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SEMINÁRIO CONC~RDIA<br />

Diretor<br />

Paulo Moisés Nerbas<br />

Professores<br />

Acir Raymann,Anselmo Ernesto Graff, Clóvis Jair Prunzel, Ely Prieto,<br />

Gerson Luís Linden, Leopoldo Heimanii, Norberto Heine (CAAPP),<br />

Paulo Gerhard Pietzsch, Pa~ilo Moisés Nerbas,<br />

Paulo Proske Weirich, Paulo Wille Buss, Raul Blum, Vilson Scholz.<br />

Professores Eméritos<br />

Donaldo Schuler. Martim C. Warth<br />

IGREJA LUTERANA<br />

ISSN 01 03-779X<br />

Revista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela<br />

Faculdade de Teologiado <strong>Seminário</strong> <strong>Concórdia</strong>, da Igreja Evangélica<br />

Luterana do Brasil (IELB), São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.<br />

Conselho Editorial<br />

Paulo Wille Buss (editor), Vilson Scholz (editor homilético)<br />

Assistência Administrativa<br />

Janisse M. Schindler<br />

A Revista Igreja Luterana está indexada em BibliograJia Biblica<br />

Latino-Americana e Old Testament Abstracts.<br />

Os originais dos artigos serão devolvidos<br />

quando acompanhados de envelope com endereço e selado.<br />

-------<br />

/ Solicita-se permuta '<br />

( We request exchange 1<br />

\ Wir erbitten Austausch<br />

------h<br />

Correspondência<br />

Revista IGREJA LUTERANA<br />

<strong>Seminário</strong> <strong>Concórdia</strong>- Caixa Postal 202<br />

93.00 1-970 -São Leopoldo, RS


PALAVRA AO LEITOR<br />

Paulo Wille Buss .................................................................................. 3<br />

FÓRUM<br />

Simul iustzls et peccator -<br />

algumas considerações sobre esta fórmula<br />

de inspiração agostiniana na teologia luterana<br />

Luisivan Vellar Sfrelow ............................ . .............................. 5<br />

ARTIGOS<br />

Jesus diante de sofrimentos -<br />

aplicações para o pastoreio de missionários<br />

Leonério Faller ............................... . .......................................... 12<br />

Tratativas pastorais<br />

Horst R. Kzrchenbecker ............................. .......... ............................. 24<br />

A autonomia da congregação<br />

Paulo Moisés Nerbas .................................................................... 74<br />

Análise retórica do sermão de Invocavit de Lutero<br />

Clóvis Jair Prunzel .......................................................................... 85


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

O <strong>Seminário</strong> <strong>Concórdia</strong> forma pastores. A Igreja Lzrterana é lida<br />

principalmente por pastores. Isto constitui dois fortes motivos para nos de-<br />

bruçarmos, mais uma vez, sobre o tema do ministério eclesiástico.<br />

Pastores cuidam do rebanho de Deus. Mas quem pastoreia os pasto-<br />

res? É necessário fazê-lo'? Como isso pode ser feitoí? São questões que o<br />

Pastor Leonério Faller aborda no artigo Jesus diante de sofrimentos -<br />

Aplicações para o pastoreio de missionários.<br />

Num mundo imperfeito, pastores são agentes do Deus perfeito. Pro-<br />

clamam, idealmente, uma mensagem perfeita destinada a sarar as doenças<br />

do mundo e desfazer suas imperfeições. Mas a mensagem perfeita é trans-<br />

portada em vasos de barro. Pastores são sempre homens imperfeitos. Às<br />

vezes suas imperfeições atingem limites intoleráveis. Ao invés de agentes<br />

de salvação, ameaçam tornar-se, ou tornam-se de fato, em motivos de so-<br />

frimento, discórdia e escândalos. O que pode ser feito em tais casos? Quem<br />

pode adotar as medidas cabíveis? O Pastor Horst R. Kuchenbecker analisa<br />

essas e outras questões no artigo Tratativas pastorais.<br />

Ainda a propósito do tema perfeiçãolimperfeição, vale a pena acom-<br />

panhar as reflexões do pastor Luisivan V. Strelow sobre o significado da<br />

muitas vezes citada, e nem sempre bem compreendida, frase de Lutero<br />

Simul justus et peccato~<br />

Um assunto que também diz respeito a cada pastor é o relaciona-<br />

mento de sua congregação com o sínodo. Reflexões muito oportunas sobre<br />

este tema são trazidas pelo professor e diretor do <strong>Seminário</strong> <strong>Concórdia</strong>,<br />

Pastor Paulo M. Nerbas, em seu artigo A autonomia da congregação.<br />

Pastores proclamam a mensagem que o mundo precisa ouvir. É fun-<br />

damental que o façam de forma eficiente para que esta mensagem real-<br />

mente desperte a atenção dos ouvintes e a comunicação se estabeleça.<br />

Lutero enfatizou a centralidade da pregação no culto cristão. Podem seu<br />

exemplo e suas reflexões sobre o tema ainda trazer alguma contribuição<br />

para a teoria e prática da proclamação da palavra no século 21? O Prof.<br />

Pastor Clóvis J. Prunzel procura demonstrar esta possibilidade em: Retóri-<br />

ca a serviço da ética cristã - análise do sermão de Invocavit de Lutero.<br />

Por último, queremos ir ao encontro do dia-a-dia do pastor oferecen-<br />

do mais uma série de auxílios homiléticos.<br />

Paulo W Buss<br />

Editor


FÓRUM<br />

Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

SIMUL IUSTUS ET PECCATOR<br />

ALGUMAS CONSIDERAÇ~ES SOBRE ESTA FÓRMULA DE INSPIRAÇAO<br />

AGOSTINIANA NA TEOLOGIA LUTERANA<br />

Lzrr r ~ I J ~ IVclltrr- H Str-eloiz,<br />

Essa frasc (ao incsino tciilpo justo c pccador) C sciilprc citada coino fórinula<br />

ou cxprcssão sucinta da doutrina lutcrana da justificação forense: justo aos<br />

olhos de Dcus, pccador segundo a ca1-1ic.l Coiil ela, se descreve a realidade do<br />

ser li~iiilano justificado diante de Deus pela fé e111 Cristo, nias ainda pccador cin<br />

virtudc da vcllia naturcza irrcgcncrada quc ainda traz lado a lado coin a fé ou novo<br />

hoincrn/nova naturcza (cni outras palavras, o resto dc pecado que ainda liabita na<br />

carne dcpois da nova vida inaugurada no batisiiio). Mas, coino toda tcmiinologia<br />

ou fi-aseologia ciilprcgada por Lutcro, tcinos de nos perguntar ein que sentido elc<br />

incsino a einprcgou c se o fez scinprc c da incsiiia i~iancira.<br />

A frasc aparccc nas obras de Lutcro cspccialinente na prii~ieiin fasc<br />

dc scu conflito coin Roilia quanto à doutrina da justiiicaçiio (qiic tcrinina<br />

c0111 o cscrito contra Latoinus, 152 I).' Entre 1522 c 1529, o foco da polêinica<br />

torna-se a dcfesa do Sacini~iento (santa ceia), contra as intcrpretaçõcs sii~ibolistas<br />

da prcscnça do corpo e sangue de Cristo no piio c vinho.' A partir<br />

da rcjeiçiio da Confissão de Augsburgo, particularinente do Artigo da Jusliflcaç50,<br />

Lutcro (c Mclanclitlion) rctoina(in) a dcfcsa da doutrina da justificação<br />

pela fé, scin as obras."<br />

Sc nos pergunlai~ios coino Lutcro usou a frase .S~IHLI/ izrstzrs et<br />

peccator, teinos de levar cin consideração, cin priiiiciro lugar, esses dois<br />

períodos do conflito ou dcbatc coin Roiila. Anibos OS pcríodos rcqucrcin,<br />

ainda, que sc considere o contexto dc cada escrito, e ein que iiiedida cles<br />

(;,,,(,h T/rcologi


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

refletem desenvolvimento exterior (no debate com Roma) e interior (na<br />

con~preensão do próprio Reformador).<br />

Para o primeiro período, que termina em 152 1 (ou 1522, com os Pre-<br />

fácios ao Novo Testamento), a questão fundamental é a da reorientação<br />

teológica de Lutero. Foi uma iluminação súbita, que mudou radical e instan-<br />

taneamente toda sua teologia, ou foi o resultado de uma lenta elaboração de<br />

um novo referencial (hermenêutico elou doutrinário) em relação ao qual o<br />

restante de sua teologia também foi sendo gradativamente reformulada, ou<br />

foi uma iluminação súbita para o crente Lutero (experiência espiritual), mas<br />

que só lentamente se refletiu na teologia propriamente dita?<br />

Ao ler qualquer dos escritos desse primeiro período, a pergunta deve<br />

ser: estamos diante de um escrito que reflete uma teologia pré-reformatória,<br />

reformatória (= evangélica), ou de transição? Se de transição, qual a rela-<br />

ção com a reorientação evangélica: prepara ou encaminha para a<br />

reorientação ou é conseqüência dela?<br />

Por exemplo, as Preleções de Lutero sobre a Carta aos Romanos<br />

(proferidas em 15 15-1 6, mas cujos apontamentos preparatórios datam provavelmente<br />

desde 1514). É nelas que a frase sirnul iustus et peccator<br />

começa a ser empregada por Lutero como crítica a compreensão escolástica<br />

da justificação. Como situar essa obra de Lutero? Na literatura da pesquisa<br />

em Lutero encontramos todas as opções acima. Para alguns autores, esta<br />

obra já traz a doutrina da justificação do Ref~rmador.~ Para outros, do monge<br />

ag~stiniano.~ Para outros, é de transição (para uns, a partir da reorientação;<br />

para outros, ainda em direção a ela).' As interpretações oferecidas em<br />

geral combinam essas alternativas, enfatizando mais um ou outro aspect~.~<br />

A interpretação que me parece a melhor é uma combinação de duas<br />

das alternativas: reflete o ápice de Lutero como teólogo agostiniano, mas já<br />

revela os elementos de ruptura com o agostinianismo (portanto, sua teologia<br />

é pré-reformatória, mas já em ponto de ruptura e, portanto, de transição<br />

para a reorientação evangélica). Há outros escritos do período que mere-<br />

' Por exemplo, Karl Holl, Die Rechtfertigungslehre in Luthers Vorlesung uber den Roinerbrief init besonderer Rucksicht<br />

auf die Frage der Heilsgewissheit. In: Gesummelte Aujsdtze zur Kircherigeschichte. Vol I. Lirther. (5" ed.) 1927, pp.<br />

11 1-154 (ZThK 19 10, pp. 245~s.).<br />

"Por exemplo, Uuras Saarnivaara. Luther Discover.s the Gospel: New Light upori Lutheri Wuy from Merliei~~l<br />

Cutholici.~m to Evungelicul Fuith. St. Louis: Concordia Publishing House, 1951; e Ernst Rizer. Firles ex riuriitu:<br />

eine Untersirchung iiDer die Eritdeckurig der Gerechtigkeit Cones durch Murtin Lirther. Neukirchen: K. Moers,<br />

1958.<br />

' Por exemplo, Alfred Kurz, Die Heil.sgewi.s.sheit Dei Luther Eine entwicklirng,sgeschichtliche unrl systemutische<br />

Durstellung. Gutersloh, Bertelsmann, 1933.<br />

Por exemplo, Otto Hermann Pesch, Neuere Reitrage zur Frage nach Luthers, Keforinatorischer Wende", in: Der<br />

Durchhruch der Refòrmtrtorischen Erkenntnis bei Luther: Neuere Untersuchungeri B. Lohse, ed. Stuttgart, Steiner,<br />

1988, pp. 245-341.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

cem julgamento semelhante (por exemplo, as Teses de Heidelberg, de 15 17,<br />

que condensam a teologia exposta nas preleções sobre Romanos de 15 15-<br />

15 16). Para usar um conceito da lógica de Hegel, Lutero não abandona a<br />

teologia de Agostinho, mas a ~upera.~<br />

Somente depois de ter alcançado a excelência como teólogo na linha<br />

agostiniana é que Lutero desenvolve a sua própria teologia. A tese é a tradi-<br />

ção teológica como desenvolvida até o começo do século XVI, em geral, e<br />

Agostinho, em particular. A antitese é a Sagrada Escritura, como texto a ser<br />

interpretado, mas que desafia criticamente as interpretações. Desse pro-<br />

cesso hermenêutico deriva-se, por superação, a teologia reformatória ou<br />

evangélica de Lutero, em que o lugar regulador da exegese ou da teologia<br />

deixa de pertencer a tradição ou a autoridade eclesiástica e passa a ser da<br />

Escritura. Na teologia da Reforma, a tradição não é abandonada, mas supe-<br />

rada. A ruptura de Lutero com a tradição em geral e com Agostinho em<br />

especial se dá pelo fato de que as Escrituras exigiram mais do que a tradi-<br />

ção e Agostinho puderam suprir. O vinho novo, a distinção de lei e evange-<br />

lho, rompeu os odres da tradição escolástica-agostiniana.'O<br />

Neste processo, termos e conceitos também passaram por um pro-<br />

cesso de superação, isto é, foram exigidos ao máximo, literalmente esgota-<br />

dos, até o ponto de terem-se rompido como odres velhos em que se colocou<br />

vinho novo. Adquiriram novos significados e novas funções pelo mesmo<br />

processo de superação. Lei e evangelho serviram de antitese: houve termos<br />

que serviram apenas para expressar a lei e termos que se prestaram espe-<br />

cialmente para comunicar o evangelho. Houve odres que se romperam com<br />

a lei, e odres que se romperam com o evangelho, e odres que se romperam<br />

tanto com a lei como com o evangelho, e, assim, se tornaram de pouca<br />

serventia, desaparecendo naturalmente."<br />

É de se perguntar qual foi o caso com a fórmula de inspiração<br />

agostiniana: simul iustus et peccat~r.'~ A pesquisa de Lutero tem mostra-<br />

' Ulrich Asendorf (Die Theologie Mrirrin Luthers nach seinen Predigten. V & R, Gottingen, 19XX), argumenta que<br />

o pensamento de Lutero antecipa a lógica de Hegel. Antes dele, Reinhold Seeberg (Lehrbuch der Dogmengeschichte.<br />

Band 4, Teil I : Die Enisrehung des Prorestrrntischen Lehrhegriffs. Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Darinstadt,<br />

1959) e Erich Seeberg (SEEBERG, Erich. LurherS Theologie in ihren Gnrndzugen. Kohlhaminer, Stuttgart, (1 940)<br />

1950) já haviam apresentado a teologia de Lutero com auxilio da filosofia hegeliana. Para estes autores, há afinidade<br />

ou continuidade de pensamento entre misticismo alemão (Eckhart), Lutero e o idealismo alemão (Hegel).<br />

"' Sobre a relação entre Escritura e Agostinho no desenvolviinento teológico de Lutero, ver Leif Grane, Modus<br />

Loquendi Theologicus, Lurhers Kampf um die Erneuerung der Theologie (1 5 15- 15 1 X), Leiden 1975. Outros<br />

estudos sobre o agostinianismo das preleções aos Romanos (1515-1516) são Hainel e Saarnivaara<br />

" A importância da distinção de lei e evangelho no desenvolvimento do vocabulário teológico de Lutero é uina das<br />

ênfases do Dr. Norman Nagel, professor de sistemática do Concordia Seminaty, St. Louis, MO, USA. Segundo Nagel,<br />

há termos que transmitem bern o evangelho, enquanto outros, a lei.<br />

" Cf. A.M. Johnston, Time as a Psrilm i11 SI. Augustine, disponível ein hrr~1://i~~iuivmuti.ca/


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

do não só que Lutero empregou a frase em mais de um sentido, como tain-<br />

bém seus intérpretes modernos oferecem diferentes interpretações para<br />

ela. Não se deve supor, em vista disso, que ao citar a frase há consenso<br />

sobre seu significado. É preciso qualificar em que sentido e com qual propó-<br />

sito está sendo empregada. Na interpretação de Lutero, tem-se recorrido a<br />

outros termos visando esclarecer o sentido da frase. Por exemplo, a distin-<br />

ção entre total e parcial, forense e efetivo, relacional e substancial, existen-<br />

cial e ontológico."<br />

Lutero empregou a fórmula em basicamente dois sentidos: forense<br />

(totusltotus) e efetivo (partimlpartim). Isto é, totalmente justo ou totalmente<br />

pecador-em se tratando da justificação, e parcialmente justo e parcialmente<br />

pecador-em se tratando da santificação. No que se refere a graça djustifi-<br />

cação forense [= imputação da justiça]) e ao coração ou homem interior, só<br />

é possível ser totalmente justo ou totalmente pecador, completamente debaixo<br />

da graça de Deus ou completamente debaixo de sua ira. Não há meio termo.<br />

No que se refere ao dom e ao corpo ou homem exterior (santificação, regene-<br />

ração ou justificação efetiva [= remoção do pecado]), o cristão é sempre<br />

parcialmente justo e parcialmente pecador, isto é, já há um início de justiça, a<br />

fé, que luta contra o pecado que ainda resta na came.I4<br />

Assim, os dois termos, justo (iustus) e pecador (peccator), devem<br />

ser entendidos em uma dupla tensão dialética.I5 Sob o aspecto forense, o<br />

totalmente justo opõe-se a totalmente pecador (o "ponto matemático" da<br />

justificação). Sob o aspecto efetivo, o parcialmente justo se opõe a parcialmente<br />

pecador (a "linha física" da santifica~ão).'~ No primciro caso, os<br />

"A questáo controversa é se, Lutero apresenta a regeneração corno parte ou aspecto da juititicação. Na pesquisa de<br />

Lutero, Karl Holl destacou-se por defender a tese, corn base especialinente nas preleções de Lutero sobre Roinatios<br />

(1515-lh), de que Lutcro não só inclui a regeneração na doutrina da justificação coino idciititica justilicação c<br />

regeneração. Karl Holl estava, com isso, continnando com base no estudo das Iòntcs (iiiétodo histórico critico), a tesc<br />

de Albrccht Ritschl, de que a doutrina da justificação ciii Lutero incluia a regciicração (isto é, era do tipo analítico).<br />

ao contrário


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

termos da dialética estão ein rclação de exclusão inútua (instantânea). No<br />

segundo caso, os termos exprcssain um conflito, a luta diária do novo contra<br />

o velho hoinen~ (gradativa)."<br />

Os críticos de Lutero têm interpretado a fórniula no sentido de unia<br />

opção pela justificação em detrimento da ~antificação.'~ Não raro, tatnbéni<br />

luteranos a explicam dessa forina. Sirnul izlstzrs et peccator torna-sc, assiin,<br />

um slogan da acoinodação ou da inipossibilidadc de progresso na vida<br />

cristã. Mas essa não é a concepção que Lutcro tem da vida cristã. Para<br />

Lutero, a vida cristã é uina jornada que se inicia no batisi~io.'~ A fórinula<br />

supõe a idéia de inoviincnto para cxplicar a santifica~ão.~" O cristão é uin<br />

peregrino (viutor) neste n~undo."<br />

A rcnioção do pccado é gradativa na vida cristã, isto é, o cristão<br />

avança na santificação lutando contra o pecado. Dar trégua ao pecado, na<br />

vida cristã, já é recuar ou perder terreno (.rture e.rt retrogrecll)." A contri-<br />

buição de Lutero foi esclarecer que este avançar diário na santificação (ou<br />

justificação efetiva) é fruto e não fundamento da coinunlião coiii Deus (jus-<br />

tificação forense)."<br />

Assim, longe de ser unia fórinula de acomodação, sim111 izlst~~s et<br />

peccutor é uina fórinula de inoviinento (progres~o'~ , avanço, crcsciinento)<br />

" I.~itci-o i-cjcit;~, ;issiiii, a icui-i;i csc«l;istic;i scg~iii


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

que expressa um movimento do que é perfeito ou pleno (a justiça de Cristo<br />

apreendida pela fé) para o que se aperfeiçoa (a justiça das boas obras como<br />

fruto da fé).25<br />

Lutero, ao empregar a fórmula simul iustw et peccator, mantém,<br />

em tensão permanente, a imputação e a regeneração. Quando removemos<br />

da fórmula esta tensão dialética, afirmando que somos justos somente aos<br />

olhos de Deus, mas permanecemos pecadores de fato, distorcemos a dou-<br />

trina da justificação de Lutero e eliminamos da fórmula o que lhe é essenci-<br />

al, a dinâmica entre a justificação forense (justiça imputada) e a justificação<br />

efetiva (boas obras).<br />

O pensamento dialético de Lutero tem sido ilustrado como uma elipse,<br />

em que ora um aspecto ou extremo é ampliado, ora outro.26 Assim, a frase<br />

simul iustus et peccator não pode ser dissociada da frase partim iustus,<br />

partim peccator. A justificação e a santificação não podem ser apresenta-<br />

das como duas linhas paralelas, mas como uma elipse cujo centro gravitacional<br />

é a justiça de Cristo, e os extremos orbitais a justificação forense (Cristus<br />

pro nobis-fides apprehensiva Christi) e a justificação efetiva (Christus<br />

in nobis-Jides efficax). Distinguimos mas não separamos justificação e<br />

santificação uma da outra.<br />

A fé, como anel que apreende a pedra preciosa, apreende a Cristo<br />

ficação forense).27 Na fé que o apreende, Cristo está presente: reside,<br />

vive e atua em nós (justificação efetiva).2R Nem a justificação nem a<br />

santificação têm outra fonte senão a justiça de Cristo.29 O pecado (pecado<br />

original) é a fonte do pecado (pecado atual). Ajustiça de Cristo (justificação<br />

forense) é a fonte da justiça (justificação efetiva). A remoção do pecado<br />

original se dará completamente na morte, a justiça de Cristo em nós será<br />

perfeita na ress~rreição.'~ Nesta vida, a remoção do pecado em nós é diária.<br />

A vida cristã é de luta diária contra o pecado. Simul iustus etpeccator!<br />

" Esse quadro da santificação e apresentado por Paulo em Filipenses 3.12-16.<br />

'" Horst Reintker (Luthers Gottese~fi~hnrng und Gottevanvchiiuung. In: Lehen urrd Werk Mrirtin Luther.~ vun 1526<br />

hi.7 1546. Festgube zu seinem 500. Gehurtstug. Edited by Helmar Junghans. 2 vol. V & R, Gottingen, 1983), pp. 39-<br />

62 and pp. 732-746 (notes), emprega a figura da elipse para descrever a estrutura dialética do pensamento de Lutero.<br />

'' LW 26, p. 134 (Comentário de Gálatas, 153111535).<br />

" LW 26: 129-130 (Comentário de Gálatas, 1531/1535).<br />

" Sermào sobre us duus esplcies de justiçri ([ 1 5 1 X?] 15 1 Y), in: Pelo Evungelho de Cristo. Ohrus Seleciontrdrrs de<br />

Mumentos Deci.sivus da Reformu (<strong>Concórdia</strong>, Porto Alegre; Sinodal, São Leopoldo, 1984), pp. 65-73.<br />

'" Romanos 4.25: "o qual foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação."<br />

I Corintios 15.52-53: "A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptiveis, e nós sereinos transformados.<br />

Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da<br />

imortalidade."


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

Em síntese, Lutero não rejeitou a doutrina agostiniana da gratia<br />

sanans (graça como cura da na~ureza)~', mas resgatou a distinção paulina<br />

entre graça e dom da graça (Romanos 5.5,15- 17). Com isso, Lutero resgatou<br />

a graça extra nos (graça como favor dei ou como perdão do pecado),<br />

sem desvincular a regeneração da justificação (graça como cura do pecado,<br />

o que Lutero designa como os dons ou as primícias do Espírito Santo).32<br />

Lutero corrigiu, assim, Agostinho com respeito a relação entre imputação<br />

(justificação forense) e regeneração (justificação efetiva). Lutero não nega<br />

que a imputação é necessária em vista do aspecto parcial da justificação<br />

efetiva, como Agostinho ensinava. Ele corrige Agostinho, no entanto, no<br />

sentido de que a base da imputação de Deus são apenas Cristo e a fé,<br />

jamais a justiça incipiente da pessoa cristã (a regeneração ou seus fnitos).33<br />

Lutero, na época das preleções sobre Romanos, já estava preparan-<br />

do o terreno para a distinção clara entre os aspectos forense e efetivo<br />

(sanativo) da justificação. A fórmula simtrl iwtus etpeccator lhe permitiu<br />

avançar nesse caminho de descoberta da justificação pela graça mediante a<br />

fé em Cristo (imputação), permitindo-lhe, ao mesmo tempo, salvaguardar a<br />

compreensão da vida cristã como luta contra o pecado que se inicia com o<br />

batismo (regeneração): "Esta é a nossa teologia, pela qual ensinamos a fa-<br />

zer uma distinção clara entre estas duas espécies de justiça, a ativa e a<br />

passiva, de modo que moralidade e fé, obras e graça, sociedade secular e<br />

religião não sejam confundidas. Ajustiça cristã refere-se ao novo homem, a<br />

justiça da Lei aplica-se ao velho homem."34 Ajustiça passiva (fé em Cristo)<br />

é justificação forense. A justiça ativa (boas obras) é justificação efetiva ou<br />

remoção/expulsão do pecado (santificação). Estas, diz Lutero, não podem<br />

ser confundidas, e entre elas não há meio termo. Portanto, o cristão é simul<br />

iustus et peccator.<br />

" Cf Agostinho, A Graço (I) (Paulus, São Paulo, 1999). Sobre a relação entre natureza e graça em Lutero. cf. Lauri<br />

Haikola, Sttidien zu Luther un zum Luthertum. (Acta Universitatis Upsaliensis, 2). Uppsala: A.-B. Lundequistska<br />

Bokhandeln; Wiesbaden: Otto Harrassowitz; 1958.<br />

'' Prefácio a Romanos (1522). Em Pelo Evangelho de Crisro.<br />

'' Cf. Saamivaara, Uuras. Luther Discovers the Gospel: New Light upon Luther's Way from Medieval Catholicism<br />

to E\,angelical Faith. St. Louis: Concordia Publishing House, 1951.<br />

'TW 26, 7 (Comentário de Gálatas 153111535).


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

INTRODUÇÃO<br />

Graças a Deus, o número de missionários tem aumentado. Porém,<br />

ainda é pouco o cuidado pastoral prestado a eles por diversas razões.<br />

Queremos observar o Salvador Jesus como missionário ein meio a<br />

conflitos emocionais e espirituais no Jardim do Getsêmani, sua necessidade<br />

de ajuda e seu coinportamento bem I~umano, e então tirar algumas orientações<br />

aplicáveis no pastoreio de missionários.<br />

Por considerarmos tão vasto o assunto "pastoreio de missionários",<br />

queremos nos ater especificamente ao tema escolhido.<br />

1. A NECESSIDADE DE PASTOREIO DE MISSIONÁRIOS<br />

O cuidado pastoral normalmente é entendido, no âmbito da igreja local,<br />

no cuidado com os membros. A missionária Belinda Ng defende que "este<br />

cuidado precisa ir além dos membros comuns e incluir os missionários, este-<br />

jam eles no campo ou na terra natal, por algum n~otivo" (Reflexões sobre<br />

Cuidado Pastoral, p. 259).<br />

Como definir o cuidado pastoral ou o pastoreio para missionários?<br />

Belinda esclarece:<br />

Cuidado pastoral pode ter sentidos diferentes para as pessoas, mas<br />

geralmente engloba os seguintes aspectos: compreensão das necessidades<br />

específicas dos missionários, orientação, aconselhamento, comunhão, co-<br />

municação, amizade, troca de idéias, visitas, assistência em crises, oração,<br />

encorajamento e reconhecimento (Ibid., p. 259).<br />

Leonc;rio h1lt.t. 6 pc~.vto~. dcr Igrej~r b::'l>017gklicc1 LII(C~OI~U dir PCIIIIO, KJ


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

Seguidamente se tem uma idéia errônea dos missionários:<br />

As expectativas que se tem em relação aos missionários as vezes<br />

não são realistas. Os missionários são colocados num pedestal,<br />

como se não tivessem problemas espirituais nem precisassem de<br />

ajuda pastoral. Todavia, eles são humanos e tão carentes de cui-<br />

dado pastoral como qualquer membro comum de igreja. Na ver-<br />

dade, os missionários precisam ainda mais de atenção, pelos se-<br />

guintes motivos: tensões transculturais; experiências de transição<br />

dificeis na vida, como situações desconhecidas, ter um bebê no<br />

campo, enviar um filho para o internato, manter o casamento cres-<br />

cendo e brilhando em circunstâncias muito difíceis; novos assun-<br />

tos que enfrentam no campo; crises por que passam no campo,<br />

como guerra civil, golpes políticos, seqüestros, fome, roubos, inti-<br />

midação, maus tratos, etc. (Belinda, p. 262).<br />

Tendo em vista que o objetivo de nosso trabalho é tratar sobre<br />

"pastoreio de missionários", nos propomos observar Jesus no Getsêmani<br />

não como o Pastor por excelência, mas como um missionário em agonia<br />

sabendo do sofrimento que o aguardava, querendo ajuda e buscando-a em<br />

homens e em Deus. Então, vejamos Jesus como um missionário necessita-<br />

do de pastoreio e depois apliquemos o que pudermos aprender ao pastoreio<br />

de missionários em nossos dias.<br />

2. JESUS, UM MISSIONÁRIO NECESSITADO DE PASTOREIO<br />

0s textos bíblicos1 que narram os momentos de Jesus no Getsêmani<br />

são muito marcantes aos leitores cristãos. Tais textos descrevem a agonia de<br />

Jesus por saber de todo o sofrimento a enfrentar. Neles os evangelistas retra-<br />

tam a verdadeira humanidade de Jesus, esvaziada de seus atributos divinos<br />

por sua própria vontade.<br />

O autor de Hebreus, no capítulo 6, versículos 7 e 8, apresenta um<br />

texto paralelo explicativo:<br />

Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte<br />

clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar da<br />

morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade, embora<br />

sendo Filho, aprendeu a obediência pelas cousas que sofreu.<br />

Depois de Jesus e os discípulos realizarem a ceia pascal e ser institu-<br />

ída a Santa Ceia, "foi Jesus com eles [seus discípulos] a um lugar chamado<br />

Getsêmani2, e disse a eles: "Assentai-vos aqui, enquanto eu vou ali orar, e,<br />

-<br />

' Mt 26.36-46; Mc 14.32-42; Lc 22.40-46.<br />

' A palavra Gctsfmani qucr dizcr "lagar dc azcitc". Era um tcrrcno ccrcado, um jardim, um pomar.<br />

Ficava ao pc do Montc das Oliveiras. Atc hojc tcm cssc nomc (Champlin, p.600).


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

levando consigo a Pedro e aos filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se<br />

e a angustiar-se" (Mt 26.36-37).<br />

2.1 0 sofrimento<br />

Champlin lembra que "os evangelhos não procuram descrever as<br />

emoções de Jesus; mas nessa oportunidade a expressão de Jesus era tão<br />

notável que ninguém podia deixar de observá-la" (p. 600).<br />

Enquanto Mateus usa o verbo Lun~toeat ("entristecer-se"), Marcos<br />

usa um verbo com sentido mais vigoroso ~~0vapp~toeat ("ter pavor").<br />

"A expressão traduzida por 'angustiar-se' é também uma expressão<br />

forte no grego" (Champlin, p. 600).<br />

"Como verdadeiro ser humano, o Filho de Deus temeu o pavoroso<br />

sofrimento que estava reservado para ele" (Comentários Bíblicos, p. 340).<br />

Por isso "começou entristecer-se e angustiar-se", v.37. Em sua humanida-<br />

de desejava evitar a morte de cruz, por tratar-se de algo altamente revoltan-<br />

te e tal pena de morte trazia as piores agonias. Mas também desejava evitar<br />

a ira do Pai que cairia sobre ele, devido aos pecados dos seres humanos.<br />

Jesus preocupava-se com os sofrimentos espirituais, mas também com os<br />

sofrimentos físicos que o aguardavam.<br />

Nós bem sabemos que durante os dois últimos dias que antecederam<br />

a morte de Jesus culminaram com passio magna, ou seja, "a extrema an-<br />

gústia que nosso Redentor sofreu do Getsêmani ao Calvário, parte na alma,<br />

parte no corpo, suportando no final as mais extremas e amargas dores para<br />

expiação dos nossos pecados, 1s 53.4-6; 2 Co 5.21" (J.T.Mueller, v. I, 303).<br />

Não podemos esquecer-nos de que Jesus foi tentado em todos<br />

pontos como ocorre com cada um de nós (Hb 4.15), que ele levou sobre<br />

si a nossa natureza humana com suas debilidades naturais, porém sem<br />

pecar.<br />

A luta e a intensa agonia de Jesus foram perfeitamente reais;<br />

não estava fazendo um papel anteriormente preparado, para<br />

benefício alheio. As tentações pelas quais passou de não sub-<br />

meter-se a morte de cruz e a ira de Deus foram, certamente,<br />

reais (Champlin, p. 600).<br />

Em sua oração ao Pai, Jesus usa a palavra "cálice" (Mt 26.39, 42).<br />

Nos escritos sagrados antigos, o cálice simbolizava tristeza, angústia, terror<br />

ou alguma provação especial. Quantos eram condenados a morte sendo<br />

obrigados a beberem um cálice de veneno! Que sentimentos aterrorizantes<br />

deviam dominar o íntimo de tais condenados! Jesus igualmente desejava<br />

expressar a enormidade de seu sofrimento presente e futuro usando a pala-<br />

vra "cálice".<br />

14


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

Não há o que duvidar quanto ao sofrimento de Jesus no Getsêmani.<br />

E, de acordo com todos os padrões humanos, até ali, Jesus fracassara em<br />

sua missão.<br />

2.2 A verbalização<br />

Jesus bem sabia que a pessoa estando em angústia tem necessidade<br />

de verbalizar para alguém o que sente, e isto ele fez. Estando com seus<br />

discípulos mais achegados - Pedro, Tiago e João - procurou colocar em<br />

palavras seus sentimentos. Desabafou aos amigos: "A minha alma está pro-<br />

fundamente triste até a morte ..." (Mt 26.38). Ele não deu uma de super-<br />

herói, pensando: "Já enfrentei outras situações difíceis sozinho, vou enfren-<br />

tar também esta". Nem fez de conta ser um líder inatingível em seus senti-<br />

mentos, pensando: "Se eu falar o que se passa comigo estarei passando aos<br />

meus discípulos a idéia de fragilidade e medo. O que vai se passar na cabe-<br />

ça deles?"<br />

Nada disso. Jesus se expôs. Desabafou. Seus discípulos puderam<br />

saber o que se passava em seu íntimo, e falou utilizando palavras bem for-<br />

tes: "A minha alma está profundamente triste até a morte" (Mt 26.38). Este<br />

desabafo deve ter contribuído para diminuir suas tensões emocionais. "Até<br />

a morte" era uma expressão idiomática comum, significando que a pessoa<br />

estava no mais extremo grau de sofrimento. Expressões como esta obser-<br />

vamos em Jn 4.9; S122.16 e 40.13. Talvez passagens como estas estariam<br />

na mente de Jesus (Champlin, p. 600). O que ele queria dizer era: "Minha<br />

alma está partida. Estou a ponto de morrer por causa da tristeza". Isto por<br />

quê? Porque Deus Pai " ... o fez pecado por nós ..." (2 Co 5.21).<br />

Seus discípulos "não seriam apenas testemunhas do Seu indescritível<br />

e severo conflito da morte que O aguardava, mas Ele desejou receber o<br />

conforto e encorajamento deles" (Martin Chemnitz citado em Comentários<br />

Bíblicos, p. 340). Jesus pediu ajuda: " ... ficai aqui e vigiai comigo" (Mt 26.38).<br />

Era tarde da noite. Jesus "implora um pouco de simpatia humana" (Champlin,<br />

p. 601). É como se Jesus dissesse aos seus discípulos: "Não me deixem<br />

sozinho. Estou passando por situação muito difícil. Fiquem acordados comi-<br />

go e orem comigo".<br />

Quando, porém, Jesus voltou do primeiro momento de oração e encon-<br />

trou seus discípulos dormindo, ele lhes pede ajuda para eles próprios: "Vigiai e<br />

orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto,<br />

mas a carne é fraca" (Mt 26.41). É como se o Mestre dissesse: "Se não<br />

conseguem me ajudar por estarem com tanto sono, fiquem acordados e orem<br />

para ajudarem a vocês próprios, pois a nova natureza ("espírito") recebida<br />

com a fé está pronta para fazer a vontade de Deus e até sofrer por mim, mas<br />

a natureza velha e pecaminosa ("carne") é fraca demais para isto".


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

Devido ao sono, os discípulos foram indiferentes ao apelo do Mestre.<br />

"E, voltando para os discípulos, achou-os dormindo; e disse a Pedro: Então,<br />

nem uma hora pudestes vós vigiar comigo?" (Mt 26.40).<br />

Jesus precisava desesperadamente do apoio dos discípulos, mas ...<br />

nada. Pedro tinha prometido que até morreria pelo Mestre se fosse preciso<br />

(Mt 26.35), porém não conseguiu ficar acordado enquanto seu mestre esta-<br />

va tão angustiado. As palavras "assim nem uma hora pudestes vigiar comi-<br />

go?" indicam o desapontamento de Jesus com seus amigos mais achegados.<br />

2.3 Os discípulos não ajudaram<br />

A respeito da indiferença dos discípulos, Champlin escreve:<br />

Não entenderam a crise que Jesus enfrentava. Sabiam que ele<br />

passara por muitos problemas com as autoridades. Sabiam que<br />

ele predissera um desastre iminente, mas não podiam aceitar<br />

isso como uma possibilidade imediata. Sabiam que tinham havido<br />

diversos planos para eliminar a Jesus, mas Jesus se saíra<br />

vitorioso em muitas lutas, porque possuía estranhos e altos poderes.<br />

Simplesmente não estavam mentalmente preparados para<br />

a crise, e naquele momento nada lhes parecia mais importante<br />

do que o sono. O texto descreve a grande solidão da inquisição<br />

espiritual. Jesus ansiava pela lealdade humana [. . .] Também o<br />

texto [bíblico] ensina a necessidade da integridade, fidelidade e<br />

companheirismo (Champlin, pp. 602-603).<br />

Agindo como fizeram, Pedro, Tiago e João perderam excelente oportunidade<br />

de ajudar seu mestre e amigo.<br />

Para Jesus receber alguma ajuda foi preciso o próprio Pai celeste<br />

entrar em ação. "Então, lhe apareceu um anjo do céu que o confortava" (Lc<br />

22.43). Em meio à agonia, o Pai providenciou consolo e encorajamento, que<br />

seus discípulos deixaram de dar a Jesus, enviando um anjo. Por isso, sua<br />

alma deve ter ficado mais tranqüila, embora comprovasse com tal atitude do<br />

Pai que o "cálice" não seria passado de lado. "Então cessada a agonia,<br />

Jesus fala a seus discípulos em um tom diferente" (Lenski, p. 1044 - tradução<br />

nossa), conforme lemos em Mt 26.45: "Ainda dormis e repousais! Eis<br />

que é chegada a hora, e o Filho do homem está sendo entregue nas mãos de<br />

pecadores. Levantai-vos, vamos! Eis que o traidor se aproxima".<br />

2.4 A oração<br />

Mateus e Marcos esclarecem que Jesus fez três momentos de ora-<br />

ção. Lenski lembra que "intense were the prayer and the agony, but the<br />

words were few" (p. 1040).<br />

16


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

Observando a narrativa de Mateus, lemos: "Adiantando-se um pou-<br />

co, prostrou-se sobre seu rosto, orando e dizendo: Meu Pai, se possível,<br />

passa de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu<br />

queres" (v.39).<br />

No segundo momento de oração: "Tomando a retirar-se, orou de novo,<br />

dizendo: Meu Pai, se não é possível passar de mim este cálice sem que eu o<br />

beba, faça a tua vontade" (v.42). O terceiro momento: "Deixando-os nova-<br />

mente, foi orar pela terceira vez, repetindo as mesmas palavras" (v. 44).<br />

"The three prayers are throughout couched in the same words, i.e., the<br />

same in substance (zov auzov hoyov) certainly not also the some verbatin"<br />

(Lenski, 1044).<br />

É possível que os discípulos nunca tivessem visto Jesus naquela posi-<br />

ção: " ... prostrou-se com o rosto em terra e orou" (Mt 26.39). Em total<br />

desamparo, Jesus demonstrou nesta posição profunda humildade diante do<br />

Pai e completa dependência.<br />

A invocação ao Pai é diferente nesta situação de sofrimento. Nor-<br />

malmente Jesus iniciava suas orações com a palavra "Pai", mas seu sofri-<br />

mento era tão grande que clama "meu Pai". Também era uma demonstra-<br />

ção da intimidade com Deus Pai, a confiança que depositava nele ao falar<br />

em oração sobre um plano que o Pai determinara.<br />

O evangelho de Marcos destaca a confiança de Jesus na onipotência<br />

de Deus Pai: "... tudo te é possível; passa de mim este cálice ..." Champlin<br />

comenta: "Jesus pensou que talvez a obra de Deus pudesse operar a reden-<br />

ção sem a cruz, mas não pressionou sobre esse ponto" (p. 601).<br />

Sobre a idéia do "passar do cálice", Champlin comenta:<br />

Talvez tenha a seguinte origem: havendo diversos criminosos<br />

enfileirados para serem executados com cálice de veneno, um<br />

criminoso pedia ao juiz para não precisar dele tomar, sendo<br />

passado para outro, e assim aquele criminoso seria poupado<br />

(p. 601).<br />

Em sua oração, Jesus usou esta figura de linguagem ao pedir ao Pai<br />

para que o livrasse da morte sacrificial que se aproximava. Em meio a tanta<br />

angústia, Jesus fez uso da oração ao Pai celeste pedindo ajuda. Embora o Pai<br />

não lhe atendesse o pedido de livrá-lo do que estava por vir, deve ter sido fonte<br />

de consolo para Jesus saber que o Pai ouvia sua oração e não se zangava pelo<br />

fato de orar três vezes a respeito do mesmo assunto.<br />

2.5 A submissão<br />

Três vezes Jesus orou ao Pai pedindo que o livrasse do sofrimento da


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

cruz, mas também três vezes Jesus aceitou a vontade do Pai, dizendo: "To-<br />

davia, não seja como eu quero, e sim como tu queres" (v. 39) " ... faça-se a<br />

tua vontade" (v. 42) " ... foi orar pela terceira vez, repetindo as mesmas<br />

palavras" (v. 44). Da primeira a última palavra da oração, Jesus submeteu-<br />

se a vontade do Pai. "Although in his agony Jesus has mentioned the possibility,<br />

he really intends to yield everything to his Father's will and to aside his own<br />

will. It is the human will of Jesus that speaks here" (Lenski, p. 1040).<br />

Na primeira vez que ora, Jesus refere-se a possibilidade "se possível"<br />

(no grego é mais óbvio - ~t6uvazov) de Deus Pai livrá-lo da morte de<br />

cruz. Na segunda vez que ora, já admite a impossibilidade "se não é possível"<br />

(no grego - ~t ou Guvazat). Lenski comenta:<br />

Here again is the same absolute submission to the Fatherbs will,<br />

"let thy will be done," i.e., the will of the Father regarding the<br />

redemption of the world, that will which Jesus had come into<br />

world to do, that will which is now attaining its climax in the<br />

redemptive passion and death of the incarnate Son" (p. 1043).<br />

Jesus Cristo sabia que viera ao mundo justamente para fazer a vonta-<br />

de do Pai. Fazer a vontade do Pai era tão importante para ele ao ponto de<br />

dizer: "A minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou<br />

e realizar a sua obra" (Jo 4.34). E fazer a vontade do Pai consistia em<br />

Jesus obedecer as leis cerimoniais e morais, cumprir as profecias do Antigo<br />

Testamento, passar pelo sofrimento, morte, e ressuscitar a fim de salvar a<br />

humanidade. Em Fp 2.8 o apóstolo Paulo atesta que Jesus foi obediente:<br />

"Tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz". Foi por isso que na<br />

ocasião do Batismo e na transfiguração de Jesus, Deus Pai falou do céu:<br />

"Este é o meu filho amado, em quem me comprazo" (Mt 3.17; 17.5).<br />

3. APLICAÇ~ES PARA O PASTOREIO DE MISSIONÁRIOS<br />

A partir da análise feita a respeito do Salvador Jesus frente ao sofrimento,<br />

cumpre-nos neste capítulo delinear algumas aplicações para o<br />

pastoreio de missionários, como seguem:<br />

3.1 O missionário passa por crises e conflitos<br />

Sofrer faz parte desta vida terrena, marcada pelo pecado. Enquanto<br />

estivermos deste lado da eternidade, sofrimentos diversos nos acompanha-<br />

rão. Eles fazem parte da vida humana. Bem nos lembra esta verdade o<br />

poeta Francisco Otaviano (1 825-1 889), Rio de Janeiro:<br />

Quem passou pela vida em brancas nuvens<br />

e em plácido repouso adormeceu;


quem não sentiu o frio da desgraça,<br />

quem passou pela vida e não sofreu;<br />

foi espectro de homem - não foi llomem,<br />

só passou pela vida - não viveu (Champlin, p. 600).<br />

Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

O reformador Dr. Martinho Lutero tem palavras significativas a res-<br />

peito do sofrimento do cristão. Suas palavras a respeito deste assunto apli-<br />

cam-se também aos missionários:<br />

Se queremos ser cristãos, devemos estar seguramente prepa-<br />

rados e cientes de que temos por inimigos o diabo, juntamente<br />

com todos os seus anjos, e o mundo, que nos infligem toda<br />

sorte de infortúnios e pesares. Porque onde a palavra de Deus<br />

é pregada, aceita ou crida e produz fruto, aí também não há de<br />

faltar a amada e santa cruz (Livro de <strong>Concórdia</strong>, pp. 466-67).<br />

O grande pregador C.H. Spurgeon alertava seus alunos:<br />

Reconl~eçam, pois, que, para adquirir o poder necessário para<br />

a conquista de almas para Cristo, terão que passar pelo fogo e<br />

pela água, pela dúvida e pelo desespero, por tomlentos mentais<br />

e angústias da alma. Naturalmente, a experiência não será idêntica<br />

para todos, e talvez nem mesmo para dois de vocês, pois a<br />

sua preparação será de acordo com a obra que lhe for confiada<br />

(O Conquistador de Almas, p.125).<br />

Quem deseja ser um ministro do evangelho, seja como pastor de uma<br />

igreja local organizada ou um missionário em sua terra natal ou longe dela,<br />

deve estar disposto a carregar "cruzes" que surgirão e estar sempre ciente<br />

de que passará, as vezes mais e às vezes menos, por crises e conflitos.<br />

3.2 O missionário precisa de simpatia e apoio<br />

O próprio Jesus sentiu estas necessidades, porém, seus discípulos<br />

não foram sensíveis ao que se passava com o Mestre, e por conseguinte<br />

não lhe deram a ajuda necessária.<br />

Um erro muito comum que se comete com missionários em dificulda-<br />

des é fazer pré-julgamentos, culpando-os por passarem dificuldades, e, quando<br />

isto acontece, pouca ajuda poderá ser dada.<br />

A empatia para com o missionário e sua família por parte do líder<br />

responsável em pastoreá-los é o ponto de partida para socorrê-los. O líder<br />

sensível vai tentar imaginar o que o missionário e a família estão sentindo<br />

em meio à dificuldade, os ouvirá com atenção, os encorajará ao narrarem


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

injustiças sofridas, coin brandura os rcprccndcrá a respcito de eventuais<br />

falhas, buscará ajuda dc outros sc ncccssário, prcstará orientação e incen-<br />

tivo usando a palavra dc Dcus c orará com os mcsmos procurando firmá-<br />

10s na fé em Cristo e no propósito de continuar servindo ao Salvador na<br />

missão dc DCUS.<br />

O fato dc tcrinos alguém sensívcl a nós cm momentos de sofrimcn-<br />

tos, causam-nos grande consolo.<br />

3.3 O missionário precisa de oportunidade para verbalizar o sofri-<br />

mento<br />

O psicanalista Jocl Birman, ao comcntar sobrc as conscquências psico-<br />

lógicas nas pessoas dcvido aos ataqucs tcrroristas ao World Tradc Center e<br />

ao Pcntágono cm 1 1/9/200 1, EUA, opina assim:<br />

Nessas horas de medo ou angústia, o mais importantc c mcs-<br />

mo procurar alguém para conversar: a mãc, o namorado, a<br />

mulhcr. Em situaçõcs dc dcprcssão mais grave o uso de medi-<br />

camcntos pode até ser indicado, mas será eficientc sc a pcs-<br />

soa tivcr tainbéin espaço para conversar. A sensação dc quc<br />

algucm ouvc nossos problemas e reconhece que existe reali-<br />

dadc cm nossas angústias ajuda a apaziguar medos (Revistu<br />

É'oco, 20/10/2001, p.16).<br />

A necessidade de ter a disposição amigos coin ouvidos atcntos para<br />

dcsabafos sc aplica tainbéin ao missionário c sua família, pois muitas vczcs,<br />

semelhantemente a Jesus, se encontram com a "alma ... profundamcntc tristc<br />

atk 21 inortc" (Mt 26.38) c scntcm quc os novos membros do ponto de inis-<br />

são não têm maturidadc cmocional c cspiritual para ouvi-los.<br />

O líder quc ofcrccc pastorcio scndo ouvintc atcnto, scndo pacicnte e<br />

sem fazcr pré-julgamentos, já estará prestando grandc ajuda a família<br />

missionária.<br />

3.4 O missionário pode ser ajudado também com oração e estudo<br />

da palavra de Deus<br />

Jesus orou ao Pai cnquanto sua alma cstava angustiada. Mas scntiu a<br />

necessidade de seus discípulos orarem também por clc. Então pcdiu a clcs<br />

para faze-10.<br />

No pastorcio, missionário e família podem ser lembrados do ób-<br />

vio, mas As vezes desperccbido: o sofriincnto faz partc dcsta vida<br />

marcada pclo pecado. Por outro lado, o lídcr quc prcstar pastorcio


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

cumprirá bem seu papel se procurar estimular missionário e família<br />

fazendo com eles estudo da palavra de Deus, incentivando-os a conti-<br />

nuar confiando no bondoso Deus e a serem perseverantes no trabalho,<br />

deixando claro que o Senhor da Missão, Deus, não desampara seus<br />

filhos. Há muitos textos bíblicos confortantes para ocasiões assim. Entre<br />

tantos, o líder pode usar um dos textos, como por exemplo: Js 1.8,9; S1<br />

46; Hc 3.17-19; Mt 28.20, fazendo leitura, comentário e aplicação a<br />

família missionária.<br />

A seguir, o líder no pastoreio pode orar pelo missionário e família, pelo<br />

trabalho que realizam, e dar oportunidade para eles também orarem, caso<br />

queiram.<br />

Este apoio espiritual no qual o líder aponta para Jesus Cristo como o<br />

Senhor que dirige com poder e amor Sua igreja, as missões e seus servos,<br />

será de vital importância.<br />

3.5 O missionário pode ser incentivado a submeter-se a vontade de<br />

Deus<br />

Há vários problemas enfrentados por missionários e famílias que ra-<br />

pidamente podem ser solucionados com ajuda do líder do pastorcio, da agência<br />

missionária que os enviou ou de uma igreja. Porém, há outros que não. Foi a<br />

situação vivida por Jesus no Getsêmani. Pediu ao Pai que, se possível, o<br />

livrasse do sofrimento que estava por vir, mas quando chegou a conclusão<br />

de que o Pai não o livraria do sofrimento iminente, humildemente Jesus<br />

aceitou a vontade do Pai.<br />

Lutero escreveu: "E ninguém pense que vai ter paz. Deverá, ao con-<br />

trário, sacrificar o que tiver na terra [...I pois a palavra de ordem é perseve-<br />

rar e sofrer com paciência seja qual for o assalto, e abandonar o que se nos<br />

tira (Livro de <strong>Concórdia</strong>, pp. 466-67).<br />

Na oração do Pai Nosso o próprio Jesus nos ensinou a orar "seja<br />

feita a tua vontade ..." Lenski comenta: "In this petition God's children<br />

put their own will into complete harmony with their Father's will and<br />

thus into opposition to the will of a11 his foes" (Lenski, p. 267). Significa<br />

que nos colocamos totalmente sob a vontade do Pai celeste e que acei-<br />

tamos sua abençoada vontade para nós - também cruzes, sofrimentos,<br />

etc.<br />

Visando incentivar o missionário e família a perseverarem em meio<br />

as dificuldades, convém lembrar-lhes as palavras do apóstolo Paulo em Rrn<br />

8.35-39:


