O Poeta Mago - Repositório Aberto da Universidade do Porto
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Daí que Ernesto Sampaio afirme que “[a] luta pela interpretação e transformação <strong>do</strong><br />
homem e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> (...) apela para a Poesia (...)”, 18 numa clara revisitação <strong>do</strong> Primeiro<br />
Manifesto de André Breton, aquan<strong>do</strong> <strong>da</strong> sua afirmação: “O homem põe e dispõe. Só a<br />
ele cabe pertencer-se to<strong>do</strong> inteiro (...). A poesia ensina-lho”. 19<br />
As técnicas de escrita célebres entre os surrealistas, como a escrita automática e o<br />
cadáver esquisito, deveriam permitir que o pensamento se libertasse <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong><br />
racional e <strong>da</strong>s relações lógicas que este estabelece. Essa “escrita mecânica”, pelo facto<br />
de quebrar a previsibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> “princípio de associação de ideias”, permitiria a<br />
“aproximação de certa maneira fortuita <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is termos [de onde brota] uma luz<br />
especial, a luz <strong>da</strong> imagem (...)”, 20 como explica Breton, numa esteira reverdiana. O<br />
“fenómeno luminoso” que decorre de uma imagem poética assente nestes moldes traduz<br />
a energia dessa criação nunca antes contempla<strong>da</strong>. Aquilo que Chklovski concluiu como<br />
denomina<strong>do</strong>r comum de to<strong>da</strong> a arte, o efeito de estranhamento que esta provoca em<br />
quem a contempla, 21 é, no Surrealismo, associa<strong>do</strong> ao mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> Maravilhoso, ao<br />
<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> encantatório. Daí que Breton, nos seus manifestos surrealistas, refira um<br />
processo de criação artística que em muito se relaciona com a questão <strong>da</strong> inspiração.<br />
A escrita automática funcionaria como um registo <strong>da</strong> livre vontade <strong>do</strong> pensamento,<br />
no qual “o espírito crítico <strong>do</strong> indivíduo não [fizesse] incidir qualquer juízo”. 22 Breton<br />
define, inclusivamente, os poetas enquanto “os sur<strong>do</strong>s receptores (...), as modestas<br />
máquinas regista<strong>do</strong>ras”. 23 O mo<strong>do</strong> como o Surrealismo concebeu o pensamento e o<br />
acto poético aproximou o poeta surrealista de um ideal de poeta inspira<strong>do</strong>, visita<strong>do</strong>,<br />
possui<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>do</strong>m <strong>da</strong> vidência e de acesso a la<strong>do</strong>s ocultos <strong>do</strong> real; um poeta que não se<br />
organiza pelos preceitos de uma socie<strong>da</strong>de que tenta <strong>do</strong>minar os espíritos, mas antes,<br />
como Sampaio conclui, por “valores [que] são estrelas (...), polos magnéticos que se<br />
chamam o Sonho, o Amor, a Liber<strong>da</strong>de – tutelas <strong>da</strong> única real tradição viva que a Poesia<br />
encarna”. 24<br />
18 Ibidem.<br />
19 André Breton, op. cit., p. 39.<br />
20 Idem, p. 59.<br />
21 Cf. Victor Chklovski, “A Arte como Processo”, Teoria <strong>da</strong> Literatura – I: textos <strong>do</strong>s formalistas russos<br />
apresenta<strong>do</strong>s por Tzvetan To<strong>do</strong>rov, Lisboa, Edições 70, 1999, p. 81.<br />
22 André Breton, op. cit., p. 44.<br />
23 Idem, p. 49.<br />
24 Ernesto Sampaio, op. cit., p. 70.<br />
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