teorias, mais do que defender uma<br />

melhor abordag<strong>em</strong>, é ressaltar a diversidade que existe no nosso campo de estudo que<br />

é a Psicologia. Passo a palavra ao Eugênio.<br />

Eugênio Pereira<br />

T<strong>em</strong>os consciência do que é consciência? O que é consciência, então?<br />

O objetivo desta fala é mostrar isto: 1 – que não t<strong>em</strong>os consciência do que é<br />

consciência; 2 – que t<strong>em</strong>os consciência da consciência e, por fim; 3 – definir, ou melhor,<br />

nos conscientizarmos mais sobre a consciência.<br />

Pelo título da mesa, ter<strong>em</strong>os, antes de tudo, que posicionar nossa fala pela vertente<br />

sócio-histórica da atividade. E aí já aparece um equívoco, pois o título fala apenas de<br />

sócio-histórico, mas onde está a atividade, ponto fundamental da consciência? Outro<br />

equívoco, não tão aparente, mas que se constitui pela própria concepção, é o conceito<br />

de práxis ao invés de teoria. Agora sim, pod<strong>em</strong>os contextualizar esta fala – “A<br />

consciência pela vertente da práxis sócio-histórica da atividade”. Talvez seja um<br />

preciosismo meu, mas vejamos cada conceito <strong>em</strong> separado.<br />

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Por que Práxis ao invés de teoria? Fica óbvia a diferença, pois práxis transpõe a teoria.<br />

Sendo a integração entre teoria e prática, e a escola russa, fonte da práxis sócio-<br />

histórica da atividade, t<strong>em</strong> base na concepção marxista de mundo, como ver<strong>em</strong>os logo<br />

adiante.<br />

Restam agora os conceitos sócio-histórico e da atividade, que você consegue deduzir<br />

naturalmente.<br />

É sócio por quê? Porque as ações humanas acontec<strong>em</strong> de forma coletiva e é isso que<br />

permite o aparecimento, ou a <strong>em</strong>ergência, das funções cognitivas e afetivas <strong>em</strong> cada<br />

indivíduo. E não é isso que estamos fazendo agora, discutindo coletivamente, no social,<br />

a consciência?<br />

É histórico por quê? Porque as ações da humanidade avançam, evolu<strong>em</strong><br />

progressivamente com a passag<strong>em</strong> do t<strong>em</strong>po. Basta um olhar de relance na evolução<br />

da humanidade, numa concepção macroscópica. Da mesma forma, como ver<strong>em</strong>os<br />

numa concepção microcóspica (do início desta mesa ao seu final), ter<strong>em</strong>os evoluído<br />

historicamente nossa concepção sobre consciência. Um ex<strong>em</strong>plo é esta caneta (pega<br />

uma caneta). Há quanto t<strong>em</strong>po ela existe? E há quinhentos anos ela era assim? E há<br />

mil anos? E daqui a quinhentos ou mil anos? Então, se você consegue ver esse<br />

processo na caneta, poderá entendê-lo no aparecimento e na evolução das funções<br />

cognitivas e afetivas de cada indivíduo. Esse conceito vai ser fundamental para<br />

aceitarmos as duas primeiras pr<strong>em</strong>issas que abr<strong>em</strong> esta fala, ou seja, t<strong>em</strong>os<br />

consciência, mas não t<strong>em</strong>os, pois o processo evolutivo a transforma permanent<strong>em</strong>ente.<br />

Mas já voltamos a isso, basta, por ora, entender o que é o processo histórico (ele é<br />

evolutivo).<br />

O terceiro conceito, o da atividade, tão importante quanto os dois anteriores, mas<br />

muitas vezes ignorado, esquecido ou omitido, faz a distinção entre o hom<strong>em</strong> e os<br />

animais. Atividade r<strong>em</strong>ete ao processo intencional e interno de cada indivíduo para<br />

apropriação ativa das ferramentas e conceitos construídos pela coletividade e que sofre<br />

uma evolução permanente.<br />

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Agora, feitos os posicionamentos, poder<strong>em</strong>os investigar melhor a consciência, já com<br />

uma melhor consciência da práxis sócio-histórica da atividade.<br />

Na clássica cena de Matrix, Orfeu oferece a Neo duas pílulas, uma azul e outra<br />

vermelha e lhe dá a opção entre uma e outra, e adverte: “depois da escolha não t<strong>em</strong><br />

volta”. Neo escolheu a pílula da consciência. Você escolheria qual delas?<br />

É estranho, mas a busca pela consciência parece algo inerente a nós. Diante da<br />

escolha entre a alienação, continuarmos como somos, e a busca pela consciência,<br />

deixarmos de ser como somos, a tendência é a escolha pela conscientização.<br />

Historicamente a consciência já foi negada (l<strong>em</strong>bra dos behavioristas metodológicos?),<br />

proibida (l<strong>em</strong>bra da conferência de 1928 <strong>em</strong> Leningrado, onde Vigotski conquistou o<br />

mundo, falando sobre esse t<strong>em</strong>a proibido para os acadêmicos materialistas?) e<br />

idolatrada (o que estamos fazendo aqui hoje?).<br />

Mas o que é consciência? Pela etiologia do termo consciência é a composição de dois<br />

termos: com (junto) e ciência (conhecer). Então consciência é a propriedade cognitiva<br />

que os humanos possu<strong>em</strong> de conhecer a realidade junto, ou pelo intermédio, de outra<br />

pessoa.<br />

Vejamos quantas consciências pod<strong>em</strong>os elencar:<br />

A consciência biológica – reflexo psíquico que permite ao animal perceber o mundo.<br />

“A consciência, como um reflexo da realidade objetiva, t<strong>em</strong> uma função biológica<br />

essencial, habilitando o organismo a encontrar seus propósitos, a analisar a informação<br />

que chega a ele e a armazenar seus traços. [...] por esta razão, a consciência é a<br />

habilidade <strong>em</strong> avaliar as informações sensórias, <strong>em</strong> responder a elas com pensamentos<br />

e ações críticas e reter traços de m<strong>em</strong>ória de forma que traços ou ações passadas<br />

possam ser usados no futuro.” (Luria, 1981, p. 196).<br />

Qual seria o substrato biológico desta consciência? A formação reticular, no tronco<br />

encefálico.<br />

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Consciência psíquica – reflexo psíquico que permite ao animal perceber-se no mundo.<br />

“A consciência é um sist<strong>em</strong>a estrutural com função s<strong>em</strong>ântica.” (Luria, 1988, p. 197). A<br />

consciência de si, produto complexo da evolução e com íntima participação da fala.<br />

”uma criança que dominou a ferramenta cultural da Linguag<strong>em</strong> nunca será a mesma<br />

criança...” (Vygotsky, 1998a).<br />

A consciência da consciência resulta do animal que percebeu-se no mundo e, por isso,<br />

se autodenominou de Humano.<br />

Qual seria o substrato biológico desta consciência? – O córtex e, principalmente, o<br />

córtex frontal (o cérebro humanizado).<br />

A Consciência seria, então, o cume, o ápice das funções mentais superiores e, talvez,<br />

seu acúleo fosse a criatividade, a ponta que abre caminho para novas conscientizações,<br />

para novas construções e/ou sua autoconstrução (autopoiese).<br />

Sab<strong>em</strong>os o que é consciência, mas como e por que isso acontece?<br />

Porque o hom<strong>em</strong> é sócio histórico e ativo <strong>em</strong> uma práxis dialética... O fator social faz<br />

com que surjam novos desafios, pelas mudanças que ele faz no mundo, uma<br />

intervenção externa que age sobre o indivíduo que reage, reorganizando suas funções<br />

mentais superiores. A reorganização das FMS provoca alterações na estrutura e no<br />

funcionamento cerebral. Esse novo cérebro ganha novas configurações (ou estruturas)<br />

a cada momento, pela dinâmica do processo de mediação. As novas estruturas<br />

(principalmente, os lobos frontais) tornam o hom<strong>em</strong> ativo com novas formas de reação;<br />

ou seja, uma ação inédita, voluntária, intencional, <strong>em</strong>ergente que cria ferramentas de<br />

interação. E esse processo t<strong>em</strong> um fator Histórico (evolutivo) e faz com que esse<br />

processo vá se reorganizando e aprimorando numa dinâmica dialética.<br />

O princípio é apresentado no seguinte esqu<strong>em</strong>a.<br />

Este mundo fica mais complexo (1). O resultado é um fenômeno cíclico onde as novas<br />

realidades criam novas questões (2) que exig<strong>em</strong> uma reorganização cerebral (3) para<br />