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou<br />

angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou es-<br />

pada? Como está escrito: Por amor de ti, somos entregues a<br />

morte o dia todo, fomos considerados como ovelhas para o<br />

matadouro. Em todas estas cousas, porém, somos mais que<br />

vencedores, por meio daquele que nos amou. Pois eu estou<br />

bem certo de que nem morte, nem vida, nem principados, nem<br />

as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem<br />

altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura poderá<br />

separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso<br />

Senhor.<br />

Quando Deus deseja que um missionário com sua família sejam perse-<br />

verantes no trabalho em meio as dificuldades, Ele dará a capacitação ne-<br />

cessária através de Jesus Cristo, o qual faz fortes os enfraquecidos, dá<br />

descanso aos cansados.<br />

Todo cristão que for perseverante naquilo que é certo e bom para o<br />

Reino de Deus, receberá como recompensa a maturidade espiritual e emo-<br />

cional, entre outras bênçãos.<br />

CONCLUSÃO<br />

Se o próprio Jesus sentiu a necessidade de cuidado pastoral, quanto<br />

mais missionários puramente humanos de tal cuidado necessitam.<br />

O pastoreio de missionário é um trabalho que precisa ser oferecido<br />

cada vez melhor como parte da estratégia do programa missionário da igre-<br />

ja ou da agência enviadora, assim como entra nesse planejamento o susten-<br />

to financeiro e material.<br />

O pastoreio feito por pessoas experientes na obra missionária,<br />

empáticas e que amam a obra missionária, será importante instrumento de<br />

Deus para o revigoramento de missionários e suas famílias, bem como trará<br />

grandes bênçãos aos campos de missão onde tais famílias missionárias atuam.<br />

Bibliografia<br />

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NESTLE-ALAND. Novum Testamentum Graece. London: United<br />

Bible Societies.<br />

NG, Belinda. Reflexões sobre cuidado pastoral -perspectiva dos novos<br />

enviadores. In: Valioso demais para que seperca. William D. Taylor,<br />

ed., Londrina - Curitiba: Descoberta, 1998.<br />

REVISTA ÉPOCA. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2011 01200 1<br />

SPURGEON, C.H. O conquistador de almas. São Paulo: Publica-<br />

ções Evangélicas Selecionadas, 1978


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

Horst R. Kuchenbecker*<br />

INTRODUÇÃO<br />

Estimados irmãos e irmãs em Cristo! Permitam que comece este<br />

estudo com oração: "Senhor Jesus, concede-nos um ministério fiel, pastores<br />

apegados a tua Palavra, que vivam diante de ti em diário arrependimento, fé<br />

e vida santificada, que se dediquem de todo o coração a pregação de tua<br />

Palavra, chamando destemidamente ao arrependimento, consolando os<br />

pecadores penitentes e impelindo para a vida santificada. Por Cristo, o Senhor<br />

da Igreja. Amém."<br />

Assim oraram muitos de nossos pais. A mesma oração é repetida<br />

hoje ainda por muitos pastores e leigos. É necessário que se ore assim cada<br />

dia, pois nestes tempos finais crescem a indiferença para com a palavra de<br />

Deus e o desapego a moral e aos bons costumes. Também a vida ministerial<br />

apresenta cada vez mais problemas. Precisamos de pastores que, apegados<br />

a palavra de Deus, vivam em comunhão com Deus, sejam irrepreensíveis e<br />

modelos para o rebanho. Que Deus no-lo conceda por sua graça.<br />

Satanás sempre procurou e procura, por todos os meios possíveis,<br />

corromper o santo ministério para impedir a expansão do Evangelho e minar<br />

a confiabilidade nos ministros. Ora reprime o evangelho violentamente como<br />

o fez pelas perseguições dos imperadores romanos, pelo ditador Stálin e sua<br />

filosofia marxista, que afirmou que dentro de dez anos não se falaria mais<br />

no nome de Jesus na Rússia; ora ataca por falsos profetas; ou procura<br />

seduzir pastores e membros a vícios ou grande vergonha. Por isso Jesus<br />

adverte: "Vigiai e orai, para que não entreis em tentação" (Marcos 14.38).<br />

O apóstolo Pedro, falando por experiência própria, alerta: "Sede sóbrios e<br />

vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge<br />

procurando alguém para devorar" (1 Pedro 5.8). E nós oramos: "Não nos<br />

deixes cair em tentação" (Mt 6.13).<br />

24<br />

Horsi R. Kuchenhecker 4 pastor da Congregação Crislo de Porlo Alegre. RS


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

O Dr. C.F.W. Walther, no final do seu ministério, conforme relato de<br />

seus amigos, orava intensamente: "Senhor, conserva-nos um ministério fiel."<br />

A igreja cristã sempre foi e é uma igreja militante. Mas, nos últimos tempos,<br />

os problemas na área ministerial estão crescendo de forma assustadora,<br />

não só em nossa igreja, porém na igreja cristã no mundo inteiro. Ouve-se<br />

falar de pastores que descuidam a doutrina, que não sabem administrar sua<br />

própria casa, desonestos, fichados no SPC, viciados em álcool, divorciados,<br />

que abandonam o ministério e outras situações desagradáveis e nefastas<br />

para o ofício pastoral.<br />

Tal realidade deve prostrar-nos em profunda tristeza, arrependimento<br />

e oração, como aconteceu no tempo de Esdras e Neemias, quando vista a<br />

desolação de Israel.<br />

Como lidar com tais problemas? Isso já foi uma preocupação no tempo<br />

de Lutero, gerando a instituição dos visitadores e o documento: Instrução<br />

dos Visitadores aos Párocos.'<br />

Ao nos ocuparmos com o tema: Tratativas Pastorais, queremos limitar-<br />

nos especificamente ao tratamento de pastores com problemas e dividir o<br />

tema em três partes: 1) Prevenir; 2) Supervisionar; 3) Disciplinar.<br />

I. PREVENIR<br />

Quando se fala em doenças, os médicos costumam afirmar: prevenir<br />

é melhor do que remediar. Nas tratativas pastorais, não podemos pensar<br />

diferente. Por isso abordan~os em primeiro lugar o tema: Prevenir, dividindoo<br />

em três itens: Apego a Escritura, Qualificações e Vida Santificada.<br />

1.1 - Apego à Escritura: Somos um Sínodo. Sinodo é um caminhar junto<br />

no qual interessa o caminho correto. Por isso nossos pais, em suas conven-<br />

ções nacionais e regionais, dedicavam a maior parte do tempo ao estudo da<br />

palavra de Deus, examinando e reexaminando doutrinas, para caminharem<br />

realmente juntos.<br />

No ministério, a correta posição diante da pdlavra de Deus é<br />

fundamental. A Bíblia é a palavra de Deus. Ela não é um livro no qual<br />

palavra de Deus e palavra humana correm paralelas como dois trilhos de<br />

trem. Não! A Escritura é a própria palavra de Deus. Fora da Bíblia não há<br />

revelação da graciosa vontade de Deus. A criação proclama a glória de<br />

Deus e o seu poder, contudo silencia completamente sobre a atitude de<br />

' Lutcro, Martiiiho. Obr-a.s Sr1ecionada.s. São Lcopoldo c Porto Alcgrc: Editora Siiiodal c <strong>Concórdia</strong><br />

Editora, 2000, vol. 7, p.257.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

Deus para com o homem caído em pecado. A razão humana é uma luz na<br />

esfera da natureza, mas é treva densa na esfera da salvação por graça.<br />

A Escritura tem um propósito claro: revelar a misericórdia de Deus<br />

em Cristo, como único caminho para o céu, a vida eterna. Na Bíblia temos<br />

mais que história, ciência natural e preceitos. Ela foi escrita "para que a<br />

vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus" (1<br />

Coríntios 2.5). Jesus afirma aos fariseus: "Examinais as Escrituras, porque<br />

julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim"<br />

(João 5.39). Daí a importância que damos a uma tradução, o quanto mais<br />

exata possível, pois cremos na inspiração verbal da E~critura.~<br />

E mais. Isto pode até parecer corriqueiro. No momento em que, como<br />

pastores, nos descuidarmos de nosso estudo particular da Escritura e das<br />

Confissões, bem como dos livros dogmáticos, isso se constitui no primeiro<br />

passo para a derrota no ministério. Quando não temos mais tempo para<br />

estudo e oração e só o fazemos profissionalmente, estamos derrotados.<br />

Por essa razão, a correta atitude diante da Escritura Sagrada e o<br />

apego a ela determinarão como o pastor executará o seu ofício pastoral. A<br />

Escritura não exerce somente uma influência benéfica sobre nós, mas ela<br />

determina, isto é, molda nosso caráter. Enquanto o pastor estiver corretamente<br />

posicionado em relação a Escritura, ele executará bem o seu ofício. O Prof.<br />

Dr. F. Photenhauer3 desenvolveu oito teses nesse sentido, nas quais afirma<br />

em resumo o seguinte: 1) O pastor deverá estudar diligentemente a Escritura,<br />

pois se negligenciar este estudo será infiel e fracassará no ministério; 2) A<br />

Escritura será seu único guia em coisas espirituais, pois nessas coisas a<br />

razão humana é cega; 3) Suas pregações consistirão em expor fiel e<br />

cuidadosamente a Escritura, para poder dizer: Assim diz o Senhor; 4) Firmado<br />

na Escritura, não firmará compromissos com a ciência elou falsos profetas,<br />

e distinguirá entre doutrinas fundamentais e não-fundamentais; 5) Pregará<br />

lei e evangelho sem separá-los, todavia fará clara distinção entre eles, pois<br />

confusão entre ambos rouba a certeza da salvação; 6) Lembrará que a<br />

' Tradução EquivalEncia Formal: traduz cada palavra do original, seu estilo gramatical c sua forma<br />

lingüística com cuidado c importância, como por cxcmplo a nossa Almcida. Equivalencia<br />

Dinâmica: Capta o scntido c o reproduz na linguagem do leitor. Não scguc os paralelos lingüisticos<br />

do texto original, ncm sua estrutura gramatical, nem as cxprcssõcs idiomáticas ou tkcnicas,<br />

reproduz numa linguagem contcmporânca. Excmplos: Nova Bíblia na Linguagcm dc Hoje,<br />

Nova Versão Internacional (NIV). Para nós quc cremos na inspiração verbal, Icvanta-sc a<br />

pergunta: Temos o direito dc buscar uma tradução dinâmica? Minha posição 6: Não! Nossa<br />

igreja precisa posicionar-se a cssc rcspeito. A tradução dinâmica pode scrvir para uma Icitura<br />

paralela, ou digamos, uma Icitura inicial, na missão, como se li. uma história bíblica. Mas não<br />

serve para o púlpito, para os livros didáticos, para um dcbatc sobrc doutrina.<br />

' Concordia Thcological Monthly, ano X, p. 90-95.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

doutrina da justificação do pecador pela graça de Cristo é doutrina central<br />

da Escritura; 7) Estimulará a congregação para a vida santificada e as boas<br />

obras; 8) Adornará seu ministério com vida piedosa, tanto em particular<br />

como em público.<br />

1.2 - Qualificações: Em ilosso cl~amado constam três passagens sobre<br />

qualificações ao ministério: 1 Tm 3.1-13; 2 Tm 2.15,24-26; Tt 2.7-8. Sabemos<br />

o que isso significa para nós pastores? Nossos leigos sabem o que isso<br />

significa? Quem não tiver essas qualificações, não deveria ser chamado ao<br />

santo ministério.<br />

Ultimamente tomou-se praxe em nossas igreja, quando se pretende<br />

chamar um pastor, definir o perfil do obreiro pretendido. Numa dessas<br />

ocasiões, haviam elaborado uma lista com vários requisitos, quando um<br />

congregado, mais idoso, levantou e disse: Esta lista: orador, jovem, família<br />

pequena, trabalhar em equipe, cordial, sociável, etc. são coisas secundárias;<br />

as qualificações principais Deus definiu em sua Palavra; isso importa ser<br />

analisado. E citou o episódio, no tempo de Lutero, em que uma congregação<br />

fez uma lista parecida, ao que Lutero respondeu: "Solch einen pastor konnt<br />

ihr euch selber backen (Tal pastor vocês mesmos podem fabricar para<br />

vocês)." Pois bem, quais são as qualificações necessárias para que alguém<br />

possa ser pastor?<br />

a) Irrepreensível - Irrepreensível aqui não significa que seja sem pecado,<br />

pois também o pastor tem ainda sua natureza carnal. Requer-se entretanto<br />

do pastor um grau maior na vida santificada. Lutero o chama de<br />

uma vida sem repreensão. "Uma vida que não pode ser acusada de transgressões<br />

... Samuel e Moisés andaram de forma irrepreensível diante do<br />

povo. Seja também irrepreensível diante dos olhos do mundo. Lutero<br />

relaciona isso especialmente ao matrimônio e ao lar."4 Quenstedt escreve:<br />

"Irrepreensível é uma pessoa a quem ninguém pode acusar de transgressões<br />

graves, a quem ninguém pode castigar com a lei ... O ministro<br />

não deve andar em pecados propositai~."~ O pastor deve ser uma pessoa<br />

honesta e honrada, acima de qualquer suspeita.<br />

b) Marido de uma só mulher - Isso não significa que deva ser casado,<br />

nem que, se enviuvar, não possa casar novamente, pois Paulo recomenda<br />

que as viúvas casem novamente (1 Tm 5.9,14). O texto também não trata<br />

em primeira linha da poligamia, pois isso já fora proibido pelo Concílio de<br />

' St. L., XIX, 2180<br />

' Walthcr, C.F.W. Pastoraltheologie. St. Louis, 1800. P.383-384; Ou: Pastoral Thcology, tr.<br />

Drickamcr, Joh. Luthcran Ncws, Inc. Ncw Havcn, Missouri. 1995.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

Jerusalém (At 15.28,29). Resumindo, o texto proíbe o adultério. O bispo, se<br />

casado, deve ter vida matrimonial exemplar. Não deve ter relações sexuais<br />

com outras mulheres, nem abertamente nem as escondidas, mas manter<br />

seu leito matrimonial sem mácula e ser fiel. (Zorn, Stockhardt, Bengel). Em<br />

caso de ser solteiro, mantenha-se casto e não seja namorador nem mullie-<br />

rengo.<br />

c) Temperante - Cuide bem de si mesmo. Seja temperante em relação a<br />

comida e a bebida alcoólica. Saiba usar as coisas do mundo de tal fomia<br />

que possa tomar e deixá-las. Ele pode desfrutar das alegrias de uma boa<br />

comida, do esporte, da música, de reuniões com amigos, da indumentária<br />

da moda, caçadas e pescarias, hobby, etc; precisa, todavia, se resguardar<br />

de extravagâncias e exageros. Deve cuidar para que essas coisas não o<br />

desviem de seus deveres pastorais e familiares, vindo a prejudicar sua vida<br />

espiritual e de santificação.<br />

d) Sóbrio -Não significa ser melancólico, severo, triste ou repugnante. O<br />

pastor deve ser alegre e jovial, cultivar o bom humor, procurar ser sociável;<br />

não espalhafatoso, procurando chamar atenção sobre si. Manter um com-<br />

portamento digno, amar boas conversas e o bem.<br />

e) Modesto - A palavra grega não se refere somente ao ser refinado e<br />

cortês, mas ao ser "bem-educado", a qualidade interna da qual brota o<br />

comportamento que se manifesta por atitudes generosas, sinceras e carita-<br />

tivas.<br />

Hospitaleiro -A palavra grega significa um que ama e abriga os estran-<br />

geiros, que abre seu lar a pessoas estranhas e necessitadas. Toda pessoa<br />

necessitada lhe é bem-vinda. Ele está pronto a ajudar, amparar, socorrer.<br />

Não rejeita ninguém.<br />

g) Apto para ensinar - Essa palavra contém duas verdades: apto para<br />

ensinar tanto a si próprio (estudar) como a outros. Ter aptidão natural para<br />

aprender e ensinar. Ele deve ser capaz de ensinar os artigos da fé de forma<br />

clara e simples, para que outros possam compreender. Isto requer paciên-<br />

cia e persistência. A pessoa precisa entregar-se com paixão de corpo e<br />

alma a esta tarefa.<br />

h) Não dado ao vinho - Isso não significa que ele não possa beber nenhu-<br />

ma bebida alcoólica, mas que não viva em amor a ela, deixando se dominar<br />

pela bebida. Abster-se completamente da bebida alcoólica, sem dúvida é<br />

uma boa virtude. Hoje alguns dizem que alcoolismo é uma doença; a Bíblia<br />

diz que é vício, é pecado e "nenhum bêbado entrará no reino dos céus" (1<br />

Co 6.10). Não é bom os congregados verem, mesmo em dias de festa, o<br />

pastor sempre com o copo na mão. É boa disciplina externa, especialmente


Igreja Liiterana - no 1 - 2004<br />

em dias dc festa da congregação e em público, o pastor mostrar modera-<br />

ção. Cuidado com o apcritivo diante de cada rcfeição. Isso já levou muitos<br />

pastorcs a dcsgraça. A cautcla cin rclação a bcbida alcoólica C boa discipli-<br />

na, pois o apcgo dcsmcdido ao álcool já dcsgraçou inúmeras pessoas, fainí-<br />

lias, sociedades e congregações. Hoje há firmas que são muito rigorosas<br />

quanto a pessoas que ingercm bebidas alcoólicas. Fazein periodicamente<br />

cxames e quem tiver um acentuado grau de álcool no sangue é despedido.<br />

Não precisa ser bêbado, mas o hábito de ter seu aperitivo quase que regular<br />

já é o suficiente.<br />

i) Nüo violento - Uma pcssoa violenta é detestada. Esta manifestação de<br />

nossa carnc, dc scr tcmpcstuoso, irascível, violento, explosivo, gritalhão,<br />

quc rcsponde ferindo c humilhando o próximo, deve ser afogada em nós<br />

diariamcntc.<br />

,i) Corduto - Cordialidadc c uma qualidadc aprcciávcl cm todo Iídcr. Cum-<br />

prc scrmos cordiais cm rclação a todas as pcssoas, cspccialinentc aos fra-<br />

cos, tristcs, docntes, mesmo em rclação aos explosivos. Essa qualidade da<br />

paciência, da longanimidade (uma esperança longa), deve ser cultivada es-<br />

pccialmcntc pclo pastor.<br />

k) Inimigo de contendu.~ - Contcndas, fofocas, intrigas, brigas nunca faltam<br />

ncstc inundo, ncin nas congrcgaçõcs. O pastor prccisa pcdir a Dcus constantcmcntc<br />

sabcdoria para podcr apagar as contcndas, conscrtar, rcconciliar c<br />

impelir a aceitação mútua, compreensão e harmonia.<br />

I) Nüo avarento - Elc não trabalha por sórdida ganância. Podc~nos pcrguntar<br />

sobrc nosso salário e, se for muito baixo, se não conscguimos nos<br />

mantcr, dcvc~nos pcdir uma considcração. Razõcs podcm scr: família grande,<br />

doenças, filhos deficicntcs, ctc. Mas não cstainos aí siinplesinentc para<br />

passar bcm, fazcndo comparaçõcs como: "um médico ganha tanto, ctc."<br />

Ncssc caso, podcrá ouvir o quc não gostaria de ouvir: "então, porque não<br />

vai scr médico?" Ou: "sc você acha quc podc ganhar mais cm outra profissão,<br />

vá." Vivcmos para scrvir. Quanto ao sustento, confiamos na providência<br />

de Deus, em cujas mãos colocainos nossas ncccssidadcs materiais,<br />

ccrtos de quc Deus proverá.<br />

Uma das dificuldadcs ncstc campo c sabcr administrar os rccursos<br />

quc tc~nos. Cabc aqui uma Icmbrança especialmente aos pastorcs jovens.<br />

Ao receberem seus primeiros salários, administrem com prudência os seus<br />

ganhos, não esquecendo de priorizar as dcspcsas próprias dc um casal.<br />

Tomem cuidado com exccsso de compra a prazo, a fim dc não sc cndividarcm<br />

cxccssivamcntc c corrcrcm o risco dc "sujar" o nome na praça, para vergonha<br />

dc scus congregados e descrédito do seu ministério.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

m) Governe bem a sua casa - Governar C un~ dom quc precisamos pcdir<br />

a Deus. Ele engloba muitas áreas: administrar, educar, consolar, aconsclhar,<br />

tomar decisões, ser exemplo. Somos supervisores da casa de Deus. É óbvio,<br />

portanto, que dcvcmos sabcr governar c isso mostra-se em primeiro<br />

lugar no próprio lar. Govcrnar é dirigir, não scr soinentc cxcmplo. Eli foi um<br />

bom excmplo para seus filhos, contudo não os advertiu nem rcpreendeu.<br />

Governar é mais do quc dar exemplo. Govcrnar rcquer decisões, aplicação<br />

de lei e evangelho, rcpreendcr, castigar e consolar. Isso inclui guiar também<br />

a esposa para que não caia cm caminhos da vaidadc, etc. E segue uma<br />

frase muito forte: "Criando os filhos sob disciplina, com todo respeito, pois<br />

sc alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de<br />

Deus?" (1Tm 3.4,5). Sem dúvida, isto é um ponto nevralgico em muitas<br />

famílias pastorais. Requer oração, devoção e estudos bíblicos no lar, repreensões<br />

e consolações. Por outro lado, precisamos lcmbrar que a fé não se<br />

herda, nem se conscgue impor. É dom do Espírito Santo. Nas mclhorcs<br />

famílias há, por vezes, uma ovelha negra. Lembramos Caim, Esaú, Absalão,<br />

etc. Isso C algo tristc c causa muita prcocupação, mas, cm si, não desmerece<br />

o pastor. Ccrto pastor tinha uma esposa muito violenta. Ela entrava na<br />

AsscmblCia dos Mcinbros Votantes e protestava. Após o que o pastor só<br />

dizia: "Dcsculpcm. Vocês conhcccm minha csposa e saberão julgar."<br />

n) Não seja neófito - Um rccém-convertido, que ainda não tem experiên-<br />

cia na vida cristã, não deve ser escolhido para pastor. Não faltam pessoas<br />

apressadas, que logo após sua convcrsão querem ingressar no ministério.<br />

Para essas pessoas, a tentação para o orgulho é muito grande. Um pastor<br />

dcvc servir c não ser um líder exaltado. O apóstolo Paulo assim afirma:<br />

"Porque não nos prcgamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor<br />

c a nós incsmos como vossos servos, por amor de Jesus" (2 Coríntios 4.5).<br />

Prcgar a Cristo requer bom conhecimento; c, como servos, rcqucr uma<br />

cxpcriencia no servir.<br />

o) Não incorra na condenação do diabo - A soberba já foi laço para<br />

muitos, não só ncófitos, mas até cristãos bem experimentados na vida. Lem-<br />

bramos o rei Salomão, Martim Steffan, líder dos saxões, c outros; para<br />

novatos, especialmente, C um laço ainda mais pcrigoso.<br />

p) Tenha bom testemunho dos &fora - "Os de fora", pessoas do mun-<br />

do, os incrédulos. Eles, na verdade, não são nossos juízes, mas têm um<br />

senso moral natural. Se eles vêem que o pastor não vive o que prega, que<br />

diz uma coisa c faz outra, tal pessoa traz vergonha para a igreja e o nome<br />

de Jesus. O pastor deve tcr boa reputação entre o povo descrcntc. Mesmo<br />

assim, não faltarão difamações (1 Pe 3.16). Isso é outra coisa. Muitos<br />

profetas foram acusados, mesmo Jcsus, de perturbadores da paz, porque a


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

palavra de Deus não agradava às pessoas. Isso não desmerece o pastor.<br />

Se, todavia, tem má reputação por causa de sua vida pecaminosa, ele pró-<br />

prio pode vir a perder sua alma.<br />

q) Outras -Alguns detalhes. A lista de Tt 1.5-9, em parte, é igual à lista de<br />

1 Tm 3, mas tem alguns acréscimos importantes: "Seja ... apegado à pala-<br />

vra fiel que é segundo a doutrina, dc modo que tcnlia poder, assim para<br />

cxortar como para convcncer os quc contradizcm" (Tt 1.9). "Manter firmc<br />

a palavra conforme a doutrina." Ele deve ser fiel na doutrina. Temos um<br />

imcnso tcsouro em nossas Confissõcs, mas quem as lê, quem as cstuda?<br />

Tive o privilégio de participar de três festejos importantes: 400 anos de<br />

Fórmula de <strong>Concórdia</strong>, em 1977; 450 anos de Confissão de Augsburgo, em<br />

1980; 500 anos dc Lutcro, em 1983. Em todos esses momentos houve in-<br />

centivos ao estudo das Confissões. Acreditávamos que, como a história o<br />

mostra, o estudo das Confissõcs renovaria a igrcja. Sem dúvida houvc bên-<br />

çãos, mas também expressõcs como: "Chcga dc Confissõcs. Lcio a Bíblia,<br />

isto basta. As Confissões são palavras humanas." Quc triste! Quem come-<br />

ça rcalmente a estudar a Bíblia indagará: Como nossos pais intcrpretaram<br />

essas palavras? e buscará encontrar respostas nas Confissões. E quem<br />

começa a estudar as Confissões, compreenderá muito melhor a Bíblia e a<br />

Icrá com novo entusiasmo.<br />

"Exortar." O pastor deve ser capaz dc repreender com a palavra de<br />

Dcus. Todos nós conhecemos o quc isto envolvc: temor, ansicdadcs, dúvidas,<br />

antipatias, ctc. Que susto o profeta Natã não deve ter levado, quando Deus<br />

o incumbiu de admoestar o poderoso rei Davi. Quanto elc deve ter orado,<br />

pcdindo sabcdoria a Dcus!<br />

Essas são as qualificaçõcs de um pastor. Isso não é um ideal a ser<br />

alcançado, não são máximas e sim critérios mínimos, rcquisitos para que<br />

uma pcssoa possa ocupar o cargo ministcrial. Não se tratam dc virtudcs,<br />

porém de carismas requeridos não somente na entrada no ministério, mas<br />

durante todo o seu exercício. Sem eles uma pessoa não devc scr admitida<br />

no ministério nem nele permanecer. Importa que nós pastores sejamos<br />

lembrados disso e peçamos a Deus esses carismas. Nossos leigos devem<br />

conhecer o que isso significa e dcvcm observá-lo na hora de chamar um<br />

pastor.<br />

1.3 - Avaliando um pastor: Isso nos leva a uma pergunta crucial: como<br />

avaliar um pastor na hora dc um chamado e como julgar se ele possui essas<br />

qualificações? Como cor~hccer os candidatos a serem chamados'? Até aqui,<br />

a prática em nosso meio é, e em parte é bom que permaneça assim, que os<br />

<strong>Seminário</strong>s qualifiqucrn os candidatos. Em caso de sc chamar um pastor do<br />

campo, consulta-sc o Prcsidcnte elou Conselheiros da IELB e colegas pas-


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

tores, seguindo, na maioria das vezes, suas recomendações. Contudo os<br />

problemas crescem e surgem as mais diferentes indagações, como por<br />

exemplo: os <strong>Seminário</strong>s ainda estão capacitados para qualificar os candida-<br />

tos ao santo ministério, uma vez que não há mais um estudo com certa<br />

clausura? Eles dão a formação acadêmica, mas conhecem os estudantes o<br />

suiiciente para poderem avaliar suas aptidões para o ministério? O Presi-<br />

dente e os Conselheiros da IELB, por mais bem intencionados que sejam,<br />

numa igreja tão grande, conhecem o suficiente os pastores que recomen-<br />

dam ou estão só transferindo problemas? O pastor no campo, com cinco ou<br />

mais anos, ainda é fiel as Confissões ou foi contagiado por algumas idéias<br />

sectárias ou movimentos carismáticos, deixou de estudar e parou no tem-<br />

po? Como avaliar isso? O Dr. K. Marquart6 se inclina para a solução do<br />

exame dos candidatos. A SELK tem o costume de examinar os candidatos.<br />

O exame acontece após os semestres de prática, quando o Bispo, um pas-<br />

tor do campo e um professor examinam o candidato. Hoje, mesmo na LCMS,<br />

por falta de uma disciplina, proliferam movimentos carismáticos, pentecostais<br />

e liberais. Algumas congregações procuram certificar-se do perfil dos can-<br />

didatos, enviando-lhes primeiramente um questionário, que é, na verdade,<br />

um exame escrito. Selecionam alguns nomes, então fazem com eles uma<br />

entrevistalexame. Isso é um assunto que merece ser analisado de melhor<br />

maneira em nosso meio.<br />

Deveríamos também refletir sobre outra questão. Se podemos<br />

expressá-la por uma pergunta, é esta: "Pode uma congregação 'roubar' o<br />

pastor de outra congregação? Refiro-me ao seguinte fato: um pastor está<br />

trabalhando com grande fidelidade e bênção numa congregação e não deveria<br />

ser perturbado no seu trabalho por enquanto. Outra congregação, entretanto,<br />

ouviu a respeito de seu trabalho e o chama, oferecendo certas vantagens. O<br />

chamado se constituiu numa grande tentação e o pastor o aceita, em real<br />

prejuízo para aquela congregação a que servia e também ao seu respectivo<br />

distrito. Impõe-se a indagação: antes de chamar alguém, não deveria uma<br />

congregação consultar o conselheiro distrital sobre a possibilidade de um<br />

chamado, visando ao bem estar da igreja em geral?<br />

1.4 - Vida espiritual: Como afirmamos no início, o Dr. Walther orava<br />

pedindo a Deus: "Dá-nos um ministério fiel." Essa é a oração constante de<br />

toda a Igreja. Mas como Deus concede este dom? Ele não o dá diretamen-<br />

te, ele o concede por meios. Por isso são necessários bons <strong>Seminário</strong>s, com<br />

" Marquart, Kurt E. Thr Church. Thc Intcrnational Foundation for Luthcran Confcssional<br />

Rcscarch, Fort Waync, Indiana, 1990, p.145ss.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

professores que antes de tudo sejam ministros fiéis. Por outro lado, que no<br />

campo se zele pelo aperfeiçoamento constante do ministério, em especial<br />

pela vida espiritual em santificação do pastor. Valho-me aqui de teses apre-<br />

sentadas pelo professor Franz Pieper, em suas leituras nas sextas-feiras a<br />

noite, no <strong>Seminário</strong> de St. Louis,' que apresentamos aqui de forma resumi-<br />

da.<br />

Servir, aqui na terra, no santo ministério é excelente obra. A maior<br />

bênção que Deus dá a uma nação, a uma cidade, a uma congregação, é um<br />

ministro fiel. O ministério, como disse o apóstolo Paulo, não é só uma excelente<br />

obra, é na verdade a maior honra que Deus concede a uma pessoa aqui na<br />

terra, é o trabalho mais sublime que anjos anelavam ver. É uma atividade<br />

muito real, mas cujos resultados verdadeiros são invisíveis ao olho humano,<br />

pois se trata da vida espiritual, da fé no coração. No ministério nos importa,<br />

antes de mais nada e sobretudo, zelar por nossa própria vida espiritual.<br />

Vejamos alguns aspectos dessa vida espiritual.<br />

a) Em que consiste? Ao lado da vida corporal, comum a todos, há a vida<br />

espiritual, que só os renascidos pelo Espírito, os que estão na fé na graça de<br />

Cristo, possuem. "E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as<br />

coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas" (2 Coríntios 5.17).<br />

Alguns confundem atividade espiritual com vida espiritual. Atividade<br />

espiritual ou intelectual pode ser atividades religiosas, como ocupar cargos<br />

nas diretorias das congregações, ou atividades piedosas como o jejuar, ser<br />

monge. Por melliores e dignas que sejam essas atividades, são simples obras<br />

humanas, pelas quais não conseguimos vida. Mesmo que alguém procure,<br />

com toda a força de sua alma, cumprir os Dez Mandamentos e levar uma<br />

vida piedosa, tentando conquistar a graça de Deus, ele permanece no caminho<br />

da morte e não da vida. O apóstolo Paulo afirma: "Todos quantos, pois, são<br />

das obras da lei estão debaixo de maldição; porque está escrito: 'Maldito<br />

todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no Livro da lei,<br />

para praticá-las' " (Gálatas 3.10).<br />

Só Deus pode dar vida e ressuscitar alguém da morte espiritual, na<br />

qual nascemos (Ef 2.1,5). E Deus quer fazê-lo por sua palavra e o sacramento<br />

do santo Batismo. Por esses meios, o Espírito Santo conduz a pessoa ao<br />

arrependimento e a fé. Assim, a vida espiritual consiste na fé em Cristo, na<br />

confiança no perdão que Cristo nos conquistou por sua obediência a lei de<br />

Deus, seu sofrimento e sua morte como substituto da humanidade. Quem<br />

confia no evangelho, tem o que evangelho lhe oferece, dá e sela, a saber,<br />

' Muguzin fur ev. luih. Horniletik. Concordia Publishing Housc, 1903, Juli


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

perdão dos pecados, vida e eterna salvação. Esta pessoa sabe que sua vida<br />

está nas mãos de seu querido Pai celestial. De sua mão recebe os dias, bons<br />

e maus, com louvor e resignação. Lutero ainda adverte: Esta vida não é um<br />

mar de rosas. Há luta diária. Importa "afogar diariamente o velho homem,<br />

fazendo ressurgir o novo homem, que vive diante de Deus em perfeita justiça<br />

e santidade". Espero que todos nós tenhamos esta vida e possamos proclamá-<br />

la a muitos.<br />

6) Como surge esta vida espiritual? Ninguém possui esta vida por natu-<br />

reza. Nascemos espiritualmente cegos, mortos e inimigos de Deus. Preci-<br />

samos renascer. A maioria julga que esta vida é conquistada por esforços<br />

próprios, quando a pessoa procura combater as inclinações pecaminosas<br />

em seu coração e evita pecados grosseiros. Julga que com um pouco de<br />

esforço e boa vontade conseguirá levar uma vida moral digna e honrada.<br />

Mesmo muitos cristãos pensam assim. Gabam-se dizendo: "Eu era alcoóla-<br />

tra ..., agora não sou mais." Esta falsa noção da conversão precisa ser<br />

combatida, também em nós cristãos e pastores. Temos pessoas, quer pas-<br />

tores ou leigos, que caíram em grandes pecados e vícios e quando admoes-<br />

tados prometem: Pode deixar, vou mudar de vida. Deixam o pecado ou o<br />

vício e pensam: Agora está tudo bem. Sou novamente filho de Deus. Se o<br />

pastor permite que sigam nesta ilusão, vão para o inferno. A conversão, o<br />

renascimento, é algo bem diferente. Não é simplesmente deixar algo e mudar<br />

um pouco de vida.<br />

A conversão de uma pessoa é algo que a pessoa sofre (was ihm<br />

widerfahrt) e não é algo que ela faz. O primeiro passo na conversão não é<br />

a decisão de deixar os pecados e mudar de vida (batistas e pentecostais),<br />

mas o pavor diante da justiça e da ira de Deus que pesa sobre a pessoa, o<br />

total desespero, o saber-se condenado sem salvação, este reconhecimento<br />

íntimo de que temos culpa e somos merecedores da eterna condenação.<br />

Por isso o primeiro passo é o desespero, que leva a exclamação, sob<br />

"terroribus conscientiae": Estou perdido! Se Deus tratar comigo conforme<br />

sua lei, estou condenado. Mas isso ainda não é a conversão, mas simplesmente<br />

o reconhecimento de nossa situação de perdidos e condenados. A conversão<br />

acontece somente quando a pregação do evangelho nos mostra o amor de<br />

Deus em Cristo, sua misericórdia, e leva-nos a confiarmos nesta imerecida<br />

misericórdia que há em Cristo. Portanto, no momento em que, pelo ouvir do<br />

evangelho, o Espírito Santo opera a confiança no evangelho, renascemos,<br />

começa a vida espiritual. Desta vida brota o verdadeiro e real propósito de<br />

mudar de vida, os frutos da fé.<br />

Não esqueçamos isso jamais em relação a nós mesmos, nem em<br />

relação a nossos ouvintes. Se caímos em pecado, o primeiro passo não é


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

simplesmente a resolução de mudar de vida, mas humilliar-se diante da<br />

poderosa mão de Deus, suplicar sua graça e confiar na mesma. E quando<br />

lidamos com gentios, não queremos nos contentar com a exclamação:<br />

Mudarei de vida! Mas queremos levá-los a confissão, como a encontramos<br />

em nossa liturgia: "Sou um miserável pecador e tenho merecido o castigo de<br />

Deus aqui e na eternidade." Hoje, parece que nem os pastores compreendem<br />

mais essas palavras, por isso mudam a liturgia e evitam tal confissão. Fazem<br />

liturgias contemporâneas, com palavras de otimismo, etc. Alguns afirmam:<br />

Não precisamos voltar sempre ao começo do alfabeto e mostram, com isso,<br />

que ainda não entenderam a conversão, nem em que consiste a verdadeira<br />

vida espiritual. Ela surge pela correta pregação de lei e evangelho. Rm 1 e<br />

At 17.<br />

c) Como cultivar esta vida? Não faltam queixas na cristandade sobre a<br />

fraqueza de fé e da vida espiritual. Parece que falta força para lutar contra<br />

o pecado e carregar a cruz, há medo da morte e da vinda de Cristo para<br />

juízo. Muitos se perguntam: Será que ainda tenho vida espiritual, pois tenho<br />

tantos maus pensamentos e más inclinações? Fracasso tanto, não sinto o<br />

poder do Espírito Santo.<br />

Qual a causa dessas queixas? Precisamos distinguir entre dois tipos<br />

de fraquezas. a) Por vezes Deus permite que também desfaleça o coração<br />

daqueles cristãos que fazem uso constante da palavra de Deus. Eles entram<br />

em dúvidas e pensam. Ai de mim, Deus me rejeitou! Isto são tentações que<br />

eles sofrem para o seu bem. É a forma pela qual Deus os educa e os mantém<br />

humildes, guardando-os do orgulho, pois quando tudo corre bem, podem<br />

julgar ser mérito deles. Por isso Deus permite que sejam tentados para que<br />

aprendam que o crer não está em suas mãos, é dom de Deus. Assim Deus<br />

os empurra para a oração e o apego a palavra de Deus; b) O outro caso é o<br />

da derrota espiritual. Há pessoas que não cultivam sua vida espiritual, não<br />

usam os meios que Deus deu para manter e fortalecer a vida espiritual. Elas<br />

têm muitas vezes a correta compreensão da fé, mesmo assim não chegam<br />

a uma confiança firme. Sua fé é quase sempre como um pavio que fumega<br />

e periga apagar. Quando perguntados sobre a certeza da salvação, lembrados<br />

da morte ou da vinda de Cristo, ficam apavorados e dizem: Não me fale<br />

nisso! Apesar do conhecimento sobre a fé, não se apegam a palavra de<br />

Deus, não vivem na palavra de Deus como deveriam. Até mantêm o hábito<br />

de ainda virem uma e outra vez aos cultos, fazerem uma devoção no lar,<br />

mas só pro forma; a palavra de Deus não os governa. A vida espiritual não<br />

pode se desenvolver neles.<br />

Não podemos ver a Deus, nem tratamos com ele face a face. Só o<br />

temos na Escritura e só vivemos espiritualmente na medida em que a palavra


Igreja Lulerana - no 1 - 2004<br />

de Dcus vive em nós, quando a lemos, meditamos, cantamos e a<br />

movimentamos no coração (C1 3.16). Vivemos nós, pastores, assim na<br />

palavra?<br />

d) Destruindo u vida espiritual: É possível destruir a vida espiritual? A<br />

doutrina calvinista afirma que uma vez na fé, sempre na fé. Isso C anti-<br />

bíblico. Assim como uma pcssoa, mesmo que não o deva fazer, tem a triste<br />

capacidade de prejudicar sua vida corporal c/ou suicidar-se, o cristão tem a<br />

triste capacidade de destruir sua vida espiritual. Se um assassinato já é<br />

coisa tcrrívcl, mais tcrrívcl c o assassinato da vida espiritual. Daí a advcr-<br />

tência de Jesus: "Qualquer, porém, que fizer tropeçar a um destes pcqucninos<br />

que crêem em mim, mellior lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma<br />

grande pedra de moinho, e fosse afogado na profundcza do mar" (Mateus<br />

18.6). O apóstolo afirma: "Se algucm destruir o santuário de Deus, Dcus o<br />

destruirá; porque o santuhrio de Deus, que sois vós, C sagrado" (I Coríntios<br />

3.17). O apóstolo, mostrando a seriedade dessa luta, afirma: "E os que são<br />

de Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões c concupiscên-<br />

cias" (Gálatas 5.24). Quando algucm se converte, liá alegria no céu; quan-<br />

do alguém cai da fé, há tristeza na família de Deus.<br />

Quais são os perigos que levam a morte espiritual'? A destruição da<br />

vida espiritual não procede de Dcus (Jo 3.16; 1 Tm 2.4), mas unicamente de<br />

nossa própria carne: 1) quando o pecado, que habita em nós, ganha novamente<br />

a supremacia c a pcssoa volta a amar o pecado, então o Espírito Santo é<br />

expulso do coração (Mt 12.45; 1 Ts 5.19; Ef 4.30); 2) quando rejeitamos a<br />

graça de Cristo, procurando a justiça pelas obras. Jesus chama os fariseus<br />

de scpulcros caiados, por fora belos, porcin por dentro mortos (Mt 23.27);<br />

3) quando alguCin rejeita os meios da graça, se afasta dos cultos, da palavra<br />

e dos sacramentos, a cliama da fC vai apagando, até morrer; 4) quando<br />

permitimos que pecados crassos voltem a nos dominar, tais como<br />

preocupações materiais, ira, ódio, vícios, adultério, fraude, etc. Cumpre a<br />

cada um vigiar, lutar c orar (Mc 14.38; 2 Tin 2.5; 1 Ts 5.17).<br />

e) A relaçfio entre u vida espiritz/al e o dia-a-diu: A nova vida espiritual<br />

C a confiança de que, por amor a Cristo, temos em Dcus um Pai gracioso<br />

que nos ama c dirige. Para ele queremos vivcr, em todos os minutos de<br />

nossa vida, como seus filhos queridos (Ef 5.1,2). É crassa má interpretação<br />

das Escrituras dizer que, se alguém quer vivcr para Dcus, precisa rctirar-<br />

se do mundo. Não! Quando alguém se toma cristão, ele permanece na sua<br />

profissão tcrrcna, desde que esta seja uma profissão digna c honesta. Quando<br />

"os soldados perguntaram a João Batista: E nós, o que faremos'? Ele llics<br />

disse: A ninguém maltratcis, não dcis denuncia falsa, e contcntai-vos com o<br />

vosso soldo" (Lc 3.14). Isso significa que Deus os deixou em sua profissão


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

de soldados. A vida espiritual é vivida no dia-a-dia na família, na profissão,<br />

na sociedade, e faz do dia-a-dia um culto a Deus em serviço do próximo.<br />

Lutero o expressou muito bem na Tábua dos Deveres (Cf.: Catecismo<br />

Menor).<br />

fl A jalsa doutrina e a vida espiritual: Falamos do perigo de alguém<br />

destruir a vida espiritual quando o pecado volta a dominar a pessoa e o<br />

Espírito Santo é expulso do coração. Precisamos deter-nos ainda um pouco<br />

para falar sobre o perigo da doutrina falsa para a vida espiritual. A vida<br />

espiritual é gerada e conservada pelo evangelho. Se o evangelho for fal-<br />

sificado, deturpado, isso pode destruir a vida espiritual. Por exemplo, a<br />

doutrina católica da graça infusa fala no amor, na morte vicária e graça<br />

de Cristo, mas diz que Deus derrama sua graça em nosso coração para<br />

criar a vida espiritual. Então cabe a nós trabalhar com esta graça para<br />

produzir boas obras, pelas quais somos justificados diante de deu^.^ Tal<br />

doutrina destrói o evangelho e rouba a certeza da salvação, enche a alma<br />

de medo e de pavor. Ou, então, a doutrina calvinista, que fala muito na<br />

graça de Cristo e no ser salvo pela fé, contudo afirma que a pessoa pre-<br />

cisa dar o primeiro passo, precisa decidir-se por Cristo. E a pessoa nunca<br />

saberá se deu esse primeiro passo corretamente, se sua tristeza e renún-<br />

cia ao pecado foi o suficiente ou não9. Ambas as doutrinas são falsifica-<br />

ções do evangelho e roubam a certeza da salvação, enchem a alma de<br />

incerteza e medo ou de falsa segurança. Por essas doutrinas e todas as<br />

demais, oriundas dessa falsificação do evangelho, que destroem a plena<br />

confiança na graça de Cristo, a pessoa é levada a confiar em si, em suas<br />

obras. Isso mata a vida espiritual. O amor a palavra de Deus nos leva a<br />

combater energicamente essas doutrinas errôneas. Nisso não podemos<br />

ceder um milímetro sequer.<br />

Isso parece impiedade e falta de amor em nossos dias de ecumenismo,<br />

nos quais não se vê mais a doutrina falsa como um perigo, pois se fala em<br />

unidade na diversidade. Cumpre zelar pela pureza do evangelho, a doutrina<br />

da justificação do pecador, pois ela é a doutrina pela qual a igreja permanece<br />

ou cai.<br />

g) A importância do evangelho puro para a vida espiritual: O evange-<br />

lho puro é a fonte da vida espiritual, é o meio pelo qual o Espírito Santo<br />

gera, conserva e fortalece a vida espiritual. Mas por ser ponto fundamental<br />

na fé cristã e por se falar muito na graça de Cristo, o evangelho é por vezes<br />

Cu/eci.smo da Igreja Caidlica. Pctrópolis (RJ): Vozcs, 1992.<br />

' Walthcr, C.F.W. G'e.re/z/ u. Evangelium. St. Louis, Missouri, 1946, p.125ss


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

descuidado e colocado num plano secundário. Isso nos leva a chamar aten-<br />

ção especial para esse ponto.<br />

A única fonte para a vida espiritual é o santo e puro evangelho.<br />

Alguém pode ter muitos dons, ir bem na vida, ser muito religioso e ativo<br />

numa congregação cristã, todavia, se em seu coração não imperar o<br />

evangelho, apreendido pela fé, então não há vida espiritual nessa pessoa.<br />

Ou se você, como pastor, consegue organizar sua congregação ao<br />

máximo, consegue a colaboração e o envolvimento de todos, todos os<br />

departamentos funcionam, há forte ação social e envolvimento na<br />

sociedade, mas o evangelho não é levado aos corações de forma tal que<br />

só ele governe, então temos pessoas organizadas, mas não órgãos vivos.<br />

A organização, sem dúvida, é muito útil; menos para criar a vida espiritual.<br />

A cultura cria pessoas cultas; o saber, pessoas sábias; a disciplina,<br />

pessoas disciplinadas; a lei, pessoas ordeiras ou revoltadas; mas tudo<br />

isso não gera vida espiritual. Só o evangelho, a boa notícia da salvação<br />

em Cristo, gera a vida espiritual.<br />

Por que isso é assim? Porque a única coisa que nos separa de Deus<br />

é o pecado (1s 59.2). O homem pode subir as alturas e descer as profundezas<br />

da terra, enclausurar-se, prostrar-se diante dos maiores santos, sacrificar-<br />

se até a morte, e não conseguirá pagar sua dívida para com Deus e remover<br />

o pecado que o separa de Deus (G1 3.10). Cristo é o único mediador entre<br />

Deus e os homens. Ele reconciliou a humanidade com Deus, nos confiou o<br />

evangelho, a palavra da reconciliação, e quem crer tem o que o evangelho<br />

lhe oferece, dá e sela. Só o evangelho gera filhos de Deus. Por isso em<br />

nossos estudos, devoções e sermões, o evangelho deve predominar. Assim<br />

como não podemos viver sem o ar, os filhos de Deus não podem viver sem<br />

o evangelho. Quantos, infelizmente, se dizem cristãos, brilham por muitas<br />

atividades e obras, mas não confiam plenamente na graça de Cristo. São<br />

sepulcros caiados. Lutero declara: O maior castigo e ira que Deus pode<br />

derramar sobre uma pessoa ou nação é quando permite que falsos mestres<br />

pervertam o santo evangelho, inundando a igreja ou nação com falsa doutrina.<br />

Deus deixa vir esta praga, na maioria das vezes, quando não se valoriza<br />

mais o santo evangelho, pelo qual fomos regenerados e recebemos vida<br />

nova. Estamos correndo sérios riscos nesse sentido. Quem ainda valoriza o<br />

santo evangelho exposto de forma tão clara em nossas Confissões?<br />

Aproveitemos o tempo da graça.<br />

1.5 - Ciladas que podem levar pastores a deixarem seu ministério<br />

ou serem forçados a tanto: Por que tantos pastores deixam o santo mi-<br />

nistério ou são forçados a deixá-lo? Como é possível que uma pessoa que<br />

jurou: "Eu quero ser fiel a meu Senhor Jesus e servi-lo", deixa de vigiar


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

sobre seu relacionamento com o Salvador, volta a amar o mundo e cai da<br />

fé? Com espanto muitos leigos ouvem notícias como: Pastor X trocou o<br />

santo ministério por uma profissão mais rentável, foi afastado do ministério<br />

por causa de fraude, vícios, adultério, etc. Qual o problema? Nos anos 1983<br />

e 84, os dois <strong>Seminário</strong>s da LCMS debateram o assunto amplamente com<br />

estudantes e pastores. Foi constatado que os <strong>Seminário</strong>s deveriam estabe-<br />

lecer critérios mais rigorosos tanto para a entrada como para a aprovação<br />

dos candidatos ao santo ministério. Mas o maior problema foi localizado no<br />

campo em três áreas: a) descuido da vida devocional dos pastores; b) falta<br />

de disciplina na vida pessoal no campo da santificação e profissional; c)<br />

descuido com ciladas de Satanás.<br />

Temos o tesouro do evangelho em vasos de barro (2 Co 4.7). Importa<br />

vigiar e orar (Mc 14.38), crucificar nossa natureza carnal (G15.24), revestir-<br />

nos do novo homem (Ef 4.24) e suplicar: Cria em mim, ó Deus, um coração<br />

puro (SI 5 1.10). Falhar no vigiar sobre nossa vida devocional, desleixar da<br />

disciplina pessoal e de reconhecer as ciladas de Satanás pode resultar em<br />

queda e perda do santo mistério. Vamos analisar um pouco estes itens.<br />

a) Mda devocional- Desleixo na devoção pessoal, familiar e no estudo con-<br />

tinuado da teologia são ciladas que Satanás coloca. Quando nós, pastores, não<br />

temos mais tempo para a oração e o estudo da Bíblia, e só a manejamos no<br />

preparo de devoções, estudos e pregações; quando passamos a orar somente<br />

nas reuniões e cultos oficiais; em outras palavras, quando manejamos a Bíblia e<br />

oramos só profissionalmente, estamos dando o primeiro passo para a derrota<br />

no ministério. O momento de estudo da palavra de Deus acompanhado da<br />

meditação em oração, da pesquisa em nossas Confissões, livros dogmáticos,<br />

exegéticos, de nossos pais e atuais, faz parte da principal sustentação do minis-<br />

tério. Igual importância tem a vida devocional com nossa família. Não penso<br />

aqui em simples leitura do Castelo Forte, como dever cumprido, mas o alimen-<br />

tar a família com alimento mais sólido, leitura sistemática da Bíblia, dos Catecis-<br />

mos, Menor e Maior, da História Bíblica do prof. 0. A. Goerl, etc. Descuidar a<br />

vida devocional pessoal e familiar é enfraquecer os muros e dar chance a<br />

Satanás.<br />

6) Disciplina e vida santificada - Da santificação e das qualificações do<br />

ministro já falamos nos capítulos anteriores. Aqui queremos abordar algu-<br />

mas particularidades.<br />

Disciplina: Há queixas nas congregações sobre pastores que não têm<br />

disciplina própria. Não cumprem horários, desleixo pessoal na aparência,<br />

falta de moderação, etc. Normalmente, o gabinete do pastor está na casa<br />

pastoral e o pastor não está sujeito ao cumprimento de horários. Isso requer


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

do pastor boa disciplina, o que nem sempre acontece. Muitos se desculpam,<br />

dizendo: "Eu trabalho da meia-noite até a alta madrugada". Nada contra os<br />

corujões, mas será isso boa mordomia do corpo? Onde não há disciplina, ali<br />

Satanás consegue facilmente vitórias nos seguintes itens: orgulho, avareza,<br />

bebida, desânimo.<br />

Orgulho: O orgulho precede a queda. "Aos loucos a sua impressão<br />

de bematar os leva a perdição" (Pv 1.32). O pastor é homem público e<br />

quer que as coisas andem bem. Quer frutos no trabalho. Quando começa a<br />

prosperar e o povo a elogiar, a vaidade pode despertar facilmente. Dai a<br />

advertência: "Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia" (1 Co<br />

