TUTELAS DE URGÊNCIA NA RECUSA DE ... - Professor Ligiera
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de o paciente continuar vivo. 19 Em recente e conceituado trabalho científico,<br />
Hébert et al. comprovaram uma correlação direta, estatisticamente significativa,<br />
entre as transfusões sangüíneas e a mortalidade de pacientes graves internados<br />
em unidades de terapia intensiva. 20<br />
Os efeitos adversos das transfusões podem ser classificados em duas<br />
categorias: primeiro, as doenças infecciosas transmitidas pelo sangue ou por<br />
hemoderivados; segundo, as chamadas reações transfusionais, que podem ser de<br />
natureza imunológica, imediatas ou tardias, e não imunológicas, como reações<br />
febris ou reações hemolíticas.<br />
Alguns exemplos de doenças infecciosas e parasitárias, transmitidas por<br />
transfusões de sangue ou hemoderivados, que podem ser muito graves ou até<br />
mesmo fatais, são: a AIDS (sigla, em inglês, para “síndrome da<br />
imunodeficiência adquirida”, causada pelo vírus HIV), algumas formas de<br />
hepatites virais, como as causadas pelos vírus B ou C, a tripanossomíase<br />
(Doença de Chagas), a malária, a citomegalovirose e as infecções produzidas<br />
pelos vírus de Epstein-Barr, HTLV-I e HTLV-II (vírus da leucemia e linfoma de<br />
células T humano) e por outros protozoários e bactérias. 21<br />
Mollison, Engelfriet e Contreras, na consagrada obra Blood Transfusion in<br />
Clinical Medicine, declaram que “a maioria das mortes causadas por transfusão<br />
de sangue são devidas à transmissão de vírus, bactérias ou protozoários.” 22 E<br />
acrescentam: “Testes apropriados para exames sistemáticos das unidades de<br />
sangue doado estão disponíveis para a maioria dos agentes infecciosos capazes<br />
de causar significativa morbidade nos receptores; porém, a maioria dos testes<br />
não detectam todos os doadores infectados.” 23<br />
Acrescente-se à lista outros riscos e complicações relacionados com a<br />
terapêutica transfusional, tais como, erros humanos operacionais<br />
19 James Isbister, que é chefe do Departamento de Hematologia do Hospital Real de North Shore, Sídnei, Austrália, leciona<br />
que “a equação risco/benefício para as transfusões de sangue raramente é considerada de forma perita e científica como seria<br />
com as outras formas de tratamento médico. [...] A transfusão era anteriormente vista como dádiva da vida, mas as posições<br />
se inverteram e a percepção geral agora é de que [...] evitar transfusões pode ser a dádiva da vida.” No original, em inglês,<br />
lemos: “The risk/benefit equation for blood transfusion is rarely addressed in as knowledgeable and scientific a manner as it<br />
would be with other forms of medical therapy. [...] A blood transfusion was previously seen as the gift of life, but the tables<br />
have been turned and the general perception now is that [...] the avoiding of transfusion may be the gift of life.” (James<br />
Isbister. Why haven’t we learnt our lesson?, p. 139).<br />
20<br />
Paul C. Hébert et al. A multicenter, randomized, controlled clinical trial of transfusion requirements in critical care, p. 409-<br />
417.<br />
21 Nelson Hamerschlak; Jacyr Pasternak. Doenças Transmissíveis por Transfusão, p. 13-46.<br />
22<br />
P. L. Mollison; C. P. Engelfriet; Marcela Contreras. Blood transfusion in clinical medicine, p. 710. Tradução livre, sendo<br />
que no original assim consta: “Most deaths caused by blood transfusion are due to the transmission of viruses, bact eria or<br />
protozoa.”<br />
23 Ibid. Tradução livre. No original, lemos: “Tests suitable for mass screening of blood donations are available for most of the<br />
infectious agents capable of causing significant morbidity in recipients; however, most tests do not detect all infectious<br />
donors.”<br />
166<br />
(e.g., transfusão de tipagem errada do sangue) e a imunomodulação, i.e., a<br />
supressão do sistema imunológico do paciente, provocando aumento das<br />
chances de contrair infecções pós-operatórias e de recidiva de tumores.<br />
Concordemente, Roger Y. Dodd, chefe do Laboratório de Doenças<br />
Transmissíveis, da Cruz Vermelha Americana, comenta: “Atualmente, o único<br />
meio de assegurar a completa ausência de risco é evitar totalmente as<br />
transfusões.” 24<br />
5. ALTER<strong>NA</strong>TIVAS MÉDICAS ÀS TRANSFUSÕES <strong>DE</strong> SANGUE<br />
Dentre os poucos autores da área jurídica que se propuseram a enfrentar o<br />
tema acerca dos riscos transfusionais de modo mais abrangente, encontramos<br />
Artur Marques da Silva. Em brilhante artigo no qual trata da responsabilidade<br />
civil dos médicos nas transfusões de sangue, o insigne autor, após alistar uma<br />
série de perigos e complicações associadas ao uso da hemoterapia, conclui<br />
dizendo: “É incontornável que todo o esforço médico deve ser empreendido para<br />
que se evite o procedimento inseguro de uma transfusão.” 25<br />
O grande óbice para atingir-se essa meta plenamente, até algum tempo<br />
atrás, era a escassez de alternativas médicas às transfusões. Como salienta<br />
Rabinovich-Berkman: “Se a transfusão era perigosa, mas insubstituível,<br />
não havia outro remédio senão submeter-se a ela. A dicotomia<br />
apresentava-se assim: transfusão ou morte, numa situação de<br />
24<br />
Tradução livre do autor, sendo que no original assim consta: “Currently, the only way to ensure the complete absence of<br />
risk is to avoid transfusion altogether.” (R. Y. Dodd, Will blood products be free of infectious agents? p. 223-224) O autor<br />
explica adicionalmente: “A história tem mostrado que jamais é possível ser complacente com a nossa habilidade de eliminar<br />
as infecções transmitidas por transfusões. Novos desafios continuam a emergir e devem ser tratados assim que se tornam uma<br />
ameaça mensurável ou, preferivelmente, antes disso.” (Ibid., p. 230. Tradução livre. Lê-se no original: “History has shown<br />
that it is never possible to be complacent about our ability to eliminate transfusion-transmitted infection. New challenges<br />
continue to emerge and must be dealt with as, or preferably before, they become a measurable threat.”) Um exemplo do<br />
surgimento de “novos vírus” encontra -se na conceituada revista médica The New England Journal of Medicine, na qual um<br />
dos artigos (Linda E. Prestcott; Peter Simmonds. Global distribution of transfusion-transmitted virus, p. 776-777) relata a<br />
disseminação internacional de um novo vírus denominado “vírus transmitido por transfusão” (“transfusion -transmitted<br />
virus”).<br />
25 Artur Marques da Silva. Responsabilidade civil dos médicos nas transfusões de sangue, p. 120.<br />
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