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IGREJA LUTERANA<br />
REVISTA TEOLóGICA<br />
da Igreja Evangélica Luterana do Brasil<br />
(trimestral)<br />
Autorizada a circular por despacho doD. I. p. - Proc. 9.651-40<br />
Redatores: Prof. Dr. H. Rottmann Editôra: Casa Publicadora Concórdia S.LL<br />
Prof. ])lário L. Rehfeldt Tiragem: 350<br />
ANO XXVII PÔRTO ALEGRE 1966<br />
o DILEl\'IA<br />
HERMENÊUTICO:<br />
O Dualismo na Interpretação<br />
da Escritura Sagrada<br />
]UARTIN H. FRANZMANN<br />
trad.<br />
INTRODUÇÃO<br />
ARN ALDO SCHtJ"LER<br />
A Igreja Luterana-Sínodo de Missúridevera ter interêsse<br />
especial por questões hermenêuticas. Seguramente<br />
é grande dádiva de Deus à nossa igreja o fato dea<br />
autoridade da Escritura ainda constituir para nós duto~<br />
Í'idâde incontestada, o fato de em todo debate teológico<br />
que se fira em nosso meio se poder pressupor que todos<br />
os' participantes são os "humildes leitores" dos quais fala<br />
Lutero, que cada qual "treme diante da palávra de Deus<br />
e sempre clamá: Ensina-me! ensina-mel" Dentre todos<br />
os organismos eclesiásticos, talvez sejamos, pela graçá de<br />
Deus, o menos corroído pelos "ácidos da modernidade",<br />
o mais ingênuo em nosso santo temor da Escriturá. Não<br />
precisamos pedir desculpas por causa dessa candura. A<br />
promessa feita por Cristo às crianças também vale para<br />
o intérprete das Escrituras; quem recebe a palavra do<br />
reino "como criança", herdará o reino. E peçamos a Deus<br />
não permita venhamos a perder o sentimento de temor<br />
e tremor diante de sua palavra. Um mordomar responsável<br />
dêsses dons inclui, todavia, que não nos deixemos<br />
levar por essa ingenuidade a ultra-simplificar o problema<br />
hermenêutico, nem permitamos que nosso santo temor degenere<br />
num excessivamente humano pavor pânico que se<br />
recuse a encarar genuínos problemas hermenêuticos.<br />
A hermenêutica tem uma história longa, e em nossos<br />
tempos o debate hermenêutico é excessivamente volumo-
140 o dilema hél'menéutieo<br />
30, variado, e, por ora, inconcluso. Ê característico e sig~<br />
nificativo que nos últimos anos apareceram muito pouca.s<br />
obras abrangentes no setor da hermenêutica. Das que<br />
vieram a lume a de Kurt Fror 1 talvez seja a que melhor<br />
base oferece para uma discussão hermenêutica em nossa<br />
igreja hoje. Mostra grande familiaridade com os debates<br />
e a literatura hermenêutica corrente. Teologicamente, ocupa<br />
posição média: não está tão longe das nossas preocupações<br />
de luteranos conservadores como a Hermeneutik<br />
de E. Fuchs 2, por exemplo. E, acima de tudo, éprática<br />
em Seus desígnios. Isto a aproxima de nós,quenão<br />
vemos a teologia em primeiro lugar como disciplina erudita,<br />
como Wissenschaft, mas como habitus practicus. O<br />
subtítulo do livro indica que êle se ocupa com os nossos<br />
interêsses: Zur Schriftauslegung in Predigt und Unterricht<br />
No prefácio Fror cita com aprovação o dito de G. Ebeling<br />
de que o problema hermenêutico experimenta sua "concentração<br />
extrema" no ato da pregação (pág. 5), e continua:<br />
nA consideração de problemas hermenêuticos deve<br />
ser levada até o ponto em que o ouvinte é realmente confrontado,<br />
na pregação, na instrução catequética, e na instrução<br />
bíbiica. Esta confrontação ou encontro ocorre, em<br />
sua forma primária, e de um modo que o torna paradigma<br />
para todos os demais encontros na congregação reunida que<br />
ouve a palavra do Cristo ressurreto e a êle se dirige.co~<br />
mo ao Senhor presente e retomunte da Igreja. A hermenêutica<br />
teológica não pode ignorar esta situação, dada e<br />
básica, da interpretação da Escritura, em qualquer ponto<br />
de seu pensamento teorético ou em qualquer estágio de<br />
sua aplicação prática" (pág. 5) 3. Concordemos ou não<br />
com êsse pensamento hermenêutico e com os principias<br />
hermenêuticos dêle resultuntes, o fato é que Frar está fazendo<br />
a nossa pergunta hermenêutica. E um diálogo com<br />
êle promete ser de proveito.<br />
Onde começará o diálogo Depois de um capitulo<br />
introdutório, no qual desenvolve a idéia expressa no prefácio<br />
e segundo a qual o Sitz im Leben primário e próprio<br />
da interpretação bíblica é a igreja em assem:!;>léia<br />
(páginas 11-19), Frar esboça a história da interpretação<br />