10.12; Tt 1.7).<br />

Avareza: O pastor precisa lidar cuidadosamente com o dinheiro e<br />

vigiar para que este não lhe seja um laço de tropeço, tanto pelos demasiados<br />

cuidados pela vida, amor ao dinheiro, como pelo descuido na administração<br />

do mesmo. O pastor é digno do seu salário (1 Co 9.10). Na maioria das<br />

vezes o salário mal dá para as necessidades essenciais. Nunca foi muito<br />

diferente. Também aqui valem as palavras de Jesus: "Não andeis ansiosos<br />

pela vossa vida ... buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça,<br />

e todas estas coisas vos serão acrescentadas" (Mt 6.25-34). Isto é real.<br />

Pastores que se queixam constantemente de seus salários, pedindo aumentos<br />

ou reajustes, a congregação repudia. Cabe-nos instruir os congregados, e,<br />

quanto a nossas necessidades, bater bastante, em oração, na porta de nosso<br />

querido Pai celestial. Satanás procurará assediar-nos com tentações, dizendo:<br />

Em outras profissões você poderia ganhar mais. Cabe-nos afugentar tais<br />

tentações. Viver de forma disciplinada e modestamente (S162.10). O apóstolo<br />

Paulo afirma: "Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver<br />

contente em toda e qualquer situação" (Fp 4.1 1). Disciplina e ordem no<br />

manejo do dinheiro alheio são indispensáveis. Por mais que incentivcmos os<br />

leigos a cuidarem da parte financeira da congregação, e por mais que ajudem,<br />

o pastor não está livre de aqui e ali precisar manejar o dinheiro. Então cuidado!<br />

Anote tudo cuidadosamente. Feche o dia colocando os papéis em ordem.<br />

Muitos bons pastores, por não serem cuidadosos com o dinheiro alheio ou<br />

por relaxamento, desgraçaram seu ministério.<br />

Mundanismo: A vida pastoral requer disciplina em todos os sentidos.<br />

Precisamos vigiar nossos pensamentos e nossos olhos. Jó afirmou: "Fiz<br />

aliança com meus olhos; como, pois, os fixaria eu numa donzela?" (Jó 3 1.1).<br />

O apóstolo Paulo adverte: "E não vos conformeis com este século, mas<br />

transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis<br />

qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Porque, pcla graça<br />

que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé<br />

que Deus repartiu a cada um" (Romanos 12.2-3). Um antigo provérbio<br />

afirma: "Diga-me com quem andas e dir-te-ei quem és." Hoje perguntaríamos:<br />

Diga-me o que lês, ouves, vês nas revistas, na internet, nos vídeos e dir-te-<br />

ei quem és. Alguns se desculpam dizendo: Eu leio isto ou aquilo para estar a<br />

par e saber o que vai pelo mundo. Nessa cilada muitos pastores já caíram e<br />

arruinaram suas vidas. O apóstolo João adverte: "Não ameis o mundo nem<br />

as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não<br />

está nele" (1 João 2.15). Fomos chamados a santidade (1 Ts 4.7). Isto deve<br />

expressar-se também na indumentária.<br />

Álcool: "É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensivel, ... não<br />

dado ao vinho" (1 Timóteo 3.2-3). Note a ênfase: "não dado", isto é, que<br />

não ame o vinho, não se entregue ao vinho, não tome demais, etc. O "dado<br />

ao vinho" o desqualifica para o ministério. Em nenhum lugar na Escritura o<br />

uso da bebida forte (bebida alcoólica), de forma moderada, é proibido, mas<br />

o rei Salomão adverte: "O vinho é escarnecedor, e a bebida forte,<br />

alvoroçadora; todo aquele que por eles é vencido não é sábio" (Provérbios<br />

20.1). Cuidado! Não tente afogar seus problemas no álcool, o álcool o<br />

afogará. Nem convide o álcool para relaxar no fim do dia, ele pode relaxar-<br />

te completamente. Se um congregado cai, ele é advertido e, ao se arrepender,<br />

é amparado pela congregação. Se um pastor cai, ele também é advertido, e<br />

quando se arrepender, mesmo sendo aceito como irmão na fé, provavelmente<br />

será despedido da congregação, pois perdeu o poder para admoestar. Por<br />

isso, quando você começa a aperitivar todas as refeições e tomar bebida<br />

alcoólica regularmente antes de dormir, isso é sinal vermelho. Fuja! E lembre:<br />

"Nenhum bêbado herdará o reino dos céus" (G15.2 1). O mundo qualifica o<br />

alcoolismo como doença, a Bíblia como pecado mortal. Hoje há mais<br />

prevenção e rigor no mundo do que nas igrejas (bafômetro nas estradas,<br />

exames de sangue para verificar o grau de álcool para admissão em certas<br />

empresas, etc.).<br />

c) Ciladas no ojkio - No ofício pastoral há ciladas cspecífícas que Sata-<br />

nás procura colocar. Precisamos conhecê-las e estar atentos. Eis algumas:<br />

Desânimo (orgulho, autoconfiança): Um dos problemas no ministério<br />

é o desânimo. Vemos isto também em muitos profetas. Elias: "Ele mesmo,<br />

porém, se foi ao deserto, caminho de um dia, e veio, e se assentou debaixo<br />

de um zimbro; e pediu para si a morte e disse: Basta .... Tenho sido em<br />

extremo zeloso pelo SENHOR, Deus dos Exércitos, porque os filhos de<br />

Israel deixaram a tua aliança, derribaram os teus altares e mataram os teus<br />

profetas a espada; e eu fiquei só, e procuram tirar-me a vida" (1 Reis 19.4,14).<br />

Quem não conhece esses momentos de desânimo? Quanto trabalho tinha a


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

esposa de Lutero para animá-lo. Não é fácil tirar um pastor da fossa. Mas,<br />

cuidado, o caminho não é o divã do psicólogo, mas o confessionário, como<br />

Lutero fazia indo a Bugenhagen, seu confessor, e colocava tudo diante de<br />

Deus e em suas mãos. Psicólogos lidam com teorias humanistas. Nós<br />

precisamos da consolação da palavra de Deus (S1 20; 44;55;). Dizemos<br />

com o salmista: "O Senhor é a minha luz e a minha salvação; de quem terei<br />

medo? O Senhor é a fortaleza da minha vida; a quem temerei? ... Espera<br />

pelo Senhor, tem bom ânimo, e fortifique-se o teu coração; espera, pois, pelo<br />

Senhor" (S127.1,14).<br />

Murmurações: Você não pode evitar críticas e murmurações em sua<br />

congregação. Sempre as haverá. Muitas vezes já no próprio dia da instalação<br />

há murmurações contra o novo pastor e saudades do anterior. Quantas<br />

críticas e murmurações sofreram os profetas e Jesus. Com respeito a Moisés<br />

e Arão lemos: "Toda a congregação dos filhos de Israel murmurou contra<br />

Moisés e Arão no deserto" (Êxodo 16.2). Ministros, assim como todos os<br />

homens públicos, precisam aprender a suportá-las. Não encare isso como<br />

ofensa pessoal, não se deixe amargurar contra pessoas. Queremos amar a<br />

todas as pessoas, também aquelas que murmuram e criticam constantemente<br />

e mostrar-lhes cordialidade.<br />

Aconselhamento Pastoral: Aqui quero abordar um assunto muito<br />

controvertido. O aconselhamento pastoral tem levado muitos pastores a ruína.<br />

Como? Num passeio, um pastor aposentado acompanhado de um pastor<br />

jovem passa por uma igreja, em cuja vitrine estava o seguinte anúncio:<br />

Aconselhamento Pastoral, terças-feiras, as 10h e sextas-feiras, as 17h. O<br />

pastor aposentado comentou: Esse pastor terá em breve muitos problemas.<br />

O pastor mais jovem soube após um ano que aquele pastor se divorciara.<br />

Deus nos chamou para pregar o evangelho e não para aconselhamento.<br />

Simplesmente não há necessidade de muito aconselhamento. O pastor que<br />

proclama a palavra de Deus guiará, mesmo no aconselhamento, as pessoas<br />

para dentro da palavra e isso basta. Pois no aconselhamento jamais<br />

saberemos se a pessoa está falando a verdade ou não, se diz tudo e o que<br />

está em seu interior. Psicólogos humanistas procuram vasculhar, por meio<br />

de perguntas, o interior da mente das pessoas em busca de causa. Nós<br />

conhecemos a causa, o pecado original. O que as pessoas precisam é ouvir<br />

a palavra de Deus, lei e evangelho, e o Espírito Santo nelas agirá pela palavra.<br />

Ele conhece os pensamentos das pessoas. O que as pessoas com problemas<br />

precisam ouvir é a palavra de Deus. Por isso nada melhor do que convidá-<br />

Ias, em primeiro lugar, a frequentarem regularmente os cultos. Ali terão o<br />

alimento necessário, pois as perícopes são organizadas de tal forma que<br />

abordam as principais doutrinas e assuntos da vida cristã ao longo de um


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

ano. E cm alguns casos, nos quais pcssoas procuram o pastor, tenhamos<br />

alguns cuidados, cspccialmcntc no aconsclliamcnto a mulheres. Evite lugares<br />

isolados, mantenha portas abcrtas, ou quc vcnha acompanhada dc scu csposo.<br />

Muitas vezes é melhor que a esposa do pastor as aconselhe, pois algumas<br />

importunam o pastor e vêm scguidamcntc. Qucrcm chorar no ombro do<br />

pastor. Isso pode tornar-se um laço para os dois, o pastor c a pcssoa<br />

aconsclliada. Há também mullicrcs (jovcns, viúvas, ctc.) mal-intencionadas<br />

que visam a tentar o pastor. Tentaçõcs, ncsta árca, não faltam. Especialmente<br />

sc a pcssoa ocupa cargos na igre-ja, é cercada por mulheres e elogiada.<br />

Algumas querem dar abraços especiais no pastor. Cuidado. Certa feita,<br />

após um culto, uma mulhcr vcio c dcu um abraço muito fortc no pastor.<br />

Dcpois foi para a csposa dcle c dissc: Seu marido é o máximo. Gosto dc<br />

ouvi-lo c não pcrco oportunidadc. Estou apaixonada por clc. Ela o dissc<br />

talvez, naquela ocasião, num bom sentido, como apreciadora da palavra de<br />

Dcus. Mas dcspcrtou o ciúmc na esposa do pastor. O quc Icvou o pastor a<br />

mantcr prudcntcincntc mais distância. O pastor prccisa cuidar. As ciladas<br />

são muitas.<br />

Huinildadc c orgulho: Quando Moisés foi chamado por Deus para<br />

libertar o povo dc Isracl da cscravidão do Egito, clc rcspondcu a Dcus:<br />

"Quem sou cu para ir a Faraó c tirar do Egito os filhos dc Isracl?" (Êxodo<br />

3.11). Custou até que Deus o levasse a aceitar a incumbência. Muitos profctas<br />

relutaram da mesma forma. Ainda ho-jc assumimos o ministério com tcmor<br />

c tremor. Dcus prometeu a Moisés: "Eu serei contigo" (Êx 3.12). Assim<br />

também prometeu a profctas c apóstolos (Mt 28.20). Isso valc para nós<br />

hojc. Assumir o ministério é difcrcntc do assumir qualquer outro trabalho.<br />

No mundo nos preparamos, cstudamos, trcinamos e dizemos: Eu sei fazer<br />

isto. Eu o farci. Trci mc csforçar para conscguir. No ministério é diferente.<br />

O podcr não cstá cm nós, contudo na palavra de Deus. Os verdadeiros<br />

rcsultados do trabalho são invisívcis c não mcnsuráveis, como tais, pois é fé<br />

no coração. "O Senhor conhece os que lhe pertencem" (2 Tm 2.19). Nós só<br />

podcmos obscrvar a difusão do evangellio. Isso nos mantém liumildcs c nos<br />

Icva ao apcgo à palavra dc Deus em fervorosa oração, pois "a nossa<br />

suficiência vcm de Deus" (2 Co 3.5). Mesmo assim, cumprc-nos vigiar, pois<br />

rcsvalar para o orgulho é fácil. O orgulho preccdc à qucda. "Os néscios são<br />

mortos por seu desvio, e aos loucos a sua impressão dc bcm-cstar os Icva à<br />

perdição" (Provérbios 1.32). O pastor é Iiomcm público c qucr quc as coisas<br />

andcm e prosperem. Ele quer ver os frutos. Plancja, organiza, cntusiasina.<br />

Quando o trabalho começa a floresccr c as pcssoas comcçam a clogiar o<br />

pastor, com facilidade pode a vaidade despertar c a pcssoa rcsvalar para o<br />

orgulho. Deus advertiu o povo dc Isracl: "Havcndo-tc, pois, o Scnhor, teu<br />

Dcus, introduzido na tcrra quc, sob juramcnto, promcteu a teus pais, ...g uarda-


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

te, para que não esqueças o SENHOR, que te tirou da terra do Egito, da<br />

casa da servidão" (Deuteronômio 6.10,12). E o apóstolo Paulo adverte:<br />

"Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia" (1 Coríntios 10.12).<br />

Não somos imunes à vaidade. Muitos já perderam o ministério por isso e<br />

caíram sob a maldição de Deus. Deus adverte: "Isto, portanto, digo e no<br />

Senhor testifico que não mais andeis como também andam os gentios, na<br />

vaidade dos seus próprios pensamentos, ... e vos revistais do novo homem,<br />

criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade" (Efésios<br />

4.17,24). Sto. Agostinho afirmou: "Se alguém me perguntar: O que é o mais<br />

importante na religião? Resposta: Primeiro, segundo, e em terceiro lugar,<br />

humildade".<br />

Diante disto levanta-se a seguinte pergunta: Pode um pastor ser salvo'?<br />

O pastor John Drickamer responde: Não! Não por sua própria força e seus<br />

méritos. Sua posição o induz a mais e maiores pecados do que outras<br />

profissões, tais como pecados de omissão e de comissão. Ele é, realmente,<br />

um dos maiores pecadores em sua comunidade. Sua única esperança, como<br />

a de qualquer outro cristão, é a graça de Cristo, a qual precisa apegar-se c<br />

com a qual precisa consolar-se diariamente.<br />

1.6 - Vários pastores numa congregação: O trabalho de vários pasto-<br />

rcs numa congregação os coloca diante de uma série de problemas. O<br />

assunto merece um estudo próprio. Quero aqui chamar atenção somente<br />

para alguns pontos que causam problemas e apontar algumas soluções.<br />

a) Doutrina: Para um trabalho em conjunto, é fundamental a unidade na<br />

doutrina. Aprincipal causa de problemas é, sem dúvida alguma, a diversida-<br />

de na doutrina. Alguém dirá: Mas não teinos todos a mesma doutrina'?Todos<br />

não juramos fidelidade às Confissões? Sim! Quem, entretanto, realmente<br />

continua lendo e estudando as Confissões'? Quem realmente continua estu-<br />

dando a dogmática e se preocupando com a correta exegese dos textos?<br />

Quem tem o cuidado de permanecer "in rebus et frasibus" (na coisa e na<br />

maneira de falar) na doutrina confessional? As diferenças doutrinárias apa-<br />

recem especialmente na liturgia e hinologia, no evangelismo e na mordo-<br />

mia, no planejamento, no aconselhamento, etc. Alguns dizem: Eu sou fiel na<br />

doutrina! Quando, todavia, olhamos para sua prática, vemos que são<br />

calvinistas. Precisamos de muita paciência no trato desses assuntos e ao<br />

mesmo tempo firmeza na doutrina. Certos erros e desvios podem ser pro-<br />

vocados por fraqueza, principalmente dos mais jovens, mas podem ser tam-<br />

bém obstinação e vaidade. Manter o diálogo aberto e ao mesmo tempo não<br />

ser condescendente com o erro não é fácil. Requer humildade, firmeza e<br />

oração.


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

b) Egoísmo pvofissional: Queremos exercer nosso ministério com convicção,<br />

entusiasmo e zelo, mas sobretudo com amor e moderação. Nisso somos,<br />

muitas vezes, tentados de forma sorrateira, até com aparência de direito, ao<br />

egoísmo profissional, que tem por base nosso orgulho. Quando achamos: Eu<br />

sei fazer as coisas. Eu vou dar um jeito. O que eu faço dá certo, esquecemos<br />

que não são nossos dons nem nossos esforços que fazem as coisas, mas em<br />

Deus conceder sua graça. Este egoísn~o profissional pode se externar por<br />

ciúmes. Por exemplo: Somos aco~iselhados na Pastoral a não firmarmos<br />

amizades íntimas com os congregados. Isso não significa sermos frios, no<br />

entanto ~nantermos certa distância. Quando vemos que o colega novo capta<br />

a simpatia e amizade de uma família que conquistamos, que instniíinos e<br />

trouxemos a igreja, e essa família passa a se apegar ao novo pastor, é fácil<br />

nosso ciúme subir e esconder-se atrás de um falso zelo pastoral. É preciso<br />

cuidado.<br />

c) Incomputibilidades: Pastores têm personalidade, hábitos e métodos de<br />

trabalho diferentes. Um é mais devagar, o outro iinpulsivo. Um pensa mui-<br />

to, o outro age sem pensar. Um trabalha cedo, o outro só após a meia-noite;<br />

etc. É necessária aceitação mútua, humildade, boa vontade e a busca do<br />

diálogo.<br />

d) Divisão de trabalho: Em nossa igreja irmã, a LCMS, há o costume de<br />

a congregação, com mais de um pastor, nomear um pastor deles como<br />

pastor principal, que dita a linha de ação, que é o responsável principal, que<br />

tem a última palavra. Nós não temos esse costume. Como dividir, então, o<br />

trabalho, as tarefas e responsabilidades entre os pastores numa congrega-<br />

ção ou paróquia? Eis algumas sugestões: Dividir as responsabilidades por<br />

área de serviços: departamentos, setores de atividades, etc. Nessa divisão<br />

é importante que cada pastor participe de uma ou de mais vezes nas ativi-<br />

dades do outro, para manter contato com as pessoas e não criar setores<br />

isolados na congregação. Especialmente nas áreas de entrada na congre-<br />

gação, como instrução de confirmandos e de adultos é bom que o trabalho<br />

seja dividido ao meio, para que cada pastor tenha contato com os novos<br />

membros que entram e eles, por sua vez, conheçam os pastores. É preciso<br />

dialogar, ter em mente não nossos interesses, mas o bem-estar da congre-<br />

gação. O trabalho requer muita oração.<br />

e) Separação: Mesmo com todos os cuidados, podem surgir entre pasto-<br />

res e suas famílias profunda antipatia. Não deveria ser assim. Infelizmente,<br />

nem sempre isso é inevitável. Então o caminho será a separação. Um terá<br />

que pedir outro chamado (por vezes os dois precisam declinar de seus cha-<br />

mados), a exemplo de Abraão e Ló, Paulo e Bariiabé.


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

2. SUPERVISIONAR<br />

Vimos o que é ser pastor, quais suas qualificações, sua vida espiritual<br />

e as ciladas que enfrenta: mas quem vai supervisionar o seu trabalho,<br />

estimular, repreender e aconselhar o pastor?<br />

O pastor, como qualquer outro cristão, tem sua natureza humana,<br />

carnal e precisa lutar diariamente contra suas inclinações pecaminosas de<br />

sua própria carne e afogar o seu "vellio liomem", para fazer ressurgir o<br />

"novo hornem". Ele está sujeito a tentações e quedas por fraquezas. Seu<br />

primeiro guia e conselheiro é o Espírito Santo, que lhe fala pela palavra de<br />

Deus. Em segundo lugar, sem dúvida, sua esposa, que deve arrancá-lo para<br />

fora de seus pensamentos carnais. Quando preciso, adverti-lo, consolá-lo,<br />

estimulá-lo. Os próprios congregados e componentes das diretorias, que<br />

hão de lembrá-lo de seus deveres, e lhe trarão as observações dos rnernbros,<br />

quando interpretaram mal seus estudos e suas mensagens, etc. É importante<br />

que sejamos bons ouvintes dos membros das diretorias, mesmo se não nos<br />

sejam tão simpáticos como desejaríamos. E de fonna bem especial, os colegas<br />

e o conselheiro distrital. Sobre esse último item queremos entrar em alguns<br />

detalhes.<br />

2.1 - O Bispo: Bispo quer dizer supervisor. Não 1iá no Novo Testamento<br />

uma passagem expressa sobre a instituição dos bispos ou sobre a instituição<br />

de urna ordem superior. Mas há exemplos tanto na vida de Jesus como<br />

na vida dos apóstolos e das primeiras igrejas cristã sobre a importância e o<br />

trabalho de supervisionar. A igreja de Jerusalém sentiu-se responsável pelo<br />

desenvolvimento da ~nissão e enviou Pedro e João para supervisionarem o<br />

trabalho missionário em Samaria (At 8.14-25). Ela também enviou Barnabé<br />

para Antioquia da Síria para supervisionar ali o trabalho (At 11.22-30). O<br />

apóstolo Paulo sentiu-se responsável pelas novas missões abertas por ele e<br />

enviou cartas; orientou também a Timóteo, como primeiro bispo em Éfeso,<br />

onde havia vários pastores na congregação. Na época da Reforma Luterana<br />

os reformadores sentiram a necessidade de supervisionar e orientar as congregações<br />

católicas que passaram para o lado da Reforma. Sendo solicitado,<br />

o Eleitor ordenou uma visitação e Melanchthon elaborou um manual<br />

chamado de Instrução dos Visitadores aos Párocos. 'O Lutero nunca aboliu<br />

a instituição dos bispos, só censurou os abusos dos mesmos. Ele reconheceu<br />

três ordens: o pároco, que instrui e supervisiona a congregação, o bispo,<br />

que supervisiona os párocos e o arcebispo, que supervisiona numa região<br />

I'' Lutcro, Martinlio. Obr-as Selecionudus. São Lcopoldo c Porto Alcgrc: Editora Sinodal c<br />

<strong>Concórdia</strong> Editora, 2000, v. 7, p.257ss.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

vários bispos. O primeiro, o pároco, de jure divino, os bispos e arcebispos de<br />

jure humano. A LCMS, devido as nefastas experiências dos saxões com os<br />

bispos e consistórios, deu grande ênfase à supremacia dos membros votan-<br />

tes na congregação, sendo as resoluções dos Conselheiros Distritais e<br />

Regionais e da própria Convenção Regional elou Nacional somente conse-<br />

lhos que são aceitos em amor. A SELK, por exemplo, mantém o pastor<br />

(congregação), o Superintendent (Conselheiro Distrital), o Probst (Presi-<br />

dente Regional) e o Bispo (Presidente geral do Sínodo)."<br />

Isso nos leva a uma reflexão. Precisamos urgentemente aperfeiçoar<br />

nossa organização interna para desafogar as atribuições do Presidente<br />

Nacional criando, como já o tínhamos, as regiões com o Presidente Regional.<br />

Em segundo lugar, precisamos voltar as conferências regionais com estudos<br />

teológicos. Em terceiro lugar, sendo muitos de nossos conselheiros jovens,<br />

pois somos uma igreja jovem, precisamos criar encontros ou cursos para<br />

aperfeiçoar e qualificar melhor nossos conselheiros. Vejo que nos últimos<br />

tempos muitos Conselhos Distritais estão ocupados somente com questões<br />

organizacionais.<br />

O Dr. Nestor Beck elaborou diversos trabalhos sobre o tema: O Papel<br />

dos Supervisores na IELB: em 1979,1982 e 1994. Estes trabalhos merecem<br />

uma publicação especial para estarem a disposição dos novos Conselheiros<br />

na IELB. Trago aqui as conclusões finais destes trabalhos:<br />

"Quanto ao mais, julgamos que o presente trabalho autoriza de forma<br />

direta ou indireta as seguintes recomendações ao corpo de conselheiros<br />

distritais:<br />

1. Os visitadores precisam estudar, sistematicamente, as Escrituras, as<br />

Confissões e as obras dos pais da igreja para entenderem adequada-<br />

mente qual é a sua função e responsabilidade em relação as igrejas e<br />

ministros do Senhor. Não deveria haver reunião sem estudo teológico<br />

relacionado com o ministério dos supervisares;<br />

2. Em vista das funções que o supervisor precisa desempenhar e em vista<br />

da responsabilidade que tem, cabe aos órgãos competentes da IELB<br />

perguntar: Quais são os critérios a serem usados para a seleção e elei-<br />

ção dos conselheiros? Quais são as qualificações que a função exige?<br />

Estamos escolhendo os homens certos para a função?;<br />

3. Os visitadores podem e precisam discutir em conjunto a direção desta<br />

agremiação de igrejas de Deus que é a IELB, estratégias e caminhos<br />

" Kirchlichc Ordnung, dcr SELK


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

para orientar, exortar e encorajar tanto igrejas como ministros a cum-<br />

prirem fielmente sua missão e a crescerem cada vez mais na fidelidade<br />

e no serviço. Conforme verificamos no estudo, até homens tão chega-<br />

dos ao apóstolo Paulo, como Tito e Timóteo, precisaram ser exortados e<br />

encorajados ao cumprimento fiel do ministério;<br />

4. Convém que esta orientação seja dada em caráter regular e permanente,<br />

para que tanto as igrejas como os ministros cresçam e se tornem capazes<br />

de absorver não somente leite, mas também vinho e bebida forte;<br />

5. A medida que igrejas e ministros amadurecem no Senhor, poderão e<br />

deverão ser exortados a disciplinarem os pecadores manifestos e impe-<br />

nitentes que há nas congregações. Enquanto igrejas e pastores temem<br />

mais a homens do que ao Senhor, não terão condições de exortar, re-<br />

preender e, se necessário, expulsar de seu meio o malfeitor;<br />

6. A intervenção dos visitadores em conflitos nas congregações deverá<br />

ser muito mais preventiva que remedial. Quando o conflito já estiver<br />

explodido, o visitador não terá como preocupação principal abafá-lo e<br />

estabelecer uma paz que não é paz. Terá como preocupação, isto sim,<br />

deixar bem claro o "Sic dixit Dominus". Então, com a autoridade que o<br />

Senhor lhe conferiu não para destruir, mas para edificar a igreja, exigirá<br />

obediência, não a si, mas ao Senhor;<br />

7. Tanto o corpo de conselheiros como a administração da IELB precisam<br />

entender as chamadas conferências pastorais como instrumento valio-<br />

so para promover um ministério mais efetivo. Este será promovido pelo<br />

estudo específico do ministério da nova aliança em fontes do Novo<br />

Testamento e da Reforma e pelo planejamento da ação a ser desenvol-<br />

vida pelos ministros nas igrejas locais com vistas ao crescimento espiri-<br />

tual e numérico das mesmas;<br />

8. Caberá aos visitadores investigar por que, atualmente, as transferênci-<br />

as de pastores estão se tornando mais frequentes e por que pastores<br />

estagnam na rotina quando não são transferidos. Por que termina tão<br />

depressa o diálogo entre pastor e congregação, de modo que tenha de<br />

buscar outra? Por que pastores que estão servindo a mesma congrega-<br />

ção por muitos anos não têm a ambição de crescer e de melhorar, tanto<br />

eles, como as congregações, em todos os sentidos;<br />

9. Em vista especialmente do ponto anterior, caberá aos visitadores per-<br />

guntar se há ou não uma crise no ministério da IELB, e, se houver, em<br />

que consiste a crise. (Note: Uma crise pode ser algo de muito positivo,<br />

quando se torna ponto de partida para um novo início);


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

10. Discutindo com a devida seriedade e profundeza estes pontos, os<br />

visitadores acharão assunto mais do que suficiente para muitas reuni-<br />

ões. E mais: Deixarão de se ocupar tanto com os "pequenos assuntos",<br />

para se dedicarem mais aos grandes, dos quais depende, em última<br />

análise, a solução dos pequenos. Chegará o dia em que este colégio<br />

terá condições de atuar conscientemente para atingir os objetivos pre-<br />

vistos nas atribuições regimentais referentes aos conselheiros, e de atu-<br />

ar não apenas em termos gerais, mas com vistas a objetivos específicos<br />

ou metas fixadas de ano para ano ou de gestão em gestão, de acordo<br />

com as necessidades da IELB."<br />

2.2 - O Presidente Regional: A ele cabe organizar as conferências regi-<br />

onais, zelar pelo aperfeiçoamento contínuo dos pastores, promovendo con-<br />

ferências teológicas, estudo e análise de sermões, cuidado com a liturgia e<br />

hinologia, etc. Amparar os conselheiros e ajudar nos conflitos e representar<br />

o Presidente Nacional na Região (Cf. Regimento 1988).<br />

3. DISCIPLINAR<br />

Este é um capítulo difícil. Quando eu era jovem pastor, perguntei ao<br />

Dr. Oliver Harms, presidente da LCMS: Quanto tempo leva a disciplina de<br />

um pastor? E ele me respondeu: No mínimo cinco anos. Essa burocracia<br />

emperrou a LCMS, deu ocasião para difusão de falsas doutrinas e do<br />

liberalismo.<br />

O Dr. Jack A. O. Preus assumiu a presidência da LCMC em 1969,<br />

iniciou um processo de purificação da igreja e agiu com firmeza e rigidez, o<br />

que levou a uma cisão.I2 Na oportunidade, ano 1974, saíram do <strong>Seminário</strong><br />

em St. Louis 500 pessoas, entre professores e alunos, formando o <strong>Seminário</strong><br />

no Exílio, apelidado de Seminex, e, da igreja, aproximadamente 100 mil<br />

membros. Não quero entrar em detalhes sobre esse processo na LCMS.<br />

Mas uma coisa ficou clara: a igreja que não zela com certo rigor por seu<br />

ministério pastoral se corrompe e desgraça. Quero por isso abordar dois<br />

assuntos: A congregação tem o direito e o dever de julgar seus pastores,<br />

baseada num sermão do Dr. C.F.W. Walther" e de um artigo do Rev. Robert<br />

Netzni,14 depondo um pastor. Trazemos aqui ambos os artigos de forma<br />

resumida.<br />

3.1 - Quem deve disciplinar? No seu sermão sobre Mt 7.15-23, Dr.<br />

Walther formula o seguinte tema: Os congregados têm o direito e dever de<br />

'' "Dcclaração dc Princípios Escrit~irísticos c Coiifcssioiiais" (1970). Este documciito foi elaborado<br />

c todos os profcssorcs dos Scminários foram solicitados a subscrevi.-10. Qucm não concordassc<br />

foi disciplinado. Eles saíram, formando o Scmiiicx (Scniinário no Exílio).


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

julgar seus pastores. Ele destaca os seguintes itens: 1) As ovelhas são juízes,<br />

2) por isso precisam conhecer a doutrina verdadeira e estarem firmes nela.<br />

3) Não devem deixar enganar-se pela boa aparência dos pregadores, 4)<br />

mas julgá-los pelos seus fmtos.<br />

A igreja cristã aqui na terra foi e sempre será uma igreja militante.<br />

Ela sempre foi oprimida e perseguida. Momentos de calmaria são poucos.<br />

Ora são perigos de fora, ora falsos profetas, ora tentações para uma vida<br />

pecaminosa. Onde estiver a doutrina pura, ali Satanás redobra seus esforços.<br />

Por que Deus permite tais ataques? Por duas razões: para provar seus filhos<br />

e para punir a ingratidão ao evangelho. Seja isto uma advertência para todos<br />

nós que temos a sã doutrina. Sejamos vigilantes e gratos a Deus, não medindo<br />

esforço para propagar o evangelho, caso contrário podemos perdê-lo. Nesse<br />

esforço cabe-nos também vigiar sobre nossos ministros.<br />

a) Acautelai-vos (v. 15): Jesus proferiu estas palavras no seu sermão do<br />

monte, ao qual estavam presentes não somente seus doze discípulos, mas<br />

uma grande multidão de seguidores. Com estas palavras Jesus deu um<br />

alerta aos fiéis de todos os tempos. As ovelhas do rebanho não devem<br />

simplesmente ouvir o que os pastores dizem e segui-los, mas examinar cui-<br />

dadosamente suas mensagens.<br />

Todos os ouvintes são juízes de seus pastores. Pois em matéria de fé<br />

e salvação de almas ninguém deve ser dependente de pessoas ou basear<br />

sua fé em palavras humanas. Cada um é responsável diante de Deus e terá<br />

de prestar contas e responder a Deus por sua fé e vida. Ninguém poderá<br />

dizer: Mas esta pessoa me disse isto ou aquilo. A fé deve ser baseada<br />

unicamente na palavra de Deus. A responsabilidade é de cada um. É verdade<br />

que Deus vai requerer as almas dos falsos profetas, porém também disse<br />

que os enganados morrerão (Ez 3.1 7-2 1 ; 33.1-9).<br />

No reino de Deus todos são iguais. No santo batismo tanto o rei<br />

depõe seu manto de púrpura como o mendigo seus farrapos, e ambos são<br />

vestidos com o manto branco da justiça de Cristo (1s 61.10). Em coisas<br />

divinas não dependemos do estudo ou da piedade de ninguém. A sabedoria<br />

humana é loucura diante de Deus. O sábio precisa descer do alto de sua<br />

sabedoria e tornar-se como uma criança que aceita e confia no que seu pai<br />

lhe diz (Mt 18.3). Por isso em coisas divinas, ninguém é excluído de julgar.<br />

Todos são juízes, leigos e ministros, o bacharel e o analfabeto, o jovem e o<br />

" Walthcr, C. F. W. Evnngelium Posiile, Gcncral-Agcritcri M.C.Uarthc1, St. Louis Missouri,<br />

1877, p.257ss.<br />

'I Nctznik. Robcrt B. Thc Scriptural Dcposiiig of a Pastor. The l.'ai/hfirl Word, A Journal of<br />

Doctriri aiid Dcfcrisc, Dallcs, Orcgon, U.S.A., v. 27. Ario 1990. no 4.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

ancião. Por isso o apóstolo Paulo elogia os ouvintes de Beréia que<br />

examinavam as Escrituras (At 17.10). E o apóstolo João adverte: "Amados,<br />

não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem<br />

de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora" (1 João<br />

4.1). Não permitam que alguém domine sobre vossa consciência. "Vós,<br />

porém, não sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre, e vós<br />

todos sois irmãos" (Mateus 23.8).<br />

Matéria de fé também não se decide pela maioria. No concílio em<br />

Nicéia (AD 325) estavam reunidos 3 18 bispos ortodoxos do mundo inteiro.<br />

Estavam decidindo sobre o casamento dos clérigos, quando Thereupon,<br />

presidente da assembléia, se levantou e, discordando de todos, mostrou a<br />

posição da Bíblia. Os 3 17 bispos mudaram de idéia. Quão importante é<br />

reconhecermos nosso ofício de julgar os mestres. "Julgai todas as coisas,<br />

retende o que é bom" (1 Ts 5.21).<br />

b) Para isso, as ovelhas precisam conhecer a doutrina verdadeira e<br />

estarem$rmes nela: Quando um juiz julga, ele não pode impor sua vontade<br />

pessoal, mas precisa guiar-se pelo código da lei em vigor. Se ele impõe<br />

simplesmente sua vontade, torna-se um ditador. Na igreja é assim também.<br />

É dever de toda a congregação, de todos os congregados, julgar a doutrina,<br />

examiná-la, reter o que é bom e rejeitar o que está errado, e isto não base-<br />

ado numa pessoa, na autoridade de alguém ou pelo voto da maioria, mas<br />

baseado na única autoridade na igreja, a palavra de Deus, a Escritura. O<br />

salmista afirma: "Deus assiste na congregação divina; no meio dos deuses,<br />

estabelece o seu julgamento" (Salmos 82.1). E o apóstolo Pedro recomen-<br />

da: "Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus" (1 Pedro<br />

4.1 1). Com respeito ao amor, somos devedores um do outro, servos uns dos<br />

outros, mas com respeito a fé, ninguém é escravo de outrem. Todos são<br />

escravos de Cristo, sujeitos a sua santa palavra, como única e imutável<br />

norma e guia. Por isso todos os fiéis são seriamente admoestados a estuda-<br />

rem a Bíblia para que possam separar a verdade do erro. Precisamos estar<br />

familiarizados com a Bíblia e suas principais doutrinas. Temos uma boa<br />

tradução, a Almeida, temos nossos livros confessionais. Os apóstolos, ho-<br />

mens simples, reconheceram: "Senhor, para quem iremos? Tu tens as pala-<br />

vras da vida eterna; e nós temos crido e conhecido que tu és o Santo de<br />

Deus" (João 6.68-69). Temos hoje luteranos passando para as seitas e<br />

divergências doutrinárias se levantam em nosso meio (universalismo,<br />

sinergismo, humanismo, calvinismo, graça iniüsa, etc.). Por quê? Há uma<br />

só resposta: deixamos de estudar a Bíblia e nossas Confissões. Pois se<br />

alguém lê sua Bíblia e seu Catecismo Menor, ele terá suficiente luz para<br />

distinguir entre verdade e erro.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

c) Disfarçados (v.15): As ovelhas não devem deixar guiar-se pela simples<br />

aparência. "Que vem a vós vestidos de ovelhas, mas interiormente são<br />

lobos vorazes." Estamos cercados por igrejas que negam claramente a<br />

Trindade e a divindade de Cristo. Estes lobos são facilmente reconhecíveis.<br />

Quem os segue negou a fé cristã. Aqui Cristo está falando de lobos que<br />

vêm a nós vestidos como ovelhas, cuja aparência exterior é boa e parecem<br />

cristãos, amantes da palavra de Deus, que vêm a nós com a Bíblia na mão.<br />

Estes são os perigosos. Verdadeiros profetas firmam suas doutrinas na pa-<br />

lavra de Deus; mas nem todos os que vêm com a Bíblia na mão e dizem:<br />

Está escrito, como o diabo o disse a Jesus, são profetas de Deus. Profetas<br />

verdadeiros não se oferecem ao povo, eles atuam porque foram chamados;<br />

contudo nem todos os pastores chamados são profetas verdadeiros. O cha-<br />

mado pode ser correto, porém o pastor chamado pode se transformar num<br />

falso profeta, por causa do seu ensino falso. Verdadeiros profetas lutam por<br />

vida santificada; mas nem todo o profeta, com vida irreprecnsível, é verda-<br />

deiro. Profetas verdadeiros são muitas vezes equipados com dons espiritu-<br />

ais, são simpáticos, bons oradores e conseguem a simpatia do povo; mas<br />

também falsos profetas possuem muitas vezes grandes dons naturais. Ve-<br />

mos que atrás da aparência da palavra de Deus, do chamado, de uma vida<br />

honrosa e capacidade profissional, podem cstar cscondidos lobos vorazes<br />

que desgraçain as ovelhas. Como distinguir então entre os profetas falsos,<br />

que vêm corno lobos vestidos de ovelhas, e os profetas verdadeiros?<br />

d) Pelos seus frutos os conhecereis (v.16): Que frutos são estes? As<br />

boas obras'? Não! Qual é o fmto do trabalho de um carpinteiro? Suas obras,<br />

mesas, armários que ele fabrica. Quais são os frutos de um pregador'? Seu<br />

ensino, sua doutrina. Jesus está se referindo ao trabalho deles, scus ser-<br />

mões, seu ensino, sua doutrina. Quem não trouxer a doutrina pura, seja ele<br />

doutor ou anjo, deve ser amaldiçoado (GI 1.8). Ninguém é enviado por<br />

Deus, exceto aquele que proclama a Cristo como o único caminho para a<br />

salvação aos pobres pecadores. O apóstolo João afirma: "Todo aquele que<br />

nega o Filho, esse não tem o Pai; aquele que confessa o Filho tcm igual-<br />

mente o Pai" (1 João 2.23). O apóstolo Pedro afirma: "Dele todos os<br />

profetas dão testemunho de que, por meio de seu nome, todo aquele que<br />

nele crê recebe remissão de pecados" (Atos 10.43). Este é um profeta<br />

verdadeiro que proclama a Cristo como o único e suficiente Salvador da<br />

humanidade (Jo 3.16; 2 Co 5.18-21), e quem nele confia tem o que o<br />

evangelho oferece, da e sela, perdão dos pecados, vida e eterna salvação<br />

(Rm 3.28; Ef 2.8-10). Pela fé na graça de Cristo renascemos e somos<br />

novas criaturas, como atesta o apóstolo Paulo: "E, assim, se a1gui.m está<br />

em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se<br />

fizeram novas" (2 Coríntios 5.17). Portanto cuidado! Jesus afirmou: "Mui-


Igreja Luterana - n" 1 - 2004<br />

do, ele precisa avaliar o seu servir como um todo na igreja e olhar onde<br />

está a maior necessidade, onde poderá servir melhor com seus dons,<br />

bem como a necessidade de sua família, e decidir.<br />

c) Resignar o ofício: Só o fará se tiver fortes razões para tanto. Motivos<br />

poderão ser: sentir-se realmente incapaz, doenças que o impedem de<br />

exercer seu ofício plenamente; aposentadoria por idade. Na literatura<br />

não há praticamente nada sobre aposentadoria. Pressupõe-se que o<br />

pastor trabalhe enquanto tiver forças. Pastores que solicitan~ sua aposentaria,<br />

tornando-se pastores eméritos, normalmente continuam servindo<br />

como pastores, pregando quando convidados, dando palestras,<br />

auxiliando. O Regimento da SELK recomenda aposentadoria aos 65<br />

anos, podendo continuar se a congregação assim o desejar. O Regimento<br />

da Igreja da Austrália recomenda aposentadorias aos 70 anos.<br />

As outras igrejas deixam o assunto em aberto.I9<br />

d) Doenças: Se uma doença impede o pastor de exercer seu ministério, tal<br />

como fraqueza mental, câncer, etc. Se a doença não cede, com a coin-<br />

preensão da congregação e da igreja poderá resignar e, se precisar de<br />

amparo, deverá ser amparado pela igreja.<br />

e) Doutrina falsa: "Uma congregação pode depor seu pastor por ensinar<br />

doutrina falsa," 20 pois a Escritura ordena que o bispo deve pregar "ape-<br />

gado a palavra fiel, que é segundo a doutrina, de modo que tenha poder<br />

tanto para exortar pelo reto ensino como para convencer os que o con-<br />

tradizem" (Tito 1.9). Somos, por outro lado, claramente advertidos con-<br />

tra falsa doutrina e falsos profetas (C1 1.8; Mt 7.15; Mt 15.13-14; Rm<br />

16.17- 18; 2 Co 1 1.4,13). Se um pastor insiste em doutrina falsa, apesar<br />

de ser admoestado, a congregação deve depô-lo do seu ministério. O<br />

mesmo passo deve ser dado em relação a qualquer cristão ou congre-<br />

gação que persistam em doutrina errada.(l Tm 6.3-5; Tt 3.10; 2 Pe 2.1;<br />

Dt 18.20; 1s 3.2; 2 Co 11.3; Ef4.14; C1 2.4, 18,19; 2Tin2.14; Hb 13.9).<br />

f) Vida ímpia: Quando uma pessoa (leigo ou pastor), após ser admoestada,<br />

continua em sua vida pecaminosa de forma impenitente, deve ser ex-<br />

cluída da congregação. Isto vale também para o pastor que deve ser<br />

removido do seu ofício. Se ele se arrepender, a congregação lhe anun-<br />

ciará o perdão e o reconhecerá como irmão em Cristo, mas quanto ao<br />

seu ministério, poderá ter dois desfechos: perdê-lo ou, dependendo do<br />

caso, aceitar outro chamado. Pois o pastor deve ser irrepreensível e ter<br />

Fribz, Tcologia Pastoral, p. 63; Thc Shepcrd Under Christ, p. 40<br />

"' Vritz, Tcologia Pastoral, p.56.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

ao pecado que foi cometido;<br />

8. Uma admoestação deve ser dada em conformidade com o pecado que<br />

foi cometido;<br />

9. Quando um ofensor está triste por causa do seu pecado ... nenhuma<br />

repreensão deve ser dada, ou, então, só de uma maneira muito suave;<br />

10. Testemunhas convidadas para o caso devem ser aceitas pelo ofensor.<br />

Não podem ser pessoas briguentas, mexeriqueiras, que estão em peca-<br />

dos iguais, incompetentes; mas bons amigos, nos quais o faltos0 tenha<br />

confiança e diante das quais não se sentirá envergonhado em admitir<br />

seus erros;<br />

11. Admoestação fraternal deve ser repetida várias vezes, se necessário.<br />

Mateus mostra como devemos proceder, no entanto não diz quantas<br />

vezes devemos repetir a admoestação. Isso Jesus mostra ao dizer que<br />

devemos admoestar várias vezes até passar para o degrau seguinte,<br />

"perdoar sete vezes setenta" (Lc 17.3,4).<br />

3.2.3 - Erros na deposição de um pastor: Na deposição de um pastor podem<br />

ocorrer erros camuflados com a aparência de direito, como por exemplo:<br />

a) Algumas pessoas na congregação não simpatizam com o pastor ou<br />

membros de sua família. As razões são corriqueiras: em adiaforos, como,<br />

por exemplo, sua aparência exterior, ou alguns erros sociais que fez ou<br />

faz. Por causa disso começam a criticar de forma nefasta, sem amor.<br />

Visam a amargurar a vida do pastor para que ele busque outro chama-<br />

do. Por vezes essas pessoas falam a respeito do seu pastor ao conse-<br />

lheiro ou a outras autoridades da igreja, para que providenciem com<br />

rapidez um chamado para ele. Se os responsáveis derem ouvidos a tais<br />

críticas infundadas, procedem mal. Isto é interferência na seara de Deus;<br />

b) Se uma congregação depôs seu pastor por caminhos escusos, sem res-<br />

peitar os caminhos de Deus, esta congregação deverá ser admoestada.<br />

Se ela chamou outro pastor, tal chamado não deveria ser aceito. Deus<br />

afirma: "A ninguém permitiu que os oprimisse; antes, por amor deles,<br />

repreendeu a reis, dizendo: Não toqueis nos meus ungidos, nem maltrateis<br />

os meus profetas" (S1 105.14,15).<br />

Se um pastor é deposto ilegalmente, ele, na verdade, continua pastor,<br />

mesmo tendo sido deposto do seu ministério. Para corrigir esse erro, a<br />

congregação deve arrepender-se e trazer os frutos do arrependimento, a<br />

saber, reinstalar o pastor demitido, bem como recompensá-lo pela perda<br />

financeira. O pastor, por sua vez, deve ajudar a curar a ferida. Mostrar boa<br />

vontade e colaborar com a congregação.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

Pode acontecer, também, de uma congregação se arrepender de seu<br />

erro, chamar o seu pastor demitido de volta, pedir perdão a ele, mas devido<br />

a razões humanas, os deveres do ofício foram demasiadamente feridos.<br />

Nesse caso, o pastor perdoado deveria, então, solicitar outro chamado para<br />

o bem da congregação e do seu ministério.<br />

Onde há honra ao ministério, ali haverá também amor ao pastor. Honra<br />

e amor são o fio de ouro entre o pastor e a congregação. O apóstolo Paulo<br />

afirma: "Agora, vos rogamos, irmãos, que acateis com apreço os que<br />

trabalham entre vós e os que vos presidem no Senhor e vos admoestam; e<br />

que os tenhais com amor em máxima consideração, por causa do trabalho<br />

que realizam. Vivei em paz uns com os outros" (1 Ts 5.12,13).<br />

Um exemplo deste amor para com o seu pastor eram os fiéis da<br />

Galácia. Seu amor ao apóstolo Paulo era tão grande, que não o desprezaram<br />

por causa da doença física que afligia o apóstolo. Eles o aceitaram como<br />

mensageiro de Deus. O apóstolo Paulo ficou emocionado com esta acolhida<br />

e Ihes escreveu: "Sabeis que vos preguei o evangelho a primeira vez por<br />

causa de uma enfermidade física. E, posto que a minha enfermidade na<br />

carne vos foi uma tentação, contudo não me revelastes desprezo nem<br />

desgosto; antes me recebestes como anjo de Deus, como o próprio Cristo<br />

Jesus" (G14.12,13).<br />

Onde impera verdadeiro amor, ali a congregação não procederá de<br />

maneira rigorosa ou apressadamente diante de certas fraquezas e deficiências<br />

profissionais do seu pastor, mesmo se acontecerem erros graves. O amor<br />

levará a uma admoestação para afastar o pecado, assim como o apóstolo<br />

Paulo o fez com o apóstolo Pedro ((312.1 1-2 1). Os dois continuaram amigos<br />

que se respeitavam.<br />

Para que o ofício do ministério público seja mantido corretamente é<br />

também imperativo que a congregação providencie para seus servos na<br />

palavra um salário digno e adequado. Quando Jesus enviou os setenta, ele<br />

lhes disse: "Permanecei na mesma casa, comendo e bebendo do que eles<br />

tiverem; porque digno é o trabalhador do seu salário. Não andeis a mudar de<br />

casa em casa. Quando entrardes numa cidade e ali vos receberem, comei<br />

do que vos for oferecido" (Lucas 10.7-8). E o apóstolo Paulo escreveu aos<br />

gálatas: "Mas aquele que está sendo instruído na palavra faça participante<br />

de todas as coisas boas aquele que oinstrui. Não vos enganeis: de Deus<br />

não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará (Gálatas<br />

6.6-7). O sustento físico do ministério do evangelho não é matéria de livre<br />

escolha da congregação, mas expresso mandamento de Deus. O apóstolo<br />

Paulo mostrou os princípios: "Assim ordenou também o Senhor aos que


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

pregam o evangelho que vivam do evangelho" (1 Coríntios 9.14).<br />

Suprir as necessidades físicas dos clérigos tem sido um problema<br />

constante na igreja e muitas vezes cnicial. Lutero chamou atenção a isso,<br />

afirmando que, quando a igreja estava sob a tirania do papa, os sacerdotes e<br />

bispos estavam bem, mas agora que está livre, ela não ampara os ministros<br />

do evangelho adequadamente. Ele disse assim: " 'Devem ser considerados<br />

merecedores de dobrada honra os presbíteros que presidem bem, com<br />

especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino' (1 Tm 5.17). Aos<br />

seus curas d'alma, fazer-lhes o bem e provê-los do necessário ... Mas aqui<br />

todo o mundo empaca e se defende ... e assim não podem agora sustentar<br />

um só pregador bom, onde no passado empanturrávamos dez panças<br />

graxudas" (Catecismo Maior, 1" Parte, 4" Mandamento, 161, 162; LC, p<br />

419).<br />

Como vemos, depor um pastor é assunto grave na igreja. Se é feito<br />

por razões corretas, faz-se a vontade de Deus; mas se uma congregação<br />

age com seus pastores, servos de Deus, de forma anti-bíblica, sem base<br />

escriturística, eles não têm nada de bom a esperar a não ser justa indignação<br />

da parte de Deus. Há somente três razões, conforme a ordem de Deus,<br />

pelas quais um pastor possa ser deposto do seu ministério, e estas são: a)<br />

Pregação de doutrina falsa e recusa de reconhecimento e arrependimento<br />

de tal; b) Vida manifestamente ímpia, comprovada sem sombra de dúvidas<br />

e recusa de arrependimento de tal; c) Se no seu procedimento causou grande<br />

desprestígio ao ministério, então deve ser despedido do ministério, mesmo<br />

que tenha se arrependido.<br />

3.3 - Situações conflitantes: A congregação cristã, por ser igreja militan-<br />

te, não luta somente contra inimigos de fora, mas também com problemas<br />

internos provindos da fraqueza de fé. Problemas como desentendimentos<br />

entre congregados, partidos, conflitos entre pastor e congregação, incapa-<br />

cidade profissional por parte do pastor, etc. Como tratar esses problemas?<br />

Vamos analisar os mais comuns.<br />

3.3.1 - Um número expressivo de membros da congregação não con-<br />

corda com a posição doutrinária do seu pastor - O que fazer quando o<br />

pastor, no seu dever pastoral, conforme a ordem de Deus levanta a sua voz<br />

contra doutrinas falsas, mundanismo (música e danças pecaminosas e ou-<br />

tros pecados em moda na sociedade) e membros da comunidade protestam<br />

contra seu pastor, pedindo que modere seus sermões? Em tal situação, o<br />

primeiro a examinar sua atitude, sem dúvida, será o pastor. Ele se pergun-<br />

tará: Estou agindo corretamente, pregando lei e evangelho conforme a von-<br />

tade de Jesus ou estou deixando arrastar-me por meus ressentimentos? Se


Igreja Lulerana - nu 1 - 2004<br />

notar falhas, corrigirá c mudará sua atitude; se, todavia, clc se certificar da<br />

retidão dc sua causa, deve continuar a lutar com toda a fidelidade, suplican-<br />

do pela orientação do Espírito Santo, tendo ern iiicnte a missão de salvar<br />

almas. Valem-lhe as palavras de Dcus a Josué: "Sê fortc c corajoso para<br />

teres o cuidado de fazer segundo toda a lei que ineu servo Moisés te orde-<br />

nou; dela não te desvies, nein para a direita nein para a esquerda, para que<br />

sejas bem sucedido por onde quer que andares" (Js 1.7). Não precisará<br />

teiner as conscquências. Sua inissão não é agradar c buscar o favor de<br />

liornens, mas curnprir a missão de Dcus. Ele confia de que a verdade pro-<br />

clamada produzirá seus fmtos ao seu tetnpo. Excinplo são os profetas c<br />

João Batista, nossos pais reformadores; o pastor Paulo Gcrhardt foi perse-<br />

guido e teve que fugir de sua congregação por se opor a união pmssiana.<br />

Aos incnibros dessas congregações cumpre dizer: Escutctn a pregação<br />

scin ressentimentos. Exarnincrn as Escrituras. Avalicin beni a situação. Jesus<br />

disse: "Quem vos der ouvidos, ouvc-inc a niiin; c, qucin vos rejeitar, a mim<br />

me rejeita; quein, porém, me rejeita, rejeita aquclc que ine enviou" (Lc<br />

10.16; At 5.39). A congregação que resiste a palavra de Deus destrói-se a si<br />

nicsnia. Pois a vida na congregação vem unicaincntc da palavra de Dcus.<br />

0s fiéis na congregação, scrn dúvida, darão suporte ao pastor fiel.<br />

3.3.2 - Hú umu diverg2ncia gerul e skriu entre o pastor e os líderes du<br />

congreguçGo, por vezes entre os prcjprios lidems, proveniente do temperamento,<br />

do caráter do pustor c/ou dos lideres - Há pastores c líderes<br />

coin carátcr fortc. Pessoas que exercem urna lidcrança fortc c absoluta. Isto<br />

ern geral é uma bênção, mas pode resultar também cin muitos atritos. Tais<br />

pessoas decididas, iinpulsivas, sofrcin inuitas vczes com seu próprio tcmpcrarnento.<br />

