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TUTELAS DE URGÊNCIA NA RECUSA DE ... - Professor Ligiera

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Caso com igual desfecho encontra-se relatado por D. J. Kipper e W. S.<br />

Hossne, na revista Bioética, do Conselho Federal de Medicina, da seguinte<br />

forma: “M. P. F., 38 anos, casado, [...] Ao exame físico apresentava-se lúcido,<br />

orientado, hipocorado, taquicardíaco, porém hemodinamicamente estável,<br />

levemente dispnéico e ansioso. Os exames laboratoriais foram compatíveis com<br />

o diagnóstico de leucemia aguda. [...] Logo à admissão ao hospital, o paciente<br />

comunicou à equipe médica que era Testemunha de Jeová e, por isso, recusavase<br />

terminantemente a receber tratamento com sangue ou derivados, [...]<br />

apresentando, inclusive, documento de identificação como pertencente à referida<br />

religião. Sua posição foi apoiada por sua esposa, que também pertencia à mesma<br />

religião. Os demais familiares (sua mãe e irmãos), ao indagarem sobre a<br />

situação, posicionaram-se contrariamente ao paciente e sua esposa quanto à<br />

realização da hemotransfusão, tentando exaustivamente convencer o mesmo a<br />

submeter-se ao tratamento indicado, sem sucesso. [...] Os familiares resolveram<br />

recorrer à Justiça e conseguiram um despacho judicial autorizando o hospital a<br />

realizar a hemotransfusão [...] Por sua vez, o hospital também solicitou liminar<br />

judicial autorizando a realização dos procedimentos, após consulta ao CRM-DF.<br />

Cerca de 24 horas após a admissão, o paciente foi submetido à transfusão de<br />

plaquetas e sangue, sob efeito de sedativos. [...] A despeito das hemotransfusões<br />

realizadas, houve piora do quadro e o paciente evoluiu para óbito [...]”. 8<br />

Os casos encontrados realmente nos induzem a sérias reflexões. Em sua<br />

totalidade, os pacientes envolvidos não desejavam dispor da própria vida.<br />

Queriam viver, tanto que de forma geral buscaram socorro médico por sua<br />

própria iniciativa. Sobre o assunto, comenta o emérito professor Léo Meyer<br />

Coutinho, in verbis: “Pode ser alegado que a recusa à transfusão significa<br />

suicídio. Não é assim. A morte desejada é suicídio, a admissível sem desejá-la,<br />

não. A Testemunha de Jeová não deseja a morte, mas sim que sejam utilizados<br />

todos os meios para impedi-la, excluída a transfusão de sangue.” 9<br />

Diante disso, concordamos com Maria Celina Bodin de Moraes, quando<br />

cita o último caso relatado como exemplo de uma “situação em que a liberdade<br />

de crença deveria ser integralmente garantida”. Comentando acerca desta e d e<br />

outras questões correlatas, a autora conclui: “O respeito à pessoa humana, única<br />

em sua individualidade, mas necessariamente solidária da comunidade em que<br />

se encontra inserida, resta talvez como único princípio de coerência possível em<br />

uma democracia humanista, e que, confia-se, um dia venha a ter alcance<br />

universal.” 10 Do mesmo modo, analisando o caso relatado na revista Bioética,<br />

Maria T. M. Pacheco observou: “As decisões de tratamento de saúde<br />

envolvem muito mais do que preocupações meramente médicas. Quanto a<br />

8 Délio José Kipper; William Saad Hossne. Caso clínico, p. 97.<br />

9 Léo Meyer Coutinho. Aspectos éticos-legais do tratamento médico sem transfusão, p. 87.<br />

10 Maria Celina Bodim de Moraes. Constituição e direito civil: tendências, p. 47-63.<br />

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decisões sobre o que deve ser feito com referência ao corpo de uma pessoa, é o<br />

paciente, e não a opinião pública, a classe médica, ou algum juiz, que deve<br />

tomar a decisão altamente subjetiva, baseada em valores morais, sobre qual a<br />

forma de tratamento ‘melhor’ ou ‘certa’. Ao tomar decisões sobre tratamentos<br />

de saúde, não deve haver dúvida de que são os valores do paciente que devem<br />

determinar quais os riscos e benefícios que valem a pena ser tomados.” 11<br />

3. JURISPRUDÊNCIA INTER<strong>NA</strong>CIO<strong>NA</strong>L<br />

Após analisar uma série de casos ocorridos na Argentina, nos quais os<br />

juízes autorizaram os médicos a imporem a transfusão contra a vontade do<br />

paciente, Oscar Ernesto Garay conclui dizendo: “Só me resta destacar a<br />

futilidade destas decisões na prática. Cayetano, que podia ter sido tratado com<br />

terapias alternativas, foi transfundido à força, e ficou afetado psicologicamente.<br />

Natalia, apesar de que o juiz ordenou transfundi-la para salvar a sua vida, foi<br />

tratada com terapias alternativas, e sarou. Beatriz opôs tanta resistência que, não<br />

obstante a decisão, não conseguiram transfundi-la, e foi salva com alternativas.<br />

Olga não teve essa sorte: foi transfundida à força, e faleceu. Víctor Hugo,<br />

transfundido à força, quase morre por causa do edema pulmonar resultante.<br />

Rosa, apesar da decisão, foi operada com êxito em outro hospital, sem<br />

transfusões. Em suma, ou as decisões não serviram para nada, ou só trouxeram<br />

mais problemas.” 12<br />

Semelhante caso, conhecido como “Bahamondez”, foi levado à Suprema<br />

Corte de Justiça da Argentina. Salienta Rabinovich-Berkman 13 que, embora ao<br />

tempo do julgamento o paciente já tivesse se recuperado sem a necessidade de<br />

receber sangue, sua importância como precedente tornou-se enorme, não só pela<br />

claridade de seus conceitos, como por provir do Supremo Tribunal daquele país.<br />

Analisando o art. 19 da Lei argentina n.º 17.132, a qual impõe aos médicos o<br />

dever de respeitar a vontade do paciente quanto à sua negativa de tratar-se ou<br />

internar-se, decidiu aquele sodalício que “a estrita interpretação da mencio nada<br />

disposição legal afasta toda possibilidade de submeter uma pessoa maior e<br />

11 Délio José Kipper; William Saad Hossne (Org.). Caso clínico, p. 104.<br />

12<br />

Oscar Ernesto Garay. Código de derecho médico, p.141. Tradução livre do autor do trecho original a seguir transcrito:<br />

“Sólo me resta destacar la futilidad de estos fallos en la práctica. Cayetano, que pudo haber sido tratado con terapias<br />

alternativas, fue transfundido por la fuerza, y ha quedado afectado psicológicamente. Natalia, a pesar de que el juez ordenó<br />

transfundirla para salvar su vida, se trató con terapias alternativas, y sanó. Beatriz opuso tal resistencia que, maguer el fallo,<br />

no pudieron transfundirla, y se salvó con alternativas. Olga no tuvo esa suerte: fue transfundida por la fuerza, e igual falleció.<br />

Víctor Hugo, transfundido por la fuerza, casi muere del edema pulmonar resultante. Rosa, a pesar del fallo, fue operada<br />

exitosamente en otro sanatorio, sin transfusiones. En suma, o bien los fallos no sirvieron para nada, o bien sólo trajeron más<br />

problemas.”<br />

13 Ricardo D. Rabinovich-Berkman. Responsabilidad del médico, p. 79-80.<br />

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