14.06.2013 Views

Tão Longe de Sítio Nenhum

Tão Longe de Sítio Nenhum

Tão Longe de Sítio Nenhum

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

comerciantes, vos transmitem a mesma i<strong>de</strong>ia, sempre igual: homem mais mulher igual a<br />

sexo. Nada mais. Não há qualquer incógnita nesta equação. Quem precisa <strong>de</strong> incógnitas?<br />

Principalmente se nunca se teve qualquer experiência sexual e isso é a incógnita e toda<br />

a gente parece estar a afirmar que isso é a única coisa que importa – nada mais conta. E<br />

se não se tem sexo a toda a hora é porque ou se é impotente ou frígido, e provavelmente<br />

no curto prazo dum ano apanhará o cancro, para além <strong>de</strong> tudo o mais.<br />

Por isso comecei a pensar: o que é que eu ando a fazer? Isto é, ando sempre com esta<br />

garota, passo um dia inteiro com ela na praia e se alguém pergunta: «Então, pá, o que é<br />

que se passou?», eu respondo: «Ela <strong>de</strong>u-me uma pedra preta e eu <strong>de</strong>i-lhe uma ágata».<br />

Ena! Bestial! Que porreiro.<br />

É verda<strong>de</strong>, comecei a pensar no que os outros pensariam e não no que eu próprio<br />

pensava.<br />

É difícil explicar, porque havia mais qualquer coisa para além disso. Claro que havia.<br />

Estar com uma rapariga, uma mulher (e Natalie era uma mulher), era excitante. Isto<br />

parece palerma, po<strong>de</strong>m gozar à vonta<strong>de</strong>, se quiserem, mas é a expressão certa. Física,<br />

mental e espiritualmente excitante.<br />

Mas o que eu pensei, por causa do que toda a gente afirma, até Freud, foi que isso<br />

<strong>de</strong>via ser amor. Toda a gente diz que a coisa real é sexo e que amor é o nome que lhe<br />

damos quando somos ligeiramente mais civilizados que o gorila. Sexo não é qualquer<br />

coisa que se faz quando se ama, amor é o que lhe chamamos quando queremos sexo. É só<br />

olhar para os anúncios das pastas <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntes e <strong>de</strong> cigarros, os filmes porno e os <strong>de</strong> arte,<br />

as canções pop ou então o senhor Field. Reparem, só existe uma coisa importante. Uma<br />

só.<br />

E assim, quando nos tornámos a encontrar, já foi completamente diferente. Eu <strong>de</strong>cidira<br />

que estava apaixonado pela Natalie. Reparem, por favor, que eu não disse que me tinha<br />

apaixonado por ela: eu <strong>de</strong>cidira que a amava.<br />

De acordo com algumas das pessoas que escrevem sobre o cérebro e o espírito, que<br />

estão mais interessadas nas diferenças entre os lobos frontais e occipitais do que nas<br />

diferenças entre os hemisférios direito e esquerdo, isto podia ser um exemplo do lobo<br />

frontal a tentar dirigir o espectáculo, mistificando o velhote occipital. É este o tipo <strong>de</strong><br />

raciocínio retorcido <strong>de</strong> que são capazes os intelectuais. Pelo menos, os que são tão<br />

estupidamente complicados como eu.<br />

Tudo correu bem a princípio, porque eu era realmente muito cobar<strong>de</strong>. Passei o tempo<br />

em que não estava com ela a trabalhar o meu amor por ela. Mas quando nos<br />

encontrávamos esquecia tudo e falávamos como doidos, como dantes.<br />

Uma das coisas <strong>de</strong> que falávamos era dos nossos planos, um tema perfeitamente<br />

natural para quem terminaria o liceu no semestre seguinte. Os <strong>de</strong>la eram bem <strong>de</strong>finidos:<br />

iria para Tanglewood no Verão, principalmente para conhecer pessoas do Este, outros<br />

músicos, profissionais que a po<strong>de</strong>riam ajudar e outra malta, a competição, como ela dizia<br />

(adorava enfrentar competidores, medir-se com eles). Só voltaria no Outono e durante<br />

todo o ano trabalharia a tempo inteiro na escola <strong>de</strong> música e dando aulas para amealhar<br />

algum dinheiro. Continuaria a praticar e a compor e iria fazer um ano <strong>de</strong> teoria e harmonia<br />

avançadas. Afirmou que havia lá um homem que lhe po<strong>de</strong>ria ensinar algumas das coisas<br />

que precisava apren<strong>de</strong>r: já uma vez, nas últimas férias do Verão, trabalhara com ele.<br />

Depois disto iria para a Escola <strong>de</strong> Música Eastman, em Nova Iorque, com o que amealhara<br />

e uma qualquer bolsa <strong>de</strong> estudo que lhe atribuíssem, estudando com um grupo <strong>de</strong><br />

compositores «tanto tempo quanto valesse a pena», dizia. Era o mesmo tipo <strong>de</strong> razões<br />

pelas quais queria ir para o MIT – estava lá um homem que se <strong>de</strong>dicava à psicologia<br />

fisiológica, que era exactamente o que mais me interessava. Tivemos algumas conversas<br />

realmente estranhas, em que ela explicava o que os tais compositores tentavam fazer e eu

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!