Hoje estão bcin liumoradas, amanhã fccharn-se ern si mcsinas ou<br />

desanin~an~. São pessoas ncni sernpre simpáticas c por isso as vezes t! difícil<br />

tratar com elas. A história atesta que tais pcssoas podern se tomar líderes<br />

isolados c rcalizain grandes obras. Muitas vezes, no entanto, gcrain divisões,<br />

atritos e problcmas. Líderes com tais características podem gerar atritos com<br />

outras lideranças ou entram ern clioquc coin o seu pastor. Criam-se, então,<br />

desavenças que, por vczes, parecem intransponívcis.<br />

Alguns afinnam que tais ocorrêiicias são inevitáveis, espccialmcnte<br />

quando se trata de pessoas com uin carátcr forte c citain como cxcinplos a<br />

desavença cntre o apóstolo Paulo c Bamabé (At 15). Outros afirrnatn que<br />

cntre os cristãos jamais deveria liavcr tais divergências.<br />

Em primeiro lugar, convém lembrar que traballiadorcs na seara do<br />

Senhor são pessoas sujeitas as fraquezas e falhas. De tal forn~a que, quando<br />

se ernpenharn e lutain em seus trabalhos, corn seus impulsos c sua lidcrança


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

estão sujeitas aos erros e falhas. Muitas vezes são até estimuladas pelos<br />

próprios congregados a uma concorrência errada entre eles. Tais<br />

discordâncias nem sempre podem ser evitadas.<br />

Em segundo lugar, os líderes numa congregação devem ser<br />

constantemente alertados a respeito desse problema. Sim, todos os líderes,<br />

pastores e leigos, precisam ser lembrados das palavras do apóstolo Paulo:<br />

"Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos<br />

de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade.<br />

Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha<br />

motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos perdoou, assim<br />

também perdoai vós; acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o<br />

vínculo da perfeição. Seja a paz de Cristo o árbitro em vosso coração, a<br />

qual, também, fostes chamados em um só corpo; e sede agradecidos. Habite,<br />

ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos<br />

mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e<br />

cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração. E tudo o que fizerdes,<br />

seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por<br />

ele graças a Deus Pai" (C1 3.12- 17). Os cristãos, e especialmente os líderes,<br />

precisam ser exortados constantemente a paciência, a suportarem os mais<br />

fracos, a se comunicarem com amor. Pois líderes em conflito emperram o<br />

trabalho e escandalizam os irmãos.<br />

Em terceiro lugar, quando surgirem desentendimentos, eles devem<br />

ser encarados e tratados imediatamente, para minorar os conflitos, buscando<br />

o entendimento, esfriando os ânimos e buscando o caminho comum, do<br />

consenso.<br />

Finalmente, os congregados não devem preferir um trabalhador ao<br />

outro ou apoiar um contra o outro. Todos os esforços devem ser feitos para<br />

evitar o surgimento de facções na congregação. Os congregados não têm<br />

somente o direito, mas também o dever de insistir que seus líderes trabalhem<br />

em paz e unidade na congregação.<br />

Mesmo que tais problemas pareçam, por vezes, intransponíveis, as<br />

condições não precisam continuar assim. Ambas as partes precisam ser<br />

estimuladas a reconhecer suas responsabilidades e aceitar o compromisso<br />

de depor as armas e se sentar a mesa da reconciliação. Devem ser exortadas<br />

a aceitar o compromisso de mostrar boa vontade para remover os obstáculos,<br />

estar dispostas a ir ao encontro umas das outras e não esperar que a outra<br />

dê o primeiro passo. Estar dispostas a ouvir, perdoar, esquecer e buscar a<br />

reconciliação; a compreender a causa dos atritos, a aprender a suportar e a<br />

se aceitar mutuamente. A reconciliação não deve ser protelada. Há urgência


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

para impedir que a amargura se instale nos corações e a situação fique<br />

crônica.<br />

Especialmente se o pastor causou atritos por causa do seu caráter,<br />

precisa ter o cuidado para não permitir que seus ressentimentos se infiltrem<br />

em suas pregações, procurando granjear membros a seu favor. Os membros<br />

devem cuidar para não se deixar arrastar para o emprego de métodos<br />

nefastos como enviar cartas anônimas e ameaçadoras, fazer abaixo assinados<br />

contra o pastor, criando partidos, quer a favor ou contra o pastor. Isso só<br />

aumenta o problema.<br />

Em alguns casos será necessário chamar o conselheiro e líder distrital<br />

para ajudar a resolver a questão. Após a reconciliação, eles podem chegar<br />

a conclusões como: devido a erros ocorridos ou a muita amargura no caso,<br />

e para o bem-estar do reino de Deus naquele lugar, será necessário que o<br />

pastor aceite outro chamado. Nesses casos, o bem-estar do reino de Deus<br />

em geral está acima do direito individual do pastor. Precisamos orar sempre<br />

e estar muito atentos para evitar e impedir que tais divisões surjam. E se<br />

surgirem, procurar tratar dos assuntos imediatamente e não prorrogá-los.<br />

3.3.3 - A congregação está dividida entre si e contra si mesma e o<br />

pastor se encontra entre as duas facções - Em tal situação, o pastor é<br />

posto arduamente a prova. Um pastor fiel sabe que faz parte do seu cha-<br />

mado atuar com fidelidade, bom senso, moderação, amor e oração. O pas-<br />

tor sabe que meros esforço e sabedoria humana são ineficazes para reme-<br />

diar essas desavenças. Somente a palavra de Deus pode, unicamente, cu-<br />

rar tais divisões. Por isso, o pastor procurará com paciência mostrar As<br />

partes o que Deus tem a dizer, guiando as pessoas para dentro da palavra<br />

de Deus. Ele não se perturbará com o fato de desagradar as pessoas ao<br />

admoestá-las com a palavra de Deus.<br />

Se a luta encmdescer e se prolongar, não faltará ao pastor a tentação<br />

de abandonar o seu posto, aceitando outro chamado. Olhando, no entanto,<br />

para o bem-estar da igreja como um todo, sabendo que fugir do campo de<br />

luta elou abandoná-lo a esta altura seria entregar o campo a Satanás, o<br />

pastor e o grupo fiel de membros se empenharão com oração, paciência e<br />

muito amor para derrotar a Satanás e seus intentos.<br />

3.3.4 - O pastor leva vida írnpia - Por vezes, pode acontecer que o<br />

pastor, bom líder e pregador, simpático e inteligente, leva uma vida dupla.<br />

Ele vive secretamente em pecados grosseiros. Lembramos o fato histórico<br />

do líder dos saxões, pastor Martin Stephan. Ele tinha o dom da pregação.<br />

Era um líder dotado, mas vaidoso, que caiu em adultério. O processo foi<br />

longo. Pastores e leigos agiram com muita prudência até conseguiren~ as


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

provas concretas. Então o admoestaram. Como não houve arrependimen-<br />

to, ele foi afastado do ministério e de seus cargos. O caso requer oração,<br />

prudência e conselho.<br />

3.3.5 - O pastor é comprovadamente incapaz ou inejiciente para cum-<br />

prir suas funções ministeriais no local. As situações podem ser várias:<br />

a) O trabalho está acima da capacidade e dos dons do pastor. Nesse caso,<br />

o assunto deverá ser encaminhado para o conselheiro distrital, que, por sua<br />

vez, poderá encaminhá-lo a presidência da igreja, em busca de uma solu-<br />

ção, digamos, um chamado para uma comunidade menor; b) Há no pastor<br />

uma real incapacidade e falta de carisma e de formação para o ministério.<br />

Por mais que se deseje evitar tais fatos, eles ocorrem. Os professores do<br />

<strong>Seminário</strong> têm dúvidas se vão ou não recomendar esta ou aquela pessoa<br />

para o ministério e, na dúvida, o aprovam, na esperança de que se empe-<br />

nhará. Muitas vezes estudantes fracos tornaram-se excelentes pastores,<br />

enquanto outros, com excelentes notas, fracassaram. Mas, após um ou dois<br />

anos de ministério, a situação se torna clara: a pessoa não tem vocação<br />

para o ministério. A análise desta situação requer cautela e amor antes de<br />

se recomendar ao pastor que deixe o ministério. Pode acontecer que numa<br />

análise melhor o caso ainda poderá ser qualificado conforme o item "a".<br />

Julgar esses dois casos não é tarefa fácil. Procura-se não fazer injustiças.<br />

Será necessária a análise de vários ângulos e por várias pessoas: conselhei-<br />

ro e líder distrital, diretor do <strong>Seminário</strong> e presidente da Igreja. Aqui quere-<br />

mos lembrar o caso de João Marcos, um jovem que acompanhou a primeira<br />

viagem missionária do apóstolo Paulo e Barnabé, mas devido às muitas<br />

dificuldades e peripécias, desistiu. Na segunda tentativa, o apóstolo Paulo o<br />

desclassifica e não quis levá-lo, todavia Bamabé o julgou apto e o levou (At<br />

15.36-40). Mais tarde, o encontramos envolvido na missão, reconciliado<br />

com Paulo e auxiliar do apóstolo Pedro (C1 4.10; 2 Tm 4.11; Fm 24; 1 Pe<br />

5.13). Isso mostra o cuidado que se deve ter no julgamento desses casos.<br />

3.3.6 - O pastor, devido a sua enfermidade ou idade avançada, está<br />

impedido de cumprir integralmente suas funções ministeriais - Enfer-<br />

midades e fraquezas da idade atingem a leigos e pastores. É impossível<br />

esperar que o pastor esteja sempre bem. Por vezes Deus permite que o<br />

pastor passe por árduas aflições pessoais. Tal cruz, como em geral, serve<br />

para o bem dos que "temem e amam a Deus" (Rin 8.28). Ao pastor a cruz<br />

servirá para que se torne mais devoto e dedicado no rebanho, como foi o<br />

caso do espinho na carne do apóstolo Paulo (2 Co 12.7). Mas, quando a<br />

tribulação incapacita o pastor, momentaneamente, ao exercício de suas fun-<br />

ções, isto é uma provação de Deus tanto para o pastor como para a congre-<br />

gação. Tal experiência visa aprofundar a prática do evangelho, dando oca-<br />

sião para ambos demostrarem sua fé por atos concretos. O pastor mostra-<br />

70


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

rá paciência no suportar as aflições; a congrcgação é levada a orar coin<br />

mais fervor. O pastor poderá ver, nestes momentos, os frutos do seu traba-<br />

lho, vendo a prcocupação dos mcinbros por clc.<br />

Sc a doença o toma definitivamente incapacitado, dcvcrá declinar do<br />

seu chamado, dando a congrcgação a oportunidade para chamar outro pastor.<br />

Nessc caso, não fará uso dc seus direitos, por receio de sua manutenção<br />

futura, dizendo: clcs tiveram o mcu scrviço nos dias bons, dcvcm, agora, mc<br />

amparar. Quanto a sua prcocupação: como providcnciarci pão para minha<br />

família'? deixará isso nas mãos de Deus. O pastor ensinou confiar no Scnhor<br />

c mostrará isso na prática; a congregação (a igreja), por sua vez, mostrará<br />

que sabe cuidar dos necessitados, cspccialinente de seus ministros fiéis.<br />

3.3.7 - A obrigação do pustor em tempo de culumiduúes - Em tempos de<br />

catástrofes, pestilência, secas, cnchcntcs, rcvoluções c guerra clou outras<br />

emergências locais, o trabalho dos pastores C cxtrcinainente necessário. O<br />

pastor fiel tem o dever de dedicar-se a seu povo para instruir, admoestar e<br />

confortar. Cabe-lhe guiar o rcbanho coin a palavra dc Dcus, não importando<br />

o sacrifício quc isto Ihc exigir, sc ncccssário, a própria vida. A congrcgação,<br />

por sua vez, se colocará ao lado do seu pastor em tempos de prova e de<br />

calainidades. Elcs o protegerão contra necessidades, sacrilicios e sofriinen-<br />

tos, pois sabcm quão C importante o trabalho do ministro entrc clcs.<br />

Tempos de tribulação podcm ser, para o ministro e a congrcgação,<br />

tcinpos dc grandes bênçãos, nos quais devem regozijar-se em sua fé coinum<br />

c mostrar os fnitos da fé, amor de uns para coin os outros.<br />

3.3.8 -Um rebunho de ovelhus rebeldes - A congrcgação cristã não C<br />

mais um rcbanho dc ovclhas ordeiras, inas um bando de ovclhas rebeldes<br />

quc não qucrcin dar mais ouvidos à palavra de Deus. O que fazer'? a) O<br />

pastor tentará, coin muita paciência, instruir o rcbanlio, tornando-se um<br />

missionário em sua própria congregação, o quc C, cm si, uma contradição.<br />

b) Como qucstõcs dc doutrina não se decidem pela maioria, inas a doutrina<br />

é soberana, csscs assuntos não são rcsolvidos por maioria dc votos. Muitas<br />

vezes, em tais congregaçõcs, a asscinbléia de incinbros votantes cai com-<br />

plctamcntc por terra. c) Sc a situação se toma insustentável e não há mais<br />

cspcrança dc uma mudança, o pastor e o pequeno grupo de fiéis precisam<br />

abandonar aquela congrcgação.<br />

CONCLUSÃO<br />

Os dois primeiros capítulos deste trabalho mercccm atenção especial.<br />

O terceiro capítulo C amplo. Acresccntan~os aqui uma palavra dc Pcrlich ao<br />

concluir o scu livro The Abiding Word: "Muitas outras questões poderiam


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

ou deveriam ser abordadas aqui. Mas se para os mais diferentes problemas<br />

buscarmos as soluções na palavra de Deus, sob oração e o aconselhamento<br />

de homens tementes a Deus, encontraremos o caminho adequado para a<br />

solução dos problemas. O pastor que labuta num campo difícil dirá: o Senhor<br />

Jesus me chamou para este campo de atividades. Quero fazer tudo conforme<br />

sua palavra com o melhor de meus dons ... Eu planto, outro rega, e Deus,<br />

conforme sua sabedoria, dará o crescimento a seu tempo ... Eu sou indigno<br />

de ser seu mensageiro, mas ele, por sua graça, me fez digno para proclamar<br />

o evangelho para a salvação de almas" (The Abiding Word, v. 1, pp.387-<br />

388). Concluímos com as palavras da carta de Judas: "Vós, porém, amados,<br />

edificando-vos na vossa fé santíssima, orando no Espírito Santo, guardai-<br />

vos no amor de Deus, esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus<br />

Cristo, para a vida eterna. E compadecei-vos de alguns que estão na dúvida;<br />

salvai-os, arrebatando-os do fogo; quanto a outros, sede também compassivos<br />

em temor, detestando até a roupa contaminada pela carne. Ora, aquele que<br />

é poderoso para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com<br />

exultação, imaculados diante da sua glória, ao único Deus, nosso Salvador,<br />

mediante Jesus Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império e soberania,<br />

antes de todas as eras, e agora, e por todos os séculos. Amém!" (Judas<br />

1.20-25). Senhor! Concede-nos ministros fiéis. Soli Deo Gloria!<br />

Bibliografia<br />

AUTORES, vários. Abiding Word. St. Louis: Concordia Publishing<br />

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luth. Homiletik. St. Louis: no 7. vol. 27, 1903, p. 193.<br />

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1842<br />

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WALTHER, C.F.W. Pastoraltheologie. St. Louis: Druckerei der Synode<br />

von Missouri, Ohio u.a Staaten, 1880.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

A AUTONOMIA DA CONGREGAÇÃO<br />

Pazrlo Moisés Nerbas*<br />

INTRODUÇÃO<br />

A palavra autonomia tem tudo para soar agradavelmente nos ouvidos<br />

de homens e mulheres, pois traz consigo um significado que vai ao encontro<br />

de um dos grandes desejos do ser humano. Apraz aos indivíduos imaginarem-<br />

se numa situação em que é possível se governar por si mesmo, desfmtando<br />

do direito de se reger por leis próprias, sem a necessidade de se submeter a<br />

interferências, determinações e decisões de quem está fora do rcstrito círculo<br />

em que nos movimentamos, decidimos e agimos. Visto que os ouvidos do<br />

povo das congregações cristãs luteranas são tão humanos quanto os de<br />

qualquer outra pessoa, o soar da palavra autonomia provocará, no mínimo,<br />

curiosidade em quem a ouve. Ora, grandes coisas já aconteceram na história<br />

do mundo a partir de uma curiosidade inicial. O pesquisador, por exemplo,<br />

é, antes de tudo, um curioso, ávido por descobrir um pouco além daquilo<br />

qiie já conhece. A partir de uma curiosidade inicial, pode chegar a grandes<br />

descobertas. Nas congregações da Igreja, a curiosidade em torno de tudo<br />

aquilo que estiver relacionado a autonomia, poderá conduzir a uma série de<br />

descobertas ou conclusões. Serão todas elas acertadas? Que medida de<br />

contribuição para edificar a igreja irão apresentar? Qual o limite dentro do<br />

qual se aplicam favoravelmente a causa maior que movc a congregação?<br />

São perguntas que carecem de respostas claras para que se evite o desserviço<br />

prestado pclo entendimento distorcido do que vem a significar, num contexto<br />

muito específico, o direito de ser autônomo.<br />

Não há grandes pretensões ncste trabalho. Satisfaz-me desfrutar da<br />

oportunidade de uma reflexão em conjunto com os irmãos e colegas de<br />

ministério sobre o tema proposto. Vejo-me unicamente como alguém que<br />

recebeu do Sr. Presidente da Igreja o convite para servir irmãos e colegas,<br />

conduzindo-os numa reflexão compartilhada focalizada no tema A<br />

Autonon~ia da Congregação. Levantei anteriormente algumas perguntas<br />

Paulo Mois4s Ner.ba.s 4 />I-o/tssuu de Teologia S~.~/e~n~ticrr nu Se~niniirio Cun


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

causadas pela menção da palavra autonomia. Espero que consigamos<br />

respondê-las a medida em que o trabalho for se expondo diante dos irmãos.<br />

Afinal, a reflexão leva-nos a perceber detalhes que facilmente se ocultam<br />

atrás de uma euforia emergente do primeiro contato com algo que parece<br />

interessante. Autonomia, por si só interessa, é verdade. Cuidemos, todavia,<br />

para que a euforia pelo conceito nu e cru do termo não nos ofusque,<br />

impedindo-nos de ter visão clara sobre, entre outras coisas, o em quê? por<br />

quê? e até onde somos autônomos?<br />

Pensar um trabalho implica determinar um caminho a seguir, pois se<br />

quer chegar a um certo lugar. Para tanto, indispensável se torna que saibamos<br />

de antemão por onde andar. Para atingir o resultado desejado através desta<br />

reflexão, tenho para mim que o caminho a trilhar inclui, necessariamente, a<br />

presença do tema dentro do cenário que nos mostra a igreja como corpo de<br />

Cristo. Lembro especialmente do capítulo 12 da Primeira Carta aos Coríntios<br />

e do capítulo 4 da Carta aos Efésios, textos em que a figura do corpo é<br />

explorada pelo Apóstolo com magnífica percepção, permitindo-nos ir longe<br />

na visão de tudo aquilo que abrange o fato de termos sido enxertados no<br />

corpo do Senhor. Para mim, portanto, o caminho está definido; por ele seguirei,<br />

convidando-os para irem comigo a fim de descobrirn~os o que se pode<br />

compreender a respeito da autonomia da congregação cristã luterana dentro<br />

da realidade do corpo de Cristo. Preciso é que lembremos do seguinte:<br />

sempre será a realidade que determinará a forma de agir e não o contrário.<br />

Tal princípio é decisivo para abordar corretamente o tema em questão. A<br />

igreja (congregação) é corpo de Cristo; é a realidade. Pois bem, como<br />

praticar a autonomia dentro de tal realidade, com suas conquistas, mas<br />

também respeitando suas limitações? Pensar em autonomia desconsiderando<br />

a nossa bendita condição de membros do corpo do Senhor Jesus, igualar-<br />

se-á, por exemplo, a pensar em agir como pai num contexto onde não há<br />

filhos. A realidade não me permitirá ser pai, por mais que o deseje. Excluídos<br />

do corpo de Cristo, não se cumprem os desejos e privilégios decorrentes da<br />

autonomia, por mais que sejam procurados.<br />

1. O CORPO DE CRISTO<br />

Ser corpo de Cristo dá a pista para descobrir qual será o enfoque sob<br />

o qual seguirá este trabalho. Não poderá ser outro, a não ser evangélico.<br />

Enfocar evangelicamente uma questão ou tema sempre nos conduz a olhar<br />

tudo apenas de uma direção para outra, ou seja, partindo da ação de Deus<br />

por nós e para nós, chega-se a resposta humana gerada pela presença da<br />

graça e misericórdia divinas na vida de cada um de nós. Por que somos<br />

corpo de Cristo? Por que somos convidados a agir como membros do seu


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

corpo? Porque, antes de tudo, houve e continua havendo a ação divina por<br />

nós e para nós. Logo, nossa resposta não poderá nascer de impulsos gerados<br />

pela lei, porém, do evangelho. Justifica-se, portanto, declarar que a reflexão<br />

sobre a autonomia da congregação, que, sem dúvida, estabelece princípios<br />

de ação, precisa acontecer sob a luz iluminadora do santo evangelho.<br />

Deus criou a igreja. Seus membros pertencem a ela porque o Senhor<br />

os trouxe para dentro desse corpo. O Senhor Jesus Cristo afirma que esse<br />

é o seu próprio corpo (1 Co 12.12-26; C1 1.18; Ef 4.15; Rm 12.4-5). A<br />

razão humana, acostumada a avaliar ações sob o critério de mérito e<br />

recompensa, é surpreendida pelo inusitado da ação de Deus. Longe de<br />

qualquer expectativa, o Senhor faz povo dele aqueles que não eram povo,<br />

enxerta no corpo de Cristo aqueles que "estavam mortos nos seus delitos e<br />

pecados" (Ef 2.1). Quando nos damos conta de que estamos dentro do<br />

corpo de Cristo, percebendo também a razão para ali estarmos, somos<br />

lembrados de que a origem de tudo é o amor de Deus. Nossa miséria tocou<br />

no seu coração, daí se dizer que ele teve rni,~ericórdia de nós. Seu amor<br />

por nós não se contentou em apenas contemplar e lamentar nossa triste<br />

situação, como se ele fosse impotente para realizar algo e tivesse que<br />

somente assistir ao trágico destino daqueles que morreram por causa dos<br />

seus pecados. Sabemos o que ele fez e como o fez. Sabemos também o<br />

que faz e como o faz para estarmos milagrosamente dentro do seu corpo e<br />

lá permanecermos para sempre.<br />

O que é, então, a igreja? Simplesmente uma associação voluntária<br />

de pessoas, a qual os indivíduos se afiliam ou dela saem ao bel-prazer de<br />

cada um? Apenas um grupo que se governa pelo que julga certo ou<br />

conveniente, sem fazer passar suas decisões pelo crivo de quem tem<br />

ascendência sobre ele? O que é, então, a igreja? É o corpo de Cristo. É<br />

o mistério da comunhão real com o Senhor todo-poderoso e misericordioso.<br />

Nós, pecadores, somos parte desse mistério. Tudo porque o poder recriador<br />

de Deus, o mesmo poder que fez existir tudo que há, nos fez passar por<br />

uma recriação, ou regeneração, incorporando pecadores na igreja. Há,<br />

portanto, um milagre no surgimento e conservação da igreja. Qual o seu<br />

objetivo? Libertar-nos do domínio do tirano Satanás e a libertação só acontece<br />

a partir da união ao corpo do Senhor, Senhor também sobre Satanás. No<br />

corpo estamos seguros e salvos.<br />

Cabe aqui fazer menção a característica da vida desse corpo sob a<br />

cabeça, Cristo. De que forma os membros encaram o estar sob a cabeça?<br />

Será uma cabeça que domina simplesmente? Ou se trata de uma cabeça<br />

que conduz para que os conduzidos possam desfrutar da liberdade sem<br />

correr o risco de perdê-la'? É importante esse questionamento. Uma cabeça


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

que somente domina não nos deixa a vontade para confiarmos com alegria<br />

nela, pois nos induz a desconfiar dos propósitos atrás de suas manifestações.<br />

Oportuno perguntar agora: como ficaria a autonomia debaixo de uma cabeça<br />

tão apenas dominadora? Poderíamos ir um pouco mais além e acrescentar:<br />

haveria autonomia dentro de tal situação?<br />

Cristo, a cabeça do corpo, tem poder e autoridade para dominar e,<br />

sendo Senhor, nada o forçaria a não exercer plenamente e unicamente seu<br />

domínio sobre nós. Por exemplo, quem o impediria de somente exigir de nós<br />

um certo procediniento, cobrando o seu cumprimento integral e despejando<br />

sobre nós a punição merecida por não alcançá-lo? A igreja, corpo de Cristo,<br />

no entanto, nos faz ouvir evangelho da parte da sua cabeça. É uma<br />

mensagem diferente. O corpo tem uma cabeça que se compraz em conduzir<br />

os membros para que estes desfrutem da liberdade e segurança sem correr<br />

o risco de perdê-las. Essa mensagem garante-nos que estar sob a cabeça é<br />

razão para esperança e confiança, não para desespero e desconfiança.<br />

Davi conheceu muito bem o significado da vida do filho de Deus, membro<br />

do corpo de Cristo, sob a cabeça, Cristo. Não será o Salmo 23, por exemplo,<br />

uma confissão perene de felicidade e bem-aventurança, frutos da condução<br />

do Senhor, a cabeça? Afirma Robert Kolb (The Christian Faith, p. 258),<br />

que a igreja é, em sua raiz, um relacionamento vertical. Entendemo-lo a<br />

partir da composição do corpo, pois a cabeça conduz os membros e estes<br />

se deixam levar em confiança. Trata-se de um conduzir cum affectzr et<br />

effectu (amoroso e ativo), na busca da concretização de propósitos de<br />

salvação, amparo e esperança. Talvez Martinho Lutero tivesse em mente<br />

tal relacionamento ao dizer que "uma criança de sete anos sabe o que é a<br />

igreja, a saber, os santos crentes e os cordeirinhos que ouvem a voz de seu<br />

pastor" (Artigos de Esmalcalde III:XII, Livro de <strong>Concórdia</strong>, p. 338). Cabe<br />

aqui perguntar novamente: como ficaria a autonomia debaixo de uma cabeça<br />

assim condutora? Esperamos alcançar conclusões que nos possibilitem<br />

formular a resposta.<br />

2. AUTONOMIA:<br />

SUA APLICABILIDADE E ADMINISTRAÇÃO<br />

Por que se preocupar com o assunto autonomia da<br />

congregação? Por que apelar para o princípio da autonomia em certas<br />

ocasiões? O recorrer a esse princípio tem o objetivo de chegar até onde?<br />

São perguntas introdutórias ao capítulo que se deterá na busca de<br />

elementos norteadores da aplicabilidade e administração da autonomia.<br />

Basicamente, é possível restringir tudo a dois pontos: quando se aplica a<br />

autonomia? E, ao aplicá-la, quais os critérios a observar para bem<br />

administrá-la?


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

Quando se aplica a autonomia? Tomo como base o escrito de Lutero:<br />

Fundamento e Motivação da Escritura para o Direito e a Autoridade<br />

de uma Assembléia ou Comunidade Cristã Julgar sobre Toda<br />

Doutrina, Chamar, Nomear e Demitir Professores (Pelo Evangelho<br />

de Cristo, p. 193 - 202). Creio que há princípios claros que podem ser<br />

extraídos do referido escrito, a fim de nos auxiliar a responder a pergunta<br />

formulada. Destaco o seguinte sobre o título do escrito: " ... o direito e a<br />

autoridade de uma assembléia ou comunidade cristã julgar sobre toda<br />

doutrina ...". Em meados de 1522, os cristãos de Leisnig, na Saxônica,<br />

chamaram dois pastores evangélicos, rejeitando um padre católico que tinha<br />

sido indicado pela autoridade eclesiástica local. Tendo havido conflito<br />

daqueles cristãos com a autoridade religiosa, procuraram o apoio de Lutero.<br />

Provavelmente, o escrito acima mencionado é a resposta de Lutero a consulta<br />

feita pela comunidade de Leisnig.<br />

A comunidade cristã tem autonomia para julgar doutrina. Não cabe a<br />

ninguém de fora da congregação, seja lá quem for, pretender impor como<br />

doutrina algo que contraria a Escritura Sagrada ou seja estranho a ela. " ...<br />

nessa questão de julgar doutrina, admitir e demitir professores ou pastores,<br />

não se deve ligar em nada para lei humana, direito, tradição antiga, costume,<br />

hábito, tanto faz se fixados pelo papa ou imperador, príncipe ou bispo"<br />

(Fundamento e Motivação ... , Pelo Evangelho de Cristo, p. 192).<br />

Segundo Lutero, os cristãos de um modo geral têm o direito e o poder de<br />

julgar a doutrina. Baseia-se em Jo 10.27, 10.5 e 10.8. Com isso, o Reformador<br />

derruba a tese de que o julgamento da doutrina devesse ser entregue<br />

exclusivamente aos bispos e concílios, obrigando todo o mundo a considerar<br />

certo e como artigo de fé o que fosse resolvido por aqueles. " ... a alma da<br />

pessoa humana é algo eterno, acima de tudo que é temporal; por isso ela<br />

deve ser regida e determinada apenas pela palavra eterna" (Ibid, ibidem,<br />

p. 194). Ouvintes da palavra, portanto, têm não apenas o poder e o direito<br />

de julgar o que é pregado e ensinado, como também o dever, a fim de não<br />

correrem o risco de cair sob o juizo de Deus.<br />

A tese defendida por Lutero no escrito em questão leva-nos também<br />

a reconhecer os limites da autonomia da congregação. A imposição de<br />

algo contrário ou estranho a Escritura Sagrada não pode ser aceita quando<br />

vem de fora para dentro ... mas, da mesma forma, se a tentativa surgir de<br />

dentro da própria congregação. Os falsos profetas mencionados em Mt<br />

7.15 podem estar presentes no interior da comunidade cristã. Caso os<br />

cristãos em tal situação ignorarem o equívoco de um determinado ensino<br />

e, cegos, se apegarem ao que ouvem, embora contrário a doutrina pura<br />

conforme a Escritura, estarão empregando muito mal o direito a autonomia,<br />

recorrendo a ele em prejuízo as suas almas. Adotarão, em tal caso, um


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

procedimento cismático e sectário, pois se quedam a opiniões humanas<br />

que não provêm da cabeça do corpo e, por conseguinte, não são partilhadas<br />

nem confessadas pelos demais membros do corpo. A insubmissão a cabeça<br />

provoca enfermidade nos membros do corpo, podendo levá-los a auto-<br />

degeneração, caso persistirem no erro. Oportuno é aqui lembrar o já citado<br />

por Robert Kolb, ou seja, de que a igreja é, em sua raiz, um relacionamento<br />

vertical. A cabeça conduz o corpo. Tal condução é também fonte de vida<br />

para cada membro. Por isso, se autodegenera aquele que se mostrar<br />

insubmisso.<br />

Dentro da figura do corpo, portanto, o direito a autonomia salvaguarda<br />

os membros dos riscos da intromissão de qualquer elen~ento que possa<br />

interromper o relacionamento vertical com a cabeça. Assim compreendido,<br />

será sempre fonte de bênçãos para cada membro individualmente, bem<br />

como para todo o corpo, pois este permanecerá saudável, livre das<br />

conseqüências do ataque de vírus de qualquer espécie. Caso a autonomia<br />

for reclamada para servir de escudo a ensinos e ações contrárias a palavra<br />

eterna da cabeça do corpo, estará sendo empregada num espírito nãoevangélico.<br />

O resultado não será a liberdade, porém a escravidão, pois o<br />

que não é evangélico apenas escraviza.<br />

A autonomia corretamente entendida e bem aplicada não descarta,<br />

portanto, a obediência. Dentro do corpo, os membros respondem em<br />

obediência a cabeça, Cristo. Não se trata do resultado de qualquer tipo de<br />

coerção a impor um determinado modo de agir. Pelo contrário, é sempre<br />

uma escolha voluntária do coração crente e amoroso. Pela fé, tal coração<br />

vê na obediência ao Senhor a fonte de liberdade. A propósito dessa resposta<br />

obediente a vontade do Senhor, o Artigo IV da Fórmula de <strong>Concórdia</strong>,<br />

Epítome, 11, afirma: " ... com respeito ao espírito libertado, que ele não faz<br />

isso por medo de castigo, como escravo, mas de amor a justiça, como os<br />

filhos" (Livro de <strong>Concórdia</strong>, p. 513).<br />

A aplicabilidade e administração da autonomia levam-nos a pensar<br />

também na questão dos adiáforos. Segundo o Artigo X da Fórmula de<br />

<strong>Concórdia</strong>, Epítome, 1, adiáforos são "cerimônias ou usos eclesiásticos que<br />

não são ordenados nem proibidos na palavra de Deus, mas foram introduzidos<br />

na igreja no interesse de boa ordem e decoro" (Livro de <strong>Concórdia</strong>, p.<br />

529). Nem sempre é simples posicionar-se frente aos adiáforos. Por quê?<br />

Porque estão dentro dos limites da liberdade cristã e julgo ser esta algo<br />

difícil de ser bem administrado por nós. Adiáforos não são ordenados nem<br />

proibidos na palavra de Deus; logo, que critérios adotar para um<br />

posicionamento sábio diante deles? Como não há lei que os ordene ou proíba,<br />

que "lei" comandará nossas ações envolvendo adiáforos? A liberdade cristã


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

será sempre regida pela "lei" do amor, fruto da ação do evangelho gracioso<br />

e libertador na vida do crente. Dentro do corpo de Cristo, a "lei" do amor<br />

constrange-nos ao cumprimento dos dois grandes mandamentos: buscar a<br />

glória de Deus e o bem do próximo. Com tal objetivo em vista, reagimos<br />

diante dos adiaforos "de acordo com a maneira que for a mais útil e a mais<br />

edificante para a congregação de Deus. Mas que se evite nisso toda<br />

leviandade e ofensa, e poupem-se especialmente, com todo o zelo, os fracos<br />

na fé" (Fórmula de <strong>Concórdia</strong>, Artigo X, Epítome 43, Livro de <strong>Concórdia</strong>,<br />

p. 530). Movida pela graça de Deus, a congregação agirá pela "lei" do<br />

amor no exercício de sua autonomia, buscando aquilo que for mais útil e<br />

mais edificante para a congregação de Deus, evitando leviandade e<br />

ofensa, cuidando para poupar especialmente os fracos na fé. Aplicando<br />

isso a figura do corpo, seus membros terão especial atenção em promover<br />

aquilo que é útil para o corpo e o edifica. A idéia do coletivo, portanto, está<br />

muito presente nos critérios estabelecidos pela Formula de <strong>Concórdia</strong>. Eles<br />

deixam fora qualquer inclinação individualista ou egoísta no trato com os<br />

adiáforos. Só aceita isso, todavia, o coração que age em amor, movido pelo<br />

evangelho da graça. Nunca esqueçamos que o fato de pertencermos ao<br />

corpo é evangelho puro!<br />

3. A AUTONOMIA DA CONGREGAÇÃO NA RELAÇÃO COM O SÍNODO<br />

A Igreja Evangélica Luterana do Brasil apresenta-se como igreja<br />

sinodal. Como tal ela se administra. Dentro do Sínodo, todavia, as<br />

congregações consideram-se autônomas, independentes. Não é preciso<br />

pensar muito para se concluir que a presença de congregações autônomas<br />

e independentes dentro de uma igreja que se vê como sinodal, significa, vez<br />

que outra, o surgimento de tensão. Nela, uma questão aparece: o que<br />

prevalecerá, o espírito sinodal ou o da autonomia? Creio que, a rigor, não há<br />

necessidade de um prevalecer sobre o outro, pois eles podem conviver lado<br />

a lado, embora as vezes em meio à tensão. A razão para ter tal convicção<br />

seguira exposta nas próximas linhas.<br />

Diferentemente da congregação, o Sínodo, embora organização<br />

eclesiástica, é de feitura humana, não divinamente ordenado como o é a<br />

congregação. Será isso um fator de descrédito ao Sínodo? Razão para ser<br />

ignorado em determinadas ocasiões? Certamente que não. Vejamos:<br />

organizar-se em sínodo ou não, é adiáforo. No entanto, concordam os<br />

membros de uma igreja que tal organização é "útil e promove a edificação"<br />

do corpo de Cristo. Movidos pela graça divina, procurarão agir em amor<br />

para que o corpo seja edificado, a fim de promover a glória de Deus e o<br />

bem do próximo. Vêem na forma sinodal a maneira adequada para dela se


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

valer com vistas ao fim desejado. Para chegar a ele, é preciso seguir a<br />

recomendação do apóstolo Paulo em 1 Co 14.40, que tudo seja feito com<br />

ordem e decência. Cristãos, portanto, têm o direito e o dever de se<br />

organizarem, a fim de que possam coordenar os esforços para a proclamação<br />

das boas novas do evangelho. As igrejas do Novo Testamento eram<br />

organizadas. Os cristãos daquela época não eram obrigados a adotar um<br />

padrão organizacional específico. Podiam ajustar os modelos organizacionais<br />

as necessidades de cada situação. O fator determinante para os ajustes<br />

não era simplesmente conveniência ou preferência pessoal, contudo o que<br />

melhor serviria à causa do evangelho.<br />

Na segunda convenção sinodal do Sínodo de Missouri, em 1848,<br />

C.F.W. Walther definiu os objetivos da organização sinodal e os limites<br />

de sua autoridade, valendo-se de uma alocução que se tornou famosa.<br />

Esta se encontra na revista Vox Concordiana, Suplemento Teológico,<br />

Ano 10, Número 2, ano de 1995, sob o título: Poder e Autoridade na<br />

Igreja. Segundo ele, o poder do Sínodo é o poder da Palavra, "porque<br />

Cristo deu a seus servos apenas esse poder e nenhum outro, e porque<br />

até mesmo os santos apóstolos não se apropriaram de nenhum outro<br />

poder e por isso advertiram seriamente os servos da igreja para que não<br />

reivindicassem qualquer outro poder" (p. 5). A palavra é a palavra de<br />

Cristo, a cabeça do corpo. Portanto, o poder vigente é o poder de Cristo,<br />

ao qual se dobram tanto o Sínodo quanto as congregações, ou seja, a<br />

igreja como um todo. Nesse sentido, qual é, pois, a autonomia tanto de<br />

um quanto de outro? A autonomia conferida pela Palavra, o que evitará<br />

que haja imposição de um sobre o outro. Não caberá ao Sínodo exigir<br />

das congregações um procedimento contrário a Palavra. Igualmente,<br />

não caberá a uma ou mais congregações arrogar(em) para si qualquer<br />

adesão a uma "verdade" não confessada pelos demais membros do<br />

Sínodo (corpo), em acordo com a Palavra. A tensão poderá surgir em<br />

determinados momentos, mas a solução sempre brotará do respeito aos<br />

limites demarcados pela autonomia conferida pela Palavra. O que vem<br />

a ser tal respeito, senão fé na Palavra?<br />

Quando uma das partes (Sínodo ou congregação) reivindica um poder<br />

na igreja além do poder da Palavra, estará, segundo Walther, ambicionando<br />

a coroa real de Cristo, o único rei verdadeiro. "Eles estão procurando separar<br />

Cristo, a única cabeça verdadeira, de sua igreja e estão presunçosamente<br />

tentando ser cabeças de seu corpo espiritual" (p. 8). Se lembrarmos<br />

novamente que a raiz da igreja se encontra no seu relacionamento vertical,<br />

a conclusão sobre o que acontecerá em tal caso, é óbvia.<br />

Ainda na mencionada alocução, Walther afirma que "as congregações


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

estão livres para se governarem a si mesmas, mas entram numa organização<br />

sinodal tal como a existente entre nós com a ajuda de Deus, para desfrutar<br />

de conferência fraternal, supervisão, e ajuda para difundir o reino de Deus<br />

conjuntamente e para possibilitar e atingir os alvos da igreja em geral" (p.9).<br />

Segundo o entendimento daquele Pai da igreja, a convivência Sínodot<br />

congregações não se alimenta de outro espírito, a não ser o da busca da<br />

expansão do reino de Deus. Sínodo e congregações buscam a mesma coisa;<br />

isto é importante! Para tanto haverá esforço comum ao redor do mesmo<br />

objetivo. Não são forças que puxam em direções opostas. Na visão de<br />

Walther, quanto mais as congregações perceberem que o Sínodo não deseja<br />

empregar nenhum outro poder sobre elas além do da Palavra, tanto mais o<br />

coilselho sinodal encontrará porta aberta entre elas. "Na verdade, aquelas<br />

que não amam a Palavra se separarão de nós, mas para as que a amam<br />

nossa comunhão será um confortável refúgio; e se elas adotarem nossas<br />

resoluções, elas não as considerarão como uma carga estranha imposta<br />

sobre elas de fora, mas como um benefício e um dom de amor fraternal, e<br />

elas irão apoiá-las, defendê-las, e preservá-las como sendo suas próprias"<br />

(P 11).<br />

Sínodo e congregações são membros diferentes do mesmo corpo,<br />

ligados a mesma cabeça. Como tal, são conduzidos pela mesma cabeça.<br />

Algo de estranho, portanto, está acontecendo quando parece que a mesma<br />

cabeça conduz o Sínodo para um lado e congregações para outro. Isso não<br />

é apenas estranho, porém impossível! É sinal de que alguém (ou até mesmo<br />

os dois lados) ultrapassou os limites da autonomia conferida pela Palavra.<br />

Ou, em outras palavras, está havendo insubmissão ao poder da Palavra.<br />

Membros que se julgam "independentes" estarão pretendendo fazer o que<br />

bem desejam. Como repercutirá tal atitude dentro do corpo? Nesse caso, a<br />

convivência deixará de ser fraternal e se transformará em disputa, em<br />

rejeição da condução por parte da cabeça. Há que acontecer a volta para o<br />

poder da Palavra. Felizmente, o convite para voltar está sempre colocado<br />

diante de nós, pois a cabeça é o Cristo perdoador. Seu amor não apenas<br />

convida para o retorno; ele também reúne em si o poder para nos levar de<br />

volta. Quando isso acontece, são os membros do corpo retomando a condução<br />

da cabeça, razão da existência como igreja, fonte de liberdade, garantia de<br />

vida.<br />

Apenas uma autonomia mal compreendida suscitará ímpetos para<br />

ações excludentes, julgadas "independentes". Sob a condução da cabeça,<br />

Cristo, Sínodo e congregações agirão em apoio mútuo, numa convivência<br />

saudável dentro do corpo, na busca dos objetivos do corpo. Sublinho o agir<br />

em apoio mútuo, pois o vejo como fundamental e indispensável tanto nas<br />

reconhecidas grandes coisas, como também, por vezes, por que não, nas


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

vistas como pequenas coisas. O "aconselhar-se mutuamente, visando o fim<br />

proveitoso da igreja", resulta do espírito evangélico. Graças a Deus, é o<br />

espírito que o Senhor Jesus põe em poder dentro do seu corpo. Mesmo não<br />

ignorando, sob hipótese alguma, a presença as vezes de outros "espíritos"<br />

invasores, que procuram minar a saúde do corpo, lá presentes em decorrência<br />

do nosso pecado, pois ainda continuamos simul iusti etpeccatores, louvado<br />

seja o Deus gracioso que podemos crer no poder do evangelho. Afinal, é o<br />

poder do próprio Cristo, a respeito do qual Paulo afirmou não se envergonhar<br />

(Rm 1.16). Se olharmos para nossa própria vida, encontraremos razões<br />

suficientes para crer no poder do evangelho. Não foi ele, por acaso, que<br />

nos enxertou no corpo de Cristo?<br />

CONCLUSÃO<br />

Procurar vida para o corpo de Cristo fora do evangelho, é idéia<br />

totalmente estranha a nossa teologia. Esta não é uma afirmação antinomista.<br />

A distinção entre lei e evangelho mostra-nos que a vida não está na lei, pois<br />

esta sempre acusa e mata. Não obstante, não jogamos fora a lei, pois através<br />

dela Deus faz a sua obra estranha (acusar e matar), para que possa fazer<br />

sua obra própria (perdoar e vivificar). Mas é justamente esta percepção<br />

teológica das duas doutrinas, com seus respectivos objetivos e poderes, que<br />

nos conduz tão-somente ao evangelho para buscar vida para o corpo. Por<br />

isso, se alguém agora perguntar: de que maneira é possível ajustar a<br />

autonomia da congregação cristã dentro da idéia de sínodo, sem trazer mal-<br />

estar para o corpo, responderei: agindo a partir do evangelho!<br />

O evangelho é Cristo, a cabeça do corpo. Ele conduz os membros<br />

do corpo em harmonia, levando-os a agir dentro dos limites apontados pela<br />

autonomia conferida pela Palavra. O evangelho não é relato sobre Cristo,<br />

como alguns podem concluir limitadamente. O evangelho é o próprio Cristo.<br />

Ele vem a nós em Palavra, Batismo e Santa Ceia. É o Cristo presente e em<br />

nós! Para nos salvar ele agiu por nós; contudo, porque nos salvou, também<br />

está presente em nós. Ele nos conduz ... de que maneira? Dá-nos o privilégio<br />

e a bênção de agirmos em autonomia, a qual, ao mesmo tempo, significa<br />

obediência a sua Palavra.<br />

O presente trabalho teve a intenção de estimular a ver o que representa<br />

a autonomia em obediência a Palavra e suas implicações para com a vida<br />

dos membros do corpo de Cristo, as congregações cristãs e, no caso<br />

específico da IELB, o Sínodo. Correções há para serem feitas ao trabalho?<br />

Sem dúvida, pois é um ensaio, ocasião em que eventuais acertos não<br />

dispensam unia boa dose de erros precedentes. Acréscimos ao que foi<br />

exposto também deverão ser feitos, pois teólogos e líderes da Igrcja são<br />

8 3


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

dotados por Deus com dons especiais para enriquecer reflexões sobre<br />

questões que nos apaixonam, porque dizem respeito a razão de nossa<br />

esperança maior, aquela que ultrapassa os limites desta acanhada existência<br />

terrena. Neste momento também recorro a figura do corpo com seus<br />

membros. Pela graça de Deus fui feito irmão de todos vocês na fé em<br />

Jesus e colocado no corpo. Por isso, não dispensarei a cooperação de todos<br />

para enriquecer o conteúdo apresentado. Também aqui "a união faz a força".<br />

SOLI DE0 GLORIA<br />

Obras consultadas:<br />

SUELFLOW August R., editor. Walther on the Church, Concordia<br />

Publishing House.<br />

KOLB, Robert, The Christian Faith. Concordia Publishing House.<br />

Livro de <strong>Concórdia</strong>. SinodalI<strong>Concórdia</strong>.<br />

LUTERO, Martinho, Obvas Selecionadas. Vol. 3, SinodalI<strong>Concórdia</strong>.<br />

LUTERO, Martinho, Pelo Evangelho de Cristo. SinodalI<strong>Concórdia</strong>.<br />

MILLER, Kenneth K., The Autonomy of a Christian Congregation, in<br />

The Faithful Word, Vol. 34, número 4, Winter 1997.<br />

RUDNICK, Milton L., Authovity and Obediente in the Church.<br />

Lutheran Education Association.<br />

SASSE, Hermann, We Confess the Church. Concordia Publishing<br />

House.<br />

WALTHER, C.F.W., Poder e Autoridade na Igreja, in Vox Concordiana,<br />

Suplemento Teológico, Ano 10, número 2, 1995.<br />

WOHLRABE, Jr., John C., Ministq in Missouri Until 1962<br />

I


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

ANÁLISE RETÓRICA DO SERMÃO DE<br />

INVOCAVIT<br />

DE LUTERO<br />

ClOvzs Jazr Prunzel*<br />

INTRODUÇÃO<br />

No último dia 27 de janeiro, durante o 3" Fórum Social Mundial, Noam<br />

Chomsky, lingüista americano, levou mais de 20 mil pessoas ao Gigantinho,<br />

em Porto Alegre. As principais palavras deste renomado cientista foram de<br />

incentivo as atitudes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, de<br />

apreensão com a guerra do Iraque, já que, segundo ele, pode vitimar a todos,<br />

considerando que o terrorismo existe em todo o mundo.<br />

Por que cito Noam Chomsky? Não pelo que disse no Fórum, mas<br />

pela sua atitude de cientista em buscar na língua uma forma de democratizar<br />

a sociedade de hoje. Obviamente que sua crítica pode ser questionada, mas<br />

a sua contribuição lingüística foi importante nas últimas três décadas do<br />

século passado.<br />

Quero trazer agora o testemunho da germanista sueca, Birgit Stolt,<br />

que tem dedicado sua pesquisa em analisar a construção lingüística de Lutero.<br />

Segundo Stolt', a preocupação de Lutero em democratizar a linguagem<br />

colocou-o na frente de Chomsky já há 500 anos atrás quando traduziu a<br />

Bíblia para a língua do povo. Numa leitura atenta ao que Lutero diz na sua<br />

"Carta Aberta a Respeito da Tradução da Bíblia"2 de 1530, na qual responde<br />

a estrutura eclesiástica da época sobre sua autoridade em traduzir o texto<br />

bíblico para a língua do povo, percebe-se que ele e seus colaboradores se<br />

preocuparam muito em buscar da boca do povo o real significado das palavras<br />

para colocá-las na tradução da Bíblia. Afirma Lutero que muitas vezes<br />

conseguiam produzir apenas três linhas em quatro dias, já que relacionavam<br />

' C1diii.s Jair Prunzel i pro/~.ssot- de Teologia Si.stemcíriccr no Seminúvio <strong>Concórdia</strong> e UI,RRA.<br />

' STOLT, B. "Joy, Lovc and Trust - Basic Ingrcdicnts in Liithcr's Thcology of thc Faith of thc<br />

Hcart".<br />

' Oii Translatiiig: an opcii Icttcr in LW 35, 181-202.<br />

8 5


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

o scntido das palavras a boca das inulhcres dentro de casa, das crianças nas<br />

ruas e dos maridos em seus lugares de trabalho. Esta preocupação com seu<br />

público visava uma sintonia do ouvido cntrc o coinunicador c o scu público<br />

alvo, caractcrística fundamental para uin bom retórico.<br />

Agora quero falar sobre o que vou fazer na aula de hoje. Minha<br />

proposta cncosta-se na hoinilética, na lingüística, que pode ser a exegesc,<br />

mas meu propósito maior é ativar mccanismos quc sc rclacionam a Ctica<br />

cristã- ética como movimento, ação - aqui cstá a sistemática. Scin csquecer<br />

a contcxtualização, c isto C história, qucro inostrar no priinciro rnomcnto a<br />

contribuição da Nova Retórica para a análise litcrária (ou do discurso) e<br />

depois aprcscntar uma brcvc análise retórica do primeiro scrinão dc<br />

Invocavil dc Lutcro, prcgado no ano dc 1522 c, por fiin, deinonstrar alguinas<br />

contribuições de Lutero para nós hojc na construção do nosso labor teológico<br />

Icvando cm considcração a Retórica ein, ou até de, Lutero.<br />

Antcs dc comcçar o trabalho, reineto-os a dois artigos publicados na<br />

Revista Igreja Lutcrana. No ano passado, publicou-sc o tcxto da aula<br />

inaugural do prof. Paulo Weirich sob o tcina "Scntido c contcúdo na<br />

proclamação cristã: subsídios para uma rcflcxão a partir da Icitura cm Lutero<br />

no 1" capítulo do Evangclho dc João"'. No ano dc 2000, tambCin na Igrcja<br />

Lutcrana, cstá publicado um resuino da minha pcsquisa dc incstrado sob o<br />

título "A exortação dc Lutcro à Santa Ccia: rctórica a scrviço da ética<br />

cristã"" Estes dois textos ajudam na comprccnsão da minha proposta hoje.<br />

NOVA RET~RICA<br />

Chaim Pcrclman' C considcrado o fundador da Nova Rctórica. Nasccu<br />

cin Varsóvia, Polônia, c construiu sua carrcira cm Bnixclas, Bélgica. Para<br />

entendermos o quc Pcrclman fez, tenhamos ein mente dois inomentos da<br />

história. O primciro, dominado pclo pcnsamcnto dc Dcscartcs, que<br />

dcscncadcou uin positivismo lógico, no qual a atividade linguística e o<br />

raciocínio são dominados pela ciência físico-matemática. A filosofia deveria<br />

se espelhar no rigor, na univocidade e no raciocínio deinonstrativo. A<br />

deinonstração c o raciocínio hipotético-dcdutivo são as grandcs bascs do<br />

raciocínio c da lógica.<br />

' WEIRICH, Paiilo P. iw Igrcja Lutcraiia, 2002 (1). pp. 35-54.<br />

PKLlNZI:L, CI6vis J. in Igrcja 1,~itcraiia 2000 (2), pp. 173-198.<br />

i Ein poriiig~ii.~<br />

tcmos dois tcxtos dc Pcrcliiiaii: Retóricas c Tratado da Arg~irncntaçào. arribos<br />

cdiiados pcla Mariiiis Foiiics.


