10.06.2013 Views

O Poeta Mago - Repositório Aberto da Universidade do Porto

O Poeta Mago - Repositório Aberto da Universidade do Porto

O Poeta Mago - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

visualmente, assumem uma dimensão performativa. Este género de actos poéticos<br />

promove o ideal surrealista de ligação entre poesia e vi<strong>da</strong>. De facto, ao não confinar-se a<br />

uma posição de escrita e ao envolver-se em actos poéticos que implicam o seu próprio<br />

corpo, o poeta surrealista em geral, e Mário Cesariny, em particular, surge como alguém<br />

que vive poeticamente. To<strong>do</strong>s estes actos, a par <strong>da</strong> poesia escrita, constituem, para os<br />

surrealistas, um mo<strong>do</strong> de combate ao pensamento lógico-racional. A desautomatização<br />

<strong>do</strong> pensamento gera<strong>da</strong> por estes actos conduz o ser humano a uma dimensão de real que<br />

a racionali<strong>da</strong>de tem dificul<strong>da</strong>de em admitir: a <strong>do</strong> Maravilhoso. Este efeito de<br />

encantamento que o poeta produz através <strong>do</strong> acto poético aproxima-o de um ver<strong>da</strong>deiro<br />

mago. A tranformação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de em surreali<strong>da</strong>de é resultante <strong>do</strong> acto poético, o qual<br />

se assemelha, deste mo<strong>do</strong>, a um passe de mágica. Esta relação é explica<strong>da</strong> pelo próprio<br />

António Maria Lisboa:<br />

A Reali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> <strong>Poeta</strong> que é a que resulta <strong>da</strong> combinação destas duas formas de<br />

«vi<strong>da</strong>» e de «sonho», que é a que resulta <strong>da</strong> sua junção magnética, vi<strong>da</strong> SURREAL<br />

enten<strong>da</strong>-se, não é mais <strong>do</strong> que a mesma e única Reali<strong>da</strong>de transfigura<strong>da</strong> pela Magia, pelo<br />

Desejo, pela Vontade, pelo Amor, pela Liber<strong>da</strong>de, pelo conhecimento sábio, pela<br />

POESIA! 98<br />

Na obra de Cesariny, a imagem de poeta-mago surge relaciona<strong>da</strong> com uma outra<br />

imagem: a de poeta-xamã. Na socie<strong>da</strong>de primitiva, o xamã era aquele que se<br />

encarregava de fazer passar o indivíduo e o grupo de um código a outro, de um esta<strong>do</strong> a<br />

outro. 99 Só um indivíduo previamente submeti<strong>do</strong> a um ritual de iniciação, isto é,<br />

submeti<strong>do</strong> a uma sessão de cura xamânica, poderia exercer o papel social de xamã. Os<br />

nexos entre este processo e aquele que vimos no ponto anterior deste estu<strong>do</strong><br />

relativamente ao processo de despersonalização a que o poeta surrealista se submete são<br />

muito evidentes. De facto, o processo de aban<strong>do</strong>no <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de social e a busca de<br />

uma identi<strong>da</strong>de mais profun<strong>da</strong> correspondem a um ritual de iniciação xamânico.<br />

Vejamos, através <strong>do</strong> poema “discurso ao príncipe de epaminon<strong>da</strong>s” como esta figura de<br />

poeta enquanto xamã é projecta<strong>da</strong> pela poesia de Cesariny:<br />

Despe-te de ver<strong>da</strong>des<br />

<strong>da</strong>s grandes primeiro que <strong>da</strong>s pequenas<br />

<strong>da</strong>s tuas antes que de quaisquer outras<br />

98 António Maria Lisboa, op. cit., p. 45.<br />

99 Cf. José Gil, Metamorfoses <strong>do</strong> Corpo, Lisboa, A Regra <strong>do</strong> jogo, 1980, p. 14.<br />

39

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!