14.06.2013 Views

Tão Longe de Sítio Nenhum

Tão Longe de Sítio Nenhum

Tão Longe de Sítio Nenhum

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

ancos. Homens <strong>de</strong>dicados, vestidos <strong>de</strong> branco, laboriosamente, sinuosamente à<br />

procura dos segredos do universo. O monstro <strong>de</strong> Frankenstein. Tudo.<br />

– Sim – disse Natalie. Não o disse como uma pergunta, nem tão-pouco como se fosse<br />

concordo-mas-não-percebo, nem sequer foi a gozar, ou sem significado. Disse-o com<br />

segurança. É isso. Sim. – É bestial – disse ela.<br />

– Mas também é caro.<br />

– Certo – disse ela –, mas isso po<strong>de</strong>-se sempre arranjar.<br />

– Como?<br />

– Bolsas <strong>de</strong> estudo, biscates... é por isso que dou aulas. Para po<strong>de</strong>r ir para Tanglewood<br />

este Verão.<br />

– Tanglewood na Nova Gales do Sul?<br />

Ela fez um esgar <strong>de</strong> risota e disse:<br />

– É uma espécie <strong>de</strong> escola <strong>de</strong> música.<br />

– Claro: ao pé do Instituto Mental do Texas.<br />

– Pois.<br />

Estávamos a chegar à minha paragem. Levantei-me e disse:<br />

– Até <strong>de</strong>pois.<br />

E ela respon<strong>de</strong>u:<br />

– Até à próxima.<br />

E saí para a chuva. Só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sair é que me lembrei <strong>de</strong> que podia ter continuado<br />

mais dois quarteirões com ela, até on<strong>de</strong> ela ia sair, e que podíamos talvez ter acabado a<br />

nossa conversa. Acabara tão bruscamente. Cá fora, enquanto o autocarro arrancava,<br />

estive a dar pulos e a macaquear, mas ela estava do lado oposto. Ninguém me viu, a não<br />

ser o director do campo prisional da Sibéria, e esse <strong>de</strong>itou-me um olhar <strong>de</strong> relance e<br />

encolheu os ombros.<br />

Contei esta conversa no autocarro com a Natalie Field tão pormenorizadamente porque<br />

foi uma conversa sem importância, mas extremamente importante para mim. E isso é<br />

importante: que uma coisa sem importância possa ter uma tão gran<strong>de</strong> importância. Acho<br />

que tenho tendência para pensar que os acontecimentos importantes <strong>de</strong>vem ser solenes<br />

e grandiosos, com violinos tocando suavemente nos bastidores. É difícil conceber que as<br />

coisas realmente importantes são apenas os pequenos acontecimentos e as <strong>de</strong>cisões<br />

normais. E que quando existe a tal música <strong>de</strong> fundo, luzes <strong>de</strong> néon e fardas, então é que<br />

nada <strong>de</strong> importante vai acontecer.<br />

O que me ficou na cabeça <strong>de</strong>pois da conversa foi apenas uma palavra, a mais<br />

corriqueira, insignificante. Não foi o modo como ela me olhou, ou o seu aspecto pessoal,<br />

nem sequer as minhas palhaçadas que a fizeram rir, ou se calhar foi tudo isso, mas<br />

concentrado numa palavra: «Sim.» O modo como ela a disse. Com firmeza, certeza. É<br />

isso, sim, é o que tu farás. Como uma rocha. Sempre que penso nisso, é a rocha que vejo.<br />

E eu precisava <strong>de</strong> uma rocha. Algo a que me agarrar, em que me apoiar. Algo sólido.<br />

Porque tudo o resto era inseguro, dissolvia-se em pó, em lama, em fumo. Fumo que se<br />

aproximava <strong>de</strong> todos os lados. Eu estava completamente perdido.<br />

E estava a piorar. Tinha-se vindo a aproximar, lentamente, creio, mas o carro foi a gota<br />

<strong>de</strong> água.<br />

É como se, ao dar-me o carro, o meu pai tivesse dito: «É isto que quero que sejas. Um<br />

jovem americano normal, apaixonado por carros.» E, ao dar-mo, impossibilitara que lhe<br />

dissesse o que queria dizer: que finalmente percebera que isso eu não era, nem nunca<br />

seria. E que precisava <strong>de</strong> ajuda para <strong>de</strong>scobrir o que era, afinal. Mas agora, para lhe dizer<br />

isso, tinha <strong>de</strong> lhe dizer: «Leve o seu presente, não o quero!» Eu não podia: ele pusera todo

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!