Igreja Luterana - no l - 2004<br />

O segundo inomcnto, trazido a tona com Perelman, diz quc c nccessário<br />

a linbuagem natural, que é constituída da ambiguidade dos termos, do cquívoco<br />

das palavras, da pluralidadc dos scntidos e das lcituras interpretativas.<br />

Pcrclrnan revoluciona na questão da linguagcm matcinática versus a<br />

linguagcm natural dizcndo que todo discurso tcrn um contcxto c um auditório<br />

para o qual c produzido, onde a rclação cntrc auditório c o cnunciador é dita<br />

como Rctórica, já que a rclação de adaptação do auditório é uina condição<br />

para a pcrsuasão.<br />

A mudança proposta por Pcrclman na sua tcoria da argumcntação<br />

cstuda as técnicas discursivas que provocam a adesão do público as teses<br />

que se apresentam ao scu ei~tendirnento. Estuda as condições que possibilitam<br />

a argumentação e os efeitos causados por esta, pois uma argumentação<br />

pennite várias conclusões, escoll~as, rccusa de valorcs, trazcndo assim um<br />

dcbate interminável. Mas, scgundo Perelman, a qualidade da argumentação<br />

e o cfcito que produz depcndcm da qualidade do auditório que se consegue<br />

conquistar. Para pcrsuadir o auditório é ncccssário conhecê-lo, assim como<br />

as tescs quc admite para quc scja possívcl sc clicgar a argumentação.<br />

Perelman rcssalta que se corrc um grandc risco vincular uma argumentavão<br />

a premissas onde a adesão é uma mcra fachada, por isso o verossímil é<br />

importante.<br />

Perelman interessou-se em criar com a Nova Rctórica uina lógica<br />

dos juízos de valor, que pudesse fomcccr critérios objetivos e universais<br />

para a constituição de valorcs, ncgando a possibilidadc de uma solução<br />

racional para todos os problcmas quc cnvolvesscm o juízo dc valor. Pcsquisa<br />

em torno da rctórica, como forma de discutir c chegar a um acordo sobre os<br />

valorcs, sem descartar a razão c transccndendo a lógica formal.<br />

Na prática, obscrvamos que mesmo havcndo urna predominância da<br />

tcrccira pessoa, já quc o auditório assume papel fundamental na análise<br />

retórica, a primcira pessoa do singular sc faz prcsentc, cspccialn~cntc no<br />

quc diz rcspeito a crcdibilidadc do autor que argumenta. Outra interação<br />

perccptívcl C a primeira pessoa do plural, aproximando o orador do público<br />

alvo (lembramos aqui do "nós" apostólico, ondc sc caracteriza uma rclação<br />

fraternal). O importante não é somentc o logo,~, o raciocínio, mas o ethos<br />

(credibilidade) e o patho.~ (a rcsposta dos ouvintes).<br />

CONTEXTO<br />

RET~RICO DOS SERMÕES DE INVOCAVIT<br />

Primeiramente, precisamos relembrar alguns acontccimcntos<br />

irnportantes que culminaram com os scrmõcs. Rclembrar o quc acontcccu<br />

com Lutero e seus amigos c inimigos até o ano dc 1521. Dcpois, cntcndcr


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

quais as pessoas envolvidas diretamente com as intenções de Lutero. Por<br />

fim, analisar as intenções de Karlstadt e seus aliados.<br />

Desde 15 1 1, Lutero estava em Wittenberg. Em 15 12, obtém o título<br />

de Doutor em Teologia - e a partir daí torna-se pregador no mosteiro e na<br />

igreja da cidade. Entre 15 17 e 15 18, com as 95 Teses e suas explanações,<br />

Lutero torna-se um líder das novas idéias. As três obras de 1520, Do<br />

Cativeiro Babilônico, da Liberdade Cristã e A Nobreza Cristã da Nação<br />

Alemã, dão forma as propostas de Lutero. Após a excomunhão através<br />

da Bula Papal de 3 de janeiro de 152 1, Lutero é convocado para se retratar<br />

em Worms (a Dieta acontece de 17 de abril até 26 de maio). Lutero deixa<br />

Worms em 26 de abril e é raptado e escondido no castelo de Wartburg<br />

(permanece no castelo de 04 de maio de 1521 até 29 de fevereiro de<br />

1522). Durante sua estada no castelo, muda seu nome para Cavaleiro<br />

Jorge.<br />

Em Wittenberg, quem assume o controle do Movimento Reformatório<br />

é Karlstadt, juntamente com outros colegas e amigos. Pode-se citar Justo<br />

Jonas, Amsdorf e Zwilling.<br />

Aqui é importante mencionar o grupo de ouvintes das intenções de<br />

Lutero, para depois termos em mente aqueles a quem Lutero dirige os<br />

seus sermões. Por mais que tenha sido uma pequena cidade no século<br />

XVI (Wittenberg não tinha mais do que 2500 habitantes), nota-se seis<br />

grupos com interesses diferentes que estarão envolvidos como auditório<br />

dos sermões de Znvocavit. Sob o aspecto político e administrativo, temos<br />

o Eleitor e o Conselho da Cidade. O Eleitor havia assumido uma posição<br />

bem peculiar em relação as propostas de Lutero. Já o Conselho, formado<br />

por 24 proeminentes cidadãos da cidade, assumia poderes administrativos,<br />

legislativos e judiciários. O Conselho estava preocupado especialmente<br />

com o que acontecia dentro da Igreja da cidade. A população também<br />

tinha voz, pois havia a Assembléia dos 40. Os outros três grupos eram<br />

formados pela Universidade, a Igreja do Castelo e o Mosteiro Agostiniano.<br />

A Universidade, fundada pelo Eleitor em 1502, era dominada pelo<br />

pensamento escolástico e humanista. Ao lado de Lutero, Melachthon e<br />

Karlstadt eram os principais expoentes. Na Igreja do Castelo, onde Lutero<br />

e Karlstadt participavam como oficiantes, estava a coleção de relíquias do<br />

Eleitor. O último grupo, os monges agostinianos, colegas de Lutero, tinha<br />

como líder Gabriel Zwilling, que juntamente com Karlstadt tornaram-se os<br />

mais agressivos reformadores enquanto Lutero estava no Castelo de<br />

Wartburg.<br />

Os principais temas teológicos que geraram problemas foram: as<br />

Missas - problemas com Missas Privadas, o caráter sacrificial da Missa e


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

outras práticas relacionadas; as regras clericais, entre as quais podemos<br />

citar os votos monásticos, especialmente o celibato; a função do clero na<br />

celebração da Ceia - distribuição dos dois elementos aos comungantes; a<br />

presença de imagens na igreja; o lugar da confissão auricular - seu uso e<br />

propósito.<br />

Estes temas se tomaram palpitantes enquanto Lutero esteve no Castelo<br />

de Wartburg. Vejamos o que aconteceu na cidade de Wittenberg durante a<br />

estada de Lutero no castelo.<br />

3 de maio - Lutero é "raptado" e levado ao Castelo.<br />

1 de agosto - Lutero questiona através de carta a Melachthon a<br />

atitude de Karlstadt em afirmar que estão pecando aqueles que comungam<br />

sob uma espécie.<br />

19 de setembro - Melachthon é incentivado por Lutero a aceitar um<br />

chamado de pregador da Igreja da Cidade.<br />

29 de setembro - Melachthon e estudantes participam da Ceia sob os<br />

dois elementos.<br />

6 de outubro - Zwilling incentiva os agostinianos a abandonar seus<br />

votos monásticos.<br />

20 de outubro - aparecem dois manuscritos de Lutero: Dos Votos<br />

Monásticos e A Respeito do Abuso da Missa. Importante observarmos que<br />

Lutero permanece monge por mais 4 anos.<br />

25 de dezembro - Karlstadt celebra Missa na Igreja do Castelo sem<br />

as vestes litúrgicas, distribui a Ceia sob as duas espécies, não mais faz<br />

referência ao sacrifício da Missa, elimina a elevação da hóstia e conduz a<br />

missa em alemão.<br />

27 de dezembro - aparecem em Wittenberg os Profetas de Zwickau<br />

que depois afirmam a revelação direta de Deus sem a Palavra.<br />

11 de janeiro - Zwilling lidera os monges agostinianos a destruir o<br />

altar e as imagens do Mosteiro.<br />

19 de janeiro - Karlstadt casa com uma menina de 15 anos, quebrando<br />

os votos monásticos.<br />

1 de fevereiro - moradores de Wittenberg destroem altares, imagens<br />

e gravuras nas igrejas da paróquia.<br />

5 de março - Lutero anuncia que está de volta a Wittenberg j á<br />

havia visitado a cidade por 3 dias durante o mês de dezembro.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

ANÁLISE RET~RICA DO PRIMEIRO SERMÃO DE INVO<br />

O primeiro sermão foi pregado no Domingo de Invocavit, 9 de março<br />

de 1522. A série de sermões é composta de 8 sermões pregados até o<br />

domingo seguinte, dia 16.<br />

Um rápido resumo desta série de sermões nos ajuda entender o que<br />

Lutero quer: no primeiro, demonstra quem é e quem não é cristão, o que o<br />

cristão deve ou não fazer; no segundo, trata das missas privadas; no terceiro<br />

e quarto, dos votos monásticos e das imagens; no quinto, sexto e sétimo da<br />

Santa Ceia; e no oitavo da Confissão.<br />

Como já afirmamos anteriormente, o grupo de ouvintes é impreciso -<br />

da igreja da Cidade Lutero pregou esta série de sermões.<br />

O Primeiro Sermão6 parte de premissas universais que são aceitáveis<br />

até os pontos de desacordo na seguinte estrutura:<br />

Introdução - Lutero estabelece a relação com seu auditório e<br />

estabelece seu tema, as partes essenciais para quem quer ser cristão e<br />

estas partes ele divide em quatro:<br />

Primeira parte - Todos são pecadores<br />

Segunda parte -Através de Cristo somos livres do pecado<br />

Terceira parte - O amor é produto e prova de fé. Aqui Lutero confronta<br />

o que está com o que deveria estar acontecendo em Wittenberg.<br />

Quarta parte - Paciência é o meio termo entre o que está havendo<br />

com o que deveria estar havendo.<br />

A Introdução (p. 1, 5-16)<br />

O que levou Lutero a começar seu sermão com o tema morte? Não<br />

podemos esquecer o momento da vida do próprio Lutero; raptado e escondido,<br />

após o Edito de Worms, Lutero teve abrigo no Castelo de Wartburg para<br />

não morrer. Além da situação particular, as perícopes do Domingo de<br />

Invocavit ajudam a perceber que morte é um bom tema para este sermão.<br />

Liturgicamente, o domingo é designado de "invocavit" devido as palavras<br />

do Salmo do dia, que determina o Intróito. As palavras são: "Ele me invocará,<br />

e eu lhe responderei; na sua angústia estarei com ele, livrá-lo-ei, e o<br />

glorificarei. Saciá-lo-ei com longevidade, e lhe mostrarei a minha salvação"<br />

" Usa-sc a tradução do Scrmâo publicado no Pelu Evangelho de Cri.sfo. Porto Alcgrc, <strong>Concórdia</strong>,<br />

1983.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

(Salmo 9 1.15- 16). Também a perícope do Evangelho do dia nos ajuda a<br />

entender - a tentação de Jesus, conforme Mateus 4.1 - 1 1.<br />

A relação pregador-ouvinte é estabelecida então através de uma forma<br />

implícita, a situação particular de Lutero e os textos selecionados para o<br />

domingo, uma forma explícita quando Lutero contrapõe antíteses e negações<br />

e de uma forma direta quando se relaciona com seus ouvintes.<br />

A partir da definitio de morte, amplia com predicativos com tonalidade<br />

de "guerra" ou "batalha". Lutero também estabelece uma situação pessoal,<br />

através do uso da primeira pessoa, tanto no singular como no plural. Sob o<br />

aspecto psicológico, este "apelo pessoal" nos faz olhar para a credibilidade<br />

do pregador - os ouvintes de Lutero o conhecem, confiam nele, respeitam e<br />

talvez até o temem - mas a credibilidade do que irá dizer depende muito<br />

desta relação pregador-ouvinte.<br />

Lutero chega a seu ponto quanto anuncia "os pontos principais que<br />

mais importam para um cristão" (Hauptstiick). Ao colocar esses "pontos<br />

principais", transparece uma arbitrariedade da parte de Lutero; afinal a escolha<br />

entre o que é importante e o que não é, o que é melhor do que não é, transforma-<br />

se em algo fundamental para a continuidade do programa da Reforma. "Os<br />

pontos principais" recebem predicativos: eles precisam ser "bem conhecidos"<br />

e as pessoas precisam estar "bem armadas" com estes pontos. Aqui Lutero<br />

estabelece uma ponte entre doutrina e prática, em outras palavras, Lutero nos<br />

mostra quem somos e o que fazemos a partir desta identidade.<br />

As quatro partes apresentadas podem ser resumidas em dois<br />

injuntivos7 "precisamos saber" (quase um imperativo) e dois imperativos<br />

''temos que ter amor" e "é necessária a paciência". A estrutura das partes<br />

segue um padrão: o ponto, a fundamentação bíblica e a ilustração ou ponto<br />

de contato entre o pregador e o ouvinte, e isto ocorre especialmente pelo<br />

uso dos pronomes.<br />

Primeira Parte (p. 1, 17-28) - Todos são pecadores<br />

O primeiro ponto de Lutero é uma proposição universal: "todos somos<br />

filhos da ira". Esta premissa universal é válida e tem poder na medida em<br />

que Lutero a define a partir das Escrituras. Amplia também o "nós",<br />

acrescentando "os nossos atos, pensamentos e atitudes".<br />

Será comum neste sermão Lutero utilizar-se do artifício de dar<br />

autoridade ao seu discurso a partir do testemunho bíblico, isso para dar<br />

credibilidade a seus ouvintes - a credibilidade em si não está em Lutero mas<br />

- -<br />

' QUC cxprimc uma ordcm ao intcrlocutor para cxccutar ou não uina dctcrminada ação.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

no testemunho das Escrituras a respeito dos pontos em destaque. Assim<br />

Lutero chama a atenção não de si mesmo, mas de uma autoridade acima<br />

dele. Através de uma sinédoque8, "passagens neste sentido há muitas<br />

espalhadas pela Escritura", e de uma veprehensio9 ''e não quero<br />

sobrecarregá-los com muitas passagens bíblicas", Lutero quer deixar claro<br />

na mente de seus ouvintes o seu ponto: que todos são "fillios da ira", tendo<br />

uma argumentação verdadeira e clara, sem exceção.<br />

Segunda Parte (p. 1, 29-p. 2,19) - Fé em Cristo liberta o pecador<br />

Ao ponto negativo anterior, Lutero agora coloca uma assertiva positiva:<br />

estamos livres da ira de Deus através de Cristo. E isto é verdade porque o<br />

Novo Testamento dá testemunho desta verdade. Ao lado da morte, Lutero<br />

apresenta mais um inimigo do cristão, o diabolo, e a vitória sobre ele requer<br />

o testemunho das Escrituras.<br />

Terceira Parte (p. 2,20-p. 3,lO) - Amor é fruto e prova de fé<br />

Agora estamos diante dc uma confrontação e de uma exortação. Ao<br />

relacionar Wittenberg a Cafarnaum", onde a teoria e prática da fé não se<br />

concretizaram, Lutero chama a atenção de seus "caros amigos"<br />

contrastando-os com um burro. Lutero aqui confronta seus amigos não<br />

somente pela falha na ação dos mesmos, mas também sua própria identidade<br />

como cristãos. Para resolver este problema, Lutero constrói uma definitio:<br />

"Caros amigos, o reino de Deus não consiste de fala ou de palavras, mas de<br />

força e de ação. Pois Deus não quer ter apenas ouvintes e repetidores, mas<br />

seguidores e praticantes, que cumprem a palavra, se exercitam na fé que<br />

tem sua força no amor". Aqui está a exortação; se por um lado seus ouvintes<br />

são colocados contra a parede, por outro, Lutero tem o cuidado de exortar e<br />

ensinar a partir do que a Escritura tem a dizer conforme 1 Co.<br />

Quarta Parte (p. 3,llss.) - É necessária a paciência com nosso pró-<br />

ximo<br />

Essa quarta parte começa com um "nós", o que nos ajuda a perceber<br />

a intenção de Lutero de manter um ponto de contato com seu auditório.<br />

Do grego ovv~~6oqç 'sincdoquc, figura dc palavras que consiste cm cmprcgar um tcnno cm um<br />

scntido mais abrangcntc', do v. ovv~6~qop~wf 'comprccndcr, abarcar ao mesmo tcmpo<br />

Figura quc procura corrclacionar ccrta cmoção, consolo, restrição. Aqui ela C usada no scntido<br />

dc não sobrccarrcgar os ouvintcs com um númcro dcsncccssário dc passagens biblicas.<br />

"' Em uma corrcspondencia a Espalatino, dc 13 dc março, Lutcro relaciona Karlstadt como sendo<br />

o Satanás quc sc cstabclcccu cm Wittcnberg contra o cvangclho.<br />

" Lutcro tem cm mente o texto dc Mt 11.23: "Tu, Cafarnaum, clcvar-te-ás, porvcntura, atc ao<br />

ccu? Dcsccrás atC ao infcmo; porquc, sc cm Sodoma sc tivcsscm opcrado os milagres quc cm ti<br />

sc fizeram, tcria ela pcrmanccido até ao dia de hojc".


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

Temos uma definitio de paciência caracterizada ou pintada como fé<br />

e amor operando juntos em relação ao próximo ou irmão.<br />

Satanás é descrito como um agente que quer dissolver a fé e o amor;<br />

por isso, a paciência, que é a demonstração da fé e do amor, é uma forma de<br />

vencer Satanás.<br />

Na citação de 1 Co 6.12 Lutero nos cria um pequeno problema. As<br />

palavras de Paulo são uma reflexão da individualidade, do cuidado pessoal<br />

do cristão de si mesmo. Mas Lutero utiliza este ethos, credibilidade, para<br />

relacioná-lo com o próximo, que precisa também de nossa credibilidade,<br />

especialmente como líderes e condutores do processo de ensino daquilo que<br />

é doutrinário e prático, daquilo que é necessário e do que é útil, daquilo que<br />

é esperado e do que é vivido. Sem dúvida, percebemos Lutero alfinetando<br />

os líderes que em Wittenberg agiram sem medir as conseqüências.<br />

Nesta parte, Lutero começa aplicar seus princípios para questionar o<br />

que estava acontecendo em Wittenberg. A partir da p.6, 31, com uma<br />

conjunção que nos liga as premissas anteriores, Lutero trata da questão da<br />

Missa, primeiro ponto a ser analisado por Lutero na série de sermões.<br />

A argumentação de Lutero começa com um meio de ação que trouxe<br />

resultados impróprios. A proposta da reforma de Lutero sem a sua presença<br />

resultou em mais problemas. Então, Lutero começa novamente a orquestrar<br />

ou dirigir seu projeto reformatório. A partir de um falante hipotético que<br />

argumenta com Lutero ("Você diz que é correto a partir da Escritura. Eu<br />

também o digo" (6,34)), ele apresenta seu modo de ser e agir perante as<br />

novas propostas que estavam sendo ventiladas.<br />

Ao analisar a atitude de seu auditório ou daqueles que conduziram a<br />

rebeldia (nota-se que a primeira pessoa transforma-se em terceira), Lutero<br />

aponta que eles erraram de inimigo; não eram os papistas nem os ignorantes,<br />

mas o próprio Satanás, e aí o simples conhecimento da Escritura não é<br />

suficiente, pois Ihes faltou o Espírito Santo por trás de suas ações.<br />

Lutero também se coloca dentro da situação ao assumir com um<br />

"eu". Sua atitude diante das circunstâncias não seria em proveito próprio,<br />

mas em função daqueles que tanto precisam entender as novas propostas<br />

trazidas pelo movimento reformatório. Importante observar a dicotomia entre<br />

"ter que ser" e o "ser livre". Lutero prende estes dois pontos em função da<br />

necessidade do próximo, e aí que entra a paciência, assunto deste quarto<br />

ponto. Por isso a paciência é mostra de fé e amor, que identifica o verdadeiro<br />

cristão. Esta é a grande exortação de Lutero neste texto. E então ele pode<br />

terminar seu sermão de forma empática já que estabeleceu a base para as<br />

ações que a Reforma estava propondo.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

CONTRIBUIÇ~ES DA RET~RICA EM (DE) LUTERO A<br />

PARTIR DO SERMÃO DE INVOCAVIT<br />

Aprendemos de Lutero, a partir desta análise, como questionar, propor<br />

mudanças e até condenar atitudes de forma sábia e apropriada. Este primeiro<br />

sermão, como norteador dos demais, mostra critérios claros para tratar os<br />

assuntos controversos. Os assim chamados "pontos principais", que estão<br />

acima dos assuntos controversos, nos fazem olhar para o que é essencial a<br />

fim de se manter a igreja de pé, com seu povo e ministério.<br />

Com o retorno a Wittenberg, percebemos que Lutero ou sua<br />

credibilidade foram fundamentais em nível de liderança da igreja reformada,<br />

manter o ensinamento de forma clara, contra-atacando as intervenções de<br />

Satanás e sua presença ajudou a restaurar a verdade do evangelho.<br />

Quando olhamos para o ethos de Lutero, percebemos aspectos do<br />

amor pastoral e da autoridade apostólica presente nas ações de Lutero. Há<br />

o testemunho de Jerome Shurff, que escreve ao Eleitor Frederico em carta<br />

de 15 de março, falando de como Lutero conseguiu modificar o seu modo<br />

de pensar a respeito da Reforma.<br />

Quanto ao estilo de Lutero, podemos resumi-lo aos seguintes pontos<br />

a partir do seu uso da Escritura Sagrada. Primeira, precisanlos ter em mente<br />

que a forma do sermão assume características totalmente diferentes de<br />

outros sermões de Lutero. Para começar, seu sermão não é uma exposição<br />

de uma perícope. Ao lermos os demais sermões que seguem ao primeiro,<br />

percebe-se um tom polêmico, já que há uma controvérsia entre como<br />

reformar a igreja e como não fazê-lo. O uso dos pronomes também é<br />

significativo. Lembramos que o "eu" e o "nós" tanto aproxima como distancia;<br />

aproxima quando Lutero se coloca nas mesmas circunstâncias de seus<br />

ouvintes; o distanciamento ocorre quando é necessário distinguir o que outros<br />

fizeram das atitudes de Lutero. O "nós" também tem caráter exortativo.<br />

LerouxI2 afim~a: Nos Sermões de Invocavit não apenas descobrimos o<br />

óbvio em Lutero - que ele foi um grande pregador. Muito mais, percebemos a<br />

eficácia de Lutero não somente por estar no lugar certo na hora certa. Mas<br />

porque Lutero fez com que a Escritura desempenhasse seu papel em função de<br />

seus ouvintes, isso porque conhecia bem a Escritura e conhecia bcm seus ouvintes.<br />

A teologia e o cuidado pastoral estão presentes e são a marca do pastor Lutero.<br />

Quando Helmar Junghans13 pergunta se o que Lutero fez com sua<br />

" Lcroux, Ncil. Lutherd Kheloric, St. Louis, Concordia, 2003. p. 162.<br />

" Junghaiis, Hclmar. Temas na Teolugia de Lzrtero. São Lcopoldo. Siriodal. 2002, pp. 24-26.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

retórica é mera retórica humanista/renascentista ou se teologia bíblica,<br />

percebemos que as duas perspectivas se aproximam, pois entendendo melhor<br />

a estrutura retórica básica na teologia de Lutero entenderemos melhor<br />

algumas coisas que ele escreveu. Aprenderemos principalmente que para<br />

Lutero era mais importante afirmar de que as palavras de Cristo dão a vida<br />

do que ensinam a vida. Quando a palavra de Cristo é atualizada através da<br />

pregação e quando ela atua, esta palavra dá vida ao crente, e não apenas a<br />

promete.<br />

CONCLUSÃO<br />

Na introdução de meu trabalho afirmei que minha maior preocupação<br />

era de ver como Lutero conseguiu colocar as pessoas em movimento -<br />

como ele estimulou a vida cristã, a ética cristã em Lutero.<br />

Sabemos que nossa caminhada como cristãos é como uma jornada;<br />

esta metáfora nos ajuda a entender que a proposta de Lutero nesta série de<br />

sermões é de incrementar a fé e o amor através do ouvir da palavra de<br />

Deus durante um período de tempo e ele consegue reconduzir as pessoas<br />

envolvidas na Reforma da igreja no contexto de Wittenberg de volta ao<br />

propósito original.<br />

Como Forell resumiu na sua "Fé Ativa no Amor" dc que para Lutero<br />

fé nunca é uma fé sem ética, podemos terminar nossa reflexão dizendo que<br />

podemos aprender muito com Lutero, especialinente quanto a seus aspectos<br />

retóricos e que nos ajudaram em muito a ver sua teologia mais próxima do<br />

nosso dia-a-dia.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

QUARTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES<br />

I Timóteo 1.12-16<br />

27 de junho de 2004<br />

1. LEITURAS DO DIA<br />

Miquéias 7.18-20 enaltece uma peculiaridade, até mesmo uma exclusividade<br />

do SENHOR. Ele é o Único que perdoa a iniqüidade, que esquece<br />

a transgressão, que não retém para sempre a sua ira e que tem prazer na<br />

misericórdia. O v. 18 é um trocadilho ao nome do profeta Miquéias: "Quem,<br />

ó Deus, é semelhante a ti...?" A pergunta é retórica e a resposta só pode<br />

ser uma: ninguém pode ser comparado ao SENHOR no seu amor, perdão e<br />

misericórdia para com o Seu povo.<br />

O Salmo 100 convida: "Celebrai ... servi ... sabei ... entrai ... rendei ...<br />

bendizei ..." - e dá a razão: "porque o SENHOR é bom, a sua misericórdia<br />

dura para sempre."<br />

O Evangelho do Dia (Lc 15.11-32) é significativo nesta direção. A<br />

parábola conhecida como do "filho pródigo" está no contexto de duas outras<br />

parábolas que falam de coisas perdidas e achadas: a ovelha perdida e a dracma<br />

perdida. Logo, o título desta parábola não deveria ser o filho "pródigo", mas o<br />

filho "perdido, mas achado". A ênfase da parábola do filho perdido não está<br />

no seu "arrependimento", mas na angústia e na iniciativa salvífica do pai. Na<br />

verdade, o arrependimento só vem depois que o pai vai ao seu encontro<br />

"compadecido", correndo, abraçando e o beijando. A misericórdia de Deus<br />

excede a qualquer pecado ou culpa da nossa parte graças a obra Daquele<br />

que "lança todos os nossos pecados nas profundezas do mar".<br />

2. CONTEXTO<br />

E TEXTO<br />

O contexto de 1Tm 1.12-16 mostra o apóstolo Paulo instruindo Ti-<br />

móteo a respeito do ministério pastoral. O objetivo é admoestar para que os<br />

cristãos não fujam do "serviço de Deus", apegando-se a outra doutrina, ou<br />

se ocupando com fábulas, genealogias, discussões, perdendo-se em "loqua-<br />

cidade frívola". A ênfase do apóstolo está em estimular Timóteo a perma-


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

necer na compreensão da lei (vv. 9- 10) e do evangelho (v. 1 1).<br />

O texto inicia no v. 12 com um gesto de ação de graças e termina no<br />

v. 17 com uma grande doxologia. Isto significa que o que é dito no meio<br />

deve ser da máxima importância. O que aparece como central no texto,<br />

entretanto, não é nada laudável. Ao contrário, é uma confissão de<br />

miserabilidade. O que quer dizer o apóstolo quando afirma: "Mas obtive<br />

misericórdia, pois o fíz na ignorância, na incredulidade"?<br />

Que ignorância seria esta? Um exercício de intertextualidade nos<br />

remete para as palavras de Jesus na cruz "Pai, perdoa-lhes, porque não<br />

sabem o que fazem" (Lc 23.34). Nesta passagem, os soldados estavam<br />

executando ordens, fazendo o seu trabalho, desempenhando a sua função,<br />

mas não sabiam que Jesus era o Messias, o Filho de Deus. Por que Jesus<br />

intercede por eles junto ao Pai para que os pecados deles sejam perdoa-<br />

dos? Pelo trabalho que fazem (e sabemos pela leitura do texto) eles esta-<br />

vam torturando, vilipendiando e crucificando o próprio Filho de Deus. Eles<br />

não estavam rejeitando a Jesus nem se rebelando contra ele como Messias,<br />

mas apenas faziam a tarefa que deles era requerida da parte de suas auto-<br />

ridades. Quem sabe alguns deles até cressem nas promessas de Deus mas<br />

viessem a se dar conta da verdadeira identidade daquele que julgavam cri-<br />

minoso apenas mais tarde (cf. Lc 23.47; compare 24.3 1).<br />

O apóstolo Paulo era culpado de blasfêmia, perseguição e insolên-<br />

cia. Mas no seu coração, o apóstolo não rejeitava a Cristo. Ele perseguira o<br />

"Caminho". Na sua ignorância Paulo seguia as orientações, ordens e tare-<br />

fas determinadas pela tradição farisaica, da qual era fiel observador. Seu<br />

ato, embora pecaminoso, não o levara a uma situação de desfé. O apóstolo<br />

tinha consciência das suas atitudes intolerantes e pecaminosas contra o<br />

povo de Deus e não procura se eximir dessa culpa. Ele se coloca como o<br />

principal pecador. Apesar disso, não se colocou fora da esfera da oração de<br />

Cristo na cmz.<br />

No v. 16, Paulo se vê como exemplo de pecador em quem é de-<br />

monstrada a extensão e a profundidade da misericórdia de Cristo. E aí está<br />

o evangelho: assim como Cristo revela sua misericórdia a este insolente<br />

pecador, da mesma forma Cristo revela o seu amor para comigo indepen-<br />

dente de quem eu sou e do pecado que tenha cometido. A minha (seja quem<br />

eu for) lista de pecados, gerada pelo meu estado natural, pode ser muito<br />

grande. Aptnas eu conheço esta lista e nela a blasfêmia, a insolência, a<br />

violência, o orgulho sempre estarão presentes, seja eu leigo ou pastor.<br />

Pregar sobre este texto requer do pastor a consciência de que o<br />

texto precisa ser pregado primeiramente para ele. Precisamos ter coragem<br />

de aplicá-lo a nós antes de anunciá-lo do púlpito. E do púlpito o sermão<br />

9 7


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

deve ter como pano de fundo o fato que a graça de Cristo "transbordou" (o<br />

verbo bn~p~7ch~ova(~~v no v. 14 é um hapax: ocorre apenas aqui no<br />

NT). A graça de Deus em Cristo é infinitamente maior do que qualquer<br />

pecado, seja de que natureza ou proporção for. E eu, como pastor, estou<br />

diante da minha congregação, no púlpito, para proclamar esse amor gracioso,<br />

incondicional, alegre recebido de um Deus cujo perdão é singular e<br />

exclusivo - para mim e para o povo de Deus.<br />

3. SUGESTOES HOMILÉTICAS<br />

1. Humanamente falando, no plano horizontal, a autobiografia do apóstolo<br />

Paulo é de causar inveja: ele é cidadão romano, ser humano<br />

cosmopolita, um fariseu exemplar. Contudo, no plano vertical, a<br />

vida e as atitudes de Paulo não são nada laudáveis: ele se considera<br />

o pior dos pecadores. A lista de pecados que faz o apóstolo nos<br />

impulsiona a numerar também os nossos que apenas nós e Deus<br />

conhecemos. O gesto de confessar os pecados (diante de Deus e<br />

diante do próximo), por mais graves que sejam, e confiar de que<br />

são efetivamente perdoados enaltece e honra a eficácia da obra<br />

de Cristo (Apologia, IV, 149).<br />

2. Ao pregar sobre esse texto, o pastor deve estar consciente de que<br />

não apenas os membros da congregação precisam confessar seus<br />

pecados; também o próprio pastor - especialmente quando ele é a<br />

causa, voluntariamente ou não, de perseguições e morte (cf. o<br />

texto) na congregação.<br />

3. Os pecados podem ser conscientes ou inconscientes. Deus, por<br />

causa de Cristo, perdoa a ambos. Embora a consciência fique atri-<br />

bulada por um pouco, Deus diz que a sua graça transborda e<br />

superabunda porque ninguém é como Deus é: incomparável, úni-<br />

co, singular.<br />

4. A graça de Deus vai ao nosso encontro estafante, ansiosa, amoro-<br />

sa e nos cobre com a "melhor roupa" (Lc 15.22) que ele nos deu<br />

no nosso batismo. É a graça e a compaixão de Deus que nos<br />

acolhem e abrigam na família de Deus.<br />

4. TEMA:<br />

Ao pior pecado, a melhor graça.<br />

Acir Raymann


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

QUINTO DOMINGO A& PENTECOSTES<br />

04 de julho de 2004<br />

Romanos 12.14-21<br />

1. CONTEXTO<br />

No capítulo 12 de Romanos, o apóstolo Paulo inicia seu discurso<br />

tratando das n~isericórdias de Deus, que são ilimitáveis. Fala também da<br />

resposta do ser humano que crê e da conseqüência dessa fé, ou seja, oferecer-se<br />

a si próprio como sacrifício vivo de serviço a este Deus. Nesse<br />

mesmo contexto o apóstolo também fala da unidade dos que crêem em<br />

Cristo e diz que "embora sejamos muitos, somos um só corpo por estarmos<br />

unidos com Cristo". Esta união com Cristo fará com que a conseqüência<br />

"inevitável" seja uma vida de serviço a Deus "com o coração cheio de<br />

fervor". Nos versículos que seguem o apóstolo fala mais sobre os frutos da<br />

fé cristã e da união com Cristo.<br />

Alguns comentaristas analisam o sentido da perícope a partir do<br />

versículo 9, e argumentam que amor e esperança andam juntos. A alegria<br />

que a esperança trazia aos cristãos do tempo de Paulo ajudou-os a suportar<br />

as tantas reivindicações por um serviço dedicado ao seu Senhor, tornando-<br />

o prazeroso e, ao mesmo tempo, lhes ajudava a suportar com paciência e<br />

bravura as próprias tribulações. Por isso oravam sempre "Vem, nosso Se-<br />

nhor", e não desanimavam enquanto aguardavam a vinda do Senhor.<br />

Esta mesma esperança que dá firmeza para resistir em meio as afli-<br />

ções, ajuda o cristão a ser solidário para com o irmão na fé que passa por<br />

necessidades, a ser hospitaleiro e abrigar e dar auxílio aqueles viajantes e<br />

perseguidos, provendo ajuda em suas necessidades.<br />

2. TEXTO<br />

V. 14: A mesma esperança e amor que ajuda os cristãos a suportarem as<br />

adversidades e a serem solidários e hospitaleiros, vai ainda mais longe:<br />

cria ao mesmo tempo a capacidade de amar e rogar por bênçãos em<br />

favor dos próprios perseguidores. O mandamento de nosso Senhor de<br />

amar e bendizer aos próprios inimigos e aos que nos perseguem (Mt<br />

5.44) enquadra-se na esperança criada pela proclamação do seu reino<br />

99


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

que está próximo (Mt 4.17) e nas promessas das bem-aventuranças<br />

(Mt 5). Paulo faz aqui referência quase literal ao ensino do próprio<br />

Cristo.<br />

"Abençoai os que vos perseguem, abençoai, e não maldizei" - Seria<br />

oportuno que o leitor conferisse os textos de Lc 6.28 e 1 Co 4.12- 13. O texto<br />

que aqui é analisado, em importantes manuscritos omite o pronome "vos". Neste<br />

caso, a "Nova Tradução na Linguagem de Hoje" reproduz bem essa idéia<br />

quando diz: "Peçam que Deus abençoe os que perseguem vocês. Sim, peçam<br />

que ele abençoe e não que amaldiçoe". Os cristãos foram exortados pelo<br />

apóstolo Paulo a rogar a Deus por bênçãos inclusive a seus perseguidores. É<br />

natural ao ser humano pagar com a mesma moeda. O apóstolo Paulo (e tam-<br />

bém Cristo) insiste que para os cristãos até mesmo o adversário e perseguidor<br />

deve ser alvo do verdadeiro amor que tem a sua origem em Deus.<br />

V. 15: A esperança também fará com que nos tornemos receptivos às<br />

alegrias e tristezas dos outros. O cristão pode interessar-se com empatia<br />

pelas alegrias e tristezas dos que o rodeiam porque não fica enclausurado<br />

em suas próprias preocupações. Imitando o próprio Cristo, alegra-se<br />

nas bodas de Caná e chora junto ao túmulo de Lázaro.<br />

"Alegrai-vos com os que se alegram, e chorai com os que choram".<br />

O apóstolo reflete bem as palavras e procedimentos do próprio Cristo. Vale<br />

destacar que, em muitas situações, pode ser mais difícil se alegrar com os<br />

que se alegram do que chorar com os que choram. Isto porque, para o ser<br />

humano comover-se com o sofrimento dos outros pode ser algo até mesmo<br />

natural, mas, em meio as dificuldades, insucessos e fracassos do dia a dia,<br />

pode tornar-se muito difícil o alegrar-se com o sucesso e alegria do próxi-<br />

mo. A tendência natural do ser humano seria a de ficar lastimando os pró-<br />

prios fracassos e invejar a situação privilegiada do outro.<br />

Vv. 16- 18: O apóstolo segue com suas recomendações à pratica da unidade,<br />

humildade e compreensão compassiva. Chama atenção contra o<br />

orgulho e a falsa sabedoria. A exemplo do que diz aos Filipenses, ele<br />

demonstra que a esperança triunfa sobre a tribulação. Paulo diz aos<br />

Filipenses (Fp 4) que tanto os amigos quanto os inimigos devem ver<br />

neles um comportamento digno de reis. Tal comportan~ento é resultado<br />

da consciência que se tem da própria força da esperança que move a<br />

vida cristã. E o motivo e dinâmica dessa moderação e esperança é a<br />

certeza de que "perto está o Senhor" (Fp 4.5). É esta mesma esperança<br />

que vencerá o rancor e a sede por vingança. A esperança dos cristãos<br />

não está em suas próprias forças, mas no Deus de todas as graças.<br />

E essa esperança fará com que o seu testemunho ao mundo seja de<br />

paz, pois "bem-aventurados são os pacificadores" ... (Mt 5).


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

Vv. 19-21: O fazer justiça e executar a vingança pertence ao Senhor.<br />

Nenhuma espada ou vingança é entregue a indivíduos ou mesmo a<br />

igreja; é o Estado o executante da ira de Deus neste mundo. A igreja<br />

não julga e não exerce a vingança, antes aguarda e espera. A única<br />

"vingança" que os cristãos têm ao seu dispor é o amor não solicitado e<br />

imerecido (a exemplo do amor de Cristo por nós) por seus próprios<br />

inimigos. Para o cristão, deixar-se arrastar pela sede de vingança é<br />

derrota completa, ou seja, terá sido derrotado pelo mal. Ao contrário, o<br />

triunfo sobre o mal se dá quando se é guiado pelo Espírito de Deus e se<br />

retribui ao mal com a prática do bem.<br />

3. APLICAÇOES HOMILÉTICAS<br />

a - Amor e esperança resultam em bênçãos na vida dos cristãos e daqueles<br />

que lhe são próximos (mesmo os inimigos).<br />

b - Amor e esperança ajudarão o cristão a alegrar-se com os que se<br />

alegram e a chorar com os que choram.<br />

c - Amor e esperança manterão os cristãos em unidade, humildade e<br />

pacientes nas tribulações.<br />

d - Amor e esperança farão dos cristãos pacificadores e amigos da<br />

justiça.<br />

e - Amor e esperança ajudarão os cristãos a vencerem o mal com o<br />

bem.<br />

4. SUGESTÃO DE TEMA<br />

A vida do cristão é caracterizada pela esperança c amor.<br />

Pazrlo Gevhavd Pietzsch


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

SEXTO DOMINGO<br />

APÓS PENTECOSTES<br />

11 de julho de 2004<br />

I Pedro 2.4-1 0<br />

Os cristãos recebem títulos<br />

para proclamar os feitos de Deus<br />

1. CONTEXTO<br />

O texto da perícope que estudamos em maio foi 1 Pedro 2.21-25. A<br />

de hoje é 1 Pedro 2.4-10. O contexto sobre Pedro e suas Epístolas é o<br />

mesmo para as duas perícopes. Logo, aproveitaremos, em parte, o texto<br />

que preparamos em maio.<br />

Pedro é o autor de nossa perícope. Depois de ter abandonado seus<br />

caniços e redes no mar da Galiléia e ter aceito o convite de Cristo "vinde<br />

após mim, e eu vos farei pescadores de homens" (Mt 4.19), Pedro integra a<br />

equipe dos 12 apóstolos e, ao longo de seu ministério, em muitos momentos,<br />

chama a atenção sobre si, e suas atividades recebem repreensões ou elogi-<br />

os dos colegas e do próprio Cristo. É uma pessoa muito dinâmica e investe<br />

tudo que tem, sabe e pode em favor de sua atividade missionária. Não gosta<br />

de meio termo. Tornou-se um verdadeiro "pescador de homens", especial-<br />

mente entre seu povo, os judeus (como Paulo foi o missionário entre os<br />

gentios).<br />

Além de suas viagens missionárias, Pedro também escreveu duas<br />

Epístolas. Fazem parte das sete chamadas "Epístolas Católicas ou Univer-<br />

sais" (1 Pe, 2 Pe, Tg, Jd, 1 Jo, 2 Jo, 3 Jo), e foram dirigidas as congregaçõcs<br />

cristãs nas cinco províncias romanas localizadas onde hoje está a Turquia.<br />

Provavelmente foram escritas em Roma (5.13) na década de 60, auge das<br />

perseguições aos cristãos.<br />

Conforme a tradição cristã, Pedro morreu crucificado, de cabeça<br />

para baixo, entre os anos 60 e 70, em Roma (Babilônia), sob as persegui-<br />

ções atrozes do imperador Nero.<br />

A linguagem, a teologia, as doutrinas e as recomendações de ordem<br />

prática de Pedro são assombrosas e admiravelmente profundas, claras e<br />

diretas. Certamente Silvano (5.12) auxiliou muito este extraordinário "pes-<br />

cador de peixes" transformado em "pescador de homens". Silvano deve ter<br />

sido excelente lingüista. O Espírito Santo trabalhou muito com ambos.


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

A Epístola de Pedro é um documento doutrinário, através do qual<br />

procura advertir, consolar, fortalecer e animar o povo de Deus a suportar as<br />

perseguições por causa de sua fé em Cristo, e perseverar firmes até o fim.<br />

É uma carta de consolação, num período de grande provação da fé em<br />

Cristo.<br />

Em nossa perícope, Pedro mostra que conhecia muito bem o Antigo<br />

Testamento. Fazendo teologia, revela equilíbrio em suas colocações doutri-<br />

nárias e recomendações práticas, baseadas em livros do Antigo Testamen-<br />

to: a figura de Cristo como a Pedra Preciosa, Pedro a buscou na profecia de<br />

1s 28.16 como o transcreveu nos v. 6 até 8; e os títulos honrosos dos cristãos<br />

que estão nos v. 5 e 9, vieram de Êx 19.5 e 6.<br />

2. TEXTO<br />

Neste estudo, pretendemos destacar, principalmente, os títulos hon-<br />

rosos que Pedro confere aos cristãos. E Pedro é rico em figuras de lingua-<br />

gem. Antes da análise dos títulos, alguns destaques do texto.<br />

Pedro admoesta: "despojem-se" ou "abandonem tudo que é mau";<br />

solicita: "desejai ardentemente"; compara os cristãos com "crianças re-<br />

cém-nascidas"; a palavra de Deus com "o genuíno leite espiritual"; Cristo<br />

com a "pedra angular, eleita e preciosa"; e, ainda, os cristãos com "pedras<br />

vivas". Lembra que esta Pedra-Cristo foi desprezada e rejeitada pelos in-<br />

crédulos. E então, neste 1" bloco, Pedro aponta para a Pedra-Cristo e con-<br />

vida a todos: "chegai-vos a ele" ou "cheguem perto dele".<br />

Depois deste 1" bloco (2.4-8), com as figuras de Cristo-Pedra e<br />

cristãos-pedras vivas que, em conjunto devem "edificar casa espiritual"<br />

ou "construir um templo espiritual" - que é a igreja cristã- o apóstolo passa<br />

para um 2" bloco (vv. 9 e 10), onde confere títulos honrosos aos cristãos e os<br />

responsabiliza pela proclamação da mensagem de Deus. Aqui, Pedro não<br />

fala sobre o ministério pastoral, mas fala sobre os leigos, os cristãos em<br />

geral, e os responsabiliza pela proclamação da palavra de Deus. Os títulos<br />

que originalmente se referiam apenas ao "povo escolhido de Israel", Pedro,<br />

agora, os aplica a todos os cristãos, o "novo Israel". É o que queremos<br />

examinar agora -já pensando na disposição do sermão.<br />

Porém (dé, v.9) - "Porém, mas, contudo" são partículas<br />

adversativas, que apontam para o contrário, para o novo, para o diferente -<br />

uma mudança, um outro enfoque, um outro caminho, passagem para uma<br />

outra situação ou realidade. Depois de ter falado sobre os "incrédulos que<br />

desprezaram e rejeitaram a Pedra-Cristo", Pedro fala, agora, dos fiéis, dos<br />

cristãos, e os cobre de títulos "preciosos, significativos e honrosos".


