10.06.2013 Views

O Poeta Mago - Repositório Aberto da Universidade do Porto

O Poeta Mago - Repositório Aberto da Universidade do Porto

O Poeta Mago - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

- génio. Até ao momento em que o poeta se fecha e parte, voa. E depois fica igual aos<br />

outros. 45<br />

É necessário demorarmo-nos agora no para<strong>do</strong>xo que a questão <strong>da</strong> inspiração<br />

suscita no contexto surrealista. Com efeito, como vimos, o poeta surrealista recusa a sua<br />

identi<strong>da</strong>de social, fragmentária, em busca de uma identi<strong>da</strong>de pura. No entanto,<br />

para<strong>do</strong>xalmente, envolve-se num processo de despersonalização que resulta num<br />

‘espaço’ favorável para ser possuí<strong>do</strong> por algo que lhe é exterior. A questão que se<br />

coloca é a questão que Karlheinz Stierle coloca numa reflexão acerca <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de <strong>do</strong><br />

sujeito lírico, ten<strong>do</strong> como ponto de parti<strong>da</strong> o exemplo de Hölderlin:<br />

Cómo se puede ser libre sin perder la identi<strong>da</strong>d?; y al revés, cómo conseguir ser<br />

fiel a la propia identi<strong>da</strong>d sin perder la libertad? 46<br />

Stierle concebe o sujeito lírico como ‘sujeito problemático’. 47 Tal caracterização<br />

<strong>do</strong> sujeito lírico advém <strong>do</strong> facto de a própria lírica, devi<strong>do</strong> ao poder transgressor que<br />

opera no discurso, poder ser considera<strong>da</strong>, essencialmente, um anti-discurso. 48 Deste<br />

mo<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> a lírica ti<strong>da</strong> como anti-discurso, a identi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> eu lírico, que surge como<br />

sujeito de enunciação, torna-se uma ‘identi<strong>da</strong>de precária’, na medi<strong>da</strong> em que não pode<br />

assegurar a identi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> discurso em que emerge. 49 Assim, explica Stierle, “[e]l sujeto<br />

lírico es (...) un sujeto en busca de su propia identi<strong>da</strong>d, cuya articulación lírica está<br />

conteni<strong>da</strong> en el movimiento de esta misma búsque<strong>da</strong>”. 50 Efectivamente, aquilo que<br />

Stierle pretende explicar é que, sen<strong>do</strong> a lírica um anti-discurso, o que determina que o<br />

sujeito lírico surja como identi<strong>da</strong>de precária, ca<strong>da</strong> poema pode ser entendi<strong>do</strong> como uma<br />

busca <strong>da</strong> própria identi<strong>da</strong>de <strong>do</strong> sujeito lírico. Stierle chega mesmo a afirmar que “[l]a<br />

transgresión lírica del discurso no es un fin en sí mismo, sino la condición previa para la<br />

articulación lingüística de una identi<strong>da</strong>d al tiempo complexa y precaria”. 51<br />

Remeten<strong>do</strong> para Hörderlin, a reflexão de Stierle proporciona ligações muito<br />

pertinentes com a obra de Cesariny. Com efeito, o poeta romântico alemão, ti<strong>do</strong> como o<br />

45 Mário Cesariny, “A Maravilha <strong>do</strong> Acaso”, entrevista de Maria Bochicchio, in Uma Grande Razão,<br />

publicação póstuma, organiza<strong>do</strong>r não especifica<strong>do</strong>, Lisboa, Assírio & Alvim, 2007, p. 19.<br />

46 Karlheinz Stierle, “Lenguaje e Identi<strong>da</strong>d del Poema. El Ejemplo de Hörlderlin”, in Fernan<strong>do</strong> Cabo<br />

Aseguinolaza (org.) Teorías sobre la Lírica, Madrid, Arco/Libros, 1999, p. 235.<br />

47 Idem, p. 224.<br />

48 Idem, p. 216.<br />

49 Idem, p. 223.<br />

50 Idem, p. 224.<br />

51 Idem, p. 228.<br />

25

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!