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gerar mais conhecimento e ferramentas (4) que permit<strong>em</strong> uma nova intervenção no<br />

mundo (1) e o processo reinicia. Questões novas (probl<strong>em</strong>as ou desafios).<br />

Daí a contribuição de cada pensador da tróika (Luria – com o cérebro humanizado –<br />

atividade), Vigotski com o conceito de mediação (social) e Leontiev como conceito<br />

evolutivo (histórico).<br />

Consciência social – Emerge da soma das consciências psíquicas (individuais) para<br />

formar a coletividade, a sociedade.<br />

Relacionando a hipótese da Zona de Desenvolvimento Proximal, proposta pela<br />

abordag<strong>em</strong> sócio-histórica atividade, com a conscientização t<strong>em</strong>os que nosso nível atual<br />

é de alienação (NDR). Pela mediação, com o questionamento e a alteridade, entramos<br />

<strong>em</strong> processo de desenvolvimento (ZDP), progredindo para um estado de maior<br />

consciência (NDP), que se tornará um novo momento de alienação e ensejará a busca<br />

de nova consciência.<br />

Esse processo é identificado nas manifestações da consciência (artes – música, dança,<br />

literatura etc.; esporte, ciência, tecnologia, ações e criações), pois as pessoas s<strong>em</strong>pre<br />

part<strong>em</strong> de um momento histórico e, através da intencionalidade, faz<strong>em</strong> essas<br />

manifestações evoluír<strong>em</strong> para um nível mais avançado.<br />

Ao mesmo t<strong>em</strong>po, dialeticamente, quando observamos esses fenômenos, estamos <strong>em</strong><br />

manifestações de conscientização, que nos tiram do nível de desenvolvimento real<br />

(alienação) e nos levam aos mesmos processos da consciência (artes, esporte, ciência,<br />

tecnologia, ações, convivência, mediação, comunicação, interação), criando novos<br />

níveis de conscientização.<br />

Você é uma pessoa consciente ou alienada?<br />

Antes de respondermos vejam a seguinte dialética: “eu sou um alienado” é uma frase<br />

consciente e “eu sou consciente” é uma frase alienada. Para compreender este<br />

processo é fundamental que se discuta um pouco a dialética, pois, segundo Vigotski,<br />

quando discute o método dialético, “estudar alguma coisa historicamente significa<br />

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estudá-la no processo de mudança: esse é o requisito básico” - (“Do método dialético”) -<br />

(Vygotsky, 1998, p.85 apud PASSERINO e SANTAROSA, 2007). Então vejamos se<br />

conseguimos entender a mudança a alienação para a consciência.<br />

A Leis da dialética:<br />

Lakatos e Marconi (1995) faz<strong>em</strong> um bom resumo (apesar de ser um resumo) sobre esta<br />

forma de pensar. As autoras apresentam quatro princípios da dialética que convém<br />

rel<strong>em</strong>brar:<br />

1.º Princípio: Da ação recíproca<br />

O mundo deve ser visto como um processo e não como coisas prontas e acabadas. A<br />

idéia de sist<strong>em</strong>a aberto (começo e recortes) deve predominar sobre a idéia de sist<strong>em</strong>a<br />

fechado (de começo, meio e fim). Na ação recíproca tudo se relaciona, existindo um<br />

efeito de influência ente as coisas e nada é por acaso ou s<strong>em</strong> conseqüências (o<br />

chamado efeito dominó). Assim, cada ação humana desencadeia infinitos fenômenos,<br />

de grande e pequena escala. Um bom ex<strong>em</strong>plo disso é o filme Efeito Borboleta que<br />

mostra que uma mudança nunca é isolada e reflete, positivamente e negativamente, no<br />

futuro.<br />

2.º Princípio: Da mudança dialética<br />

É a famosa série “Tese, antítese e síntese”, que se torna uma nova tese e... A mudança<br />

dialética diz que tudo é potencialidade (o ser e o vir a ser). É esse princípio que ajuda a<br />

entender porque o animal se torna humano (autodinamismo), isso não é uma mudança<br />

mecânica. É o autodinamismo que ajuda-nos a entender as mudanças que encontramos<br />

no mundo, ou seja, s<strong>em</strong>pre haverá uma nova forma de ver o mundo, de construir novas<br />

realidades e de ser humano, s<strong>em</strong>pre “<strong>em</strong>ergirá” uma nova possibilidade (ou<br />

possibilidades) para a humanidade e para a consciência.<br />

3.º Princípio: – Da quantidade à qualidade<br />

Esse princípio diz que o aumento (quantidade) de um determinado fator gera uma<br />

mudança (qualidade) no conjunto do fenômeno. A quantidade gera um salto qualitativo<br />

naquilo que se constitui. A quantidade da mediação interpsicológica determinará a<br />

qualidade, que se manifesta na mudança intrapsicológica. O Cérebro, que é uma<br />

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quantidade grande de neurônios, permite o aparecimento de algo que t<strong>em</strong> uma<br />

qualidade diferente; a consciência.<br />

4.º Princípio: Da interpenetração dos contrários<br />

É esse princípio que nos ajuda a entender o porquê da contradição humana. Ele quer<br />

dizer que as contradições são inerentes ao sist<strong>em</strong>a. A filogênese disponibiliza as<br />

mudanças cognitivas (é interno), porém o mundo externo é o catalisador da mudança<br />

para a <strong>em</strong>ersão de uma ou outra função mental.<br />

Esses quatro princípios nos levam a concluir que a consciência é dinâmica, é processo,<br />

é transitória... Ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que está presente, quando t<strong>em</strong>os consciência de<br />

sua existência, é o devir e o vislumbre de algo que se transforma no próprio processo de<br />

percepção, análise e projeção futura.<br />

A consciência v<strong>em</strong> depois. Depois que vivenciamos um determinado processo é que<br />

pod<strong>em</strong>os fazer a análise (histórica) dele e ver que outras alternativas poderiam ser<br />

assumidas, mas que não poderíamos vê-las, <strong>em</strong>bora presentes, porque ainda não<br />

tínhamos consciência delas. É comum os alunos falar<strong>em</strong>; “ah, se seu tivesse a cabeça<br />

que tenho agora, no 5.º. Ano, no primeiro ano da faculdade”. A consciência só v<strong>em</strong><br />

depois!<br />

A consciência é reflexiva (as ações retornam ao hom<strong>em</strong>, sob a forma de informação) e<br />

sinérgica (reverbera de forma cíclica)<br />

A consciência reflete <strong>em</strong> ação – o ex<strong>em</strong>plo do fumante. Um fumante que diz que fumar<br />

faz mal, mas continua fumando, é uma pessoa informada. O fumante que t<strong>em</strong><br />

consciência que fumar faz mal, age, parando de fumar. Consciência é ação!<br />

A consciência é uma Utopia, que nos move adiante. Como a história do burro, que puxa<br />

uma carroça, tentando alcançar uma cenoura que está pendurada à sua frente.<br />

A consciência se manifesta nos insights quando, de repente, descobrimos que há algo<br />

novo <strong>em</strong> nosso psiquismo, quer na forma de perceber o mundo, quer na forma de agir<br />

sobre o mundo. Esse processo se reflete no desgaste e na dor que estão presentes<br />

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quando tomamos consciência da alienação/consciência. Para entender isso é imperativo<br />

que você assista ao filme Pão e Rosas, que descreve o processo de<br />

alienação/consciência que existe <strong>em</strong> cada um de nós.<br />

Por fim, chegamos ao nosso objetivo, t<strong>em</strong>os mais consciência de que não sab<strong>em</strong>os o<br />

que é consciência, uma vez que ela é dialética, dinâmica e um devir... Sab<strong>em</strong>os que<br />

t<strong>em</strong>os consciência dela, ou estamos falando de outra coisa? Estamos mais conscientes,<br />

ou menos alienados, da consciência...<br />

Parodiando o poeta que disse: “Caminante, el camino se hace al andar.”, pod<strong>em</strong>os<br />

dizer; “Alienado, la consciencia se constrói al pensar, cuestionar, criar, destruir, falar, …<br />

pero nunca ao calar.”<br />

Muito obrigado.<br />

Leandro Kruszielski<br />

É bom continuar depois do professor Eugênio, pois é possível fazer muitos ganchos. A<br />

abordag<strong>em</strong> neurocientífica da consciência envolve fisiologia, neuropsicologia e até<br />

mesmo Filosofia da Mente. O próprio Luria, que foi o criador do termo “Neuropsicologia”,<br />

contribuiu muito com o t<strong>em</strong>a. Mas, o que é a consciência? O Eugênio já comentou sobre<br />

isso, mas <strong>em</strong> português a palavra possui três significados. O primeiro seria a<br />

consciência das coisas, o saber sobre as coisas. Eu sei que estou no auditório agora,<br />

sei que vocês estão aqui, por ex<strong>em</strong>plo. O segundo seria a consciência de si próprio, a<br />

autoconsciência: eu sei que existo, eu me nomeio como “eu” ou, como muitos diz<strong>em</strong>,<br />

