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TUTELAS DE URGÊNCIA NA RECUSA DE ... - Professor Ligiera

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na. A concessão de liminares inaudita altera pars tem ocorrido nesse campo,<br />

sob a justificativa de que, se da liminar depende a própria sobrevivência do<br />

direito material — in casu a vida humana — tornar-se-ia inviável um juízo de<br />

probabilidade muito rígido, sob pena de se tornar imprestável ao fim a que se<br />

destina. 2<br />

A solução, porém, não é tão simples como possa parecer. No caso da<br />

hemoterapia não desejada pelo paciente, os próprios riscos a ela associados, bem<br />

como o contínuo desenvolvimento de substitutos eficazes do sangue, devem<br />

levar-nos a reflexões mais profundas. O tema tem sido freqüentemente abordado<br />

pela doutrina, mas raramente como objeto de análise mais cuidadosa. Por sua<br />

singularidade e relevância, considerando-se não só o crescente número de<br />

ocorrências, mas também o fato de que a escolha de tratamento médico<br />

encontra-se inserida no contexto mais amplo dos direitos fundamentais do ser<br />

humano, entendemos que o assunto merece um exame mais atento, sendo<br />

escolhido como objeto de estudo no presente trabalho.<br />

2. ANÁLISE <strong>DE</strong> CASOS OCORRIDOS NO BRASIL<br />

Para melhor entendimento dos diversos aspectos envolvidos na utilização<br />

das tutelas de urgência que visam impor ao paciente um tratamento<br />

hemoterápico não consentido, fomos buscar na jurisprudência brasileira<br />

exemplos dessa ocorrência. Saliente-se, desde logo, que os casos verificados no<br />

Brasil raramente chegam aos Tribunais, sendo normalmente encerrados em<br />

primeira instância. Tratam-se de situações em que, embora sendo concedida a<br />

medida para transfundir o paciente contra sua vontade expressa, as transfusões<br />

acabam não sendo realizadas, quer por absoluta desnecessidade para a<br />

recuperação do enfermo, que tem sua saúde restabelecida por outros meios com<br />

igual ou maior eficácia, quer pela constatação da impropriedade do meio<br />

transfusional para a salvaguarda de sua vida.<br />

O primeiro caso encontrado 3 refere-se a uma ação cautelar<br />

inominada (Processo n.º 523/024.000.063.164, 7.ª Vara Criminal da<br />

2 Ibid., mesma página.<br />

3 Por questões de delimitação do presente trabalho, ativemo-nos aos casos envolvendo pacientes adultos. Evidentemente, há<br />

processos que versam sobre tratamentos de menores de idade. Tão-somente à guisa de exemplificação, mencionemos dois<br />

deles: 1) Processo n.º 018.00.008905-0, Medida cautelar inominada, 2.ª Vara Cível da Comarca de Chapecó, SC. Envolveu o<br />

menor V. H. Q. P, de 1 ano e seis meses de idade, com diagnóstico de broncopneumonia aguda. A mãe do menor, suscitando<br />

motivos religiosos, além de temores quanto a possíveis riscos de incompatibilidade sangüínea e contaminação de doenças<br />

infecto-contagiosas, solicitou o uso de terapia isenta de sangue. A instituição hospitalar, discordando da solicitação da<br />

genitora, buscou ordem judicial para proceder à transfusão sangüínea como suporte para o tratamento com antibióticos, o que<br />

foi autorizado por liminar. Todavia, a criança acabou sendo tratada sem o uso de sangue, substituindo-se essa terapia<br />

especialmente pela aplicação de eritropoetina humana recombinante (hormônio sintético que estimula a produção de glóbulos<br />

vermelhos pela medula óssea), vitaminas do complexo B e ferro, que tiveram pleno êxito em restabelecer a saúde do menor.<br />

2) Processo n.º 1.121/2000, 2.ª Vara Cível da Comarca de Jundiaí, SP. Nesta segunda ocorrência, a mesma sorte não teve a<br />

menor J. B. U. S., com 7 meses de vida, portadora de meningite bacteriana. Diante da solicitação dos pais para que sua filha<br />

fosse tratada sem a utilização de hemoderivados, o hospital ingressou com uma medida cautelar inominada de cunho<br />

satisfativo em 14 de junho de 2000, buscando autorização judicial para proceder à transfusão de sangue. No mesmo dia, a<br />

liminar foi concedida e uma transfusão de papa de hemácias (concentrado de glóbulos vermelhos) realizada. Apesar da<br />

terapia transfusional efetuada, a criança faleceu.<br />

158<br />

Comarca de Vitória, ES) 4 envolvendo uma paciente vítima de acidente<br />

automobilístico, com indicação de intervenção cirúrgica. M. L. N., com 39 anos<br />

de idade, deu entrada no nosocômio consciente e subscreveu um termo de<br />

isenção de responsabilidade para a equipe médica, declarando não aceitar<br />

“nenhuma transfusão de sangue ou de constituintes do sangue (total, glóbulos<br />

vermelhos, glóbulos brancos, plaquetas ou plasma sangüíneo)”, embora<br />

concordasse com a cirurgia e aceitasse tratamentos médicos sem o uso de<br />

sangue. Contrariando sua vontade expressa, o diretor clínico do hospital<br />

peticionou ao Judiciário, curiosamente sem se fazer representar por advogado<br />

habilitado, e requereu autorização para transfundi-la. Consta como principal<br />

fundamento do pedido: “[M. L. N.] necessita de intervenção cirúrgica<br />

(Craniotomia para drenagem de hematoma cerebral traumático extra-dural)<br />

podendo ser necessário transfusão de sangue, face ao risco de complicações per<br />

operatórias, tipo choque hipovolêmico e infecções” (sic). Em que pese a falta de<br />

precisão na indicação da terapia transfusional, foi concedida liminarmente uma<br />

autorização judicial para realizá-la. Não obstante, a cirurgia foi concretizada sem<br />

a necessidade de utilização de sangue, tendo a paciente se recuperado e recebido<br />

alta hospitalar.<br />

O segundo caso de que tomamos conhecimento retrata a situação do<br />

paciente R. E. A. D. S., com 27 anos de idade, advogado. O paciente internou-se<br />

para ser submetido a uma cirurgia visando ao tratamento de um problema<br />

intestinal chamado “Doença de Crohn”. A cirurgia foi feita com êxito sem o uso<br />

de sangue. No pós-operatório, porém, surgiu uma fístula no local da incisão que,<br />

segundo a equipe médica, precisaria ser removida por meio de novo<br />

procedimento cirúrgico, desta feita, segundo os facultativos, com a realização de<br />

transfusões. O chefe da equipe médica ingressou então com um requerimento<br />

em juízo, no qual se autorizou o procedimento por meio da antecipação da<br />

tutela, concedida inaudita altera pars. (Processo n.º 1.092/99, 4.ª Vara Cível da<br />

Comarca de Marília, SP). Inconformado com a decisão judicial, o paciente<br />

transferiu-se para outro nosocômio, onde recebeu tratamento sem a necessidade<br />

de transfusões sangüíneas, tendo boa convalescença.<br />

4 Por estranho que possa parecer, a referida ação cautelar teve o pedido de liminar apreciado pelo juiz da 7.ª Vara Criminal,<br />

que se encontrava de plantão na ocasião, e continuou tramitando naquela vara.<br />

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