You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
ananas, uma laranja e duas maçãs. Podia não ter comido tantas bananas se não<br />
tivessem sido pretexto para tão alegre e sadio divertimento. Sinceramente, não sei como<br />
é que uma pessoa basicamente sã como a Natalie podia achar tanta graça às minhas<br />
macaquices. Mas um público atento é a alma do génio e as macaquices atingiram<br />
<strong>de</strong>cididamente o seu ponto mais alto nessa tar<strong>de</strong>, com o apoio das bananas.<br />
Depois trepámos algumas escarpas, atirámos pedras à água e construímos um castelo<br />
<strong>de</strong> areia. Mais tar<strong>de</strong> regressámos e reatámos a fogueira porque estava a ficar frio e<br />
ficámos a olhar o mar a aproximar-se do nosso castelo <strong>de</strong> areia enquanto conversávamos.<br />
Não conversámos sobre problemas, pais, automóveis ou ambições. Falámos sobre a<br />
vida. Decidimos que não servia para nada perguntar qual é o sentido da vida porque vida<br />
não é resposta, é a pergunta em que nós somos, cada um, a resposta. E lá estava o mar, a<br />
<strong>de</strong>z metros <strong>de</strong> nós e a aproximar-se, e sobre o mar o céu e, <strong>de</strong>scendo no céu, o Sol. E<br />
estava frio, e aquele foi o gran<strong>de</strong> momento da minha vida.<br />
Já tivera momentos altos na vida. Uma vez, <strong>de</strong> noite, andando pelo parque à chuva no<br />
Outono. Uma outra, no <strong>de</strong>serto, sob as estrelas, quando ro<strong>de</strong>i com a Terra em torno do<br />
seu eixo. Por vezes, pensando, apenas reflectindo através das coisas. Mas fora sempre<br />
só. Comigo. Desta vez não estava só. Estava no topo da montanha com uma amiga. Não<br />
há nada que supere isto, nada. Se nunca mais me acontecer na vida, posso sempre dizer<br />
que estive lá uma vez.<br />
Enquanto conversávamos esgravatávamos na areia à nossa volta, procurando<br />
pedacitos <strong>de</strong> ja<strong>de</strong> e ágata. Natalie encontrou uma pedra preta, achatada, perfeitamente<br />
oval, e polida pela areia. Eu encontrei uma ágata arredondada, branca e amarela; podia<br />
olhar-se o Sol através <strong>de</strong>la. Ela <strong>de</strong>u-me a pedra preta e eu <strong>de</strong>i-lhe a ágata.<br />
No caminho para casa ela adormeceu, o que foi perfeito – era como <strong>de</strong>scer lá do alto da<br />
montanha calmamente ao entar<strong>de</strong>cer. Guiei bem e cuidadosamente, sem barulho.<br />
Já passava das sete quando chegámos. Tínhamos perdido a noção do tempo na praia.<br />
Deslizou para fora do carro ainda com um ar sonolento e queimada pelo vento e disse:<br />
«Foi maravilhoso, Owen», e entrou sorrindo em casa.<br />
Os Fields saíram da cida<strong>de</strong> na altura da passagem do ano e só voltei a ver Natalie no<br />
dia do recomeço das aulas. Esperei com ela pelo autocarro. Enquanto aguardávamos<br />
disse-lhe que esperava que não tivesse tido problemas com o pai por ter chegado tar<strong>de</strong> a<br />
casa. Respon<strong>de</strong>u: «Ora, <strong>de</strong>ixa lá», e falámos do livro <strong>de</strong> Ornstein – ela estava interessada<br />
nas suas teorias sobre a meta<strong>de</strong> silenciosa do cérebro, on<strong>de</strong> se situa a música.<br />
Mas se tivesse que culpar alguém para além <strong>de</strong> mim próprio pelo que correu mal, penso<br />
que culparia o pai da Natalie.<br />
Quando ela disse «Ora, <strong>de</strong>ixa lá», é evi<strong>de</strong>nte que isso significava que ele fizera<br />
escândalo e que ela não queria falar disso, preferindo ignorar ou esquecer o episódio.<br />
Mas a que propósito teria ele feito escândalo? Ela foi à praia, almoçou, encontrou uma<br />
ágata e voltou para casa. Qual era o problema? Será isto pecado? O que é que o senhor<br />
Field teria pensado?<br />
Era perfeitamente óbvio aquilo que ele pensava.<br />
Se isso não nos tinha passado pela cabeça, para ele não tinha importância. Vocês<br />
sabem o que são os jovens: só pensam em criticar.<br />
Tudo bem, não fui corrompido pelas obsessões do senhor Field. Nem sequer teria<br />
pensado nelas se não estivesse já corrompido. Esta palavra tem piada, não tem?<br />
Corrompido. O meu dicionário diz que significa «sair <strong>de</strong> uma situação sadia para uma<br />
doentia...». É só isso que quero dizer. Comecei a pensar doentiamente.<br />
O facto é que o modo como as pessoas falam, a maior parte dos livros e filmes, a<br />
publicida<strong>de</strong> a todos os que se <strong>de</strong>dicam à sexualida<strong>de</strong>, quer sejam cientistas quer