“eu me conheço por gente”. O terceiro é a consciência como senso do dever, um pouco<br />

como o Grilo Falante, a “consciência” do Pinóquio, que equivale ao superego<br />

psicanalítico. É quando a consciência fica “pesada”...<br />

Mas vamos falar hoje da consciência do saber, da autoconsciência, do saber-se que<br />

vamos morrer, algo propriamente humano. Vejamos, o primeiro grande probl<strong>em</strong>a o<br />

Eugenio levantou, o velho probl<strong>em</strong>a cartesiano. Há um abismo entre o lado subjetivo<br />

humano e o lado objetivo, entre a mente e o cérebro, entre o materialismo e o idealismo,<br />

entre o mundo interno e o mundo externo. Assim, os fisiologistas até procuraram estudar<br />

o fenômeno da consciência: há a presença dos neurônios, a cascata neuroquímica, a<br />

sinapse, a formação de uma rede neural e então...um “milagre” ocorre e v<strong>em</strong> a<br />

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consciência! A passag<strong>em</strong>, por assim dizer, do cérebro para a mente ainda é um abismo.<br />

Tentamos diminuir o tamanho deste abismo, mas ela ainda existe. Descartes afirmava<br />

que somos mente e corpo, ou alma e corpo, uma perspectiva dualista e aí está o<br />

probl<strong>em</strong>a da consciência. A consciência é mental, ela é “espiritual”, não estaria no<br />

corpo. Mas será que essa mente não seria o resultado, o produto do cérebro? Nós<br />

pod<strong>em</strong>os criar uma máquina que bombeie sangue (isso é perfeitamente possível) e<br />

termos um coração artificial. Agora, será que poderia ser criada uma máquina com c<strong>em</strong><br />

bilhões de neurônios cujo resultado fosse a mente? Não, isso não seria possível, é algo<br />

muito diferente. O probl<strong>em</strong>a da consciência é um probl<strong>em</strong>a cartesiano. Há uma citação<br />

muito interessante do Antônio Damásio (2000, p. 29-30): “A consciência é um fenômeno<br />

inteiramente privado, de primeira pessoa, que ocorre como parte do processo privado,<br />

de primeira pessoa, que denominamos mente. A consciência e a mente, porém,<br />

vinculam-se estreitamente a comportamentos externos que pod<strong>em</strong> ser observados por<br />

terceiras pessoas. (...) Felizmente, para aqueles dentre nós que também almejam<br />

compreender os mecanismos por trás da mente e do comportamento, mente e<br />

comportamento também se correlacionam estreitamente com as funções dos<br />

organismos vivo, especificamente com as funções do cérebro no interior desses<br />

organismos.”<br />

Nesta concepção, a ligação entre o interno e o externo é dada pelo cérebro. Entender o<br />

cérebro pode ajudar na compreensão da consciência.<br />

Daniel Dennet, filósofo da mente, assim como Damásio, toca na idéia do teatro<br />

cartesiano: nossa consciência não é mais do que um homúnculo, um homenzinho que<br />

assiste tudo dentro de nós mesmos. O que está se passando no ambiente é como se<br />

estivesse projetado no cérebro enquanto que esse homúnculo vidente do cérebro<br />

estaria confortavelmente sentado assistindo a este filme e, qu<strong>em</strong> sabe, até comendo<br />

pipoca.<br />

Será que essa compreensão que t<strong>em</strong>os do ambiente como visão de mim mesmo é<br />

realmente o self assistindo o que está ocorrendo? Entra aí o conceito de qualia. O que é<br />

qualia? Se eu mostrar uma determinada figura vermelha, todos conseguirão vê-la. No<br />

entanto, onde está a garantia de que o vermelho que eu vejo e assim nomeio é o<br />

mesmo vermelho que você está vendo? Não há como responder isso. Eu posso<br />

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oferecer a figura vermelha e acompanhar a atividade cerebral no lobo occipital <strong>em</strong> um<br />

PET-SCAN na área primária responsável pela sensação da cor vermelha <strong>em</strong> uma<br />

pessoa e <strong>em</strong> outra pessoa. As áreas cerebrais envolvidas pod<strong>em</strong> ser idênticas, mas<br />

elas estão vendo realmente a mesma cor? Provavelmente, mas nada me garante. A<br />

noção dessa cor é uma qualia, uma percepção subjetiva da noção de cor. De repente<br />

aqui alguém é daltônico e, portanto, terá dificuldade <strong>em</strong> enxergar a cor vermelha. Esta<br />

pessoa, no entanto, pode estudar a neurobiologia da percepção da cor <strong>em</strong> nível de pós-<br />

graduação, realizar mestrado e doutorado sobre o t<strong>em</strong>a, com alguma das instituições<br />

brasileiras oferec<strong>em</strong> e entenderá mais do que qualquer pessoa não-daltônica sobre o<br />

assunto. Mas ela nunca saberá realmente como uma pessoa não-daltônica percebe o<br />

vermelho. Isto é qualia. Segundo Dennet, a qualia é inefável, intrínseca e privada. O que<br />

é “inefável”? É não conseguir a tradução <strong>em</strong> palavras. Como descrever a cor vermelha?<br />

É impossível! Ela também é intrínseca, ocorre de dentro para fora e, é claro, é uma<br />

experiência privada, os outros não têm acesso a ela. Além disso, a qualia também é e<br />

diretamente ou imediatamente apreensível. A qualia está intimamente ligada ao<br />

fenômeno da consciência, quase tão inacessível quanto ela.<br />

Por isso, Damásio lança duas perguntas-chave: como o cérebro no organismo humano<br />

engendra os padrões mentais e como o cérebro engendra um sentido do self no ato de<br />

conhecer? Em outras palavras, como ocorr<strong>em</strong> os mecanismos do processamento da<br />

informação do próprio cérebro para entender as imagens mentais, a imag<strong>em</strong> de uma<br />

cor, a imag<strong>em</strong> de um som, a imag<strong>em</strong> sinestésica? E, ainda, como a imag<strong>em</strong> engendra o<br />

sentido do self no ato de conhecer? Sou eu qu<strong>em</strong> está vendo aquele vermelho e não o<br />

outro. E eu estou com a consciência dentro daquele processo. Como unir tudo isso?<br />

Para isso, a neurociência t<strong>em</strong> se valido de vários instrumentos de pesquisa e<br />

abordagens teóricas. Vejamos alguns achados que pod<strong>em</strong> nos ajudar a responder<br />

essas perguntas.<br />

Há um estudo clássico realizado por Weiskrantz sobre a visão às Vegas, <strong>em</strong> 1974, e<br />

replicado <strong>em</strong> 1986. Pacientes, com lesão no lobo occipital, na área primária, haviam<br />

perdido a visão <strong>em</strong> vários quadrantes. No entanto, mantinham a resposta a estímulos na<br />

parte cega do campo visual, mesmo que negass<strong>em</strong> a capacidade de realizar a tarefa.<br />

Era colocado, por ex<strong>em</strong>plo, um objeto na frente do paciente, de modo que ele não<br />

pudesse vê-lo porque não estava <strong>em</strong> seu campo visual intacto. Solicitava-se que<br />

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tentasse pegar o objeto e, via de regra, o paciente dizia que não iria dar certo. Mas, na<br />

tentativa, era comum que conseguia pegar o objeto na primeira vez, posicionando<br />

corretamente a mão e localizando corretamente no espaço. Ou então era mostrada uma<br />

série de faixas horizontais no campo cego. Quando se pedia a direção dessas faixas,<br />

era comum que o paciente acertasse a resposta. O que ocorria? O estimulo,<br />

obviamente, não era processado no córtex occipital. No entanto, o estímulo visual é<br />

também enviado para outras regiões do encéfalo, como o colículo superior, o tálamo e<br />

outras áreas subcorticais. Nestas regiões, é um processamento tão “fraco” que não<br />

chega a ser consciente, mas é suficiente para atender alguma atividade motora. Em<br />

outras palavras, os experimentos mostraram que a experiência subjetiva de perceber o<br />

estímulo depende do nível de processamento que a informação recebe e que pode<br />

haver o controle do comportamento s<strong>em</strong> a percepção consciente desse controle.<br />