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

Ao relacionar os cinco títulos, Pedro não diz apenas pedras, raça,<br />

sacerdotes, nação, povo, mas acrescenta complementos, adjetivos<br />

riquíssimos, dizendo: pedras vivas, raça eleita, sacerdotes do Rei, nação<br />

santa, povo de Deus.<br />

Pedras vivas (lithoi zoontes - v.5) -A pedra fundamental, angular,<br />

valiosa, eleita e preciosa é Jesus Cristo. Os cristãos, os que crêem e confi-<br />

am em Cristo, são pedras vivas para "edificar a casa espiritual" ou "cons-<br />

truir o templo espiritual". O cristão não pode ser areia ou lodo ou tijolo, nem<br />

pedra mole, morta e fria. Mas pedra-dura, pedra-granito, pedra-viva - que<br />

tem vida, transmite vida e participa, ativamente, do crescimento da igreja de<br />

Cristo. Este é o 1" título de honra que Pedro confere aos cristãos.<br />

Raça eleita (génos eklektón - v.9) - "Raça escolhida" (NBLH).<br />

Todos estes títulos dos cristãos apontam sempre para a unidade e comu-<br />

nhão da igreja de Cristo. E todos os adjetivos que caracterizam e definem<br />

os títulos sempre revelam a ação bondosa de Deus. Só então, depois, o<br />

cristão pode agir. Eklektón significa que Deus elegeu, escolheu, separou<br />

para si -não pertencem mais ao mundo pecador; "estão no mundo, mas não<br />

são do mundo". Génos pode significar geração ou raça, caracterizando<br />

uma multidão de pessoas que têm a mesma origem, a mcsma fé, a mesma<br />

esperança, os mesmos princípios de vida - a nova vida cm Cristo. Este é o<br />

2" título de honra que Pedro confere aos cristãos.<br />

Sacerdócio real (ieráteuma basileión - v.9) - "Sacerdotes do Rci"<br />

(NBLH). Os cristãos, que são "pedras vivas" e "raça eleita", também são<br />

"sacerdotes do Rei". O Rei é o próprio Deus, cm Jesus Cristo. Sendo sa-<br />

cerdotes ou ministros do Rei Jesus, os cristãos não só "oferccein sacrifícios<br />

espirituais, agradáveis a Deus" (v.5), mas também reinam com Deus e tri-<br />

unfam sobre o pecado, a morte e Satanás. Os cristãos podem, como o sa-<br />

cerdote, entrar "no santo dos santos" e dirigir-se diretamente, ein adoração,<br />

ao seu Deus, Senhor e Salvador - sem mediadores ou intermediários.<br />

Este é o 3" titulo de honra que Pedro confere aos cristãos.<br />

Nação Santa (éthnos ágion - v.9) - "Nação completamente<br />

dedicada a Deus" (NBHL). Os termos "raça, nação, povo" sempre procu-<br />

ram expressar a idéia de um grupo de pessoas escolhidas e separadas dos<br />

gentios e que formam uma multidão que pertence ao Senhor Deus. Nação<br />

faz pensar em pátria, um povo que "pensa e faz a mesma coisa", pois tem<br />

"tudo em comum". Assim é a igreja. Mas é uma nação santa, isto é, os<br />

habitantes da nação foram lavados pelo sangue de Cristo e santificados pela<br />

operação do Espírito Santo - pois "esta é a vontadc de Deus, a vossa<br />

santificação"; e "santos sereis porque o Senhor Deus é santo". Este é o 4"<br />

título de honra quc Pedro confere aos cristãos.<br />

104


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

Povo de Deus (laos tou Theu - v.9 e 10) - "Povo de propriedade<br />

exclusiva de Deus" (RA). "O povo que pertence a ele" (NBLH) -"antes não<br />

éreis povo, mas agora sois povo de Deus" (RA); "antes, vocês não eram o<br />

povo de Deus, mas agora são o seu povo" (NBLH). É um povo que não<br />

pertence a si mesmo, não pertence ao mundo nem ao diabo, mas é um povo<br />

de "propriedade exclusiva de Deus". Deus é o Dono dos cristãos. Os cristãos<br />

pertencem a Deus. O povo de Deus é o povo que foi escolhido e separado por<br />

Deus para ser "pedras vivas", ser "raça eleita", ser "sacerdote do Rei", ser<br />

"nação santa". Este é o 5" título de honra que Pedro confere aos cristãos.<br />

Finalidade - Esta rica e honrosa titulação não é dada aos cristãos<br />

para ostentação religiosa ou para guardar na gaveta ou para embelezar<br />

salas ou gabinetes. "Porém", o contrário, os títulos foram concedidos por<br />

Deus com uma grande finalidade: para viver, praticar e proclamav (v.9),<br />

anunciar, transmitir, declarar, passar adiante "as virtudes de Deus" (aretê -<br />

v.9), isto é, "os atos ou feitos poderosos de Deus" em favor da humanidade<br />

pecadora. Esta é a razão por que Deus "chamou os cristãos das trevas" e<br />

os colocou dentro da "maravilhosa luz" -para serem luzeiros do mundo!<br />

Comentário - Os teólogos arrolam nossa perícopc, especialmente o<br />

v.9, como sendo o locus fundamental para a defesa do "saccrdócio univer-<br />

sal de todos os crentes". Lutero faz o mesmo. Está bem assim. Pedro não<br />

fala do ministério pastoral neste texto. Fala de todos os cristãos. Não preci-<br />

sa - porque não há - haver conflito entre o sacerdócio universal e o minis-<br />

tério pastoral, pois ambos estão claros, distintos e se complcmcntam.<br />

Introdução<br />

- Comentar a ânsia de conquistar certificados, diplomas e títulos acadêmicos.<br />

- ou apontar para as homenagens políticas que concedem "títulos de cida-<br />

dão da cidade ..."<br />

- ou relacionar alguns dos muitos títulos que a Bíblia confere aos cristãos.<br />

- E, então, destacar os títulos que Pedro confere em nossa perícope -<br />

conferindo a explicação dos títulos.<br />

Os cristãos recebem títulos para proclamar os feitos de Deus<br />

1. Pedras Vivas (1" título)<br />

Desenvolver o 1" bloco de 2.4-8: Cristo-Pedra Preciosa e cristão-<br />

pedra viva. Ressaltar a idéia da edificação ou construção do "templo espiri-<br />

tual", a igreja de Cristo e visa ao crescin~ento.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

2. Raça Eleita (2" título)<br />

Aqui inicia o 2" bloco 2.9 e 10, que fala dos títulos e sempre aponta<br />

para a proclainação. Rcssaltar a unidade e a bênção dc scrinos clcitos,<br />

escolliidos c scparados por Dcus c para Dcus c sua obra. Visa A proclama-<br />

ção!<br />

3. Sacerdotes do Rei (3" título)<br />

Rcssaltar a vcrdadc sobrc o saccrdócio universal dos cristãos. Dcus<br />

C o Rci. Os cristãos podem entrar em contato com Deus dirctamcntc, cntrar<br />

no "santo dos santos". Visa a proclamação!<br />

4. Nação Santa (4" título)<br />

Ressaltar a nova vida, a vida santificada. A cxplicação de Lutero do<br />

3" Artigo é própria. Visa a proclamação!<br />

5. Povo de Deus (5" título)<br />

Ressaltar quc não pcrtcnccmos a nós mcsmos. Dcus c nosso Dono.<br />

Somos "propriedade exclusiva" de Deus. Visa A proclan~ação!<br />

CONCLUSÃO<br />

Como aplicar estes cinco títulos na vida prática do cristão na igreja<br />

hoje'?<br />

Embora sublinhar nas cinco partes a "proclamação dos feitos pode-<br />

rosos dc Deus", dar uma ênfasc especial sobre como c possível anunciar e<br />

passar adiante a mensagem - missão 110-jc.<br />

A obra da missão da igreja não é uma exclusividade dos pastores,<br />

mas especialincntc dos lcigos quc rcccbcn~ tantos títulos - os cristãos cm<br />

geral. Ncccssário cxplicar csta colocação.<br />

Entusiasmar para uma maior participação dos "titulados" na igrc-ja,<br />

procurando uma mudança maior na atividade missionária da Igrcja.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

SÉTIMO DOMINGO APÓS PENTECOS~ES<br />

Romanos 6.1 - 1 1<br />

I 8 de jull~o de 2004<br />

1. CONTEXTO<br />

Como acontece frequentemente nesta carta, nesta passagem o após-<br />

tolo Paulo mais uma vez está argumentando com um oponente imaginário.<br />

O argumento surge a partir do que foi dito ao final do capítulo cinco, mais<br />

especificamente o versículo 20: "... mas onde abundou o pecado,<br />

superabundou a graça". O argumento seria mais ou menos assim:<br />

- Você disse que a graça de Deus é bastante grande, ao ponto de<br />

achar perdão para todo pecado.<br />

- Paulo: - É isso mesmo.<br />

- Desta forma, você está afirmando que a graça de Deus é a coisa<br />

maior e mais maravilhosa do mundo.<br />

- Paulo: É isso aí.<br />

- Bem, se isto é assim mesmo, vamos seguir pecando; tanto mais se<br />

manifestará a graça de Deus. Não importa o quanto pecamos, pois<br />

Deus perdoará de qualquer maneira. Poderíamos inclusive dizer que<br />

o pecado é uma coisa excelente, pois ele dá a graça de Deus uma<br />

oportunidade de atuar.<br />

É natural que o apóstolo rebate firmemente toda esta argumentação<br />

e aproveita a ocasião para falar do batismo e das conseqüências naturais da<br />

fé na vida dos cristãos.<br />

2. TEXTO<br />

Vv. 1,2: Parece haver certa lógica na pergunta inicial do apóstolo Paulo.<br />

Mas esta lógica é fria e satânica; há nela a sugestão diabólica que se<br />

deveria explorar a Deus e fazer com que a sua graça servisse a vonta-<br />

de egoísta do ser humano. Assim, os próprios dons do alto serviriam<br />

para apoiar o ser humano em sua rebelião contra Deus. Esta é a mes-<br />

ma lógica usada pelo diabo contra Jesus (veja Mt 4.1- 1 1). Paulo rejeita<br />

essa lógica. Sua resposta a pergunta maldosa mostra até que ponto a<br />

nova vida é inteiramente criada por Deus e o quanto está enraizada no<br />

Evangelho. O argumento de Paulo não parte de um apelo, mas da afir-<br />

mação de algo que foi feito a nós: "Nós morremos para o pecado", ou


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

seja, o que aconteceu conosco toma impossível qualquer relação futura<br />

com o pecado. O pecado não pode mais continuar a ser o ambiente em<br />

que vivemos; não pode mais ser o que dirige a nossa vida e nossa<br />

vontade, pois os homens mortos [para o pecado] não têm vontades nem<br />

desejos.<br />

Vv. 3,4: "Ou não sabeis que" sugere que Paulo imagina que os cristãos em<br />

Roma conheçam pelo menos a verdade formulada no restante deste<br />

versículo e também algo da doutrina que ele expõe nos versículos se-<br />

guintes, com derivados dessa verdade. Sabemos que fomos batizados<br />

"em Cristo" e que nosso batismo efetivamente nos confiou a ele, nos<br />

revestiu dele, incorporou-nos todos nele. Um mesmo batismo deu a<br />

todos nós um mesmo Senhor. Ele é o Senhor de todos no poder de seu<br />

amor divino; esse amor que fez de sua morte a morte de todos. Portan-<br />

to batismo "nele" é batismo em sua morte. "Assim, portanto, nós fomos<br />

sepultados junto com ele pelo batismo na sua morte" prolonga e escla-<br />

rece a significação da última oração do v. 3. A morte que nós morremos<br />

no batismo foi morte ratifícada e selada pelo sepultamento, morte total-<br />

mente inequívoca. Segundo o apóstolo, o batismo não é um rito mágico<br />

efetuado mecanicamente, não é sinal vazio, e sim evento decisivo em<br />

virtude do qual a pessoa é poderosa e inequivocamente reclamada por<br />

Deus como benefíciária de Sua ação salvadora em Cristo. A vida que<br />

Cristo entregou em obediência a vontade do Pai, o Pai lha restaurou.<br />

Ressurgiu "pela glória do Pai" - aí, nesse triunfo sobre a morte, Deus<br />

glorificou o seu nome, aí seu poder manifestou-se poderosamente como<br />

o Deus Criador que vivifica os mortos.<br />

Se a morte e o sepultamento de Cristo também cnvolvem a nós que<br />

fomos batizados em seu nome, igualmente a sua ressurreição dos mortos<br />

nos inclui. Portanto, também ressuscitamos dos mortos. Cristo ressurgiu<br />

dos mortos "para que também nós andemos em novidade de vida". A vida<br />

nova, que está além do alcance do poder da morte, é realidade atual, presente<br />

e ativa na palavra e no sacramento do evangell~o. É rcalidadc podcrosa<br />

e dinâmica. Nós não apenas existimos nessa nova vida, nós "andamos<br />

nela". "Andar" é expressão judaica para conduta c atividade, frequcntemcntc<br />

encontrada nas cartas paulinas. Essa nova vida nos faz andar em vida nova,<br />

guiada pelo Espírito de Cristo.<br />

Vv. 5- 1 1 : Nestes versículos Paulo amplia a afirmação feita antes. Tudo o<br />

que segue nestes versículos tem como objetivo sublinhar e esclarecer<br />

os dois pensamentos básicos dos vv. 3 e 4, ou seja, "a realidade da<br />

nossa união, pelo batismo, com Cristo em Sua morte e ressurreição" e<br />

"a qualidade totalmente nova dessa vida-ressurreta em Cristo". O v. 1 1


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

ainda reforça a importância do estar morto para o pecado, mas vivos<br />

para Deus, mediante Cristo.<br />

3. APLICAÇ~ES HOMILÉTICAS<br />

Nesta perícope são destacadas três verdades permanentes:<br />

a) É coisa terrível procurar negociar com a n~isericórdia de Deus. É terrível<br />

fazer da misericórdia de Deus uma desculpa para pecar.<br />

b) A pessoa que está na fé em Cristo ingressou numa classe diferente de<br />

vida. Morreu para uma determinada classe e agora vive para uma nova.<br />

É essencialmente uma pessoa diferente. Se nos dias atuais alguém poderia<br />

dizer que a vida sob a fé em Cristo não faz muita diferença na<br />

vida do ser humano, Paulo por outro lado disse que deveria fazer toda a<br />

diferença do mundo.<br />

c) A vida em Cristo implica muito mais que mera mudança nos padrões<br />

éticos. Há uma verdadeira união com Cristo; uma real identificação.<br />

Desta forma, a simples verdade é que não é possível uma verdadeira<br />

mudança ética sem a união com Cristo. A menos que Cristo esteja em<br />

nós e nós em Cristo, não podemos viver a vida de Deus. Limitar o<br />

Cristianismo a uma exigência ética é deixar fora esta união essencial<br />

com Cristo.<br />

MORRER PARA VIVER<br />

a) Em Cristo e com Cristo morremos<br />

b) Em Cristo e com Cristo ressuscitamos<br />

c) Em, com e por Cristo vivemos hoje e eternamente.<br />

Paulo Gevhuvd Pietzsch


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

Orr~vo DOMINGO<br />

APÓS PENTECOSTES<br />

25 de julho de 2004<br />

Romanos 6.19-23 (Marcos 8.1-9)<br />

1. ASPECTOS TEXTUAIS<br />

A escravidão tem caracterizado a humanidade como um todo. Diversos<br />

povos em diversas épocas fizeram uso da escravidão de uma forma ou<br />

outra. A opressão escravista pode ser externa ou interna: uma que foge ao<br />

nosso controle; a outra que está ao nosso alcance para controlá-la. Sobre<br />

isso é que Paulo quer nos ensinar nestas palavras de Romanos.<br />

O diagnóstico inicial - somos escravos porque estamos sob a lei.<br />

Esta é a nossa condição original - o pecado original, que nos coloca sob a lei<br />

(v.14). Quem nos mostra isso são os pecados cometidos contra a santa<br />

vontade de Deus. E é esta a condição que nos faz oferecer os nossos mem-<br />

bros para a escravidão da impureza e da maldade para a maldade (v. 19).<br />

Sendo dominados pela lei, percebemos que somos incapazes de te-<br />

mer, amar e confiar em Deus acima de todas aq cniwc. c amar an nnccfi<br />

próximo como a nós mesmos. Quando Paulo usa o termo "desobediência"<br />

ou falta de fé, ele nos identifica que somos obedientes aos poderes que nos<br />

escravizam (v. 16).<br />

Esta escravidão nos remete a escravidão para a morte. Consideran-<br />

do que "o salário do pecado é a morte" (v.23), como escravos da lei, agimos<br />

contra nós mesmos, matando-nos. Estamos sob a morte e a dificuldade de<br />

escapar dela também nos escraviza. Estando, pois, sob a lei e determinados<br />

a morte, não podemos viver de forma alguma. Como Jesus nos diz: "Em<br />

verdade vos digo: todo o que comete pecado é escravo do pecado. O escra-<br />

vo não fica sempre na casa" (Jo 8.34,25).<br />

Mas nesta mesma citação, Jesus afirma que "o filho fica sempre na<br />

casa. Se o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres" (Jo 8.35). Jesus<br />

sujeita-se a lei para nos libertar (G1 4.4; 8.2,3). Por isso, Paulo afirma que<br />

em Cristo, no v. 22, somos servos da graça ou vivemos a partir da condição<br />

de livres do jugo da lei. Enquanto que o jugo da lei nos leva a morte, sob a<br />

graça de Cristo temos a vida eterna.<br />

Agora, sob a graça, como Paulo argumenta em 1.5, tememos, ama-<br />

mos e confiamos em Deus. Assim como Cristo tomou-se escravo de Deus


Igreja Luterana - no 1 - 2004.<br />

através de sua obediência, nós nos tomamos servos de Deus a partir de<br />

obediência de Cristo. Esta é a obra do Espírito Santo em nós: convencer-<br />

nos da obra de Cristo para, a partir daí, vivermos em novidade de vida.<br />

Assim nós nos tomamos escravos de Deus em Cristo Jesus para uma nova<br />

obediência, para o fruto, para a santifícação (v.22). De mortais nós nos<br />

tomamos frutíferos instrumentos nas mãos de Deus (vv. 12,13). Escravos<br />

sob a graça de Deus em Cristo nosso fardo é leve e o carregamos com o<br />

auxílio de Deus. A "pressão" da escravidão em Cristo nos coloca novamen-<br />

te na perspectiva do plano de Deus para com toda a humanidade, visto que<br />

no pecado e sob a lei a própria criação aguarda ansiosamente por restaura-<br />

ção do cativeiro da corrupção para o propósito inicial de Deus (Rm 8.2 1,22).<br />

A partir do servir sob a graça, nossas relações humanas são restauradas e<br />

nesta condição temos uma antecipação da condição eterna.<br />

2. ASPECTOS PRÁTICOS<br />

Escravos sob a lei, mas livres sob a graça. A dialética constante em<br />

nossa vida, que a mensagem cristã nos traz, não cria em nós uma situação<br />

de apatia frente à revelação de Deus. Portanto, movidos pela graça que<br />

liberta, lutemos contra o mal que nos escraviza.<br />

BIBLIOGRAFIA<br />

LENSKI, R.C.H. The Interpretation of'St. PaulS Epistle to the Romans.<br />

Minneapolis: Augsburg, 1936.<br />

MURRAY, John. The Epistle to the Romans. Grand Rapids: Eerdmans,<br />

1982.<br />

LANGE, J. P. Romans. Grand Rapids: Eerdmans, sd.<br />

Clóvis Jair Prunzel


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

NONO DOMINGO<br />

APÓS PENTECOSTES<br />

O1 de agosto de 2004<br />

Gálatas 5.16-25<br />

1. CONTEXTO<br />

O apóstolo defende a vida em liberdade. Veja: 5.1. Defensores da<br />

Lei querem reconduzir os gálatas a escravidão. Paulo defende a liberdade<br />

que Cristo conquistou com vigor e veemência.<br />

Mas, a liberdade cristã pode ser mal interpretada. A carne, por exem-<br />

plo, quer usá-la mal. Liberdade não deve ser confundida com licença para<br />

pecar (v. 13). Fé verdadeira não é egoísta, mas "atua pelo amor" (v. 6).<br />

2. TEXTO<br />

V. 16: Se queremos ser cristãos e viver de acordo com a vontade de Deus,<br />

é preciso que deixemos o Espírito Santo nos guiar. Não somos capazes<br />

de obedecer a Lei como Deus o quer: com perfeição e santidade abso-<br />

lutas. A Lei, por isso, não pode nos salvar nem produzir vida agradável<br />

a Deus. Mas, Cristo nos libertou para a fé e vida que Deus quer.<br />

Deixemo-nos, pois, guiar pelo seu Espírito.<br />

Quando Deus, em Cristo, nos justifica, ele nos faz nascer como no-<br />

vas criaturas, por meio do Evangelho e do Batismo. Ele nos dá novo cora-<br />

ção, nova mente, novos pensamentos, novo querer. Passamos, então, a lutar<br />

contra nossa natureza pecaminosa (carne) e seus desejos. Passamos, en-<br />

tão, a viver a vida num nível onde a Lei com suas ameaças e condenações<br />

não pode nos tocar. A Lei ainda pode nos aterrorizar mas não mais conde-<br />

nar.<br />

Lutero exemplifica o "andar no Espírito" dizendo que um príncipe<br />

anda no Espírito quando executa seu dever diligentemente, governa bem<br />

seus súditos, pune os culpados e defende o inocente. Sua carne e o diabo se<br />

lhe opõe quando ele faz isso, e eles o incitam a começar uma guerra injusta<br />

ou a ceder a seus próprios desejos cobiçosos. A não ser que ele siga o<br />

Espírito como seu guia e obedece a Palavra de Deus quando ela lhe dá<br />

advertência correta e fiel sobre seu dever, ele irá satisfazer os desejos da<br />

carne.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

A "concupiscência da carne" certamente inclui desejos sexuais im-<br />

puros mas não se restringe a estes. Ela se estende a todos os outros desejos<br />

pecaminosos, inclusive aqueles que se enquadram na primeira tábua da lei.<br />

V. 17: (cf. Rm 7.15,23) 0 cristão experimenta dentro de si mesmo o con-<br />

flito entre a carne e o Espírito. Isso não deve assustá-lo nem surpreendê-<br />

10. Quem possui o Espírito Santo, diz Lutero, não é logo completamente<br />

perfeito, puro em todos os sentidos, não mais sensível a Lei e ao peca-<br />

do. A obra do Espírito Santo é contínua e progressiva. Por isso, não se<br />

encontra indivíduo perfeito em justiça e felicidade, livre de pecado e<br />

tristeza, sempre servindo todos com prazer.<br />

As palavras do apóstolo servem de consolo aos que enfrentam pro-<br />

vações. É bom e importante saberem que não poderão seguir o Espírito sem<br />

que a carne coloque algum obstáculo no caminho. Mas o cristão luta contra<br />

os desejos de sua carne e resiste a eles pelo Espírito para não pecar.<br />

Mesmo o cristão mais forte, porém, nem sempre vence a luta contra<br />

sua carne. Por isso, todos dependemos da graça de Deus e necessitamos o<br />

seu perdão (SI 143.2; 130.3,4; 32.5-6).<br />

V. 18: Apesar de pecador, o cristão não está mais sob a lei. Ele luta contra<br />

o pecado e conta com o perdão divino quando fracassa (Rrn 7.25).<br />

Cristo, a quem nos apegamos com a fé, é nossa justiça.<br />

Vv. 19-2 1 : A lista de obras da carne serve como um teste para o hipócrita<br />

que se confessa cristão mas não se deixa guiar pelo Espírito, não luta<br />

contra a carne e vive no pecado sem arrependimento. O apóstolo não<br />

apresenta uma lista completa, mas cita apenas alguns exemplos das<br />

obras da carne. Ao final, ele acrescenta uma advertência dura contra<br />

os hipócritas procurando conduzi-los ao arrependimento e vida cristã<br />

verdadeira.<br />

V. 22: O fruto do Espírito é produzido pelo Espírito Santo por nosso inter-<br />

médio. O amor engloba todos os demais frutos do Espírito.<br />

V. 23: O fruto do Espírito está acima da Lei. A Lei não pode produzir<br />

frutos no coração. O máximo que consegue é coibir e refrear manifes-<br />

tações externas do pecado.<br />

Vv. 24-25: A luta contra a carne é séria e dolorida. Resistindo aos seus<br />

desejos, o cristão crucifica a carne para que ela não possa usar seus<br />

membros para a prática do pecado. Para o cristão verdadeiro, essa luta<br />

não é apenas teoria, mas se manifesta na prática do seu dia-a-dia.


Igreja L~iterana - no 1 - 2004<br />

3. SUGESI.OES HOMII,É'I.ICAS<br />

O pregador precisa rcsistir à tentação de transforinar uin texto como<br />

cste num scrmão lcgalista. É fácil sc irar coin as obras da carnc dos rnembros<br />

c apontar o ideal dos frutos da fé quc cles deveriam estar produzindo.<br />

Mas, o tcxto c rico cm Evangclho. Ele mostra o rcflcxo da justificação do<br />

pecador cin sua vida diária ncstc inundo. Esta 6 uma vida dc contínuo conflito.<br />

Guiado pelo Espírito, o cristão quer fazer a vontade dc Dcus e luta<br />

contra seus desejos pecaminosos. Mas, sua natureza pecaminosa ainda está<br />

viva c sc opõc dc todas as maneiras ao novo hoincm.<br />

Ignorar a rcalidadc dcssa luta intcrna podc Icvar a hipocrisia ou ao<br />

dcscspcro. É ncccssário que o cristão saiba que essa luta cxistc c quc Deus<br />

não o abandona cm incio a mcsina. O Espírito Santo conduz o cristão i<br />

vitória c sc vale dos meios da graça para for-taleccr o cristão em sua luta<br />

diária. Ncin scmpre o cristão faz o que gostaria de fazer. A graça, a miseri-<br />

córdia e o pcrdão dc Deus prccisain, por isso, ser anunciados e distribuídos<br />

gcnerosamcntc c continuamcntc na igrcja de Cristo.<br />

Algumas possibilidades para o tcrna do sermão:<br />

- O conflito diário do cristão<br />

- Os doccs fmtos da graça<br />

-A maravilhosa obra do Espírito Santo: em nós e por nosso intermédio<br />

- Nossa liberdadc: contra ou a favor do próximo'?<br />

Paulo W Bzrss


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

DÉCIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES<br />

Filipenses 3.7-11<br />

08 de agosto de 2004<br />

I. CONTORNO E T~TULOS<br />

O texto inicia com uma conjunção adversativa ("mas") que, a rigor, é<br />

objeto de discussão crítico-textual. Em outras palavras, o "mas" (áhhà, no<br />

original grego) do início do v.7 está entre colchetes nas edições modernas do<br />

texto original. Isto se deve, em grande parte, ao fato de estar ausente em<br />

manuscritos importantes como o papiro 46 (uma das mais antigas cópias das<br />

cartas paulinas de que dispon~os) e o Codex Sinaiticus. Se, por um lado, a<br />

omissão do "mas" ajuda a delimitar o início da perícope no v.7, por outro lado a<br />

sua presença ajuda a lembrar que o texto não começa ali, mas conclui um<br />

pensamento iniciado no v.2. A edição Nestle-Aland coloca os w. 7- I 1 como um<br />

sub-parágrafo, ou seja, uma seção dentro de um parágrafo maior (w.2- 1 1).<br />

Quanto a títulos, a Almeida Revista e Atualizada (ARA) traz "O avi-<br />

so contra os falsos mestres". A Nova Tradução na Linguagem de Hoje<br />

(NTLH) tem "Completamente unidos com Cristo". Na Bíblia de Jerusalém<br />

se lê: "O verdadeiro caminho da salvação cristã". O comentarista Moisés<br />

Silva vê essa seção como "A essência da teologia de Paulo". Os diferentes<br />

títulos mostram, logo de saída, que se trata de um texto denso, que permite<br />

diferentes ênfases ou destaques.<br />

2. CONTEXTO<br />

O texto em estudo, e mais ainda os primeiros versículos do capítulo<br />

três, é um importante texto para a biografia de Paulo. Não menos importan-<br />

te é esse texto para o ensino paulino da justificação. Talvez seja a mais<br />

extensa exposição desse ensino, fora de Gálatas e Romanos. Alguém clas-<br />

sificou essa passagem como sendo de fundamental importância para a teo-<br />

logia e um clássico da espiritualidade cristã.<br />

3. 0 TEXTO NO ORIGINAL<br />

No original, o texto é praticamente um só período, excetuando-se o<br />

v.7. Uma tradução mais literal, extraída do Novo Testamento Interlinear


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

Grego-Português, diz assim: "[Mas] as coisas que eram para mim ganho,<br />

estas tenho considerado por causa de Cristo perda. Mas ainda mais também<br />

considero todas as coisas perda[2] serem[l] por causa da excelência<br />

do conhecimento de Cristo Jesus o Senhor[2] meu[l], por causa de quem<br />

todas as coisas perdi, e considero lixo, para que Cristo (eu) ganhe e seja<br />

achado nele, não tendo minha justiça a de (a) lei mas a mediante (a) fé de<br />

Cristo (= em Cristo), a de[2] Deus[3] justiça[l] (baseada) em a fé, para<br />

conhecer a ele e o poder da ressurreição dele e [a] comunhão [dos] sofrimentos<br />

dele, sendo conforn~ado à morte dele, se de algum modo (eu) chegue<br />

à ressurreição dentre (os) mortos".<br />

4. ALGUNS DETALHES DO TEXTO, VERS~CULO POR VERS~CULO<br />

V. 7: Aquilo que a tradução coloca no singular ("o que") aparece como um<br />

plural no texto grego ("as coisas que"). Isto é significativo, pois no<br />

contexto anterior Paulo havia apresentado uma lista de qualificações<br />

pessoais, algumas por assim dizer "genéticas", outras adquiridas.<br />

O termo "ganho" (no texto original é outro plural) é raro no NT: apa-<br />

rece em Fp 1.2 1, neste texto e em Tt 1.1 1. O verbo "considerei" (ARA)<br />

está no aspecto perfeito. Trata-se de uma ação concluída cujos efeitos<br />

perduram. Ou, então, algo completado que ainda é atual. Seria possível<br />

traduzir por "considero" (notar que no v.8 aparece o presente, "considero").<br />

O Interlinear tenta reproduzir o perfeito com a forma "tenho considerado".<br />

Outro detalhe que apenas se nota no original é a colocação da locu-<br />

ção "por causa de Cristo" antes de "perda". Isto ajuda a ressaltar que<br />

aquilo que era vantajoso se torna perda à luz do conhecimento de Cristo.<br />

Paulo não fala mal das suas realizações no judaísmo, das quais ele tinha um<br />

orgulho natural. Paulo não trocou "lixo" por Cristo; ele trocou algo que lhe<br />

era muito caro.<br />

Já o termo "perda", que está em contraste com "ganho", é outro<br />

daqueles termos raros no NT. Afora esta passagem, aparece apenas em At<br />

27.10,2 1, em referência a prejuízo pela perda de carga no mar. Nos papiros<br />

que remontam ao tempo do NT designa prejuízo nos negócios.<br />

Ao leitor mais atento não escapa uma certa semelhança entre Fp 3 e<br />

Fp 2: glória (Fp 2) e lucro (Fp 3) são trocados por humilhação (Fp 2) e<br />

perda (Fp 3) e no final se tem glorificação (Fp 2) e valor maior (Fp 3).<br />

V.8: Paulo fala da "sublimidade" ou "excelência" do conhecimento de<br />

Cristo. Literalmente, trata-se daquilo que vai além, que excede, que é<br />

"melhor do que". Este texto lembra 2Co 3.10, onde se fala da glória<br />

que antes era grande, mas que não é mais nada por causa da glória de


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

agora que é muito maior. A luz desse conhecimento de Cristo, Paulo<br />

considera todas as outras coisas "refugo" (ARA) ou "lixo" (NTLH).<br />

O termo grego é o~.úpahha, que, em todo o NT, ocorre apenas aqui,<br />

embora apareça nos papiros seculares. Parece sugerir aquilo que é<br />

lançado aos cães.<br />

V.9: Este v. é uma bela exposição da doutrina da justiça da fé (Rm 1.16).<br />

Paulo contrasta o que denomina de "minha justiça" (Rm 10.3) com a<br />

justiça que procede de Deus. Ser justo é uma questão de como a<br />

pessoa é vista, como ela aparece em seu relacionamento com outras<br />

pessoas e, especialmente, diante de Deus. Apesar de muitos intérpre-<br />

tes insistirem, a exemplo do que já era feito no tempo de Lutero, que<br />

justiça é propriamente um atributo de Deus (em nosso tempo, tese de-<br />

fendida por Ernst Kaseniann), este texto deixa claro que se trata de<br />

algo que nos vem de Deus (no grego, I!K 0~03). Uma questão bem<br />

mais complexa é como Cristo entra nisso e qual o papel da fé. O final<br />

do versículo deixa bem claro que essa justiça se baseia sobre a fé. O<br />

que não parece tão claro é o sentido da locução &L& nioz~o~ Xptozoa<br />

(dia pisteos Christou). Literalmente diz: "fé de Cristo". Em geral se<br />

traduz por "fé em Cristo" (ver At 3.16). A discussão toda gira em tomo<br />

do genitivo, que pode ser visto como subjetivo (Jesus é o sujeito de<br />

"pistis") ou como objetivo (Jesus é o objeto de "pistis"). A mesma<br />

discussão surge quando se estuda G1 2.16,20; Rm 3.22. Se Cristo é o<br />

sujeito, então o sentido de "pistis" precisa ser ajustado para algo como<br />

"fidelidade". (O NT muitas vezes fala de Cristo como objeto da fé, ou<br />

seja, pessoas crêem nele; nunca se apresenta Jesus como sujeito da<br />

fé.) Trata-se, então, da justiça que vem de Deus por meio da fidelidade<br />

de Cristo, baseada na fé nele. Nesta leitura, o final do v. ("baseado na<br />

fé") não é redundante, ou seja, o nosso ato de crer aparece apenas no<br />

final. No entanto, se o genitivo for objetivo ("fé em Cristo"), a parte<br />

final do v. é um tanto redundante. Há uma forte tradição interpretativa,<br />

reproduzida nas traduções, favorecendo o genitivo objetivo ("fé em<br />

Cristo"). No entanto, em tempos recentes, exegetas como Richard<br />

Hays e outros reavivaram a tese de que Paulo estaria usando, aqui, um<br />

genitivo subjetivo.<br />

Outro detalhe que tem levantado muita discussão é o que está por<br />

trás da locução que aparece no início do v.9 ("ser achado nele") e que é o<br />

conceito do "estar em Cristo". A questão é: como se relacionam o "estar<br />

em Cristo" (que, em suas diferentes formulações, como "nele", "no Se-<br />

nhor", etc., aparece mais de 160 vezes nas cartas de Paulo) e a doutrina da<br />

justificação (que aparece com destaque em G1 e Rin e aqui em Fp 3). Há<br />

quem, na esteira de Albert Schweitzer, argumente que o "estar em Cristo" é


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

um conceito primário ou mais abrangente em Paulo, ao passo que "ser jus-<br />

tificado" é secundário ou menos abrangente. Isto parece se confirmar pela<br />

abrangência do uso de "em Cristo". Se isto for assim, então Paulo pensa<br />

mais em termos de uma incorporação em Cristo (pela fé, no batismo) do<br />

que em termos de justificação (que é uma das metáforas ou imagens que<br />

Paulo usa, ao lado de "reconciliação", "remissão" e outras). Em Cristo o<br />

cristão tem a justiça que vem da fé.<br />

Vv. 10- 1 1 : Estes versículos formam a parte menos conhecida ou explorada<br />

desta seção de Filipenses. E um texto um tanto misterioso, pois se fala<br />

do poder da ressurreição de Cristo (a que exatamente isto se refere?) e<br />

da comunhão dos sofrimentos dele (como isto é possível?), sem falar da<br />

aparente insegurança que transparece no v. 11. A rigor, esse texto<br />

retoma o tema do conhecimento, que aparecera no v.8.<br />

No seu todo, estes dois vv. formam uma bela construção quiástica: A<br />

(ressurreição) - B (sofrimentos) - B7(morte) - A' (ressurreição).<br />

Paulo, num contexto em que trata da justificação, termina falando da<br />

ressurreição. Isto lembra Rrn 4.25, onde fica estabelecida a íntima conexão<br />

entre essas duas realidades. Cristo ressuscitou para a nossa justificação e<br />

a nossa justificação final será proclamada no momento de nossa ressurrei-<br />

ção. Agora, como acontece outras vezes em Paulo, junto com ressurreição<br />

aparece o sofrimento; ao lado da ressurreição de Cristo se menciona a sua<br />

morte.<br />

A palavra usada para "ser conforn~ado com", no final do v. 10, aparece<br />

apenas aqui no NT. Trata-se do verbo o~)ppop@i(co (symmorphízo),<br />

onde se pode detectar a raiz "morphe", que dá "forma", em português. A<br />

NTLH traduz por "me tornar como ele na sua morte". Esse tema tem<br />

semelhança com o que é dito em Rrn 6.4 e 2Co 4.10. Lightfoot comenta:<br />

"A agonia do Getsêmani ... será reproduzida, ainda que de forma pálida, na<br />

vida do fiel servo de Cristo".<br />

O v.11 parece expressar uma certa incerteza ou insegurança do<br />

apóstolo: "para, de algum modo, alcançar a ressurreição". Ou, como aparece<br />

no Interlinear, "se de algum modo (eu) chegue ...". (A mesma locução<br />

EI nco~ aparece em Rm 1.10; 1 1.14.) Segundo Lightfoot, esse "se" expressa,<br />

não dúvida, mas humildade ou esperança com contornos de modéstia.<br />

Ao falar da ressurreição, no v. 11, Paulo usa outro termo que é hapax<br />

legomenon (só aqui no NT): Ecaváo~aot~. Se a ressurreição alcança<br />

justos e injustos (At 24.15), não haveria razão para esperar alcançar a ressurreição,<br />

pois ela viria automaticamente. Por isso, aqui Paulo deve estar<br />

falando da "verdadeira" ressurreição, ou seja, a ressurreição dos justos (Rm


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

8.11). Paulo não nega uma ressurreição geral; apenas enfatiza a ressurrei-<br />

ção dos fiéis.<br />

5. APROVEITAMENTO HOMILÉTTCO - ALGUMAS REFLEX~ES<br />

O período pós-Pentecostes é, de modo geral, um tempo em que se<br />

enfatiza o crescimento na fé, a vida da igreja, o risco de investir os talentos,<br />

como lembra o evangelho deste domingo, Mt 25.14-30. Agora, nunca é demais<br />

quebrar essa expectativa e voltar a um tema que dá sustentação a tudo<br />

isso, a saber, a justiça que nos vem de Deus, por meio de Cristo, pela fé.<br />

Fazendo um contraponto com o evangelho do dia (Mt 25.14-30), tem-<br />

se um interessante paradoxo: na parábola, quem se mexe ou investe, acaba<br />

elogiado e recompensado; quem se encolhe e enterra o talento, acaba nas<br />

trevas exteriores. Já a epístola lembra que as credenciais e o esforço de<br />

Paulo perdem seu valor diante do valor maior que representam o conheci-<br />

mento de Cristo, o ser achado nele e receber a justiça que vem de Deus. A<br />

chave está em Mt 25.24: "sabendo que és homem severo". Ou seja, aquele<br />

servo tem uma visão legalista de Deus e acaba sendo tratado segundo a lei.<br />

Quem vive do amor de Deus, investe com ousadia e liberdade, ou seja, vive<br />

a vida cristã na certeza de que nada pode ter um valor maior do que ser<br />

achado em Cristo e ter a justiça baseada na fé.<br />

C/llson Scholz


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

DÉCIMO PRIMEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES<br />

Romanos 9.1-5; 10.1-4<br />

15 de agosto de 2004<br />

1. EVANGELHO DO DIA<br />

O evangelho (Lc 19.41-48) apresenta Jesus no seu caminho para<br />

Jerusalém, ou seja, no roteiro da consumação da obra redentora, cuja narrativa<br />

inicia em 9.5 1. Jesus está montado no jumentinho, sendo aclamado como<br />

Rei. Aproxima-se de Jerusalém pelo lado oriental, descendo o Monte das<br />

Oliveiras. É uma vista bonita, com o templo majestoso em primeiro plano.<br />

Mas, diante do belo e do imponente, Jesus chora. Anarrativa bíblica diz que<br />

Jesus chora apenas duas vezes: uma na ressurreição de Lázaro e ali é de<br />

alegria; a outra é em nosso texto e aqui é de tristeza. Seu choro tem dois<br />

motivos: Jerusalém será destruída (a profecia se cumpre quando os romanos<br />

tomam a cidade no ano 70 AD) e a razão é evidente no v. 44, a saber,<br />

"porque não reconheces a oportunidade da tua visitação". No início do cap.<br />

19, Zaqueu, "filho de Abraão", reconhece em Jesus a sua salvação. Jesus e<br />

salvação são sinônimos. Hoje é o dia da visitação. Visitação tem a ver com<br />

salvação. No evangelho de hoje os filhos de Abraão são outros. Deus os<br />

está visitando na pessoa de Jesus, o Messias, mas eles não o reconhecem e<br />

o rejeitam. A purificação do templo é para demonstrar a relação do templo<br />

com o próprio Cristo: "A minha casa...". Ligando-se ao templo, Cristo se<br />

mostra como Deus. Mesmo assim, nada feito. Contudo, "todo o povo, ao<br />

ouvi-lo, ficava dominado por ele". Hoje é o dia da salvação.<br />

2. CONTEXTO<br />

Romanos 9.1-5 - Esta perícope inicia a terceira grande divisão da<br />

epístola de Paulo aos Romanos (cap. 9-1 1). Aprimeira apresenta a justificação<br />

(cap. 1-4) e a segunda a santificação (cap. 5-8). Os cap. 9-1 1 tratam da<br />

questão da relação de Deus com a nação Israel. O capítulo 8 termina com<br />

uma nota de certeza. Os que são salvos são cor~hecidos e predestinados por<br />

Deus. Estes estão certos de que esta convicção os levará a glória e que<br />

nada os poderá separar do amor de Deus. E agora, a pergunta: O que dizer<br />

dos israelitas? Não poderiam mais fazer parte do povo escolhido como o<br />

foram no Antigo Testamento? No cap. 9 o apóstolo quer mostrar que se<br />

120


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

esse povo como tal tivesse sido eternamente predestinado por Deus para a<br />

condenação, Paulo não poderia interceder por eles porque estaria invadindo<br />

o terreno da majestade divina. A verdade é que Deus quer salvar também<br />

os israelitas.<br />

O apóstolo Paulo é fascinado pelo seu amor a Cristo e também pelo<br />

seu amor para com os irmãos israelitas. Os israelitas receberam esta gran-<br />

de dádiva de Deus, esta privilegiada herança divina de ser povo de Deus e,<br />

entretanto, rejeitaram a Cristo como Messias. Paulo fala de Israel, mas fala<br />

sem rancor, apesar de trazer no corpo as marcas da maldade de Israel (cf.<br />

2Co 11.24) e, em breve, seria novamente exposto ao ódio fanático "dos<br />

rebeldes que vivem na Judéia" (1 5.3 1). O apóstolo fala não com a malícia<br />

de alguém que se alegra com o destino fatal de um povo que o lançou fora,<br />

uma espécie de Schadenfreude. Não, Paulo fala com afeto, sim, mas com<br />

grande tristeza, dor no coração, desejando até separar-se de Cristo por amor<br />

a seus irmãos separados. Cristo é para todos, também para os israelitas.<br />

Fundamentalmente, a carta aos Romanos é um tratado não apenas da justi-<br />

ficação e santificação, mas também um tratado sobre a teologia da missão<br />

e evangelismo.<br />

3. TEXTO<br />

Vv. 1-3: O apóstolo demonstra sua profunda tristeza e "incessante dor no<br />

coração" por causa do destino dos seus irmãos "segundo a carne".<br />

Paulo os chama de "irmãos": este é um título empregado no NT normalmente<br />

para designar a unidade dos cristãos. Esta é a única vez que<br />

Paulo usa o termo ao se referir aos israelitas. A dor do apóstolo sobre o<br />

destino de seus irmãos "segundo a carne" é tão profunda que o apóstolo<br />

tem o desejo de ocupar o lugar deles, se isto fosse possível. "Anátema"<br />

é uma palavra equivalente a hevem no AT, ou seja, parte do espólio<br />

que é destinado exclusivamente para Deus e que deve ser sacrificado a<br />

ele. Alguns afirmam que o "anátema" tem um aspecto mais negativo do<br />

que herem, enfatizando-se a destruição e maldição. Nesse sentido Paulo<br />

seria "separado de Cristo". O amor do apóstolo pelos seus irmãos o<br />

leva a assumir um sacrifício vicário para que eles pudessen~ ser salvos.<br />

Mas Paulo sabe que o seu amor, nessa dimensão, embora cristão, não<br />

alcançaria os resultados almejados. Paulo sabe que apenas a vida do<br />

"homem Cristo Jesus" (1Tm 2.6) pode servir de resgate para todos os<br />

seres humanos.<br />

V. 4: A palavra é "israelitas", não "judeus". Como sabemos, no AT não há<br />

"judeus", senão "judaítas", designação dada aos habitantes de Judá depois<br />

do exílio e que não carregava as conotações religiosas negativas ao


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

tempo do NT. O termo "israelita" aqui no texto nos transporta para o<br />

AT, atrelando o povo a "Israel", ou seja, o povo de Deus no AT e porta-<br />

dor das Suas promessas. "Adoção" implica uma relação não natural.<br />

Envolve escolha. Israel não tinha méritos para ser povo de Deus. Nin-<br />

guém pode explicar a eleição de Israel como povo de Deus, assim como<br />

ninguém pode explicar a minha e tua eleição. Apenas a graça de Deus<br />

é o instrumental e a certidão de batismo é a prova de que somos filhos<br />

adotados por Deus.<br />

"Glória" tem a ver com a manifestação visível de Deus em meio ao<br />

Seu povo (Êx 16.10; 33.22; 40.34; 1Rs 8.1-11). O termo, no AT, é um dos<br />

mais importantes para indicar a manifestação pré-encarnada de Cristo e<br />

que tem sua culminância na Sua própria epifania como Deus-homem (Jo<br />

1.14).<br />

"Alianças" - o plural parece aglutinar as diversas alianças que Deus<br />

fez com o Seu povo nos diversos períodos da História da Salvação, ou seja,<br />

com Noé (Gn 9.9), com Abraão (Gn 17.2), com Moisés (Êx 24.4), com<br />

Josué (Js 8.30s) e com Davi (2Sm 23.5). "Legislação" - o termo vopoe~oia<br />

é melhor traduzido pela NTLH: "lhes deu a lei". "Lei" aqui não tem nenl~u-<br />

ma conotação legalista. Seu sentido é melhor entendido se o traduzirmos<br />

por "Palavra de Deus" recebida pelo "ministério de anjos" (At 7.53), no<br />

monte Sinai.<br />

O v. 5 tem sido objeto de muito debate. Na verdade, o v. não é uma<br />

doxologia. É, antes, uma afirmação da divindade de Cristo, como ocorre em<br />

2C011.31. O Cristo que descende dos seus irmãos "segundo a carne" é<br />

também o verdadeiro Deus.<br />

Cap. 10.1 fala sobre a salvação dos israelitas. Embora tenham "tro-<br />

peçado na pedra de tropeço" (9.32), os judeus não estão predestinados a<br />

ira. Se assim fosse, Paulo não poderia desejar por eles nem mesmo por eles<br />

interceder, pois estaria invadindo o terreno da majestade divina.<br />

Nos vv. 10.2-3, "zelo" é sinônimo de "entusiasmo". Mas entusiasmo<br />

sem "entendimento" pode levar a resultados desastrosos. Franzmann diz<br />

que "quando o zelo não é iluminado por conhecimento claro de seu objeto e<br />

alvo, concentra-se no eu do homem" (A Carta aos Romanos, p. 152). Sem<br />

o conhecimento da justiça de Deus, o ser humano apega-se a sua própria<br />

justiça, as suas próprias obras. É o que ocorre com os judeus ao tempo de<br />

Paulo, ao povo judeu em grande parte ainda hoje bem como aos gentios de<br />

uma maneira geral. A fé é absolutamente necessária; sem ela não se obtém<br />

a justiça de que o apóstolo fala.<br />

V. 4: Uma palavra de Melanchthon (Commentary on Romans, p. 195)


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

resume o sentido do v.: "O fim da lei é Cristo", ou seja, seu cumprimen-<br />

to e consumação. Cristo dá o que a lei exige. Aquele que crê em Cristo<br />

tem o que a lei exige -justiça por imputação - e esta livre do pecado e<br />

da morte".<br />

4. SUGEST~ES DE APLICAÇÁO<br />

1. A ênfase do apóstolo no texto é a preocupação com a salvação dos<br />

judeus. Este, sem dúvida, é um momento para despertar no povo de<br />

Deus, especialmente os luteranos, o sentimento de tristeza pelo destino<br />

eterno daqueles que ignoram a Cristo como Messias. Um dos ingredientes<br />

da missão entre os judeus hoje começa com a "dor no coração",<br />

ou seja, sensibilidade, afetividade e não Schadenjreude. Todo projeto<br />

missionário começa pelo amor as pessoas que são objeto da missão.<br />

(Isto não significa que haverá reciprocidade em termos de afeição )<br />

Neste aspecto nos unimos a Paulo (9.2) e ao próprio SENHOR Jesus<br />

Cristo (Lc 19.41-44). Nossa resposta em santificação ao amor (escolha)<br />

de Deus em nós é amar as pessoas e procurar levar Cristo, o<br />

Messias, para elas.<br />

2. Nossas atitudes pecaminosas contrastam com a graciosa atitude de<br />

Deus que demonstram tristeza de um lado e amor de outro pelos judeus,<br />

gentios e todos os não-cristãos. O amor de Deus se manifesta na sua<br />

entrega em favor de nós e de todos os seres humanos. Paulo gostaria<br />

de ser anátema, separado de Cristo, se tal atitude pudesse redentora-<br />

mente beneficiar seus irmãos segundo a carne. Na verdade, Cristo se<br />

tornou anátema e foi separado do Pai para que a nossa salvação e a de<br />

todos pudesse ser adquirida.<br />

3. Fora da justiça de Cristo, o ser humano, no seu desespero, busca a<br />

sua própria justiça. Diante de Deus ela é inócua porque leva ao<br />

legalismo individual e coletivo. O problema do legalismo não foi só<br />

dos judeus ao tempo de Jesus e, quiçá, do nosso tempo. O legalismo<br />

está sempre presente como uma tentação também para os cristãos de<br />

todos os tempos. E comum hoje encontrar crentes legalistas que não<br />

se apercebem da incoerência de suas posições: confiam em Cristo<br />

como Salvador, mas sentem que precisam fazer algo para merecer a<br />

salvação. Pastores se debatem com esse problema em suas congre-<br />

gações. Parece que a soteriologia legalista do romanismo, espiritismo<br />

etc., ainda influencia a vida de fé dos membros. Problemas de de-<br />

pressão espiritual têm, por vezes, como raiz, uma apreensão defeituo-<br />

sa e distorcida da justificação pela fé. Ademais, na evangelização do<br />

povo brasileiro é imprescindível focalizar que Cristo põe fim a tendên-


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

cia humana de pensar que se pode "comprar" com obras a eterna<br />

salvação.<br />

4. Cristo é o centro também do AT. Tanto cristãos quanto judeus precisam<br />

ter consciência de que Cristo é para todos, tanto para cristãos como<br />

para judeus e gentios. Lutero diz que fora de Cristo ninguém pode co-<br />

nhecer a Deus. Os cristãos não devem assumir uma posição arrogante<br />

diante dos não-cristãos; ao contrário, devem manifestar inquietude,<br />

intranquilidade diante da situação e, sobretudo, demonstrar amor e afei-<br />

ção para com eles mas, por outro, precisamos ser assertivos no sentido<br />

de lhes mostrar que só há um único Cristo, um único Messias, Rei e<br />

Salvador.<br />

Acir Raymann


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

1. NOTAS INTRODUT~RIAS<br />

Apesar de breve, a Epístola de Pcdro tem muito a dizcr sobrc a obra do<br />

Senhor Jesus Cristo e a vida cristã. Os recipientes da carta são lembrados que<br />

sua regeneração não aconteceu com dinheiro ou outros bens, mas com o precioso<br />

sanbac do Filho de Deus (1 Pc 1.19). Não pode haver clareza maior nas<br />

palavras do apóstolo: "...pois também Cristo sofreu em vosso lugar ... carregando<br />

ele mesmo em seu corpo, sobrc o madeiro, os nossos pecados.. " (1 Pe<br />

2.2 1,24). A obra dc Jesus Cristo crn favor da humanidade está consumada.<br />

Porém, a vida continua c essa obra de Cristo parccc que cstava<br />

começando a ser ofuscada pelas constantes provações e tribulações a que<br />

este povo cstava seiido submetido. A alegria da salvação estava sendo aba-<br />

fada e substituída por apreensões c ansiedades. Por isso, Pcdro começa<br />

afirmando que no Senhor ressurreto há esperança (1.3), segurança (1.4) c<br />

alegria, apcsar dc tudo (1.6). Além disso, o valor da fé é incontestável e é<br />

urna preciosidade (1.7; 2.7) e que, apcsar de tudo, ela pode ser vivida em<br />

temor diante de Deus (1.17; 2.17), desejando a Palavra para crescer (2.2),<br />

amando ao Senhor Jesus (1.8) e vivendo de maneira sóbria na sociedade,<br />

emprego, família c igreja (2.1; 2.11 -1 9; 3.1-7; 3.8-12).<br />

2. TEXTO<br />

Já em tom de despedida, Pcdro faz as últimas rccoincndaçõcs ao<br />

povo resgatado de Deus, mas que cstava vivendo desconfiado, em perigo<br />

de desistir da fé c viver a alegria da salvação, por causa das constantes<br />

adversidades.<br />

V. 5b: O princípio da humildade vale para todas as idades e posições.<br />

Tendo aconselhado aos presbiteros c aos jovens a vivê-la (5.1 -5a), Pcdro<br />

agora passa a dirigir suas palavras a todas as pessoas. O conceito de<br />

"se vestir" aparece em outros textos - Rin 13.12, vestir-se com as


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

armas da luz; Ef 6.1 1, com a armadura de Deus; C1 3.12, de atos bondo-<br />

sos e 1 Ts 5.8, da fé e do amor.<br />

Humildade é uma das virtudes mais recomendadas para os cristãos<br />

vestirem. Ela demonstra uma atitude de serviço aos irmãos (At 20.19; Ef<br />

4.2). Em contraste com a cultura contemporânea, que muitas vezes quer<br />

fazer prevalecer o direito individual, Pedro reforça o ensino de se levar em<br />

conta o interesse dos outros (Fp 2.3-4). Para justificar seu conselho, ele<br />

indica Pv 3.34, cujo ensino é de que Deus se opõe aos arrogantes, mas aos<br />

humildes concede a sua graça e favor (Lc I .5 1-52).<br />

V.6: Diante da adversidade, resistir não é a solução. Infortúnios também<br />

acontecem pela vontade de Deus (3.17; 4.19). O caminlio é se submeter<br />

a poderosa mão de Deus, que no tempo certo honrará seus filhos. O uso<br />

de "mão de Deus" tem sua origem no Antigo Testamento e essa figura<br />

lembra tanto o cuidado e os atos de libertação de Deus (Êx 6.1; 13.3; Dt<br />

9.26), bem como seus atos de julgamento (Jr 21.5; Ez 20.33-34). Os<br />

escritores do Novo Testamento também se utilizaram dessa imagem para<br />

falar de Deus em ambos os sentidos (Lc 1.66; At 4.28; 11.21; 13.1 1).<br />

Conseguir enxergar por trás do sofrimento, o cuidado de Deus, pode não<br />

ser tarefa fácil, considerando o sofrimento em si, e também alguns traços<br />

de parte da teologia contemporânea, cuja linha quase sempre sugere a<br />

prosperidade física e material como sinais da exaltação divina.<br />

V.7: Ansiedade é uma força contraproducente em dias de tribulação. Em<br />

Fp 4.6 o antídoto é a oração. Aqui, em outras palavras, a solução é a<br />

mesma. Pedro diz que se humilliar diante de Deus é descarregar diante<br />

dele (ou sobre ele, se olharmos para o mesmo verbo utilizado em Lc<br />

19.35), todas as preocupações e ansiedades, pois é Deus que toma<br />

cuidado e se preocupa com tudo isso. Quando as pressões batem a<br />

porta, a saída não é ansiedade, mas a entrega a Deus Pai, que adminis-<br />

tra a vida do seu povo, conferindo poder para vencer as dificuldades e<br />

garantir o cuidado e a segurança.<br />

V.8: Essa é a terceira vez que Pedro diz que é preciso estar alerta e ficar<br />

acordado (1.13; 4.7). Nas entrelinhas o apóstolo pode estar reconhe-<br />

cendo sua própria dificuldade em se manter fiel em momentos difíceis,<br />

como do Getsêmani (Mt 26.36-46). É interesse do diabo destruir a fé<br />

dos cristãos e ele pode se utilizar desses momentos de ansiedade como<br />

fortes aliados a fim de semear a dúvida no coração dos filhos de Deus.<br />

Atrás do sofrimento pode estar o poder do mal como concorrente mor-<br />

tal do povo de Deus.<br />

Aqui vale a pena referir o perigo que pode existir em subestimar a<br />

força do príncipe do mundo e adversário dos cristãos. É verdade que não<br />

126


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

podc~nos lhc atribuir mais podcr quc clc rcalmcntc tem, mas não podc~nos<br />

dcsconsidcrar sua csfcra dc ação, nem considcrá-lo um inimigo ncutro. Ele<br />

está na árca c o pcrigo podc auincntar cm tcmpos dc crise.'<br />

Duas situaçõcs cxigcm cstado dc alcrta: I. O rctorno iminente de<br />

Cristo; 2. os possíveis "tcstcs da fé", quc podcm vir através do rival, ou<br />

pressõcs extcrnas c intcrnas. Para aclarar: cm 1 TI^ 3.7 c 2 Tm 2.26, o<br />

diabo pode agir como armadilha, aqui como Icão quc rugc, inimigo do Evan-<br />

gelho (2 Tin 4.17) c quc não pára (Jó 1.7). Não há como "cochilar" cspiri-<br />

tualincntc.<br />

Nos dias atuais cxistcm alguns que prcfcrcm personificar Satanás<br />

como força iinpcssoal prcscntc no materialismo, nas drogas, no consumismo<br />

cxagcrado. O fato C quc uma força pcssoal pode sc aproveitar dcstas situ-<br />

ações para empreender seu alvo de fazer os cristãos apostatarem.<br />

V.9: Pcdro cscrcvc para todos sc submctcrcm as autoridades (2.13-14), a<br />

Dcus (5.6) c as esposas aos maridos (3. l), mas ninguém, c nunca ao diabo.<br />

A ele é preciso resistir firn~ernente na fé. Fé aqui possivelmente não C no<br />

sentido doutrinário (1 Tm 1.19; 6.2 I), mas como confiança cm Dcus.<br />

Aqui C intcrcssantc obscrvar quc o sofrimcnto não tcm frontciras,<br />

não é só "cu", ncrn somos só "nós", o que poderia fazer parecê-lo injusto,<br />

mas ele também é globalizado e inseparável de toda comunidade cristã.<br />

V. 10: É pela graça que Deus guia seu povo e da qual tudo procede. É por cla<br />

quc já sc faz partc da glória eteina (1 Pe 4.14). Pedro aqui retoma a idéia<br />

de ser chamado por Deus (1.15; 2.9,2 1). O chamado de Deus é concreto<br />

c a glória pode ser entendida em ser co-participante dos sofriinentos de<br />

Cristo (4.1 3-14; 5.1), elou mesmo estar em Cristo. Deus está pessoalmente<br />

envolvido e transformará o mal da aflição em bem. Através do<br />

sofrimento Deus efetuará os rcparos produzindo no cristão iiin caráter<br />

cstável, firmará sua fé, vai deixá-lo forte e lhe dará segurança.<br />

Pcdro não miniiniza os sofrimcntos, mas Icinbra quc há limitcs cstabelccidos<br />

por Dcus c o scu tcinpo C rcduzido (4.17), em comparação com a<br />

eterna glória que há de vir.<br />

V. 1 I : Essa parece ser uina abreviação da doxologia cncontrada cin 4.11.<br />

Depois de escrever sobre os planos amorosos e paternos de Deus para<br />

com seus fillios que sofrem, o louvor C a Dcus ctcrnamcntc. Louvor<br />

que funciona também como uina garantia adicional para o quc foi dcs-<br />

crito c promctido até aqui.<br />

' E intci-cssnritc rclcr o qiic dizciii as Corifissócs 1.iitcrnrins sohrc n nç5o tlc Sniniiis.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

