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Tão Longe de Sítio Nenhum

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fizeram?» Ele olhou-me <strong>de</strong> lado e disse: «Que é que tu achas?» Nunca me senti tão<br />

estúpido em toda a minha vida. Ainda coro ao ditar isto para o gravador. Claro que o Mike<br />

foi contar a uma data <strong>de</strong> malta a minha pergunta – «O que é que fizeram?» – e fui motivo<br />

<strong>de</strong> risota por muito tempo. Mas lá acabaram por esquecer e eu arranjei uma quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> anedotas sujas para po<strong>de</strong>r conversar com o Mike e o Jason. É melhor que almoçar<br />

sozinho, penso.<br />

Ainda mais uma coisa sobre o humor e a serieda<strong>de</strong>: não é absolutamente necessário<br />

que assim seja. Algumas mulheres mais velhas dizem por vezes as coisas mais<br />

engraçadas, e a maior parte dos homens tornam-se mortalmente sisudos. O meu pai não<br />

tem o menor sentido <strong>de</strong> humor. É um homem amável, mas nada o diverte. E já tenho<br />

ouvido a minha mãe e a sua amiga Beverley a rirem na cozinha até se engasgarem e<br />

tropeçarem como se estivessem embriagadas. Riam-se <strong>de</strong> qualquer palermice que a<br />

Beverley tinha feito. Só <strong>de</strong> as ouvir eu ri-me também, por nada, só por gosto.<br />

Bom, <strong>de</strong> qualquer modo, era bem agradável ouvir esta moça rir das minhas fracas<br />

piadas, por isso continuei:<br />

– A mim parece-me que estás a precisar <strong>de</strong> duas aspirinas e <strong>de</strong> um torniquete. Leva-me<br />

a perna amanhã. Temos lá um centauro <strong>de</strong> três pernas que precisa <strong>de</strong> uma<br />

transplantação.<br />

E por aí fora. Eram bem fraquinhas. Mas ela ria e eu continuei até as esgotar. Nessa<br />

altura perguntei:<br />

– Mas porque é que não tens tempo? Estás a trabalhar?<br />

– Dou umas aulas.<br />

Não conseguia lembrar-me qual era o instrumento que ela tocava, e era pouco<br />

simpático perguntar.<br />

– Gostas?<br />

Encolheu os ombros e disse, com uma careta:<br />

– Oh, bem, é música. – Como as outras pessoas dizem: «Oh, bem, é um modo <strong>de</strong> vida.»<br />

Mas o sentido implícito era diferente.<br />

– É o que queres ser, professora <strong>de</strong> Música?<br />

– Não – disse ela, do mesmo modo que tinha dito o «bolas». – Professora, não. Só música.<br />

Estava com tanta raiva que soou como o Tarzan, mas não era comigo directamente. Ela<br />

tinha uma voz agradável, clara e suave, com aquela raiva <strong>de</strong>ntro. Comecei a fazer<br />

macacada.<br />

– Não professor. Arff, arff, matar professor. Professor bom, nham, nham. Não<br />

professor. Boa barriga gorda, cheia <strong>de</strong> professor.<br />

– Professor porcaria, só ossos! – disse Natalie.<br />

O homem do outro lado do corredor olhava-nos como que a mandar-nos para a Sibéria,<br />

fuzilando-nos com o olhar. Esta espécie <strong>de</strong> olhar conseguiu criar um laço entre nós.<br />

– Que é que tu vais fazer <strong>de</strong>pois? – pergunta Natalie.<br />

– Arf, arf, gorila profissional. Estou a fazer o mestrado em Higiene, em Economia<br />

Doméstica. – E mostrar-lhe-ei como se escovava correctamente a mochila e se comiam<br />

moscas higienicamente. Depois disse –: Vou ser professor. – Aquilo pareceu-nos mais<br />

cómico que tudo o resto e rimo-nos a ban<strong>de</strong>iras <strong>de</strong>spregadas.<br />

– A sério?<br />

– Não, não sei. Talvez. Qualquer coisa. Depen<strong>de</strong> da faculda<strong>de</strong> para on<strong>de</strong> for, claro.<br />

– Para on<strong>de</strong> é que queres ir?<br />

– Para o MIT.<br />

– Mental Instituto do...Texas...<br />

– Instituto <strong>de</strong> Tecnologia do Massachusetts. Ou então para o Instituto das Ciências na<br />

Califórnia. Ciências. Laboratórios. Quilómetros e quilómetros <strong>de</strong> laboratórios. Ratos

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