Outro caso clássico que contribuiu para os estudos envolvendo a consciência é o<br />

paciente H. M. estudado por William Scolville e Brenda Miller <strong>em</strong> 1957. H. M. possuía<br />

um epilepsia de difícil controle <strong>em</strong> seus lobos t<strong>em</strong>porais e por isso foi submetido a uma<br />

neurocirurgia <strong>em</strong> que lhe foi retirado todo o lobo t<strong>em</strong>poral médio de ambos os<br />

h<strong>em</strong>isférios, o que inclui o hipocampo. Assim, H. M. era incapaz de consolidar novas<br />

m<strong>em</strong>órias declarativas, apresentando a partir de então um típico caso de amnésia<br />

anterógrada. O paciente, <strong>em</strong>bora incapaz de l<strong>em</strong>brar os rostos, nomes e eventos novos<br />

que lhe aconteciam, conseguia aprender e melhorar o des<strong>em</strong>penho <strong>em</strong> novas<br />

atividades motoras com a de desenhar uma estrela ao olhar apenas através de um<br />

espelho. Ou seja, mesmo s<strong>em</strong> consciência de que era capaz disso ou mesmo s<strong>em</strong><br />

consciência de que já sabia realizar a atividade, seu des<strong>em</strong>penho melhorava<br />

progressivamente a cada vez que treinava a atividade.<br />

Os estudos sobre comissurotomia humana conduzidos por Gazzaniga também mostram<br />

importantes relações entre a capacidade declarativa (que pressupomos como essencial<br />

para a consciência) e as não-declarativas. Pessoas que tiveram seus corpos calosos<br />

(estruturas anatômicas que ligam os h<strong>em</strong>isférios cerebrais) r<strong>em</strong>ovidos apresentavam<br />

comportamentos muito s<strong>em</strong>elhantes. Quando confrontados com figuras quiméricas (<strong>em</strong><br />

que metade esquerda da figura compunha uma imag<strong>em</strong> muito distinta da metade direita<br />

da figura) e eram solicitados a apontar<strong>em</strong> com a mão esquerda o que estavam vendo, a<br />

figura apontada equivalia à metade esquerda da figura quimérica. Isso porque o<br />

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h<strong>em</strong>isfério direito visualizava apenas a essa parte da figura e é justamente esse<br />

h<strong>em</strong>isfério que estaria comandando a mão direita que faz o apontamento. Mas quando<br />

era solicitado que se falasse o que estava vendo, a resposta dizia respeito à metade<br />

direita da figura quimérica, visto que a visão do lado direito e a linguag<strong>em</strong> eram<br />

responsabilidade maior do h<strong>em</strong>isfério esquerdo. Curioso como a consciência está<br />

relacionada com a linguag<strong>em</strong> e a m<strong>em</strong>ória declarativa, mas pode operar separadamente<br />

como nesses casos.<br />

Os casos clínicos de anosognosia também se revelaram importantes para pensarmos a<br />

consciência. Muitas pessoas, principalmente com lesões no h<strong>em</strong>isfério direito, não<br />

reconhec<strong>em</strong> o probl<strong>em</strong>a ou defeito neurológico que possu<strong>em</strong> (por ex<strong>em</strong>plo, a<br />

h<strong>em</strong>ianopsia, incapacidade de visualização de metade do campo visual). Essas pessoas<br />

simplesmente não têm consciência de uma parte importante de si mesmas!<br />

Importante mencionar, ainda, os estudos etológicos envolvendo o auto-reconhecimento.<br />

Se nosso cérebro humano é capaz de ter consciência própria, os cérebros de outros<br />

animais também possam fazê-lo? Sabe-se, até hoje, que alguns chimpanzés<br />

consegu<strong>em</strong> se reconhecer<strong>em</strong> olhando no espelho. É um teste relativamente fácil de<br />

realizar. Basta anestesiar o animal e marcar seu rosto com um pouquinho de tinta.<br />

Quando desperto e <strong>em</strong> frente ao espelho se o animal levar a mão ao espelho é sinal de<br />

que não se reconheceu. Mas se coçar a própria face está d<strong>em</strong>onstrada a sua<br />

autoconsciência. Pois b<strong>em</strong>, muitos chimpanzés consegu<strong>em</strong> tal façanha. Assim como os<br />

bebês humanos após certa idade. Sabe-se até hoje que também os golfinhos possu<strong>em</strong><br />

auto-reconhecimento. Quando uma de suas nadadeiras é marcada, o animal passa<br />

muito mais t<strong>em</strong>po olhando no espelho para o lado marcado do que para o outro lado.<br />

Recent<strong>em</strong>ente este teste do espelho foi realizado também com elefantes. Depois de<br />

construídos espelhos de tamanho adequado verificou-se que eles não só se<br />

reconheciam e levavam a tromba até o sinal marcado na fronte como chegavam a<br />

buscar alimento e comer na frente do espelho! E não queriam mais sair da frente dele.<br />

Eu s<strong>em</strong>pre brinco que a principal razão daqueles elefantes não querer<strong>em</strong> sair da frente<br />

do espelho é porque eles eram, na realidade, fêmeas!<br />

Mas, enfim, ainda estamos longe de uma resposta definitiva sobre a consciência. Esses<br />

experimentos e casos clínicos nos ajudam a pensar sobre ela, mas há muito ainda a<br />

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pesquisar e refletir. Estamos ainda no começo. Talvez nunca desvend<strong>em</strong>os totalmente<br />

seu mistério. Mas estamos no caminho!<br />

Muito obrigado!<br />

Caroline Guisantes<br />

Primeiramente eu gostaria de agradecer e dizer que eu fiquei muito feliz pelo convite<br />

para participar dessa mesa, porque por muito t<strong>em</strong>po o behaviorismo foi muito criticado<br />

por não tratar de conceitos de psicologia como esse, a consciência. E para começarmos<br />

a identificar isso, Skinner que, <strong>em</strong> 1974, na introdução do seu livro Sobre o<br />

Behaviorismo, anuncia que entre as 20 principais objeções comumente atribuídas ao<br />

behaviorismo, uma delas é que o behaviorismo ignora a consciência e os estados<br />

mentais, formula um comportamento simplesmente por um conjunto de respostas a<br />

estímulos e que não dá lugar a intenção e ao propósito dentre as ciências do<br />

comportamento.<br />

Então, para pensar um pouquinho a consciência é interessante nos voltarmos a<br />

algumas afirmações de Skinner. E ele afirma, <strong>em</strong> 1957, que o hom<strong>em</strong> age sobre o meio,<br />

modifica-o e por sua vez é modificado por esse meio. Sofre as conseqüências de sua<br />

ação para o mundo, ou seja, o hom<strong>em</strong> é conseqüência dos produtos das variáveis<br />

filogenéticas (todo o desenvolvimento de sua espécie, desse cérebro que se<br />

desenvolveu), das variáveis ontogenéticas (do próprio desenvolvimento do indivíduo) e<br />

das variáveis cultural (uma abordag<strong>em</strong> de hom<strong>em</strong> pensado na comunidade ou cultura<br />

<strong>em</strong> que está inserido). Assim o comportamento humano é s<strong>em</strong>pre multideterminado por<br />

um conjunto de aspectos da situação corrente, ou seja, do ambiente natural com<br />

interação com a sua história. Como vocês sab<strong>em</strong> o objeto de estudo da Análise do<br />

Comportamento é o próprio comportamento, mas o que ele é? O comportamento é o<br />

que vocês estão me vendo fazer aqui? Falar, caminhar por essa sala etc.? Na verdade,<br />

comportamento é definido como relação desse organismo com o seu meio. É impossível<br />

pensar o comportamento fazendo recortes. Comportamento é s<strong>em</strong>pre essa relação e<br />

essa independência não só do ambiente externo, que todos consegu<strong>em</strong> visualizar e que<br />

há, digamos assim, um consenso entre os observadores. Mas também o behaviorismo<br />

coloca que o ambiente também é interno. Os sentimentos, a estimulação cortical, como<br />

o Leandro apresentou aqui, também é ambiente para as minhas ações. Sendo assim, o<br />

comportamento pode ser público (como o que vocês estão vendo aqui), mas também<br />