3. SUGEST~ES HOMILÉTICAS<br />

Nas declarações do Planejamento IELB 2010, um dos itens estabelecidos<br />

é "sermos uma Igreja Luterana Confessional que vai ao encontro das<br />

necessidades das pessoas". Uma pregação sempre deveria ser dirigida para<br />

as reais necessidades dos ouvintes e o Evangelho de Jesus Cristo aplicado<br />

de acordo com situações e problemas específicos do povo de Deus. Infelizmente,<br />

por uma série de fatores, pode ser que em algumas pregações se<br />

tem enfatizado sistematicamente muito mais conceitos doutrinários, e pouca<br />

aplicação a vida do ser humano. Não se pode minimizar o ser humano. É<br />

preciso vê-lo como alguém com necessidades físicas, materiais e espirituais.<br />

O modelo de se fazer apenas uma exegese do texto bíblico deve ser<br />

revista. David Smith escreve que, como o apascentador das almas do povo<br />

de Deus, o pastor precisa também fazer uma exegese da sua audiência. Ele<br />

precisa levar em conta a experiência diária do seu povo.2 E, nesse sentido,<br />

cabe ao pastor fazer aquilo que revelou uma pesquisa sobre a expectativa<br />

que o povo leigo tem de seus pastores: a resposta mais frequente foi de que<br />

os membros desejam que seus pastores os conheçam melh~r.~<br />

Charles Arand lembra que o objetivo de Lutero com os Catecismos<br />

é que estes sirvam de acompanhamento a vida do cristão desde a pia batismal<br />

até o túmu10.~ As pregações também deveriam ser assim. O povo de Deus<br />

precisa ser ensinado em nossas pregações a viver bem e a morrer bem. Ele<br />

precisa ficar sabendo que o Evangelho de Jesus Cristo é poder de Deus<br />

para salvação de todo aquele que crê e que sua força prepara o ser humano<br />

para a vida na terra e no céu. É saúde para a alma e para o corpo. E<br />

aplicável para pecadores em suas ansiedades, medos, angustias, desajustes<br />

familiares, estresse, etc.<br />

A sugestão para este texto de Pedro é fazer, em forma de conversa,<br />

uma explanação de cada versículo, tendo também um momento de fazer<br />

uma ponte com o Evangelho do domingo (Lc 18.9- 14). O objetivo central<br />

poderia ser focado em devolver ao povo de Deus a alegria e a esperança da<br />

salvação.<br />

Anselmo Ernesto Grajj<br />

' Rcv. David S. Stnith, no Concordia Pulpit Resourccs, Volurnc I I, Part 3, 2001. p. 2.<br />

' Rcv. Eldon Wcishcit, no Concordia Pulpit Rcsourccs, Volumc 1, Part 3. 1991, p.2.<br />

' Arand, Charlcs. Thnt I May Be His Own. An Ovcrvicw of Luthcr's Catcchisms. CPH, 2000, p.<br />

11 5. Araiid C professor dc Sistemática do <strong>Seminário</strong> <strong>Concórdia</strong> dos Estados Unidos.


DÉCIMO TERCEIRO DOMINGO<br />

Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

APÓS PENTECO~S<br />

2 Corintios 12.6-10<br />

29 de agosto de 2004<br />

Alegria nas fraquezas<br />

1. CONTEXTO<br />

Paulo fundou a igreja de Corinto durante sua segunda viagem<br />

missionária. Ao longo de dezoito meses pregou o evangelho de Cristo nesta<br />

cidade. A igreja vivia numa Corinto que se destacava pela riqueza, pelo alto<br />

comércio e pela cultura grega. Mas também tornou-se conhecida como a<br />

"cidade dos pecados" e da imoralidade. Era uma sociedade corrupta. E os<br />

cristãos, no meio das tentações, praticavam pecados com naturalidade.<br />

A esta igreja Paulo escreve duas Epístolas. Há pesquisadores que<br />

acreditam o apóstolo ter escrito quatro Cartas para a igreja de Corinto.<br />

Duas se perderam. Duas se encontram no Novo Testamento. Não são do-<br />

cumentos dogmáticos, como Romanos e Gálatas. Mas são Cartas de cunho<br />

prático e pastoral. Abordam, fundamentalmente, duas grandes questões: a<br />

necessidade de os cristãos viverem uma vida santificada, e a defesa que<br />

Paulo faz de sua autoridade apostólica, a qual era questionada por muitos<br />

paroquianos.<br />

Em nossa perícope - 2 Co 12.6- 10 -Paulo fala sobre seu apostolado<br />

e aponta detalhes sobre o orgulho, sobre a autoglorificação, sobre sua en-<br />

fermidade, sobre os perigos que enfrentou no exercício de seu ministério<br />

pastoral no "mundo dos gentios", sobre a alegria nos sofrimentos e fraque-<br />

zas e sobre a histórica resposta que recebeu de seu Deus: "A minha graça<br />

te basta".<br />

2. TEXTO<br />

Gloriar-se (kaúxee - vv. 1,5,6,7,9) - Significa falar de si mesmo,<br />

exaltar-se a si mesmo, exibir suas virtudes e qualidades, engrandecer-se,<br />

louvar-se, orgulhar-se, gabar-se - revelando vaidade e soberba.


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

Paulo diz que ele poderia se exaltar e se gabar, pois tinha muitas<br />

razões para fazê-lo: as visões, as revelações surpreendentes, o arrebata-<br />

mento até o terceiro céu ou paraíso, as palavras inefáveis e extraordinárias<br />

que ouviu (vv. 1,2,4) - experiências indiscritíveis. Se o fizesse, diz o após-<br />

tolo, estaria apenas falando a pura verdade (v. 6), e provando seu apostolado,<br />

sua autoridade de ministro de Cristo aos "super-apóstolos", falsos mestres,<br />

que o criticavam. Mas não o faz.<br />

Paulo dá uma lição de modéstia e humildade para os "cristãos, mes-<br />

tres e pastores de hoje". Ele desvia de si a autoglorificação e transfere toda<br />

honra e glória a Deus. Parece conhecer o provérbio: "Louvor próprio cheira<br />

mal" ("Eigenlob stinkt"). Cristo fala sobre: "Quem se exalta ... quem se<br />

humilha ..." A lição de Paulo quer ser aprendida e praticada.<br />

Espinho (skólops - v.7) - É uma estaca para torturas, uma vara<br />

pontiaguda, um tipo de aguilhão para fustigar os bois. É o que significa o<br />

termo. Mas há uma discussão milenar sobre a explicação deste espinho.<br />

Não há concordância entre os pesquisadores. Mas há muitos "achômetros"<br />

que anotamos, como estes: Doença dos olhos (G14.159, depressão, epilep-<br />

sia, doença crônica, moléstia com acessos imprevisíveis. Ninguém sabe pre-<br />

cisar o que seria este espinho.<br />

Paulo confessa que tem um "problema na vida" (parece físico), um<br />

"aguilhão no corpo". E reconhece que este espinho tem um claro objetivo<br />

em sua vida ministerial: "Para que não me ensoberbecesse", "não ficasse<br />

orgulhoso", "não me encher de soberba", "esvaziar o meu orgulho".<br />

Paulo aprendeu e compreendeu o propósito do espinho em sua vida -<br />

nada de orgulho, vaidade, soberba, mas l~umildade no trabalho do reino de<br />

Deus. Deus ainda usa ou permite "espinhos" em nossas vidas. Você conhece<br />

muitos. Eu também. Mais uma lição de Paulo para nós.<br />

Graça (xáris - v.9) - Termo repetido milhares de vezes na Escritura.<br />

Tem significado amplo. Sempre se refere a ação de Deus. Sempre Deus em<br />

direção aos homens. Sempre em favor de Deus. Sempre um presente que vem<br />

do coração de Deus e engloba tudo que envolve o amor, a bondade, a misericór-<br />

dia, as dádivas, a salvação de Deus, revelado em e através de Jesus Cristo.<br />

Paulo pretendia remover o "espinho da carne" de sua vida. E pediu<br />

(pavakaléu), e orou, e suplicou, e clamou, e implorou, e rogou "por três<br />

vezes" ao Senhor para "ficar bom de novo", para "afastar de mim o agui-<br />

lhão". Mas Deus deu uma outra resposta, resposta que virou clássica na<br />

vida de todos os cristãos de todos os tempos, em situações similares: "A<br />

minha graça te basta7', "a minha graça é tudo o que você precisa", "eu estou<br />

com você".


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

E Deus também justifica a sua resposta: "Porque o meu poder se<br />

aperfeiçoa na fraqueza", "isso (graça) é tudo que você precisa", "o meu<br />

poder manifesta-se plenamente na fraqueza", "pois o meu poder é mais<br />

forte quando você está fraco".<br />

A lição que Deus dá a Paulo é muito apropriada para nós - e repleta<br />

de amor e do consolo de Deus.<br />

Alegria (eudokéu - vv. 9 e 10) - Termo bastante rico, e pode signi-<br />

ficar: sentir prazer, ânimo, comprazer-se, concordar com vontade, estar sa-<br />

tisfeito, ter satisfação, sentir orgulho, alegrar-se, sentir-se feliz. Tradução:<br />

"Eu sinto prazer", "eu me orgulharei", "sinto-me feliz", "estou feliz", "eu me<br />

comprazo", "eu me sinto mui feliz", "eu me alegro".<br />

Paulo compreende, aceita, se conforma e se alegra com a resposta<br />

do Senhor Deus. É uma atitude ou sentimento contraditório ou paradoxal.<br />

Mas ele justifica esta sua atitude: "para que sobre mim repouse o poder de<br />

Cristo" e "por amor de Cristo" (vv. 9 e 10); "estou feliz ... vivo do poder de<br />

Cristo" e "tudo é para o bem de Cristo", "por causa de Cristo". O apóstolo<br />

aprendeu a orar com alegria: "Pai, seja feita a tua vontade". Ele lembra o<br />

que Cristo l~avia dito: "Paulo, serás para mim um instrumento escolhido ... eu<br />

te mostrarei quanto importa sofrer pelo meu nome" (At 9.15). Em outra<br />

oportunidade Paulo confessa: "Eu aprendi a viver contente em toda e qualquer<br />

situação" (Fp 4.7). E então recomenda: "Alegrai-vos sempre no Senhor;<br />

outra vez digo, alegrai-vos" (Fp 4.4) - Que lição de vida cristã sob a<br />

graça de Deus!<br />

3. Drs~os~çÁo<br />

EU ME ALEGRO COM AS FRAQUEZAS (v. 10)<br />

Por quê? Quais são as razões ou motivos?<br />

INTRODUÇÁO<br />

Há verdades bíblicas que se apresentam paradoxais:<br />

1 - Paulo confessa em Rm 8.28: "Todas as coisas cooperam para o bem<br />

daqueles que amam a Deus".<br />

2 - Paulo confessa em Fp 4.11: "Porque eu aprendi a viver contente em<br />

toda e qualquer situação".<br />

3 - Paulo confessa em nossa perícope: "Eu me alegro também com as<br />

fraquezas".<br />

Por quê?


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

1 - Porque nas minhas fraquezas eu aprendo a humildade (vv. 6 e 7)<br />

Falar sobre:<br />

os paradoxos na vida dos cristãos<br />

as verdades nos vv. 1-6<br />

o espinho, as enfermidades<br />

o significado de alegria<br />

a palavra de Cristo em Lc 14.11: "Se exalta ..."<br />

11 - Porque nas minhas fraquezas se manifesta a força de Deus (vv.<br />

9 e 10)<br />

Falar sobrc:<br />

. o que é fraqueza<br />

o que é poderlforça de Deus<br />

palavras de Cristo em Jo 15.5: "Sem mim nada podcis fazer"<br />

as palavras de Paulo em 2 Co 3.5: "a nossa suficiência vem de Deus"<br />

o que diz o hino 478: "Do poder de Deus...".<br />

111 - Porque nas minhas fraquezas valorizo a graça de Deus (v.9)<br />

Falar sobrc:<br />

o significado da palavra graça<br />

a salvação pela graça (Ef 2.5-9)<br />

o preço e valorização da graça de Deus<br />

a graça no Calvário<br />

IV -Porque nas minhas fraquezas cresce a minha confiança em Cris-<br />

to (vv. 9 e 10)<br />

Falar sobre:<br />

a necessidade do crescimento espiritual<br />

o "repouse sobrc mim o poder de Cristo"<br />

o "sinto prazer por amor de Cristo7'<br />

as fraquezas do v. 10<br />

o que Paulo diz em Rrn 8.35-39: " Somos mais que vencedores"<br />

Conclusão<br />

"Entrega o teu caminho ao Senhor ..." (Salmo 37.5)<br />

"Corrainos ... olhando Jesus" (Hb 12.2)<br />

"Tome a sua cruz e siga-me" (Mc 8.34)<br />

Uma IELB mais feliz e alegre


Igreja Luteraiia - 11" 1 - 2004<br />

DÉCIMO QUARTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES<br />

I Jíoão 4.7-11<br />

05 de setembro de 2004<br />

1. CONTEXTO<br />

O propósito central do apóstolo João nesta sua primeira epístola é<br />

tcstcrnuiihar a respeito do "Verbo der Vider " ( I. I), da fé ein Jesus Cristo e a<br />

conseqüente certeza da vida eterna, incquivocaincntc garantida "a vcís<br />

outros que cre&s em o nome do Filho de Deiw " (5.13).<br />

O conhecimento, a convicção, a crcnça, a certeza de que "Deus c!<br />

amor" (4.8) - amor cssc que se manifesta "em haver Deus enviado o seu<br />

Filho Unigênito ao mun h... " (4.9) - leva a concluir que: "amar é conhecer<br />

a Deus" (4.8) c que essa cornunhão com Deus se transforma autoiiiaticainente<br />

e imediatamente em algo concreto, visível, pcrccptívcl na<br />

vivência do amor fraterno, ou seja, do amor "ims LIOS íoz/tros " (4.1 1 ).<br />

2. TEXTO<br />

V. 7: "Amados, amemo-nos uns LZOS ozltro.~~, porque o crmor proc~eui. de<br />

Deus; e lodo aquele que ama c! nascido de Deus e conhece a<br />

Deus ". Sem dúvida, c um dos mais belos, poderosos c afetuosos apelos<br />

do Novo Testamento. Trata-se do ainor fraternal, do ainor para com as<br />

pessoas que C cstabclccido (que surge) a partir da fé. I? Deus que cria<br />

esse amor no coração e esse ainor passa a ser um reflexo do amor de<br />

Dcus na vida daqueles que aprenderam, conhcccrarn e crcraiii nesse<br />

amor de Deus. Caracteriza a assim denominada nova crzalura I? resultado,<br />

C fruto da fc, ou seja, da percepção, do conheciinento, da<br />

crcnça na salvação de Dcus.<br />

V. 8: "Aquele que nMo ama nMío cíonhece LI Deils, pois Bez/.s é amor".<br />

Onde não lia ainor na direção dos outros ii~obilizando a vida de algucrn,<br />

certamente não há nem conhecimento, ncin fé na obra salvadora do<br />

Deus que busca e salva cada ser humano arrependido dos seus pecados.<br />

V. 9: "Nisto se man~festoz/<br />

o crmor de Deus em ncís: enz haver Deils<br />

envicrdo seu Filho zlnigênilo ao mundo, para vivermos poi. meio<br />

dele". Dcus é a pcrsoniticação, a cncarnação (em Cristo), a fonte do


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

amor. Do céu, Deus enviou "o seu Filho unigênito" para esse mundo<br />

onde imperam a corrupção, o pecado e a morte, para nos salvar, resga-<br />

tar da condição de perdidos e condenados e nos restaurar, pela fé, a<br />

condição de verdadeiros filhos e filhas, garantindo, assim, completa e<br />

eterna vida espiritual. Notícia aparentemente simples, porém, decisi-<br />

va existencialmente falando. A mais poderosa e confortadora notícia de<br />

todos os tempos: Deus ama concretamente a humanidade, incondi-<br />

cionalmente, pelo envio, por intermédio de seu Filho, nosso Sal-<br />

vador e Senhor Jesus Cristo.<br />

V. 10: "Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a<br />

Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como<br />

propiciação pelos nossos pecados". Todo mérito, todo orgulho hu-<br />

mano estão excluídos. O amor não surge do pensamento, da razão, do<br />

esforço humanos. E exatamente o contrário: enquanto ainda pecado-<br />

res, enquanto ainda inimigos de Deus (Rrn 5.8), Deus nos amou. Uma<br />

perfeita salvação e redenção foi conquistada para todos e todas as<br />

bênçãos e benefícios dessa salvação e redenção são recebidos, são<br />

apropriados unicamente pela fé.<br />

V. 11: "Amados, se Deus de tal maneira nos amou, devemos nós tam-<br />

bém amar uns aos outros". O amor de Deus em Cristo é modelo, é<br />

padrão do amor perfeito. Por isso, somos conclamados pelo apóstolo<br />

João a sermos imitadores desse amor. Esse amor precisa nos inspirar,<br />

nos levar, nos constranger a concretizá-lo, a torná-lo real em nossa vida<br />

prática, diária, no convívio, no relacionamento com os outros.<br />

3. PROPOSTA HOMILÉTICA<br />

Deus ama concreta e incondicionalmente a humanidade:<br />

- enviando seu Filho unigênito para ser nosso Salvador e Senhor;<br />

- o amor de Deus, em Cristo, é padrão do amor perfeito;<br />

- sejamos imitadores desse amor uns com os outros.<br />

Norberto Ernesto Heine


DÉCIMO SUCTO DOMINGO<br />

Igreja Luterana - nu 1 - 2004.<br />

APÓS PENTECOSTES<br />

2 Coríntios 6.1-10<br />

19 de setembro de 2004<br />

1. CONTEXTO<br />

As relações de Paulo com a congregação de Corinto são um capítulo<br />

a parte na História da Igreja na era apostólica. Sem entrar em maiores<br />

detalhes, notamos que 2 Coríntios foi escrita após Paulo ter recebido um<br />

relatório favorável de Tito, que vinha de Corinto. Em 2 Coríntios (especial-<br />

mente capítulos 3 a 7) o apóstolo trata do seu ministério, mais do que em<br />

qualquer outra de suas cartas. O texto em estudo pertence a esta seção da<br />

carta que trata especificamente sobre o ministério apostólico. É ainda signi-<br />

ficativo observar que Paulo escreve com um tom polêmico. Sua autoridade<br />

apostólica estava sendo questionada. A segunda carta aos Coríntios é uma<br />

resposta pessoal de Paulo a uma congregação que lhe causava muita preo-<br />

cupação. Dentro de seu cuidado pastoral, foi necessário tratar com mais<br />

profundidade da doutrina do santo ministério. Para Paulo, não era apenas o<br />

seu nome que estava em jogo. Como o ministério é dado por Deus, com o<br />

propósito de proclamar o Evangelho da salvação, ao atacarem o apostolado<br />

de Paulo, seus adversários - na prática - colocavam em dúvida o próprio<br />

evangelho que ele proclamava.<br />

Quanto ao contexto litúrgico, vale lembrar que a Epístola segue uma<br />

ordem própria, nem sempre (quase nunca!) com um tema que corresponda ao<br />

das outras leituras. As leituras do dia (S14; 1 Rs 17.8-16; Mt 6.25-33) anunciam<br />

ao crente que todas as suas necessidades são conhecidas por Deus e por<br />

Ele graciosamente supridas, ao Seu tempo e modo; por isso, não há motivo<br />

para angústia, mas para confiança no Senhor. Há um elemento na Epístola do<br />

dia que pode ser explorado tendo em vista o sermão e que encontrará nas<br />

demais leituras elementos que podem ser utilizados. Por isso, no exame do<br />

texto, abaixo, nos resumin~os a examinar um dos seus aspectos.<br />

2. TEXTO<br />

Upã~ -para não<br />

receberdes em vão a graça de Deus. A graça de Deus é eficaz. Ela<br />

não depende da resposta da pessoa para ter poder. "Não receber em<br />

V. 1: pj E ~ Ç KEVOV mjv X&PIV ZOU OEOU SE~U(J~UI<br />

135


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

vão a graça de Deus" deve ser entendido conforme o contexto. Paulo<br />

falava a pessoas cristãs que, no entanto, estavam sendo influenciadas<br />

por falsos apóstolos, de modo a terem uma atitude negativa quanto a<br />

Paulo. Assim, com esta frase Paulo alerta para o fato de que a incredu-<br />

lidade leva a pessoa a desprezar, para si mesma, a graça de Deus. No<br />

caso dos coríntios, rejeitar o ministério de Paulo significaria rejeitar o<br />

evangelho que ele anunciava e, portanto, a mensagem centrada na gra-<br />

ça de Deus, no Seu amor reconciliador, em Cristo. Isto seria receber a<br />

graça de Deus em vão.<br />

V.2: hÉy~t yáp icatpõ 6~iczõ kxilicouoá oou uai &v qpÉpa<br />

oo~qpia~ kpoqeqoá oot - pois diz: no tempo(oportunidade)<br />

aceitável Cfavorável) te ouvi e no dia da salvação te socorri. É<br />

significativo que o texto inicie por um "pois", fazendo a ligação do que<br />

vem aqui com o que fora dito antes. Paulo e seus companheiros na<br />

proclamação do evangelho estão anunciando aos coríntios a palavra da<br />

reconciliação (5.19). Este é, para os que ouvem esta mensagem, o "tempo<br />

- época - aceitável". ~EKZÕ (favorável) na maior parte das vezes se<br />

aplica a aceitação por parte de Deus - Lc 4.19; At 10.35; Fp 4.18<br />

(exceção - Lc 4.24). Assim sendo, Deus está se manifestando favoravelmente<br />

na palavra proclamada. Paulo cita Isaías 49.8. No profeta,<br />

estas palavras são ditas ao Servo, Jesus Cristo, na Sua obra. Agora,<br />

elas são aplicadas a proclamação do evangelho. O dia da salvação não<br />

é um ato que fica no passado, dependendo que a pessoa se disponha a<br />

"mentalmente voltar no tempo". Na verdade, o dia da salvação se torna<br />

contemporâneo a todas as épocas pela pregação do evangelho salvador.<br />

Isto fica evidente na afirmação seguinte:<br />

i606 vCv ~atpò5 EU~T~Ó~~EKZOS i606 VUV flpÉpa ooaqpia~ -<br />

eis agora o tempo aceitável, eis agora o dia da salvação.<br />

E6xpóoF~iczo~ é sinônimo de ~EKTOÇ. O termo é usado também tendo<br />

Deus como sujeito em Rm 15.16; 2 Co 8.12; 1 Pe 2.5. vCv significa "agora",<br />

"marcando um ponto (ou período) definido de tempo; é o presente imediato<br />

(objetivo). Paulo responde à questão, "Quando será o tempo em que<br />

Deus nos aceitará?", afirmando: este tempo é agora, ou seja, sempre que a<br />

palavra da reconciliação é anunciada.<br />

A maneira como Paulo aplica o texto do Antigo Testamento a sua<br />

proclamação apostólica vem lembrar a urgência que sempre está implícita<br />

no exercício do ministério, que proclama a reconciliação de Deus com o<br />

mundo. No anúncio do evangelho, o reino de Deus se faz manifesto, com<br />

suas bênçãos, de perdão e vida. Esta é a necessidade básica de cada pes-<br />

soa (ver Evangelho do dia) e Deus graciosamente a supre na proclamação


Igreja Lutcrana - nu 1 - 2004<br />

fcita por intermédio daquelcs a qucm o próprio Dcus chamou c enviou.<br />

(Obs.: Para uina cxcgcsc dc todo o tcxto, ver: Igreju Luterunu 561<br />

2, Novembro de 1997, páginas 165-196; ou na página eletrônica do Scininá-<br />

rio <strong>Concórdia</strong> - www.scininarioconcordia.com.br : "2 Coríntios 6.1-10")<br />

3. API,ICACAV IIOMII,ÉI-ICA<br />

Cristãos não vivcin no passado; inas do passado vein a fonte de vida<br />

para hoje. Assim é o evangelho, que traz até nós hojc a obra dc Cristo, fcita<br />

uma vez por todas, e faz dc cada dia "o dia da salvação". Nosso Deus não<br />

fica no passado, convidando-nos a irmos até li, com nossos esforços, boa<br />

vontadc c conccntração (csta c a forma como as rcligiõcs pagãs entendem<br />

a busca humana pclo divino). A fé cristã confessa que Deus vein e se faz<br />

prcsentc cm nossa vida, por Sua graciosa iniciativa c atuação, no cvangclho.<br />

A mensagem sobrc o tcxto dc Paulo aos corintios c uina oportunidade<br />

para cclcbrar cstc fato, da graça dc Dcus, quc atua entrc nós com poder,<br />

ainda quc por meios aparentcinente fracos (a palavra anunciada, a água no<br />

batismo, os clcincntos da Ccia).<br />

Uma tcntação seinprc prcsentc para o pregador é buscar no tcxto-<br />

base do sermão imperativos para o povo (ouvintes). Assim, não raro se<br />

ouve sobre o texto em questão: "Nós, cristãos, somos cooperadores dc Deus;<br />

portanto devemos ...". Além do problema exegético numa aplicação dcstas<br />

(Paulo não rcfcrc o "coopcradorcs" a todos os cristãos, inas a ele e seus<br />

companheiros de proclamação apostólica, enquanto anunciadores do evan-<br />

gellio), ela traz consigo um tom legalista. A sugestão que damos 6 que o<br />

pregador proclame aos seus ouvintes o que Paulo proclamou aos dclc: hoje<br />

é tempo de salvação - Deus está entre nós, cm sua graça, no cvangclho.<br />

Vamos celebrar e viver esta oportunidade!


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

DÉCIMO S~MO DOMINGO<br />

APÓS PENTECOSTES<br />

1 Corintios 15.1-11<br />

26 de setembro de 2004<br />

1. CONTEXTO<br />

O que era a pregação do apóstolo Paulo? Qual o valor dela perante outras<br />

pregações? Eram questões que surgiram dentro da igreja de Corinto. Aliás, entre<br />

outras pregações, havia também uma que negava a ressurreição dos mortos.<br />

O contexto em Corinto leva-nos a pensar sobre a realidade de hoje e<br />

pergunta semelhante i exposta no início aparece repetidamente: qual o va-<br />

lor da pregação dos nossos pastores diante de outras pregações que se<br />

espalham e chegam aos ouvidos do nosso povo? Os pastores pregam o<br />

evangelho de Jesus Cristo, assim como também fazia Paulo. Disso se con-<br />

clui que nunca será demais reafirmar o valor do evangelho, pois Satanás<br />

gosta de provocar "coceiras nos ouvidos" dos cristãos, tentando-os ao de-<br />

sejo de dar atenção a outras mensagens.<br />

Os cristãos de Corinto perseveravam no evangelho, estavam firmes<br />

na confiança na sua mensagem. No entanto, valeria a pena continuar na-<br />

quela atitude? Não seria ele incompleto ou, até mesmo, ultrapassado diante<br />

de outras "verdades" que apareciam? Paulo, por isso, enfatiza a necessida-<br />

de de recordar o que já se sabe. O evangelho não é algo para ser ouvido<br />

numa só vez. Não é apenas uma notícia que se dá alguém, mesmo sendo<br />

uma "boa notícia", como definimos a palavra evangelho. Temos conosco<br />

um bom texto para nos ajudar a refletir novamente sobre o que é o evange-<br />

lho que nos cabe anunciar.<br />

2. TEXTO<br />

O evangelho e seu poder<br />

Por meio do evangelho os coríntios eram salvos. Cumpria-se junto a<br />

eles o dito pelo apóstolo em Rrn 1.16, que o evangelho é o poder de Deus<br />

para a salvação de todo aquele que crê. Nisto reside o diferencial do evan-<br />

gelho em relação a todas as outras mensagens. Digam elas o que quiserem,<br />

prometam o que desejarem prometer, contudo nenhuma outra salva. Que<br />

verdade portentosa para quem ouve o evangelho e não menos grandiosa<br />

para quem o anuncia!


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

Anunciar o evangelho é, portanto, trazer para o ser humano aquilo<br />

que o salva. Não pregamos o evangelho para apresentar uma cartilha que<br />

ensina a alguém a ser mais santo, a ter melhor relacionamento com os pais,<br />

filhos, cônjuges, vizinhos. Tudo isso se inclui nos efeitos secundários do anún-<br />

cio do evangelho, porque o efeito principal é tirar da condenação, resgatar<br />

de debaixo do poder do diabo, do pecado e da morte e colocar na bem-<br />

aventurada comunhão com o Criador e Senhor. Que se repita sempre: o<br />

evangelho salva, salva, salva ... !<br />

Interessante destacar o seguinte: os coríntios não haviam abandona-<br />

do o evangelho, pelo contrário, estavam firmes nele. Mesmo assim, o após-<br />

tolo o estava tornando conhecido a eles. Fica, portanto, sem força a alega-<br />

ção de alguns de que já ouviram demais o evangelho e, por isso, já sabem<br />

tudo o que será dito. Nada mais desprovido de fundamento do que tal pre-<br />

sunção! Afinal, o evangelho não narra sobre o poder de Deus, porém ele é<br />

poder. Ao anunciá-lo, o pregador não está apenas contando algo sobre o<br />

poder de Deus, contudo muito mais do que isso: está trazendo aos ouvintes<br />

o poder divino presente naquilo que o Senhor escolheu como depositário do<br />

seu poder, ou seja, o evangelho de Jesus Cristo. Confiante nesta verdade, o<br />

pregador anuncia o evangelho e o faz com oração ao Senhor para que sua<br />

ação aconteça pelo poder da mensagem.<br />

O conteúdo do evangelho<br />

Paulo havia entregue aos coríntios o evangelho. Dentro do texto da<br />

perícope ele descreve o conteúdo do evangelho. Qual é? É Cristo e sua<br />

obra. Dois aspectos de sua obra ganham destaque: que Cristo morreu pelos<br />

nossos pecados, segundo as Escrituras (v. 3) e ressuscitou ao terceiro dia,<br />

segundo as Escrituras. A morte de Jesus foi a culminância de sua obra<br />

vicária, porém sua ressurreição proclama ser ele o Filho de Deus e garante<br />

para a humanidade o valor e a eficácia de sua obra. O texto do evangelho<br />

para o dia, Lc 7.11-16, também destaca o poder de Cristo sobre a morte,<br />

narrando a ressurreição do filho da viúva de Naim, operada por Jesus.<br />

O Cristo morto e ressuscitado foi trazido por Paulo aos coríntios. Pela fé no<br />

Cristo, os coríntios herdaram a salvação. Para quem confia no Cristo do evange-<br />

lho, o Senhor é poder para salvar. O evangelho não tem propriamente a missão de<br />

falar a respeito de Jesus. Há tantas e tantas obras literárias que se preocupam<br />

com isso. O evangelho é a presença do próprio Cristo, por isso que ele salva.<br />

Para a morte e ressurreição de Jesus há o testemunho das Escritu-<br />

ras, o que, por si só, seria suficiente para provar a veracidade daqueles<br />

fatos. Paulo, entretanto, acrescenta-lhe outro elemento: o Cristo ressuscita-<br />

do foi visto após sua ressurreição. Ele vive e, porque vive, salva!


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

O evangelho anunciado por Paulo vale a pena ser retido na confian-<br />

ça. Afinal, nele está o poder que salva. Parece que Paulo está dizendo:<br />

"Irmãos e irmãs, fiquem com aquilo que salva, mesmo que outras mensa-<br />

gens cheguem aos ouvidos de vocês." Fiquem com aquilo que salva pode<br />

ser o convite ou apelo que brota dos corações dos pastores de hoje e chega<br />

aos ouvidos de suas congregações.<br />

A causa da pregação do evangelho<br />

Surpreende até certo ponto a comparação que Paulo faz dele próprio<br />

com os demais apóstolos. Num momento ele afirma que não é digno de ser<br />

chamado apóstolo, que é o menor deles, pois perseguiu a igreja de Deus, e logo<br />

a seguir afirma que traball~ou mais do que todos os demais. Como entender a<br />

razão daquela comparação? Vejo nela a intenção de colocar em destaque a<br />

graça de Deus. A favor do apóstolo está clara a manifestação da graça de<br />

Deus, diríamos sem muito pensar, afinal faz de um perseguidor um grande mensageiro<br />

do evangelho. Sim, é evidente isso; creio, todavia, que poden~os dar a<br />

graça de Deus um outro alcance também. Ela alcançou os coríntios também,<br />

por meio do grande trabalho de Paulo, levando-lhes o evangelho salvador.<br />

Quando o evangelho salvador chega a alguém, sempre o chega por<br />

causa da graça de Deus para com o ouvinte. A pregação de Paulo e dos<br />

demais apóstolos aconteceu por Deus ter sido generoso para com aqueles<br />

que a ouviram. Se vieram a crer por intermédio de uma ou de outra, é<br />

detalhe insignificante. Todos pregaram movidos pela graça de Deus. Para<br />

os ouvintes não importa quem anuncia, porém o que crêem. A f6 está colo-<br />

cada no evangelho salvador, cujo conteúdo Paulo deixou claro. Não será<br />

demais a lembrança dessa verdade. Creio que o texto se presta para que o<br />

pregador a mencione na sua mensagem. É única e exclusivamente por mi-<br />

sericórdia divina que recebemos o evangelho salvador, independentemente<br />

do mensageiro que no-la traz. Importa, pois, que nos apeguemos muito mais<br />

a mensagem do que ao mensageiro, retendo-a sempre.<br />

3. SUGESTÃO HOMILÉTICA<br />

Tema: Convite para reter a fé no evangellio salvador.<br />

I - A razão (causa) para os coríntios terem corihecido o evangelho.<br />

Obs.: trazer essa verdade para os ouvintes a nossa frente.<br />

I1 - O que é o evangelho? Seu poder e o resultado na nossa vida.<br />

111 - Convite para reter a fé no evangelho salvador.<br />

Obs.: destacar a ação do próprio evangelho (Cristo) para a retenção da fé.<br />

Paulo Mois6.s Nevl~us


DÉCIMO OTTAVO DOMINGO<br />

Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

APÓS PENTECOSTES<br />

Gálatas 3. 26-28<br />

03 de outubro de 2004<br />

1. CONTEXTO<br />

Quem são os verdadeiros filhos de Deus? Parece ser esta a pergunta<br />

que Paulo responde no contexto em que se insere a perícope. Para o após-<br />

tolo a resposta era clara e definitiva o que, todavia, não se repetia entre os<br />

destinatários de sua epístola. Os filhos de Deus vêm a ser os filhos de Abraão.<br />

E estes, quem são? Para os judaizantes infiltrados entre os gálatas, a filiação<br />

ao patriarca era reconhecida pela via da raça e da sujeição a lei e observân-<br />

cia dela. A conseqüência dessa conclusão é óbvia: uma restrição cruel ao<br />

ingresso a filiação a Abraão e a Deus.<br />

Coube a Paulo a missão de derrubar tal mensagem falsa. Quem são,<br />

então, os filhos de Abraão? A resposta aparece já antes da perícope em<br />

análise. No versículo 7 do capítulo 3, Paulo afirma: Sahei, pois, que os da<br />

fé é que sãofilhos de Abraão e no versículo 9: De modo que os da,fé são<br />

abençoados com o crente Ahraão. A bênção de Abraão chegou a outros,<br />

não ficou somente com os da raça dos judeus. Segundo o versículo 14, ela<br />

chegou aos gentios, em Jesus Cristo, revelando com isso uma abrangência<br />

da filiação a Abraão e a Deus que não estava sendo percebida entre os<br />

gálatas e até dada como impossível.<br />

Da filiação a Deus por meio da fé em Jesus Cristo provém a bem-<br />

aventurada comunhão com Deus. O assunto comunhão com Deus era, de<br />

fato, a maior preocupação. Para alguns, ela acontecia através de um cami-<br />

nho; na pregação do apóstolo Paulo, todavia, o caminho era outro.<br />

2. TEXTO<br />

A comunhão com Deus acontece por meio da fé em Jesus Cristo.<br />

Não há outro caminho para se obtê-la. Por isso, a unio mystica (crente e<br />

Cristo unidos pela fé) é decisiva e excludente. Tão-somente ela para nos<br />

manter em comunhão com o Pai.<br />

Não somente o texto desta perícope, mas também o do evangelho<br />

(Mt 26.26-29) fornecem elementos preciosos para destacar a ação do pró-


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

prio Dcus a nosso favor, a fim dc quc tcnhamos tão cxtraordinária comu-<br />

nhão. Gálatas 3.26-28 refcre-se ao batismo; Mateus 26.26-29 é o relato da<br />

instituição da santa ccia. Batismo c santa ccia gcram comunhão com Cristo<br />

e esta, filiação a Deus.<br />

A abrangência da filiação a Deus, pelo caminho apontado por Paulo,<br />

C total, ou scja, a todas as raças c pcssoas, indcpcndcntcmcntc dc scxo ou<br />

status na sociedade. Que verdade fantástica a ser abordada pelo pregador!<br />

Todos são filhos de Deus em Cristo, o Cristo que nos revestiu no batismo, o<br />

Cristo quc nos dá scu corpo c sanguc na santa ccia. A filiação a Dcus não<br />

dcpende de particularidades de raça (judeu ou grego, brasilciro ou alemão),<br />

de condição social (senhor, cmprcgado), ncm dc scxo (homcm ou mulhcr).<br />

Todos são um em Cristo com privilégios iguais.<br />

A comunlião com Deus não se busca nem se conquista com es-<br />

forços próprios. Pclo contrário, vive-se a partir dela, pois é totalmente<br />

dom dc Dcus c obra dclc, ofcrccidos c rcalizados por mcio dc Cristo.<br />

Não há porquc olhar para fulano ou fulana c pcnsar como um fracassa-<br />

do: "Ah, sc cu conscguissc scr como clc ou cla, cstaria mais pcrto dc<br />

Deus"! Por quc isso? Não cabc na vida do cristão, pois todos quantos<br />

fostes batizados em Cristo, de Cristo vos revestistes (v. 27) c, por<br />

isso, todos sois.fi/hos de Deus (v. 26). Há lugar aqui para colocar cm<br />

destaque a palavra todos.<br />

Pela batismo, somos revestidos de Cristo. Só há duas manciras dc<br />

comparecer diailtc dc Dcus: coin Cristo ou scin clc. Scin Cristo cstamos<br />

nus c nossa pccaminosidade fica cscancarada diante do Deus santo e justo.<br />

Não há outra coisa a scr fcita pclo Scnhor, a não scr nos cxpulsar da sua<br />

prcsença. Com Cristo estamos vestidos e o quc aparccc, cntão, diantc do<br />

Senhor? A santidade e justiça do seu próprio Filho. Dcus "vê" Cristo c não<br />

o Paulo, o João, a Maria, a Antônia. Para alguém scr salvo não há razão<br />

para scr o João e não o Paulo ou a Maria e não a Antônia. Tudo o que é<br />

preciso é a comunhão com Cristo c os rcsultados dela vêm por si. E que<br />

rcsultados! Filhos de Dcus, unidade em Cristo, descendência de Abraão e<br />

hcrdeiros segundo a promessa!!! A comunhão foi dada no batismo c sc<br />

renova e se fortalece pela santa ceia. Os judaizantcs podcriarn colocar a<br />

circuncisão como causa dc maior comunhão com Dcus; os grcgos, talvez,<br />

apelassem para a sabedoria; os homens podcriarn atribuir algum mérito cs-<br />

pecial a masculinidadc, ou os senhorcs ao scu podcr. Nada disso, porém,<br />

conta; nada disso traz crédito junto ao Scnhor. Comunhão com clc sc rccc-<br />

be pela fé cm Jcsus Cristo, coin qucm tcmos comunhão a partir do batismo.<br />

O rcvestir-se de Cristo é verdade apresentada já no Antigo Testamento (1s<br />

61.10).


3. PROPOSTA HOMILÉTICA<br />

Tcma: Todos crn comunhão corn Jcsus.<br />

Igreja Luterana - n" 1 - 2004<br />

I - Caminlios ou caininho para cornunhão corn Deus'!<br />

I1 - A obra dc Dcus a nosso favor pclo caminho que ele escolheu:<br />

comunhão coin JCSUS.<br />

Obs.: Destaquc no batismo e na santa ccia.<br />

I11 - Os rcsultados da comunhão com Jesus.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

DÉCIMO NONO DOMINGO<br />

APÓS PENTECOSTES<br />

Romanos 13.1-1 0<br />

10 de outubro 2004<br />

Por que obedecer a autoridade<br />

1. CONTEXTO<br />

-Antes de Paulo escrever sua Carta aos Romanos, já existia uma congre-<br />

gação cristã em Roma, a capital do império. Não há detalhes sobre sua<br />

origem. O apóstolo pretendia visitar a igreja de Roma, em sua viagem a<br />

Espanha. O que, mais tarde, aconteceu.<br />

- Romanos é a Carta de Paulo que recebe destaque especial na teologia<br />

da igreja. É um denso e claro documento doutrinário da igreja do N.T. É<br />

fácil perceber a sua divisão: Na primeira parte (1 - 1 l), Paulo expõe toda<br />

doutrina sobre a salvação pela fé em Cristo Jesus; na segunda parte<br />

(1 3- 16), o apóstolo aponta para a parte prática da vida cristã - a nova<br />

vida em Cristo.<br />

- E um dos pontos altos desta segunda parte é o ensino sobre a autoridade<br />

civil, no cap. 13. Paulo quer esclarecer, ajudar e confortar os cristãos<br />

de Roma, que viviam num mundo gentio e sob as ameaças e persegui-<br />

ções dos imperadores de Roma. Paulo (Rm 13) e Pedro (1 Pe 2.13-17)<br />

analisam a autoridade civil em harmonia, na mesma perspectiva. Dou-<br />

trina complexa e sensível no contexto dos "césares de Roma" e no<br />

contexto dos "césares de hoje" no mundo e no Brasil. Mas é o ensino<br />

revelado por Deus. Vejamos alguns detalhes sobre a premissa maior de<br />

Rm 13: Obedeçam a autoridade!<br />

2. TEXTO<br />

- Todo homem @asa psyche - v.1) - Isso significa: Toda alma, toda<br />

pessoa, todo ser humano, os cristãos e gentios. Todos precisam obede-<br />

cer a autoridade.<br />

- Autoridades (exusia - v. 1) - É diferente de dúnamis, que significa<br />

poder, força. Sob autoridade entende-se a ordem Estado, o governo


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

civil, o poder seczrlar ou corno fala a Confissão de Augsburgo "coisas<br />

civis" ou "ordem política". Há duas grandes ordens no mundo: A or-<br />

dem Estado - zela, principalmente, pelo bem-estar material da socie-<br />

dade; e a ordem Igreja - zela, principalmente, pelo bem-estar espiritual<br />

da sociedade. Igreja e Estado não são antagônicos nem devem se coin-<br />

bater, mas em harmonia se complementar na tarefa do bem-estar inte-<br />

gral do ser humano e da humanidade. Observação própria: " ... todos os<br />

govcrnos e leis ... instituídas por Deus, e que cristãos podem, sem peca-<br />

do, ocupar o cargo de autoridade, de príncipe e de juiz, proferir senten-<br />

ça ... fazer guerras justas ..." (cf. Livro dc <strong>Concórdia</strong>, p. 35, 70, 235).<br />

- Obedecer (hypotassoo - v.1) - O verbete significa: estar sujeito, estar<br />

debaixo, subjugado; é obedecer. É ser súdito. Os cristãos devem obe-<br />

decer aos magistrados. Mas há um limite: quando a ordem é má e<br />

pecaminosa, valem as palavras de At 5.29: "Antes importa obedecer a<br />

Deus do que aos homens."<br />

- Instituir (tássw - v. 1 e 2) - Deus é o autor da autoridade civil. Procede<br />

de Deus. Vem dc Deus. É ordcnada por Deus. É colocado por Dcus.<br />

Não é invenção humana. O governo existe pela vontade, ordem, per-<br />

missão e instituição de Deus.<br />

- Espada (maxaira - v.4) - É o símbolo de autoridade, para julgar e punir<br />

os transgrcssores das leis.<br />

- Consciência (syneideesis - v.5) - É um atributo especial e particular do<br />

scr humano. É ter conhecimento peculiar e intcrior. É a faculdade que<br />

sabe discernir, julgar, separar e diferenciar entre o bem e o mal, entre o<br />

certo e o errado. É um juiz interno que nos acusa ou nos defende. Já em<br />

2.15 Paulo fala sobre "a lei gravada nos seus corações, testemunhando<br />

também a consciência ... acusando-se ou defendendo-se."<br />

Introdução<br />

1. "Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (Mt 22.2 1).<br />

Nesta premissa, Cristo reconhece as duas grandes ordens: Ordem Estado e<br />

Ordem Igreja. Também faz clara distinção entre as duas. E as duas precisam<br />

existir em favor do bem-estar material e espiritual da humanidade.<br />

2. As Coilfissões Luteranas também apresentam posição bem clara sobre<br />

a autoridade civil. Examinar bem o quc se encontra no Livro de Con-<br />

córdia, pp. 35,70,235.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

3. Pedro (1 Pe 2.13-17) c Paulo (Rm 13.1-10) ensinam a mesma doutrina<br />

sobre o governo secular e mostram porque os cristãos devem obedecer<br />

aos magistrados. O cristão tem dupla cidadania: é, ao mesmo tempo,<br />

cidadão do reino de Cristo e do reino deste mundo.<br />

Segue uma sugestão para tema e partes do sermão:<br />

POR QUE OBEDECER A AUTORIDADE CIVIL?<br />

Destacamos três razões:<br />

I - Porque a autoridade civil é instituída por Deus (vv. 1-4)<br />

O que significa obedecer<br />

O que C autoridade civil<br />

O que significa instituído<br />

A diferença entre Estado e Igreja<br />

I1 - Porque a autoridade civil promove o bem e combate o mal<br />

O que é promover e combater<br />

O que significa o mal e o bem<br />

Os cristãos podem participar da política<br />

Obedecer mais a Deus do que aos homens<br />

I11 - Porque a autoridade civil é aprovada pela consciência<br />

O que é a consciência<br />

Porque a consciência acusa ou defende<br />

Apontar para a compção com "consciêi~cia morta"<br />

A oração da igreja pelas autoridades<br />

Conclusão<br />

Repetir e sublinhar tema e partes<br />

O cristão e o patriotismo<br />

O cristão e as eleições<br />

O cristão e os impostos (vv. 6,7)<br />

Acima de todas as ordens e leis, está o amor (v. 10)<br />

Leopoldo Heimann


Igreja Luterana - no I - 2004<br />

VIGÉSIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES<br />

I7 de outubro de 2004<br />

Efésios 4.22-30<br />

1.0 CONTEXTO MAIOR DA CARTA<br />

A epístola aos Efésios se caracteriza por uin estilo solene e pleonástico,<br />

apresentando períodos longos, recheados de locuções preposicionais, parti-<br />

cípios, cláusulas relativas, e um acúmulo de termos no caso genitivo. Trata-<br />

se, como disse alguém, de uin tratado teológico no formato de uma carta.<br />

Outro exegeta disse tratar-se de uina "homilia litúrgica".<br />

Coino um todo, a carta é feita de duas partes: 1) A igreja é obra de<br />

Deus, criada em Cristo Jesus (caps. 1-3); 2) a igreja é criada para boas<br />

obras (caps. 4-6). O texto para esse domingo é tirado da segunda parte, o<br />

que significa que se trata de uin texto mais prático ou parenético.<br />

2. O CONTEXTO DO CAP~TULO QUATRO<br />

O apóstolo começa o capítulo 4 pedindo aos cristãos que vivam de<br />

modo digno da vocação a que foram chamados (v. 1). Isto inclui manter a<br />

unidade do Espírito (v.3). A razão para tanto aparcce nos vv. 4-6. No interesse<br />

dessa unidade Deus deu o ministério (vv.7- 13). A unidade resulta ern<br />

maturidade (vv. 13- 16). No v. 17, Paulo volta ao teina da vida, isto é, do<br />

andar de modo digno. Isto significa, antes de tudo, não viver como vivem os<br />

gentios (vv. 17-19), pois os cristãos aprendcrain a Cristo (v.20). Estc aprendizado<br />

envolve um despojar do velho homem (v.22), ser renovado no espírito<br />

(v.23), e o revestir-se do novo homem (v.24). As in~plicaçõcs práticas<br />

("por isso") seguem no v. 25 e seguintes.<br />

3. OS CONTORNOS DA PERÍCOPE<br />

A perícope prevê a leitura dos vv. 22-30. Fica difícil coineçar a leitu-<br />

ra no v.22, pois ali não se inicia o parágrafo (ao menos não na ARA). A<br />

sugestão é ampliar o texto da leitura, começando no v. 17. Já o final no v. 30<br />

parece bem apropriado, pois não há nada melhor do quc terininar coin urna<br />

referência ao "dia da redenção".


