O Poeta Mago - Repositório Aberto da Universidade do Porto
O Poeta Mago - Repositório Aberto da Universidade do Porto
O Poeta Mago - Repositório Aberto da Universidade do Porto
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
1.1 – O poeta inspira<strong>do</strong> e a herança surrealista<br />
Ao iniciar este estu<strong>do</strong> sobre Mário Cesariny de Vasconcelos, é interessante evocar<br />
um ensaio <strong>do</strong> escritor e pensa<strong>do</strong>r Ernesto Sampaio, figura que colaborou activamente no<br />
desenvolvimento <strong>do</strong> movimento surrealista em Portugal. O texto a que nos referimos,<br />
“A Única Real Tradição Viva”, foi incluí<strong>do</strong> na antologia Surreal/Abjeccionismo,<br />
dedica<strong>da</strong> à divulgação <strong>do</strong> movimento surrealista nacional, e organiza<strong>da</strong> por Cesariny em<br />
1963. Apesar de esta reflexão de Ernesto Sampaio valer por si, no que respeita a uma<br />
certa visão de <strong>Poeta</strong> e de Poesia que, no âmbito <strong>do</strong> nosso estu<strong>do</strong>, muito nos interessa, o<br />
facto de Mário Cesariny dela ter ti<strong>do</strong> conhecimento e de a ter inseri<strong>do</strong> numa compilação<br />
que era <strong>da</strong> sua competência dirigir, torna ain<strong>da</strong> mais legítimo que a usemos como ponto<br />
de parti<strong>da</strong> neste estu<strong>do</strong> sobre o autor de Pena Capital.<br />
No seu ensaio, Ernesto Sampaio afirma: “A Moral é a acção <strong>da</strong> Poesia. Quero dizer:<br />
o poeta é exemplar”. 1 O vínculo que Ernesto Sampaio estabelece entre uma moral <strong>da</strong><br />
poesia e a exemplari<strong>da</strong>de <strong>do</strong> poeta não é, como se sabe, cria<strong>do</strong> pelo Surrealismo. Tal<br />
associação foi sen<strong>do</strong> feita em vários momentos <strong>da</strong> História <strong>da</strong> Literatura, desde a<br />
Antigui<strong>da</strong>de Clássica até ao Romantismo. Efectivamente, a teorização poética horaciana<br />
que alia o utile e o dulce vai percorrer séculos de teorização estético-literária, em que se<br />
consoli<strong>da</strong> a ideia de que um <strong>do</strong>s grandes contributos <strong>da</strong> literatura para a humani<strong>da</strong>de é a<br />
sua finali<strong>da</strong>de moral. Vítor Aguiar e Silva, a propósito <strong>da</strong> problematização <strong>da</strong> finali<strong>da</strong>de<br />
moral <strong>da</strong> literatura no Classicismo, esclarece:<br />
A literatura clássica é profun<strong>da</strong>mente moral, porque o homem, com as suas<br />
paixões e os seus sentimentos, é o fulcro <strong>do</strong>s seus interesses (...). Trata-se, por conseguinte,<br />
de uma moral eminentemente geral, universal e abstracta, e o seu apelo, para utilizar as<br />
palavras de Martínez Bonati, é «teórico e não prático: Vede! Tende consciência de vós<br />
mesmos!» 2<br />
Sempre que nos referimos à relação entre o <strong>do</strong>mínio <strong>da</strong> ética e o <strong>da</strong> estética, é,<br />
portanto, de uma questão ontológica que se trata, e nunca de irrelevantes regras de<br />
conduta, que se prenderiam com o particular, ao qual to<strong>da</strong> a arte se opõe. Não sen<strong>do</strong><br />
esta uma associação cria<strong>da</strong> pelo Surrealismo, vai ser, sem dúvi<strong>da</strong>, uma <strong>da</strong>s mais fortes<br />
1 Ernesto Sampaio, “A Única Real Tradição Viva”, in Mário Cesariny de Vasconcelos (org.)<br />
Surreal/Abjeccionismo, Lisboa, Editorial Minotauro, 1963, p. 69.<br />
2 Vítor Aguiar e Silva, “Classicismo e Neoclassicismo”, Teoria <strong>da</strong> Literatura, 8ª ed., Coimbra, Livraria<br />
Almedina, 2000, p. 528.<br />
9