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privado (aquele que somente eu tenho acesso: os meus sentimentos, os meus<br />

pensamentos, os meus sonhos). Tudo isso é comportamento e vai fazer parte de uma<br />

ciência chamada Análise do Comportamento.<br />

Skinner, já <strong>em</strong> 1953, coloca que o pensamento e tudo o que ocorre privadamente são<br />

fenômenos propriamente comportamentais, que se caracterizam por uma relação do<br />

indivíduo com o seu ambiente. E nisto está um ponto b<strong>em</strong> interessante para pensarmos<br />

a consciência. Há toda uma inter-relação do indivíduo com o seu ambiente, porque os<br />

sentimentos, pensamentos a respeito de mim e do mundo que eu avalio, também são<br />

construídos na minha história com a minha comunidade, com a minha cultura, com a<br />

minha sociedade. Não me ocorre, isoladamente como algo mental, apenas. Ou seja, o<br />

próprio sentimento ocorre nessa relação. Como sentimos, por ex<strong>em</strong>plo? O sentimento<br />

ocorre paralelamente ao nosso comportamento ou um pouco antes dele. Nós tend<strong>em</strong>os<br />

a pegar esse sentimento, ou o pensamento, como a causa do comportamento. Mas por<br />

quê? É uma questão t<strong>em</strong>poral, um ocorre um próximo ao outro. Quando falamos <strong>em</strong><br />

Behaviorismo Radical, o “radical” não é de extr<strong>em</strong>ista, é de raiz, ou seja, buscar a raiz<br />

do comportamento. Não se trata de negar a existência de uma vontade ou de<br />

sentimento de raiva, eles não só exist<strong>em</strong> como todo mundo pode observar esse<br />

sentimento, esse pensamento. Porém, por outro lado, trata-se de calcificar, ter relação<br />

com o nosso ambiente, com a nossa comunidade, da nossa cultura, a orig<strong>em</strong> tanto do<br />

sentimento quanto do comportamento. Assim, no caso da raiva trata-se de perguntar por<br />

que a pessoa sente raiva e porque age agressivamente. Talvez alguém o tenha<br />

agredido, talvez alguém tenha sido injusto, talvez alguém tenha xingado, brigado, feito<br />

qualquer coisa... Esta relação com o ambiente, essa contingência ambiental, é o<br />

antecedente.<br />

Nós t<strong>em</strong>os tanto respostas encobertas quanto públicas. Quando eu estou com raiva,<br />

quando brigo com alguém isso pode não ter conseqüências maiores. Por outro lado, se<br />

brigo com alguém e sou xingada, esta conseqüência que o meu comportamento sofreu,<br />

a conseqüência no futuro vai agir sobre a probabilidade de respostas novamente numa<br />

situação s<strong>em</strong>elhante. O que pensamos está s<strong>em</strong>pre relacionado ao nosso ambiente,<br />

tanto enquanto contexto como enquanto conseqüências. Assim, o indivíduo aprende a<br />

conhecer o seu mundo privado, que existe s<strong>em</strong> a menor dúvida, e é necessário que ele<br />

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se comporte publicamente para a comunidade verbal e para isso é necessário aprender<br />

a discriminar o evento privado.<br />

Já nasc<strong>em</strong>os sabendo o que é raiva, alegria, amor, tristeza, angústia? As nossas<br />

criancinhas já vêm nos contando que estão angustiadas? Não, como isso acontece? Em<br />

determinados momentos aprend<strong>em</strong>os a nomear os sentimentos e a nos observar, a<br />

realizar uma introspecção. Nomear o pensar e sentir são formas de comportamento<br />

discriminativos, ou seja, comportamentos que mantém uma correspondência, com<br />

padrões de estimulação externa na comunidade verbal. Como é que a criancinha<br />

aprende a discriminar a cor? Frente à blusa bege, por ex<strong>em</strong>plo, a mãe começa a<br />

ensinar: bege, azul, vermelho, rosa. “Qual é a cor da blusa do Fábio?”. Se a criança<br />

responder “azul” o que a comunidade verbal faz? Corrige a discriminação, ou seja,<br />

ensina a criança a responder frente a um determinado estímulo antecedente. Com isso<br />

ela vai passando a dominar o que depois vai ser pensamento privado, ela vai poder<br />

olhar e pensar “isso é azul”, mesmo que ninguém diga: “muito b<strong>em</strong>, é azul!”. É a<br />

brincadeira comum com os bebês. Isso torna o pensamento privado sob o controle da<br />

própria pessoa. Quando nós aprend<strong>em</strong>os a ver, nós ganhamos consciência de que<br />

estamos vendo? A consciência então vai ser s<strong>em</strong>pre mediada pela nossa comunidade<br />

verbal.<br />

Skinner, <strong>em</strong> 1974, num texto chamado “Mundo dentro da pele”, nos mostra algumas<br />

formas como a criança aprende a olhar, a se instrospectar, a se auto-conhecer. Ele<br />

coloca que uma das formas que a comunidade faz isso é a observação. Quando a<br />

criança cai, quando é pequenininha, bate o joelho e começa a chorar, a mãe fala assim:<br />

“Nossa, está doendo”. O que a criança aprende a fazer a partir da reação fisiológica do<br />

organismo dela? Aprende a dar nome para aquilo, por isso então é dor. Passa a<br />

aprender a observar o seu próprio comportamento privado. Outra forma de como isso<br />

ocorre a é partir de comportamentos públicos. Maria ensinou a nossa criancinha: v<strong>em</strong><br />

um cachorro e ela vai correndo e chorando para o outro lado. O pai, o cuidador, v<strong>em</strong> ali<br />

e pode nomear para a criança aquele sentimento: “Você está com medo?”. Ah, então<br />

isso é o que chamamos de medo e, no futuro, aquelas condições corporais, vão ganhar<br />

o nome de medo. E ela vai poder olhar para cachorros grandes e dizer “estou com medo<br />

nesse momento”, mesmo que ninguém diga isso a ela. E por último a analogia a eventos<br />

públicos. Fisicamente nós t<strong>em</strong>os algo que define isso. “Estou deprimido hoje... Estou<br />

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sufocado”... A comunidade partilha o analogismo, o nosso ambiente vai dando<br />

metáforas do que pode estar acontecendo privadamente. Alguém me traiu: “colocaram<br />

uma faca no meu peito”. Isso é uma analogia de um sentimento de um estado privado. E<br />

assim nós vamos aprendendo a nomear o que se passa dentro da gente. E pra nós isso<br />

é muito importante, ou seja, <strong>em</strong> maior ou menor grau, a nossa comunidade vai ensinar a<br />

<strong>em</strong>itir comportamentos encobertos.<br />

Quando uma criança aprende a ler o comportamento pode ser reforçado. Com o passar<br />

do t<strong>em</strong>po, esse comportamento se torna apenas encoberto, ele não precisa estar lendo,<br />

ele ocorre naturalmente de forma que somente nós pod<strong>em</strong>os pensar ou ver o que está<br />

acontecendo. Também a nossa comunidade verbal vai ensinar a olhar para dentro de<br />

nós mesmos: “o que você está sentindo agora, o que está pensando?”. O nosso<br />

ambiente está nos ensinado a observar o que se passa nesse mundo privado. A nossa<br />

comunidade, o nosso ambiente está ensinado a observar quais são as nossas<br />

observações com o nosso ambiente. É aqui que ocorre um grande probl<strong>em</strong>a da nossa<br />

comunidade verbal, muitas vezes ela aceita o relato apenas dos sentimentos. Como o<br />

diálogo: “Por que você brigou com tal pessoa?” “Porque eu estava muito irritado.” E<br />

quais foram os primeiros eventos lá atrás que geraram a raiva, que geraram o<br />

comportamento de brigar e as conseqüências? Aprend<strong>em</strong>os desde pequenininho que<br />

brigamos com o amiguinho porque estamos bravos ou irritados ou com sono... e estava<br />

com o sono. Ou seja, se a comunidade verbal nos ensina a conhecer o mundo externo<br />