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

4. DETALHES DO TEXTO<br />

O texto é rico em detalhes e também apresenta aspectos estruturais<br />

interessantes.<br />

4.1. Ao falar do modo de vida dos gentios, Paulo não apresenta uma lista<br />

de vícios. Ele apresenta, isto sim, o que está por trás de toda "impure-<br />

za" (v. 19): a mente obscurecida (v. 18). Aqui o leitor percebe uma inte-<br />

ressante estrutura quiástica ou invertida: A. Futilidade da mente (v. 17:<br />

"vaidade dos pensamentos", segundo ARA); B. Entendimento obscu-<br />

recido (v. 18); C. Alienação da vida de Deus; B'. Ignorância; A'. dureza<br />

do coração. Nessa estrutura, a ênfase recai sobre o elemento central:<br />

separação da vida de Deus!<br />

4.2. É bom notar o paralelo entre mente e coração. "Mente" (nozrs, v. 17)<br />

é um termo favorito de Paulo. Ele o emprega 2 1 vezes, especialmente<br />

em Rrn e 1Co (fora de Paulo, só em Lc 24.45 e Ap 13.18; 17.9). Já o<br />

conceito de "coração" não fica longe de "mente", podendo-se até dizer<br />

que o homem bíblico pensa com o coração. Segundo a definição de um<br />

dicionário semântico (Louw-Nida), o coração é "a fonte causativa da<br />

vida psicológica de uma pessoa em seus vários aspectos, mas com<br />

ênfase especial nos pensamentos".<br />

4.3. Ao falar daquilo que fomos ensinados em Cristo (v.20), Paulo traz outro<br />

arranjo quiástico, no formato de A-B-A'. A: Despojar (v.22); B: ser reno-<br />

vado (v.23); A': revestir-se (v.24). Também aqui a ênfase repousa sobre<br />

o elemento central, ou seja, o ser renovado. A propósito: O texto do v. 23<br />

de fato deve ser traduzido por "ser renovado" (anuneousthai é forma<br />

passiva). Faz bem a NTLH: "É preciso que o coração e a mente de<br />

vocês sejum completamente renovados". A forma passiva é um recur-<br />

so que se tem para não explicitar o sujeito da ação.<br />

4.4. Na seção que trata da "roupa nova" (vv.22-24), chama a atenção o<br />

fato de, no grego, as ações de "despir" c "vestir" serem concebidas<br />

como não progressivas, pois ambas são expressas por verbos que estão<br />

no aspecto aoristo. Já a corrupção do velho hoincrn (v.22) e a renova-<br />

ção do espírito (v.23) são vistas como processos, pois aparecem no<br />

aspecto presente. No entanto, mais importante do que isto é a afirma-<br />

ção do lugar onde se processa a renovação, a saber, "o espírito do<br />

entendimento" (v.23). Em outras palavras, exatamente ali onde está o<br />

problema do homem sem Deus, isto é, na mente (vv. 17,18).<br />

4.5. No v. 25 o apóstolo nos surpreende com a razão para falarmos a<br />

verdade com o próximo: "porque somos membros uns dos outros".<br />

Somente mais tarde (5.30) ele dirá o que fica pressuposto: "somos<br />

membros do seu corpo", isto é, do corpo de Cristo.<br />

148


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

4.6. Será que existe inais um quiasino nos vv. 25-29? Por que não? A.<br />

Dcixar a incntira c fàlar a vcrdadc (v.25 - oitavo mandamento); B. Não<br />

ficar o dia intciro com raiva (v.26 - quinto ii~andainento); C. Não dar lugar<br />

ao diabo (v.27); B'. Não fùrtar (v.28 -sétimo maiidamciito); A'. Controlar<br />

a língua (v.29 - oitavo ~i~andaniento). Sendo assim, a ênfase inais uma vcz<br />

está no elemento do incio (C): "não dar lugar ao diabo" (v.27).<br />

4.7. Dar lugar ao diabo C uma tradução bem literal do tcxto grcgo. No<br />

entanto, lugar C usado nuin sentido figurado para "opor-tunidadc" (NTLH).<br />

Paulo está dizendo: "Não dêem nenhuma cliance ao diabo". .I5 a rek-<br />

rência ao diabo C significativa pela sua raridade. Nas Paulinas, aparccc<br />

aqui, cin Ef6.11 c nas Pastorais. Paulo hla mais do pccado c da cainc.<br />

4.8. Ob-jcto dc inuita discussão teni sido o v. 26: "lrai-vos c não pcqueis".<br />

E possível irar-sc c não pecar, cspccialmcntc à luz de Mt 5.22 c Ef<br />

5.3 l? Trata-sc, C bcm verdade, de uma citação direta de SI 4.4, conlòr-<br />

inc a Scptuaginta. O imperativo "irai-vos" pode scr interpretado coino<br />

um iinpcrativo dc permissão: "Vocês podein até ficar irados, inas, ao<br />

fàzê-lo, não pequem". Este o caminho seguido pela NTLH: "Sc vocês<br />

ficarem coin raiva, não dcixcin quc isso faça coin que pcqucm". A<br />

segunda metade do v.26 parece indicar quc o pecado reside no fato dc<br />

sc alimentar a raiva, ou seja, deixar que o sol sc ponha sobrc ela, ou,<br />

como diz a NTLH, ficar coin raiva o dia inteiro. Ncstc caso, diríamos:<br />

Ficar com raiva é liuinano; alimentar a raiva é anti-cristão.<br />

4.9 O clímax do texto C o v.30. Dar lugar ao diabo c pecar contra o<br />

próximo C algo sério porque entristece o Espírito Santo de Deus. Neste<br />

vcrsículo, cxistcni coisas novas c coisas vcllias. Entrc as novas, o fato<br />

dc Paulo fàlar do "Espirito Santo", quando norinalmentc clc diz apcnas<br />

"Espírito". Mais raro ainda e "Espírito Santo de Deus". ("Espírito San-<br />

to" aparccc só aqui nas Paulinas; "Espírito Santo dc Dcus" aparccc só<br />

aqui 110 NT.) Entre as coisas "vclhas" estão as referências ao selar<br />

(syhí.c~gizo) e à redenção (apolytrosis). Paulo volta a teiiias aborda-<br />

dos ein Ef 1.13-14. Ali, bcm coino no v. 30, aparece o iiidicativo que<br />

fùndaincnta os iinpcrativos da perícope destc domingo.<br />

5. POSSIBII,II)AI>ES HOMII,~ I ICAS<br />

O pcrdão - quc aparccc com destaque no cvangclho do domingo<br />

(Mc 2.1-12) - tein iinplicações práticas, que são articuladas no v. 30 do<br />

texto da epístola. O período do pós-Pentecostes é um tempo apropriado<br />

para sc aprofùndar cssas qucstõcs mais práticas quc o tcxto apresenta.<br />

Vll\Ot7 Scl1olz


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

VIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSES<br />

Romanos 10.9-1 7<br />

24 de outubro de 2004<br />

1. NOTAS TNTRODUT~RTAS<br />

Nos capítulos 9 a 11 dc Romanos, Paulo faz uma descrição da justiça<br />

de Deus e a incredulidadc de partc de Israel (Rm 9.6). O ponto relevante<br />

está no fato de que o apóstolo quer convencer seus lcitorcs de que tudo<br />

proccde de Dcus, que ninguém está em condições de exigir alguma coisa e<br />

que não há injustiça da sua parte (Rm 9.14-18). Outra vcrdade é que a<br />

salvação não cstá limitada a Israel (Rm 9.19-29), mas que a graça também<br />

está dcstinada a alcançar aos gentios.<br />

Nessc scntido os judcus cstavam cnganados. Além dc insinuarcm<br />

certa exclusividade, eles forain na contramão da justiça dc Dcus, procuran-<br />

do cstabcleccr a sua própria. Eles só não contrariaram o princípio quc Dcus<br />

usa para tratar seus filhos, não se submetendo a justiça que procedc dcle<br />

(Rm 9.32; 10.3), como pretendiam dcsenvolver um sistcma em quc as boas<br />

obras funcionariam como compensações dos inales praticados, ou então<br />

seriam a senha de acesso a graça divina.<br />

Esta posição equivocada fez Paulo dcscnvolvcr a apologia da justiça<br />

que procedc de Deus, baseada na fé (Rrn 1.17; 3.2 1-22). Esta não pode ser<br />

alcançada nem por dcsccndiincia biológica (Rm 9.7-8), pois é cstcndida a<br />

todos (o Evangelho do domingo, Mt 15.21 -28, contempla cssc fato), ncm<br />

por realizações oricntadas pela lei' , pois graças a Cristo, o cristão não cstá<br />

sujcito a ela (Rrn 10.4), corno mcio de salvação, mas pelo Espírito, sua<br />

função é rcvclar a prcscnça c o fato do pccado (Rm 7.7) c preceituar a vida<br />

moral e ética do cristão (Rin 8.4).<br />

' Os judcus cxaini~iarain os livros de Gn a Dt c descobriram que Iiá h13 niandaiiicritos iicsta partc<br />

da Escritura. 248 positivos c 365 iicgativos (Lcon Morris, The Go.sl~e/ Accoi-ding /o Mcitlheit:<br />

p. 107). Parccc sugestivo co~icluir que isto Ilics proporcioiiava um Icquc variado dc opções para<br />

cuiiiprir a agenda da justiça que clcs instaurarain.


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

2. TEXTO<br />

V.9: Nessa fórmula confessional cstá o cernc da fé cristã. Confessar a<br />

Jesus como Senhor é confessá-lo como o Senhor ressuscitado c exalta-<br />

do (Rm 1.4; 14.9). Isto pressupõe toda a sua obra salvífica, dcsdc a sua<br />

cncarnação até seu reinado universal. Crcr quc Jesus ressuscitou é<br />

compartilhar da sua rcssurrcição (Rm 6.4) c é scr reconciliado com<br />

Deus Pai (Rm 5.1, 11). É interessante observar essa confissão com a<br />

de Mt 7.22-23 e Tt 1.16. Confissão sem fé é em vão. Conceber fé sem<br />

confissão também não funciona (Lc 12.8; Jo 9.22; 1 Tm 6.12; 2 Jo 7).<br />

Confessar com a boca é uma evidência da autcnticidadc da fé, assim<br />

corno as boas obras podem scr (Rm 12.1 ; 14.17; Tg 2.17-22)<br />

Vv. 10,ll: Além da ordem invertida, cm relação ao versículo antcrior, há<br />

um detalhe adicional nessa frasc: "crer para a justiça e confessar para<br />

salvação". A fé é a justiça dc Deus, não as obras. Para ser declarado<br />

justo basta crcr de coração e a confissão cxtcrioriza essa rcalidadc.<br />

Paulo defende, especialmente, o primeiro aspecto, citando outra vez 1s<br />

28.16, cujo contexto indica que os contcmporâncos de Isaías estavam<br />

recorrendo ao dispositivo da auto-suficiência para nortear a sua vida.<br />

Além disso, o firme fundamento estava sendo substituído por urna ali-<br />

ança estranha (1s 28.1.9, possivelmente com a nccromancia c culto a<br />

ídolos (1s 8.19).<br />

Vv. 12,13: Paulo parece ter esclarecido o primeiro ponto. Ajustiça de Deus<br />

é a fé. Agora elc rcforça essa verdade e a aplica a todos, pois não há<br />

exclusivismo por parte de Dcus. Todos estão no mesmo barco quando o<br />

assunto é salvação. Todos são depcndentes da glória dc Dcus (Rrn<br />

3.23), porque todos pecaram. Jesus Cristo é Senhor de todos e todos<br />

são justificados pcla fé. Para sustentar cstc fato, Paulo lembra o texto<br />

dc Joel 2.32, que, por sua vez, estava releinbrando ao povo de sua<br />

época que o cancelamento do julgamento de Deus sobre eles está no<br />

invocar o nomc do Senhor. Essc Scnhor agora é Jesus Cristo e é ele<br />

que deve ser "chamado" para scr salvo (At 9.14,2 1 ; 22.16; 1 Co 1.2; 2<br />

Tin 2.22). A fórmula "invocar o nomc do Scnhor" é característico do<br />

Antigo Testamento e se refere normalmente ao culto dirigido a Deus, e<br />

mais especificamente em forma dc súplica (Gn 4.26; 12.8; 1 Rs 18.24;<br />

2 Rs 5.11; S1 1 16.4).2<br />

' Talvcz cssc principio não scja ncccssariamcntc aplicivcl a todas as passagciis cm quc aparccc<br />

cssa fórmula. Lutcro, por cxcinplo, citando Gn 12.8. diz quc Jacó não apcnas suplicou, mas cm<br />

scu culto clc instruiu a igrcja, fcz adinocstaçõcs a vivcr dc niaricira santificada, fortalcccu sua fc<br />

c cspcrança c orou com clcs. Para Lutcro o vcrbo original inclui todos csscs aspcctos (Volkcr<br />

Stollc, The Chiirch Con2e.s Frotrl A11 Nation.~ - Luthcr Tcxts 011 Mission. CPH, 2003, p. 15).


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

Vv. 14- 17: A lógica de Paulo parece que nem precisa de explicação adici-<br />

onal. Todos os que crêem no Senhor Jesus e o invocam serão salvos;<br />

para crer, a Palavra da fé precisa ser feita acessível através da prega-<br />

ção; para haver pregação, é preciso que haja envio de pregadores, que<br />

proclamarão o Evangelho de Cristo, que produzirá a fé. É importante<br />

observar que o crer não acontece no vácuo, nem automaticamente.<br />

Cada um precisa ouvir o Evangelho da justificação pela fé. Ajustiça de<br />

Deus não sc torna eficaz naturalmente, mas necessita ser apropriada<br />

pela fé, que só é possível com o ouvir do Evangelho (v. 17).<br />

Há ainda dois detalhes adicionais. O primeiro é Rm 10.15b, que é<br />

uma citação de 1s 52.7, cujo contexto aponta para as boas notícias anuncia-<br />

das ao povo de Israel, que estava sendo libertado da escravidão babilônica.<br />

As notícias eram valiosas: "o teu Deus reina" (1s 52.7), os pés dos portado-<br />

res delas também. De valor inestimável também são os pés dos condutores<br />

do Evangelho de Jesus Cristo, pois eles conduzem as boas novas que Jesus<br />

é o Senhor, ele reina e concede perdão, vida, salvação e a libertação da<br />

escravidão do pecado. O segundo detalhe é o v.16. A justiça de Deus é<br />

loucura. É absurdo pensar que no servo desfigurado haveria o poder reden-<br />

tor. Paulo não volta ao assunto por acaso citando 1s 53.1, porque esse é um<br />

dos principais pontos a ser esclarecido, a incredulidade de Israel. Cristo é<br />

preciosidade para os que crêem, mas pedra de tropeço e rocha de ofensa<br />

para os que o ignoram e presumem poder estabelecer a sua própria justiça<br />

(1 Pe 2.7; Rm 9.33; 1 Co 1.18-19), para alcançar o favor divino.<br />

3. SUGEST~ES HOMILETICAS<br />

Sugiro essas duas abordagens para esse texto:<br />

A. O cristão não está livre de tentar criar um sistema de coi-ilpensação por<br />

seus pecados e culpas. Ele pode ignorá-los, responsabilizar outros, ou pro-<br />

curar realizar obras que acalmem sua consciência, mas que apenas aba-<br />

fam ou deslocam as culpas. Porém, o Evangelho é poder de Deus para<br />

converter, acalmar consciências, livrar dos pecados e culpas. "Mas quem<br />

crer nela (a Rocha - Cristo) não ficará desiludido" (Rm 9.33b - NTLH).<br />

B. O cristão também pode estar sujeito e tentado a separar a fé da confis-<br />

são, que pode ser por palavras e ações. Mas o Evangelho é poder de<br />

Deus para fortalecer a fé no coração e desenvolver o senso evangelístico<br />

de compartilhar como sacerdotes do Rei (1 Pe 2.9) o Evangelho Salva-<br />

dor do Rei Jesus.<br />

Anselmo Eunesto Gurffj


VIGÉSIMO SEGUNDO DOMINGO<br />

Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

APÓS PENTECOSTES<br />

Apocalipse 14.6,7 (Mateus 11.12-15)<br />

31 de outubro de 2004 - Reforma<br />

1. ASPECTOS TEXTUAIS<br />

O capítulo 14 é explicitamente cristológico. Cristológico aqui entendido<br />

como escatologia em andamento, início de nova era (ver Mateus 11.12-<br />

15), que tem na encarnação de Deus em Cristo Jesus seu ponto inicial. É a<br />

irrupção da eternidade de Deus no tempo dos homens, que oferece as realidades<br />

eternas aos homens, trazendo a mensagem do juízo de Deus que<br />

tem como ponto culminante a segunda vinda de Cristo.<br />

Desde os primeiros versículos, que descrevem a vitória do Cordeiro e o<br />

canto dos santos, acrescenta-se o juízo sobre toda a criação (os três anjos e<br />

suas performances, vv. 6- 12), passando pelo v. 13, que afirma que são bem-<br />

aventurados os que "morrem no Senhor", pois sobre eles o "evangelho eter-<br />

no" já se mostrou eficaz, culminando com o momento da "ceifa" (vv. 14-20).<br />

Os três anjos que aparecem no capítulo 14 (63 e 9) trazem o anúncio<br />

do juízo de Deus sobre as duas bestas aliadas do dragão. Cada anjo é intro-<br />

duzido como "outro anjo". Parecem ser anjos do grupo dos anjos que apare-<br />

cem constantemente em Apocalipse, distintos dos sete que tocam as trom-<br />

betas (Ap 8).<br />

O primeiro anjo proclama do "meio do céu". "Meio do céu"<br />

(p~ooupavfipa~t) refere-se a parte do céu acima da cabeça. Termo só<br />

usado no Apocalipse (8.13; 14.6; 19.17), descreve metaforicamente o local<br />

no qual o julgamento de Deus será anunciado e executado. O que o anjo<br />

proclama vai além das "boas novas" que Paulo descreve em Rm 1.16,17, as<br />

boas novas da obra de Cristo que trazem alegria. Trata-se do "evangelho<br />

eterno", a proclamação de "temor a Deus ... pois é chegada a hora do juízo"<br />

(v.7). O "evangelho eterno" refere-se a proclamação do juízo de Deus e do<br />

gracioso chamado e convite do evangelho.<br />

A proclamação é destinada aos que residem na terra, especificamen-<br />

te aos homens que não são contados entre os fiéis adoradores de Deus.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

(Prigent, 265). É uma oportunidade missionária da parte de Deus para com<br />

toda a humanidade pecadora.<br />

Assim como em 15.4, aqui também o temor e a glória a Deus são<br />

colocados lado a lado. O temor a Deus se manifesta no culto quando se<br />

reconhece o que Deus fez pelo homem. Temor a Deus é o "princípio da<br />

sabedoria" (SI 11 1.10 e Jó 28.28) e este temor é aprendido pelo ouvir da<br />

Palavra (Dt 4.10). Temer a Deus é parte essencial como parte da confissão<br />

de pecados e arrependimento (At 9.3 1 ; Ap 1 1.18).<br />

Com uma linguagem cúltica ou litúrgica, "glórias" são rendidas a Deus<br />

quando Deus nos aceita em Cristo (Ap 4 e 5). Este é o motivo e conteúdo<br />

de nosso culto: glórias rendidas pelo ato salvador. E este é o verdadeiro<br />

temor. Como diz Prigent (265): "O culto da Igreja (e o seu niodelo celeste<br />

está em Ap 4 e 5) não tem outra finalidade senão confessar e celebrar a<br />

glória de Deus e do seu Cristo (4.9,11; 5.12s; 19.7). Quando homens se<br />

convertem e querem reencontrar-se no verdadeiro lugar de criaturas sub-<br />

metidas ao criador, o único adorável, então o Ap nos diz que "dão glória a<br />

Deus" (1 1.13; 16.9). A dupla exortação é, pois, um chamado a conversão,<br />

solenemente dirigido a todos os 'habitantes da terra'. A urgência deste cha-<br />

mado é motivada pela imanência do juizo: a hora é chegada." E isto é feito<br />

na revelação do Apocalipse não de forma cronológica, mas de uma forma<br />

circular colocando todas as situações a luz da certeza cristológica. Por isso,<br />

pode-se afirmar que o julgamento está realizado, o testemunho cristão atualiza<br />

este julgamento, que é destinado aos pagãos, e há urgência deste anúncio<br />

que proporciona comurihão com Cristo, que é uma relação que vai além do<br />

juízo.<br />

2. ASPECTOS PRATICOS<br />

O prof. Rottmann (p.241) sugere que esses três anjos de Ap 14 representam<br />

aqueles que anunciam o evangelho eterno desde o dia de Pentecostes<br />

até o dia da segunda volta de Cristo (Ap 14.14-20). Segundo ele, a<br />

proclamação do "evangelho eterno" causa separação entre o monte Sião e<br />

Babilônia, entre o povo que ouve a voz do Senhor e aqueles que vivem no<br />

seu próprio camirilio.<br />

Como estamos na Reforma, prudente lembrar o "temer e amar a<br />

Deus" do Catecismo Menor de Lutero. Com vistas a proclamação de lei e<br />

evangelho, o temer e amar é tanto um ato confessional (reconhecimento da<br />

ação de Deus por nós), como uni testemunho vivo da fé (atos que são<br />

produzidos em cada mandamento). A igreja que caminha em Cristo rumo a<br />

eternidade precisa assumir estes dois atos: confessar e testemunhar. Con-


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

fessar sua fé na obra redentora de Deus em Cristo Jesus; testemunhar<br />

desta obra, visto que o tempo é agora.<br />

Bibliografia<br />

BRIGHTON, Louis. Revelation. Saint Louis, Concordia, 1999.<br />

CORSINI, Eugênio. O Apocalipse de São João. São Paulo, Edições<br />

Paulinas, 1983.<br />

PRIGENT, Pierre. O Apocalipse. São Paulo, Edições Loyola, 1993.<br />

ROTTMANN, Johannes. Vem, Senhor Jesus. Apocalipse de Jesus.<br />

Porto Alegre, <strong>Concórdia</strong> Editora, 1993.<br />

Clóvis Jair Prunzel


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

ANTEPEN~LTIMO DOMINGO DO ANO ECLESIÁ~CO<br />

Romanos 14.7-11<br />

07 de novembro de 2004<br />

Nesta parte final da carta de Paulo aos Romanos, o assunto é o julgamento.<br />

Mas em pauta estão dois julgamentos: aquele que acontece entre<br />

irmãos na fé e aquele que o apóstolo denomina "o tribunal de Deus". Mas o<br />

apóstolo não estabelece comparação entre estes dois julgamentos. Ele pa-<br />

rece estar vinculando estes dois julgamentos a dois conceitos de vida que,<br />

no seu entender, são mutuamente exclusivos.<br />

A pergunta que está feita não é sobre a qualidade do julgamento<br />

como se fosse possível ao ser humano antecipar o julgamento de Deus e<br />

julgar. O apóstolo também não está estabelecendo princípios que permitam<br />

alguém acertar nos seus julgamentos.<br />

A respeito de julgamentos, ele faz algumas observações e dá alguns<br />

indicativos. Obviamente, o apóstolo não está dizendo que o ser humano não<br />

deva julgar. Pelo contrário, o cristão precisa distinguir permanentemente<br />

entre as "obras das trevas e armas da luz" (13.12). O cristão também cres-<br />

ce nesta tarefa para finalmente ser alguém de "opinião bem definida" nesta<br />

tarefa de distinguir entre o que é próprio e impróprio (13.14).<br />

Entretanto não é qualquer julgamento que é válido. Há limites que<br />

não podem ser ultrapassados sob pena de alguém ser desqualificado pelo<br />

próprio ato de julgar.<br />

O primeiro critério é o conceito de vida que cada um assume como<br />

seu. Esta questão que Paulo aborda no final da carta a respeito do julgar as<br />

coisas então não é simplesmente uma questão secundária ou lateral desta<br />

carta. Nem cai sob a categoria de conselhos finais da carta. Está, isso sim,<br />

profundamente identificado com o conteúdo maior da carta: a vida que Deus<br />

oferece ao mundo em Jesus Cristo.<br />

Julgar as coisas tem um ponto de partida: a vida que temos em Cristo.<br />

Ora, a vida já não é a nossa vida. A nossa vida, aquela com que viemos ao<br />

mundo, é a vida em corrupção da qual nada se aproveita. O que somos<br />

agora está oculto naquele Jesus, o Cristo de Deus.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

Assim é também com todas as demais pessoas. E não só as pessoas,<br />

mas também a própria natureza aguarda a sua libertação deste estado de coisas<br />

a qual está sujeita em virtude da corrupção humana. Fazemos parte desta ex-<br />

pectativa da outra vida unicamente porque nos foi dado confiar que Deus é<br />

verdadeiro na sua afirmação de que somos seus filhos por causa de Jesus.<br />

Isto tudo nos coloca diante do próximo e diante das demais criaturas<br />

não mais corno os juízes que por natureza queremos ser. O fato de termos<br />

esta vida de presente nos coloca como devedores e servos diante de todos<br />

nesta outra vida que nos foi doada em Cristo.<br />

O que entendemos por vida define também a nossa atitude diante<br />

dos outros. Se vida é vida que temos como graça absoluta de Deus, então<br />

essa vida também pertence aos demais por graça absoluta de Deus.<br />

É deveras enganoso o título que a versão Almeida dá ao capítulo 14.<br />

Passa a impressão de que aí se inicia um novo assunto. Na verdade toda a<br />

exposição teológica da carta é o pano de fundo no qual as recomendações<br />

práticas são autenticadas. Tolerância, caridade e liberdade são aspectos da<br />

vida cristã cuja natureza se define em Cristo e por causa dele. Por causa de<br />

Cristo a humanidade está diante de uma realidade dupla: uma é a experiên-<br />

cia marcada pelo pecado e pela lei; outra é a experiência marcada pela<br />

promessa e vivida em fé. Isso leva o apóstolo a conversar com os crentes<br />

em Cristo para dizer que nenhum de nós vive para si mesmo.<br />

"Foi para esse fim que Cristo morreu e ressurgiu: para ser Senhor"<br />

(v.9). "Jesus é Senhor" é afirmação poderosa e desafiadora no contexto<br />

apostólico. Nós confessamos diante do mundo que ele está acima e além de<br />

todos, mortos e vivos. E, para que fim? Com o fim de calar todos os julga-<br />

mentos humanos e estabelecer o seu julgamento. E este é o julgamento que<br />

somente ele se pode permitir: isentar de culpa o pecador, o faltoso, o conde-<br />

nado pela lei.<br />

Então Paulo aponta para a realidade em que esta visão de vida é<br />

essencial: "Tu, porém, porque julgas o teu irmão? E tu, por que desprezas o<br />

teu?" (v. 10).<br />

A Reforma luterana expressa essa compreensão quando estabelece<br />

que o objetivo da pregação do evangelho e da palavra de Deus tem por<br />

pressuposto a absoluta corrupção do gênero humano. O objetivo da prega-<br />

ção está oculto no evangellio. Tão oculto que somente a ação do Espírito<br />

Santo atuando por meio do evangelho pode revelar esta nova realidade ao<br />

ser humano e levá-lo a fé.<br />

Não estanios no mundo para julgar as pessoas nas suas fraquezas e<br />

fragilidades porque este não é objetivo pelo qual Deus se aproxima do ser<br />

157


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

humano cm Cristo. Pcla sua mortc c rcssurrcição Jcsus sc torna Scnhor, sc<br />

apropria das vidas e as guarda e protege na graça de Deus para a vida<br />

ctcrna.<br />

Em função disto é inútil julgar o irmão. Julgando-o, a obra de Cristo é<br />

ignorada c desprezada. Cristo vcio para que o pecador não seja desprezado<br />

ou julgado no scu pccado. Lutcro acrcsccnta: "Pois quem julga ou dcsprcza<br />

aqueles que Deus acolhe (v.3) já não dcsprcza ou julga ao scu irmão, mas a<br />

Deus" (LW 25, 501).<br />

O que fazer, então? Acollicr, aconselhar, dar apoio (suportar), lcvar<br />

as cargas dos fracos e caídos são verbos quc conclamam atitudcs diante dc<br />

uma nova pcrspectiva dc vida. Nas comunidadcs conhccidas pclo apóstolo<br />

cra constante o engano de as pessoas julgarem os outros a partir do seu<br />

próprio padrão de vida. Cada época c cada grupo ncccssitam argüir-se quanto<br />

a fidelidade das açõcs dc salvação quc realiza cin nome dc Cristo.<br />

Aquilo quc Cristo cspcra dos seus é contrario ao impulso natural do<br />

ser humano. Aquclc quc frcqücnta os cultos tcndc a julgar os quc a clc<br />

faltam. Os quc cstão ausentes, tendem a duvidar da sinceridade do culto<br />

dos quc têm participação regular. Não é esta a atitude que trouxe Jesus até<br />

nós. Ele se tornou nosso scrvo "sendo nós ainda pccadorcs". E continua<br />

scndo o nosso servo "sendo nós ainda pecadorcs". Sendo assim, nada exis-<br />

tc cm nós quc nos dê o direito de olhar para o próximo a não ser a vontade<br />

exprcssa dc Cristo dc amarmos os pequeninos (Mt 18. 1-14). Deus nos<br />

rcúne em comunidade para quc o fraco seja rcstabclccido cm amor pclos<br />

mcios da graça quc clc disponibilizou na sua morte e ressurreição.<br />

Os cargos e funçõcs quc alguém ocupa na vida c também na igreja<br />

são sempre de serviço. Pessoas c gmpos quc sc organizain cstão no scrvi-<br />

ço de Jesus. "O quc tcns tu quc não tcnlias recebido?" 6 cxatamcntc na<br />

maneira com que a congregação e scus grupos sc relacionam que pode scr<br />

sentida a prcscnça da palavra do evangellio pelo qual vamos crescendo "em<br />

Cristo".<br />

SUGESTAO HOMILÉTICA<br />

Tcma: A comunidade que nós queremos ser<br />

A. Não a comunidade de pessoas que vivem para si<br />

1. Em geral as pessoas pcnsam: O quc é bom para mim, dcvc servir tam-<br />

bém para os outros.<br />

2. O apóstolo mostra como isso também acontccc na comunidade de cris-<br />

tãos.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

3. Assim pessoas e grupos se dividem, julgam e são julgados.<br />

4. Regras e regulamentos tentam achar soluções "democráticas". Estas,<br />

por sua vez, se tornam leis que oprimem os fracos.<br />

5. Finalmente, as pessoas são vistas como uns sendo melhores do que<br />

outros.<br />

6. Onde está o problema? Por natureza, mesmo os cristãos querem "viver<br />

para si."<br />

B. Mas, a comunidade que é feliz em viver para o Senhor<br />

1. Paulo aponta para Cristo: ninguém vive para si, mas para Cristo.<br />

2. A encarnação, morte e ressurreição de Jesus mostram que é inútil vi-<br />

vermos para nós mesmos.<br />

3. Nele estamos todos julgados e todos estamos, ao mesmo tempo, resga-<br />

tados do nosso próprio modo de viver.<br />

4. Todos são igualmente objetos do amor de Cristo.<br />

5. Resta-nos louvar a Cristo e, em humildade, buscarmos a paz entre nós.<br />

6. Sejamos comunidade que "vive para o Senhor"<br />

Paulo i? Weirich


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

PEN~LTIMO DOMINGO DO ANO DA IGREJ<br />

O que somos realmente?<br />

Romanos 8.18-23 (24-25)<br />

14 de novembro de 2004<br />

A criação suporta sofrimento esperando ver o que os filhos de Deus<br />

são realmente!<br />

Esperamos a revelação final.<br />

Estamos indo ao encontro de algo - grandioso e sublime.<br />

Já temos mas ainda não somos.<br />

Muito se comenta hoje a respeito da desilusão que as pessoas sen-<br />

tem em relação ao que se chama de perspectiva de futuro. Programas na<br />

televisão se multiplicam oferecendo novas perspectivas ao ser humano.<br />

Desde a massagem relaxante de shiatzu até novas formulações para a fé<br />

procuram preencher no ser humano aquilo que em última análise se resu-<br />

me a desilusão a respeito de si próprio e da vida. O culto da saúde, a<br />

forma física, o estar de bem com a vida são tentativas de devolver as<br />

pessoas a esperança de que é possível evitar o momento da desilusão com<br />

a vida.<br />

Falando assim fica a impressão de que esse esforço de viver bem ou<br />

de prolongar a juventude e a qualidade de vida deva ser visto como negativo<br />

pela fé cristã. Num primeiro momento as palavras do apóstolo Paulo real-<br />

mente apontam nessa direção. Vivemos nesse mundo sem sabermos quem<br />

nós realmente somos. Ora, isso quer dizer que as pessoas que estão insatis-<br />

feitas com aquilo que vêem em si poderia e deveria ser muito melhor. As<br />

pessoas, com razão, buscam de toda e qualquer maneira viver uma vida<br />

melhor. E cada um faz uma idéia própria do que isso significa para si mes-<br />

mo.<br />

O apóstolo chega a afirmar que a própria natureza sabe disso e tam-<br />

bém está na expectativa de ver o que o ser humano realmente é. Como se<br />

a natureza, o Universo, também participasse dessa fmstração e tentasse<br />

entrever o que realmente somos como seres humanos.


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Nós, seres humanos, imaginamos o perfeito e o belo. Produzimos<br />

obras de arte, conhecimento, projetamos coisas brilhantes para o futuro so-<br />

mente baseados naquilo que é da nossa experiência.<br />

A NTLH traduz o v. 20 como "Pois o Universo se tomou inútil",<br />

enquanto que ARA traduz "Pois a criação está sujeita à vaidade". Já o NT<br />

interlinear prefere: "Pois à futilidade a criação foi sujeita".<br />

O programa Polêmica da Rádio Gaúcha AM discute se a mídia passa<br />

a idéia de que o salvamento de uma baleia encalhada na praia merece uma<br />

atenção maior do que um pobre morrendo na calçada de uma rua qualquer.<br />

"Toda a criação geme e suporta angústias até agora" é a constatação de<br />

Paulo no seu tempo. Paulo observa o comportamento humano e diz que "o<br />

tempo presente" não merece o crédito que se lhe tenta atribuir. Tudo que se<br />

promete ou toda expectativa que se projeta sobre o ser humano e sobre<br />

"este Universo" é inútil, é vaidade, é futilidade.<br />

Esta constatação é a lei que deve ser anunciada. Mesmo quando<br />

cristãos se aproximam de Deus em oração na impressão de que a sua pes-<br />

soa, o seu grupo ou na sua vida Deus possa preservá-lo da experiência<br />

dessa realidade que sempre de novo se mostra inútil e fútil. Pois ao desejar<br />

ser preservado o ser humano revela a falta de solidariedade que é a carac-<br />

terística mais marcante que ficou do pecado dos nossos pais. A natureza<br />

humana quer inclusive que Deus esteja a seu serviço para idolatrar-se a si<br />

própria. Há até quem pregue que o sacrifício e a ressurreição de Cristo<br />

justificam que o crente pode esperar de Deus uma vida neste mundo livre<br />

de dor, doença, sofrimento e pobreza.<br />

Os que assim pensam ou crêem não reconhecem suficientemente a<br />

profundidade da queda em pecado. O apóstolo faz eco à palavra de Cristo:<br />

"Ajuntai tesouros onde a traça e a ferrugem não corroem."<br />

A redenção que aguarda os filhos de Deus não se compara a nada do<br />

que nós pensamos ou sonhamos. É uma glória capaz de apagar da memória<br />

qualquer reminiscência de dor ou sofrimento. O universo anseia por ver os<br />

filhos de Deus tomarem posse dessa glória porque essa glória implica na<br />

nova criação, no novo céu e na nova terra, de que testemunha João no<br />

Apocalipse.<br />

Em Cristo somos cidadãos dessa eternidade. O corpo que constante-<br />

mente nos lembra da mortalidade e da fraqueza, esse corpo foi redimido na<br />

cruz e aguarda a sua redenção definitiva. Mas até lá, a vida nada mais é do<br />

que vaidade. É um esforço inútil iludir-nos com os sonhos de juventude, de<br />

sucesso, de riquezas com que o mundo e até alguns movimentos religiosos<br />

nos bombardeiam na mídia.


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

Entretanto, algo já podemos fazer: Viver em função dessa nova realidade.<br />

Que realidade é essa? A liberdade de estar diante de Deus livres do<br />

pecado que quer nos deixar cegos para ver a obra de Deus. A obra de Deus<br />

é estender a sua graça a mim, pecador. Ao fazê-lo, Deus não se limitou a<br />

alguns. "Deus amou o mundo". A sua graça é universal. Deus nos devolve<br />

em Cristo a nossa verdadeira l~umanidade, aquela que ele demonstrou em<br />

palavras e obras. Quando ele comeu com os pecadores ele demonstrou o<br />

reino dos céus que aguarda na glória: Estar na presença de Deus como<br />

filhos amados para sempre e definitivamente. Jesus revelou a relação que<br />

Deus tinha com o seu povo na Antiga Aliança. Deus uniu a humanidade a si<br />

e dessa maneira uniu a humanidade entre si e revelou a obra para a qual<br />

somos chamados em Cristo.<br />

Amar o próximo não é uma opção para o cristão. A fé nos une a<br />

Deus e a toda a sua obra, desde a criação. Amar a Deus e amar tudo que<br />

brota da mão criadora de Deus. E, ao mesmo tempo, é amar por antecipa-<br />

ção o novo céu e a nova terra.<br />

Ao vivermos em função do que seremos já vivemos a vida que será<br />

eterna. Amamos, não porque merecem ou fizeram por merecer. Amamos<br />

tudo o que Deus ama da maneira como Deus amou pela e na pessoa de<br />

Jesus, seu Filho.<br />

Isto é querer demais de nós? Isso é amar com sentido e objetividade,<br />

com direção. É amor cuja caminhada é uma linha reta entre o Éden e o céu,<br />

tendo como referência o Calvário. Mas é amar olhando para a frente, com<br />

as mãos e o coração estendidos para os lados, sendo amparados e ampa-<br />

rando, pois ainda não chegamos lá. Assim o pecado perde a sua força. Pois<br />

esse amor é feito de amor, compreensão, paciência e tantas coisas lindas<br />

que o Espírito desperta em nós e nisso nos instrui. É esperança que se faz<br />

presente na vida dos filhos de Deus.<br />

TEMA: O que somos realmente (NTLH, v. 19)<br />

Muitas respostas nos são oferecidas:<br />

Expectativas pessoais que são projetadas sobre nós individualmente<br />

Na família<br />

Na profissão<br />

Na vida social<br />

Nós temos expectativas a respeito de nós mesmos:


O que somos?<br />

O que ainda podemos ser?<br />

O que é a realidade diante de tantas expectativas?<br />

Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

Stress, fi-ustração, perdas e angústias são palavras pelas quais se<br />

descreve o sofrimento de que fala o apóstolo.<br />

O medo permanente de que tudo venha a ser inútil (v.20).<br />

Soluções aparecem muitas:<br />

Promessas de solução rápida.<br />

Curas para as dores do corpo e os sofrimentos da alma.<br />

MAS tudo acaba diante da palavra final de Deus:<br />

Toda expectativa que fixada em coisas deste Universo é futilidade (v. 20).<br />

Tudo mesmo?<br />

Com Jesus Cristo e ao lado dele nada é inútil, nada é vaidade, nada é<br />

fútil.<br />

Com Cristo aprendemos o sentido do sofrimento.<br />

Junto de Jesus aceitamos que as coisas deste Universo devem desaparecer<br />

Junto de Jesus conhecemos a expectativa da nova vida.<br />

Junto dele começamos a viver agora a nova vida.<br />

Na família, no trabalho, na sociedade vamos ao encontro das fnistrações<br />

e do sofrimento com a paz que nos vem da esperança que nos<br />

anima.<br />

Oferecemos a expectativa que está acima e além da realidade deste<br />

Universo.<br />

Paz110 R Weirich


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

ÚLTIMO DOMINGO DO ANO ECLES~CO<br />

Apocalipse 21.1 - 7<br />

21 de novembro de 2004<br />

1. CONTEXTO<br />

O livro de Apocalipse conta a história da vitória dc Cristo sobre o mal,<br />

especialmente focalizando a atenção no período entre a ascensão e a<br />

parousia. De maneira cíclica, a mesma verdade é mostrada mais de uma<br />

vez (assim, por exemplo, os 7 selos, as 7 trombetas e os 7 flagelos tratam do<br />

mesmo período). O capítulo 21, porém, inicia outra seção do livro, agora<br />

mostrando a realidade após aparousia. Sua ênfase esta na bem-aventurança<br />

trazida pela presença graciosa de Deus junto ao Seu povo, na nova criação.<br />

No que se refere ao contexto litúrgico, o último domingo do ano ecle-<br />

siástico enfatiza a escatologia. Cada leitura o faz de certa forma. O texto do<br />

Antigo Testamento (1s 65.17-25) é um pano-de-fundo apropriado para a<br />

leitura de Apocalipse. Numa visão profética, a era messiânica se confunde<br />

com a nova criação. O Salmo 130 traz como um dos seus temas a expecta-<br />

tiva do povo de Deus pela vinda do Senhor. O Evangelho do dia (Mt 25.1-<br />

13) faz parte do "Sermão escatológico" de Jesus, sendo um chamado a<br />

vigilância, diante da vinda do Senhor. Um tema específico em comum deste<br />

texto com o texto de Apocalipse é a descrição do relacionamento de Deus<br />

com Seu povo através da imagem de casamento.<br />

2. TEXTO<br />

V. 1 : A nova criação é descrita na Bíblia com urna linguagem figurada,<br />

para denotar a beleza e perfeição reinantes (1s 65.17-25; 11.6-9); J1<br />

3.18;Am 9.13,14; Ez47.1-12;Ap21;22).<br />

"Novo céu e nova terra" - a palavra ~atvo5 normalmente significa<br />

novo no que se refere a natureza ou i qualidade, em contraste com outro<br />

termo (vÉo~), que normalmente designa aquilo que não cxistia antes e passa<br />

a existir agora, ou seja, que é novo no que se refere ao tempo ou origem.<br />

Há uma série de novas realidades na promessa de Deus a Sua Igreja, conforme<br />

o Novo Testamento: novo homem, nova aliança, novo ensino, novo


Igreja Luterana - nu 1 - 2004<br />

mandamento, nova Jerusalém, nova criação, novo cântico, novos céus e<br />

nova terra. "Não é a origem recente do Evangelho - sua v ~ózq~, mas sua<br />

~atvózqç, sua infatigável novidade, para a qual a atenção é chamada."<br />

(SWETE, H. B., The Apocalypse of St. John, 41). "Como Irineu nota, o<br />

novo céu e nova terra correspondem ao novo homem, cuja renovação foi<br />

completada pela ressurreição." (SWETE, 275)<br />

"O mar já não mais existe" - no Apocalipse, o mar é local que lembra<br />

os poderes do mal. É do mar que vem uma das bestas que faz frente ao<br />

reino de Cristo (Ap 13) e é também o mar que separa João - no seu exílio<br />

em Patmos - das Igrejas da Ásia. O fato de não haver mar no novo mundo<br />

salienta o aspecto figurado, simbólico desta visão (do cap. 21) como de<br />

resto no Apocalipse. Afinal, o mar faz parte da criação de Deus e também<br />

sobre ele valeu o julgamento dado no Gênesis: "Muito bom". Nada há de<br />

intrinsecamente mau no mar. Ele se torna, no Apocalipse, um símbolo do<br />

mal, mas em nossa realidade continua sendo criação de Deus. Não se pode<br />

querer fazer uma imagem física do mundo após o grande julgamento, com<br />

base no "retrato" mostrado no Apocalipse. Daí também ser errônea a idéia<br />

de que haverá dois lugares: o novo céu e a nova terra, como locais separa-<br />

dos. "Os céus e terra serão unidos em harmonia, corno o lugar da presença<br />

de Deus. Este é o ponto de Ap 3.12 e 21.2,3, que descreve a Jerusalém<br />

celeste descendo. Então os seres humanos estarão em perfeito relaciona-<br />

mento com Deus, vendo-o como Ele é (1 Jo 3.2)." (Os Tempos do Fim,<br />

<strong>Concórdia</strong>, p. 35)<br />

V. 2: "A cidade santa (Nova Jerusalém) é a igreja, ... os verbos<br />

flzotpaopÉvqv 'preparada' e ~~~oopqpevqv 'adornada belamente'<br />

são particípios perfeitos passivos. ... é uma cena gloriosa, mas não<br />

há aqui teologia da glória. A beleza nupcial da igreja é uma beleza recebida,<br />

uma beleza batismal, uma dádiva de Deus. É o resultado da purificação<br />

da fé, um lavar na vida e morte sacrificiais do Cordeiro que<br />

prepara a noiva para a vida nos novos céus e nova terra." (VOGEL,<br />

Leroy, Concordia Journal Abri111992, p. 176). Na figura do noivo e<br />

noiva representando Cristo e a Igreja possivelmente duas verdades são<br />

igualmente enfatizadas: 1) a comunhão amorosa entre o Salvador e Seu<br />

povo; 2) tudo o que é do noivo, é da noiva - a Igreja recebe de Cristo<br />

Seus méritos, a começar pelo perdão purificador e renovador, justiça<br />

diante de Deus e vida eterna.<br />

V. 3: A promessa de Deus de que Ele viria a fazer Seu tabernáculo entre<br />

os homens, habitando com eles, sendo-lhes Deus e eles sendo Seu povo,<br />

se encontra no Antigo Testamento, especialmente nos profetas, que<br />

viam no futuro uma nova era da presença de Deus com Seu povo (Lv


Igreja Luterana - no 1 - 2004<br />

26.1 1s; Ez 37.27; Jr 3 1.33; Zc 8.8). Uma interessante diferença deste<br />

texto para os textos do AT é que lá se fala do haó~ (povo) de Deus e<br />

em Ap 2 1.3 temos haot (povos)! E uma referência aos muitos povos<br />

da humanidade que, redimidos por Cristo, estarão com Deus.<br />

O verbo oqvów é significativo, pois é usado também referindo-se a<br />

encamação do Verbo (Jo 1.14). Alie-se a isto o fato de que Jesus é chama-<br />

do "Deus conosco" (Mt 1.23). Na vinda de Cristo se cumpriu de forma<br />

sublime e concreta o que no Antigo Testamento fora tipificado pelo<br />

Tabernáculo - a presença de Deus junto ao Seu povo. Agora, com o novo<br />

céu e nova terra, a nova Jerusalém é uma figura para a presença constante<br />

e plena de Deus com Seu povo. A Igreja conta com a presença do Seu<br />

Senhor já agora. É uma presença mediada por instrumentos escolhidos pelo<br />

próprio Senhor, a Sua Palavra e os Sacramentos. No novo céu e nova terra,<br />

a presença de Deus é imediata. Ao vir a nós através de meios, Deus pode<br />

ser rejeitado pelo pecador. Quando Ele estiver no meio do Seu povo de<br />

forma imediata, não haverá mais possibilidade de rejeição, de abandono, de<br />

pecado.<br />

V. 4: "A verdadeira felicidade no céu nos é aqui descrita em negativos,<br />

porque é impossível com palavras humanas descrever a totalidade da<br />

bem-aventurança no céu; porque 'nem olhos viram, nem ouvidos ouvi-<br />

ram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem prepa-<br />

rado para aqueles que o amam', 1 Co 2.9." (ROTTMANN, J. H. Vem,<br />

Senhor Jesus, 297). "As primeiras coisas" - tudo aquilo que está ligado<br />

ao velho céu e terra, ao velho mundo, que deixa de existir, dando lugar<br />

a nova criação de Deus. A presença de Deus plenamente com Seu<br />

povo significa a negação de tudo o que caracterizava negativamente a<br />

vida passada. Todo o mal deixa de existir, pois o mal não pode conviver<br />

com a presença imediata de Deus.<br />

V. 5: O próprio Pai dá agora Seu testemunho, falando diretamente pela<br />

primeira vez neste livro. Assim como criou o mundo pelo poder da Sua<br />

palavra, o Pai novamente irá criar, agora um novo mundo, onde reinará<br />

plenamente justiça e santidade. O propósito da primeira criação será<br />

plenamente realizado. Não haverá nenhuma possibilidade de queda.<br />

Todas as coisas serão novas, eternamente novas, sem jamais se torna-<br />

rem corruptas ou corruptíveis.<br />

V. 6: O primeiro título empregado (Alfa e Ômega) acentua a eternidade<br />

de Deus. Na literatura rabínica as letras Aleph e Tau representavam<br />

totalidade e serviam para representar a manifestação gloriosa de Deus.<br />

Este título é usado tanto pelo Pai (1.8) como por Jesus (22.13). O se-<br />

gundo título (Princípio e Fim) relaciona Deus com sua criação. Elc é o


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Deus criador e mantenedor. Ele colocou no novo jardim a árvore da<br />

vida e a água da vida, que traz vida a todos os habitantes da nova<br />

criação. "Água da vida" lembra as palavras do próprio Jesus (Jo 4.13,14;<br />

7.37), a fonte da água da vida eterna.<br />

V. 7: Um dos grandes temas do Apocalipse é retomado: a vitória de Cristo,<br />

que é compartilhada com os crentes. Esta vitória é apresentada como o<br />

receber da herança e a linguagem empregada remete a aliança de Deus<br />

com seu povo (cf. Jr 3 1.33).<br />

3. PROPOSTA HOMILÉTICA<br />

O fim do ano (eclesiástico) nos brinda com uma mensagem que não<br />

e de fim, mas de começo, um (re)começo glorioso, da nova criação que<br />

aguardamos, e que desde já vivemos antecipadamente, pela fé em Cristo.<br />

Um tema para o sermão poderia ser: O que caracteriza a expectativa cristã<br />

não é o aguardar pelo fim, mas pelo recomeço bendito na presença de Deus.<br />

Gerson Luis Linden

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