(nomear cores, objetos pessoas) e interno (sentir sede, medo, fome, frio), a nossa<br />

comunidade verbal t<strong>em</strong> muitos probl<strong>em</strong>as básicos para poder nos ensinar<br />

adequadamente a auto-observação ou a introspecção. Por ex<strong>em</strong>plo, quando vocês vão<br />

ao médico, estão com uma dor de barriga e não consegu<strong>em</strong> nomear exatamente o que<br />

está acontecendo dentro de vocês? Por que não somos capazes de descrever uma<br />

coisa que é tão privada e que ninguém vai poder ver? A nossa comunidade verbal t<strong>em</strong><br />

dificuldade <strong>em</strong> nos ensinar a descrever tão perfeitamente esses estímulos internos e por<br />

isso nós mesmos nos confundimos. E como é que fica a consciência se não<br />

conseguimos aprender a discriminar perfeitamente se acontece só dentro de nós, se<br />

somente nós t<strong>em</strong>os acesso?<br />

Skinner, já <strong>em</strong> 1974, descobre consciência dentro da Análise do Comportamento, a<br />

capacidade do indivíduo de relatar o seu próprio comportamento pra si mesmo ou para<br />

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os outros, ou seja, analisando as contingências do seu comportamento com o ambiente,<br />

avaliando, compreendendo e entendendo as relações desse comportamento com o<br />

ambiente. Então a consciência envolve a capacidade de relatar a própria ação e os<br />

sentimentos que ocorr<strong>em</strong> juntos, que os anteced<strong>em</strong> e o nível mais elaborado de<br />

descrever as funções do próprio comportamento. Perante o conceito de comportamento<br />

operante, Skinner diz que ele primariamente é um comportamento intencional, que ele é<br />

voltado para o futuro. Se eu me comporto de determinada forma, eu me comporto<br />

visando algo, alguma conseqüência. Isso primariamente é o que se poderia chamar de<br />

intenção. Ah, mas t<strong>em</strong> toda uma história de aprendizag<strong>em</strong>, s<strong>em</strong> dúvida alguma, que<br />

determina <strong>em</strong> algum nível o que virá, a resposta que vai ocorrer. O ser humano pode,<br />

sim, escolher como se comportar. No entanto, na maioria das vezes <strong>em</strong> que nos<br />

comportamos o faz<strong>em</strong>os s<strong>em</strong> ter consciência do porquê de estarmos nos comportando<br />

ou s<strong>em</strong> ter consciência de todas as variáveis do ambiente. Se pedisse para vocês me<br />

relatar<strong>em</strong> agora sobre tudo o que aconteceu do caminho de casa até aqui, vocês vão<br />

conseguir? Provavelmente não. Então vocês estavam conscientes naquela hora?<br />

Provavelmente não. Tinham noção ou consciência, conseguiam avaliar alguns aspectos<br />

desse comportamento, mas não dele como um todo. E na maioria das vezes não é<br />

necessário estar consciente para se comportar, nós vamos agir na relação com o<br />

ambiente mesmo. Você não precisa parar e analisar o que está acontecendo. Mas<br />

quando eu consigo fazer isso e analisar as contingências então eu passo a ter<br />

consciência. Assim, Skinner sustenta que o ser humano, freqüent<strong>em</strong>ente, não t<strong>em</strong><br />

consciência da razão da sua conduta. Comumente ele usa razões distorcidas <strong>em</strong> virtude<br />

da repreensão e outras formas de controle que t<strong>em</strong> orig<strong>em</strong> social, porque a nossa<br />

sociedade n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre consegue organizar contingências, organizar contingências.<br />

Assim a consciência primariamente dentro do behaviorismo não traduz o social, ela vai<br />

<strong>em</strong>ergir, ela vai ser possível a partir da relação do indivíduo com uma comunidade e,<br />

sendo assim, depende do tipo de comunidade ou cultura que ela t<strong>em</strong> orig<strong>em</strong>. Algumas<br />

culturas vão frisar mais ou menos essa discriminação do privado, introspecção e<br />

autoconhecimento. Quando a comunidade estabelece conseqüências reforçadoras para<br />

as respostas do individuo aos estímulos provenientes do seu próprio comportamento, é<br />

possível o autoconhecimento. Para o behaviorismo, o autoconhecimento e a<br />

consciência serão possíveis na relação do indivíduo com a sua sociedade, com a sua<br />

comunidade. Assim, resumindo, a consciência é a capacidade do indivíduo de relatar<br />

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para si próprio e para os outros as relações de contingências do seu comportamento<br />

com o ambiente. A consciência só é possível se a comunidade verbal ensinar a<br />

discriminar o mundo externo e mundo privado, nomear estados privados, descrever a<br />

relação de comportamento e ambiente, identificar o comportamento e reforçadores <strong>em</strong><br />

relação a determinados antecedentes. Sendo assim, é um produto social e para Skinner<br />

é a consciência, é o autoconhecimento que nos dá liberdade. A única possibilidade do<br />

ser humano de ser livre é ter consciência, é conseguir entender como isso age sobre o<br />

seu comportamento e assim encontrar a melhor forma para que ele se controle e tenha<br />

conseqüências reforçadoras na sua vida. Se eu não tenho essa consciência é claro que<br />

eu me comporto, s<strong>em</strong> a menor dúvida, porém, eu não tenho liberdade.<br />

Fabio Thá<br />

Ouvindo as três colocações anteriores, extr<strong>em</strong>amente interessantes, l<strong>em</strong>brei de um<br />

sonho, sonho que eu acho factível, mas que certamente eu não vou assistir sua<br />

realização. Duvido mesmo que algum de nós que está nessa sala vá assistir, talvez os<br />

mais novos, qu<strong>em</strong> sabe. O sonho é o seguinte: um dia nós vamos passar por cima<br />

dessa segregação que está expressa no cartaz dessa mesa redonda, a consciência<br />

para a psicanálise, a consciência para o behaviorismo, a consciência para as<br />

neurociências, e vamos falar simplesmente a consciência para a psicologia. Ouvindo<br />

essas colocações pod<strong>em</strong>os ver que há muitos pontos de convergências, mas sab<strong>em</strong>os<br />

que divergimos porque adotamos certas posições teóricas e identificamo-nos com elas,<br />

e muitas vezes agimos mais como crentes do que como cientistas. Mas no dia <strong>em</strong> que a<br />

Psicologia virar uma ciência unificada, estas diferenças estarão superadas e poder<strong>em</strong>os<br />

perguntar <strong>em</strong> uníssono: afinal de contas, o que a psicologia entende por consciência?<br />

Eu estou incumbido de situar rapidamente para vocês a posição de Freud <strong>em</strong> relação a<br />

isso. Não a posição da psicanálise <strong>em</strong> geral – nela também há muitas divergências –<br />

mas a posição de Freud, que, a meu ver, é muito cont<strong>em</strong>porânea; a gente s<strong>em</strong>pre t<strong>em</strong><br />

muito que aprender com ele.<br />

Para situar a posição de Freud, rel<strong>em</strong>bro o que o Prof. Leandro colocou a pouco a<br />

respeito da consciência como uma experiência privada. Não dev<strong>em</strong>os esquecer de que<br />

a consciência é uma experiência subjetiva. Não é uma coisa, não é uma entidade, não é<br />

algo que existe como um objeto material, ela é uma experiência e permanece durante o<br />

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t<strong>em</strong>po que dura essa experiência. Na hora <strong>em</strong> que vamos dormir nossa experiência<br />

consciente também vai dormir, <strong>em</strong>bora possa voltar ocasionalmente nos sonhos, onde<br />

também t<strong>em</strong>os uma experiência consciente. A experiência da consciência é subjetiva e<br />

privada e o fato de eu acreditar que todos nós aqui t<strong>em</strong>os a mesma experiência<br />

consciente é uma suposição. Supomos que os outros têm o mesmo tipo de experiência<br />

subjetiva consciente que nós, mas isso é uma suposição, nada mais do que uma<br />

suposição. O Prof. Leandro apontou o probl<strong>em</strong>a dos qualia: o vermelho que você vê é o<br />

mesmo vermelho que eu vejo? Para viver no mundo e conviver pacificamente com os<br />

outros a gente supõe que seja. Eu suponho que vocês pensam como eu, ag<strong>em</strong> como<br />

eu, viv<strong>em</strong> no mesmo mundo que eu. Quando v<strong>em</strong>os pessoas agindo e pensando<br />

diferente, por ex<strong>em</strong>plo, vendo microfones espiões onde nós não os v<strong>em</strong>os, nos<br />

espantamos, diz<strong>em</strong>os “essa pessoa perdeu a consciência” ou “está <strong>em</strong> um estado<br />

alterado de consciência”. Mas não precisamos falar dos outros. Muitas vezes diz<strong>em</strong>os<br />

ou faz<strong>em</strong>os coisas que não queríamos e das quais nos envergonhamos. Ficamos<br />

constrangidos e diz<strong>em</strong>os: “eu não estava no meu estado normal de consciência, qu<strong>em</strong><br />

falou <strong>em</strong> mim não fui eu, foi a raiva, foi o álcool etc…”. Mas aqui já estamos <strong>em</strong> apuros,<br />

pois, <strong>em</strong>bora eu não estivesse <strong>em</strong> meu estado normal de consciência, estava<br />

consciente de meu estado anormal de consciência. Isso é para mostrar que o uso<br />

comum desse termo é extr<strong>em</strong>amente ambíguo e designa uma série de coisas<br />

diferentes.<br />

Perguntamos-nos se o cachorro, o elefante, o golfinho têm consciência, se uma pulga<br />

t<strong>em</strong> consciência? A partir das experiências que o Prof. Leandro relatou, pod<strong>em</strong>os<br />

pensar: o golfinho tenta tirar a sua marca, isso mostra que ele possivelmente t<strong>em</strong><br />

consciência, mas até onde vai a consciência dele? Pod<strong>em</strong>os distinguir na experiência<br />

consciente uma consciência perceptiva, voltada para a experiência sensível do mundo e<br />

uma consciência de que somos nós que estamos percebendo, a consciência do eu,<br />

também chamada de autoconsciência. Ela não é equivalente à consciência perceptiva,<br />

pois implica <strong>em</strong> permanência: este eu que percebe agora é o mesmo que aquele que<br />

percebeu ont<strong>em</strong> e será o mesmo que perceberá amanhã.<br />

Freud percebeu muito b<strong>em</strong> esse mistério que é a consciência e eu gostaria de começar<br />

citando uma frase dele, que pode ser encontrada no Esboço de Psicanálise, um texto<br />

póstumo, escrito por Freud <strong>em</strong> Londres e publicado pela primeira vez <strong>em</strong> 1940:<br />

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“O ponto de partida dessa investigação, é o fato s<strong>em</strong> paralelo, que desafia toda<br />

explicação ou descrição, o fato da consciência. Não obstante, quando se fala de<br />

consciência sab<strong>em</strong>os que imediatamente e pela experiência mais pessoal, o que se<br />

quer dizer com isso.”<br />

E há uma nota de pé de página que diz assim:<br />

“Uma linha radical de pensamento, explicada pela doutrina americana do behariorismo<br />

acredita ser possível construir uma psicologia que se desconsidere esse fato<br />

fundamental.”<br />

E continua o texto:<br />

“No entanto, há uma concordância geral no sentido de que os processos conscientes<br />

não formam seqüências ininterruptas completas <strong>em</strong> si mesmo, assim, não haveria<br />

alternativa para pressuposição de que haveriam processos físicos ou somáticos<br />

concomitantes ao psíquico e teríamos que reconhecer necessariamente como mais<br />

completo que as conseqüências fixas, visto que alguns teriam processos conscientes<br />

paralelos a ele e outros não. Sendo assim, torna-se plausível dar ênfase <strong>em</strong> psicologia a<br />

esses somáticos e ver neles a verdadeira essência do psiquismo e procurar outra<br />

determinação para os processos conscientes.”<br />

Mas essa não é a posição de Freud, pois: “Ela (a psicanálise) explica os fenômenos<br />

concomitantes supostamente somáticos como sendo o que é verdadeiramente<br />

psíquico…” (p. 182/183) Ou seja, entre os processos somáticos e a experiência<br />

consciente, existe um aparelho psíquico.<br />

Quer dizer, o que de fato nós sab<strong>em</strong>os? O que sab<strong>em</strong>os de nós mesmos, de nossa vida<br />

psíquica? Sab<strong>em</strong>os da experiência consciente e que t<strong>em</strong>os um corpo. Esse corpo<br />

percebe, nós t<strong>em</strong>os consciência dessas percepções e elas nos diz<strong>em</strong> que a gente vive<br />

num determinado mundo e t<strong>em</strong>os um determinado corpo. Mas se a gente vive mesmo<br />

nesse mundo e se esse mundo é o que a gente vê, isso é outra questão. Ou seja: t<strong>em</strong>os<br />

esses dois níveis: o corpo e a consciência. Entre os dois, segundo a tradição da<br />

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psicologia, supomos que existe a mente (ou o aparelho psíquico) e supomos também<br />

que ele é fundamental na formação dessa experiência consciente.<br />

Há muitas posições teóricas que recusam essa suposição, o materialismo eliminativo,<br />

por ex<strong>em</strong>plo, dizendo que o que chamamos de processos psíquicos pod<strong>em</strong> ser<br />

reduzidos a processos orgânicos e que chegará um dia <strong>em</strong> que nós não vamos mais<br />

usar esse vocabulário psicológico. Pensamento, sentimento, <strong>em</strong>oções, todo esse<br />

vocabulário será totalmente substituído por um vocabulário biológico de<br />

neurotransmissores, sinapses, e assim por diante. Eu particularmente acho que nós<br />

dev<strong>em</strong>os lutar ferrenhamente contra essa posição, pois se aderirmos a ela certamente<br />

perder<strong>em</strong>os o <strong>em</strong>prego. É fundamental que mantenhamos de pé a suposição desse<br />

constructo teórico que chamamos de aparelho psíquico.<br />

A Prof.ª Caroline ilustrou muito b<strong>em</strong> esse ponto mostrando que quando eu sinto algo – e<br />

isso é uma experiência – v<strong>em</strong> alguém e diz: “isso que você está sentindo é fome”,<br />

nomeia o que eu sinto. Pod<strong>em</strong>os ver aqui os dois pólos, a vivência corporal e a<br />

experiência dessa vivência, experiência à qual damos o nome genérico de sentimento.<br />

Quando alguém diz: “isso é fome”, está introduzindo entre a vivência corporal e a<br />

experiência consciente dessa vivência algo de outra ord<strong>em</strong>, nesse caso a linguag<strong>em</strong>.<br />

Freud vai dizer a respeito disso – pode parecer espantoso, mas é o que ele diz – que<br />

consciente, inconsciente e pré-consciente são qualidades psíquicas. Esse termo<br />

qualidades é muito forte. T<strong>em</strong>os a tendência de imaginar que o inconsciente freudiano é<br />

aquele local escondido que habita as profundezas de nossa mente (para alguns de<br />

nosso cérebro) que de repente aparece e faz com que digamos besteiras ou façamos<br />

sintomas. Não para Freud. Inconsciente é uma qualidade, consciência é uma qualidade.<br />

Considera que os processos psíquicos pod<strong>em</strong> ter a qualidade de ser conscientes ou<br />

não. Se eles não têm a qualidade de ser<strong>em</strong> conscientes eles são inconscientes, como é<br />

o caso da quase totalidade dos nossos processos psíquicos. Se considerarmos válido o<br />

paralelo entre os processos psíquicos humanos e o processamento da informação nos<br />

computadores a qualidade inconsciente desses processos fica evidente. Ninguém<br />

perguntaria a um computador se ele t<strong>em</strong> consciência da operação que está realizando,<br />

se ele t<strong>em</strong> consciência de que está trabalhando e assim por diante. O computador<br />

funciona s<strong>em</strong> consciência, exatamente como nós a maioria do t<strong>em</strong>po.<br />

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Nos processos psíquicos inconscientes Freud faz uma divisão, a famosa divisão entre<br />

processos conscientes, processos pré-conscientes e processos inconscientes. Ele dá o<br />

nome de pré-conscientes a todos aqueles processos psíquicos que pod<strong>em</strong> vir a se<br />

tornar conscientes a qualquer momento e s<strong>em</strong> esforço. Aos processos psíquicos que<br />

d<strong>em</strong>andam esforço para retomar<strong>em</strong> à consciência qualifica de inconscientes. Todos<br />

sab<strong>em</strong> que há certas l<strong>em</strong>branças, certos pensamentos, certas fantasias, certos desejos<br />

que custam um bocado para vir à consciência, o que não significa absolutamente que<br />

não estejam sendo processados e produzindo efeitos. Esse custo é o do conflito<br />

psíquico e esses processos são ditos recalcados. É por essa razão que o inconsciente<br />

freudiano é um subconjunto dos processos psíquicos, aqueles que ficaram recalcados.<br />

Aos processos psíquicos <strong>em</strong> geral, que são inconscientes, Freud nomeou de pré-<br />

conscientes por sua relação com a consciência.<br />

É importante observar que tanto faz ser<strong>em</strong> conscientes ou inconscientes, os processos<br />

são exatamente os mesmos, não há diferença. O inconsciente freudiano não é um local<br />

ou um funcionamento mental diferente. Inconsciente é uma qualidade, não uma<br />

substância. Quando diz<strong>em</strong>os que isso é uma qualidade, significa que esses termos,<br />

consciência, pré-consciência e inconsciência, são qualificativos ou adjetivos e não<br />

substantivos. Por ex<strong>em</strong>plo, essa blusa é azul, mas ela poderia ser vermelha. A cor azul<br />

é uma qualidade dessa blusa. Se ela fosse vermelha continuaria sendo uma blusa, teria<br />

a mesma função, seria feita do mesmo material, estaria exercendo o mesmo papel, só<br />

que a qualidade de sua cor seria diferente. Quando falamos <strong>em</strong> qualidades não estamos<br />

falando <strong>em</strong> instâncias, não estamos falando <strong>em</strong> coisas ontológicas, não estamos<br />

falando <strong>em</strong> entes, mas <strong>em</strong> qualidades dos entes, das coisas. Ora, o pensamento pode<br />

ser consciente ou não, mas não deixa de ser pensamento.<br />

Dito isso, o que Freud disse dessa qualidade da consciência? Em primeiro lugar que ela<br />

está ligada à percepção. A consciência é essencialmente perceptiva e ligada àquilo que<br />

está no campo perceptivo; logo, ligada à função da atenção.<br />

Cito novamente o Esboço de psicanálise:<br />

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“Processos conscientes, na periferia do eu e tudo o mais no eu inconsciente – esse<br />

seria o estado de coisas mais simples que poderíamos imaginar. E tal pode ser, de fato,<br />

o estado que predomina nos animais. Nos homens, porém, há uma complicação<br />

adicional, através da qual os processos internos do eu pod<strong>em</strong> adquirir também a<br />

qualidade de consciência.” (p. 187)<br />

O que diferencia, para Freud, os animais dos homens? Sua hipótese é de que nós<br />

humanos também t<strong>em</strong>os percepção dos nossos processos de pensamentos, eles<br />

também chegam a nossa percepção consciente. Rigorosamente falando, os efeitos de<br />

nossos processos de pensamento chegam à nossa percepção consciente e isso faz a<br />

grande diferença. O hom<strong>em</strong> não apenas é consciente do mundo externo, mas pode sê-<br />

lo também do mundo interno. Nesse ponto Freud dá uma importância fundamental à<br />

linguag<strong>em</strong> (l<strong>em</strong>bro o que a professora Caroline disse da linguag<strong>em</strong> há pouco) porque<br />

ela permite que esses processos internos de pensamento sejam percebidos. A<br />

linguag<strong>em</strong> dispõe de palavras que traduz<strong>em</strong> relações. Uma coisa é evocar idéias,<br />

representações de coisas externas ou de sentimentos internos. Outra coisa é a relação<br />

entre essas idéias, por ex<strong>em</strong>plo, a relação causal. A linguag<strong>em</strong> t<strong>em</strong> palavras que nos<br />

ajudam a perceber o que estamos pensando no sentido das relações que o pensamento<br />

promove entre as idéias. A qualidade da consciência para o hom<strong>em</strong> não se aplica<br />

somente à percepção externa, mas também se refere à percepção interna.<br />

Como o Prof. Leandro colocou muito b<strong>em</strong> – e particularmente acho que Freud<br />

concordaria com isso – o probl<strong>em</strong>a da consciência é um probl<strong>em</strong>a biológico. O que<br />

t<strong>em</strong>os que responder é: Como nosso cérebro gera a consciência? Acho que t<strong>em</strong>os ido<br />

muito mais longe na resposta à pergunta: Como nosso cérebro gera o pensamento? De<br />

fato sab<strong>em</strong>os muito mais disso do que sab<strong>em</strong>os da consciência, daí o título dessa<br />

mesa: O Mistério da Consciência. Esse termo mistério è um eco de Noam Chomsky, um<br />

dos grandes nomes da lingüística e da revolução cognitiva cont<strong>em</strong>porânea. Ele diz que<br />

exist<strong>em</strong> dois tipos de desafios à compreensão humana: os probl<strong>em</strong>as e os mistérios. Os<br />

probl<strong>em</strong>as são aqueles que a ciência pode resolver ou há alguma perspectiva de<br />

solução. Já os mistérios não. O mistério é algo que a ciência t<strong>em</strong> que colocar de lado<br />

porque realmente não há como vislumbrar uma solução com o saber que se t<strong>em</strong>. Até<br />

agora a consciência t<strong>em</strong> sido um mistério, e continuará sendo por muito t<strong>em</strong>po. Outro<br />

grande lingüista e filósofo da mente, John Searle, t<strong>em</strong> um livro intitulado O mistério da<br />

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Consciência, onde se pergunta como transformar o mistério da consciência no probl<strong>em</strong>a<br />

da consciência. Penso que para isso t<strong>em</strong>os que resolver uma questão fundamental: se<br />

definimos a consciência como qualidade, então ela é somente fenômeno acessório ou<br />

ela t<strong>em</strong> alguma função para a vida humana e, porque não dizer, para o pensamento<br />

humano. Para que ela serve? Se ela é um epifenômeno, não interessa, convém deixar<br />

de lado, há outras coisas mais importantes para pensar. Mas se ela t<strong>em</strong> uma função,<br />

qual é essa função? Esse é o grande probl<strong>em</strong>a que pod<strong>em</strong>os encarar e assim<br />

poder<strong>em</strong>os tentar chegar um pouquinho mais perto de conseguir transformar o mistério<br />

da consciência no probl<strong>em</strong>a da consciência.<br />

Obrigado!<br />

Referências<br />

CAMPOS, A.; SANTOS, A. M. G.; XAVIER, G. F. A consciência como fruto da evolução<br />

e do funcionamento do Sist<strong>em</strong>a Nervoso. Psicologia USP, v. 8, n. 2, 1997.<br />

DAMÁSIO, A. O Mistério da Consciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.<br />

GAZZANIGA, M.S; IVRY, R.B.; MANGUN, G.R. Neurociência Cognitiva. 2. ed. Porto<br />

Alegre: Artmed, 2006.<br />

FREUD, S. Esboço de Psicanálise. IN: Edição Standard Brasileira, vol. XXIII, Rio:<br />

Imago. 1975.<br />

LEAL-TOLEDO, G. Dennet e Chalmers: argumentos e intuição. Trans/Form/Ação, v.<br />

29, n.2, 2006.<br />

LURIA, Alexsandr R. Fundamentos de neuropsicologia. Rio : LTC; São Paulo :<br />

Edusp, 1981.<br />

PASSERINO, Liliana M. & SANTAROSA, Lucila M. Uma visão sócio-histórica da<br />

interação dentro de ambientes computacionais IN. V CONGRESSO IBERO-<br />

AMERICANO DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO, 2000, Vina del mAR M<strong>em</strong>orias do V<br />

CONGRESSO IBERO-AMERICANO DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO (disponível<br />

<strong>em</strong> -<br />

http://lsm.dei.uc.pt/ribie/docfiles/txt200372911757Uma%20vis%C3%A3o%20s%C3%B3c<br />

io-hist%C3%B3rica.pdf). Acesso <strong>em</strong> 25/08/2007.<br />

PLOTNIK, J. M.; FRANS, B.M., REISS, D. From the Cover: Sef-recognition in na Asian<br />

elephant. PNAS, v. 103, p. 17053-17057, 2006.<br />

SEARLE, J. R. O Mistério da Consciência. Rio: Paz e Terra. 1998.<br />

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1 Neuropsicólogo, mestre e especialista <strong>em</strong> educação, professor do curso de Psicologia da Faculdade <strong>Dom</strong> <strong>Bosco</strong> e<br />

Conselheiro do Conselho Regional de Psicologia do Paraná.<br />

2 Psicólogo, mestre <strong>em</strong> educação pela UFPR, professor do curso de Psicologia da Faculdade <strong>Dom</strong> <strong>Bosco</strong>.<br />

3 Psicóloga, doutoranda <strong>em</strong> Psicologia pela USP, professora do curso de Psicologia da Faculdade <strong>Dom</strong> <strong>Bosco</strong>.<br />

4 Psicólogo, psicanalista, doutor <strong>em</strong> Estudos Lingüísticos, coordenador do curso de Psicologia da Faculdade <strong>Dom</strong><br />

<strong>Bosco</strong>.<br />

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