bíblica (páginas 20-46). No terceiro capítulo discute oito<br />
questões básicas da hermenêutica bíblica: 1. o método<br />
histórico; 2. a questão da exegese sem pressupostos; 3.<br />
L Kurt Fror, Biblische Hermeneutik (Munique, Chr, Kaiser Ver<br />
larg, 1961).<br />
2. Ernst FllChs, Hermeneutik (Bad Cannstátt, R. MUllerschõn<br />
Verlag, 1954) .<br />
3. Cf. também ó primeiro capitulo de 'F"eür: "Was heisst theologisehe<br />
Schriftauslegung " ....:.. págirtas11"líL
o dilema hermenêutico<br />
141<br />
Vorverstandnis (précentendimento); 4. o círculo hermenêutico;<br />
5, o dualismo na interpretaç-ão bíblica; 6. interpretação<br />
como encontro entendedor cOm o texto; 7. o câno,.<br />
ne como contexto; 8. o prestar ouvidos à história da interpretação.<br />
É digno de nota o fato de que dessas· oito<br />
questões básicas duas' versam a questão da história da<br />
interpretação, a saber, a primeira (o método histórico) e<br />
a quinta (o dualismo na interpretação bíblica). E em tô.:.<br />
das as secções subseqüentes da obra de Fror o problema<br />
da história tem a correspondente proeminência. Limitarnoscemos,<br />
por isso, a essa questão no presente ensaio.<br />
I -- O PROBLEMA DO HISTORICISl\fO<br />
Conforme mostra seu esbôço da história da interpre·<br />
ta
142 o dilema hermenêutico<br />
ção da ênfase reformatória no sensus literalis sive historicus.<br />
"O método histórico inquire hoje quanto aêsse sen~<br />
tido literal e histórico dos textos. Só que emprega, aofazé-Io,<br />
as técnicas de uma ciência da história plenamente<br />
desenvolvida. Para nós, em nosso lugar na história da<br />
cultura, é o meio mais seguro de que dispomos para resguardar<br />
os textos contra interpretações arbitrárias, ouvin~<br />
do-os, destarte, como a Reforma queria ouvi-Ias" (páginas<br />
48 e 49). Os textos bíblicos são testemunhos da atividade<br />
criadora de· Deus na história. "t:stesatos são, como<br />
ocorrências históricas (in ihrer Vorfindlichkeit) ,história<br />
inteiramente humana e terrena, não discerníveis como atos<br />
de Deus por qualquer critério exterior. São, por isso, objeto<br />
legítimo de investigação histórica crítica, que procura<br />
determinar "o que realmente aconteceu". O método histórico<br />
não deve ser aplicado com relutância ou comreservas,<br />
senão que livremente. Devemos "reconhecer seu<br />
significado eminentemente positivo para aiarefa da inter~<br />
pretação e usá-Io devidamente" (pág. 49).<br />
"Usá-Io corretamente" ~ êsteé o problema. Frarreconhece<br />
o problema e a êle volta na secção intítulada "O<br />
Dualismo da Interpretação Bíblica" (páginas 56 a 60). O<br />
"dualismo" aí referido está na frincha que existe entre a<br />
inteligência histórica do texto e uma inteligência e apro'<br />
priação genulnamente teológica, ou religiosa. "Onde a<br />
exegese assume os métodos da história científica geral e<br />
trata os textos bíblicos como documentos históricos, a interpretação,<br />
ao parecer, deve tornar-se, inevitàvelmente e<br />
por princípio, operação em dois níveis. Encontramos êsse<br />
modo de operação onde intérpretes primeiro trabalham de<br />
modo puramente histórico e em seguida tentam ultrapassar<br />
uma abordagem puramente histórica através de<br />
segunda investigação (desta feita teológica) dos textos"<br />
(pág. 56). Frar rejeita as tentativas pretéritas de uma<br />
"exegese pneumática" ou "supra-histórica", concedendo,<br />
entretanto, que "apontam c:laramente para uma dificuldade<br />
criada pela metodologia histórico-crítica e ainda não resolvida"<br />
(pág. 57). Em sua opinião, também a exegese<br />
existencial de Bultmann não logra superar o dualismo criado<br />
pela abordagem histórico-crítica com seuS pressupostos<br />
positivistas.<br />
A solução que Frar aventa para o problema começa<br />
pelo reconhecimento do fato de que no conhecimento e<br />
entendimento científicos há notório consenso no sentido de<br />
que "os métodos da investigação histórico-crítica são indispensáveis.<br />
Apenas acontece que êsses métodos têm a<br />
gora, na escala de valores, lugar diverso do que tinham<br />
nos dias do positivismo" (pág. 58). Isto é, no entendimen-
o àiiema<br />
hermenêutico<br />
143<br />
to hodierno da história a observação dos fenômenos de<br />
uma tradição histórica não é separada, como se fôsse operação<br />
distinta, do encontro existencial, simpático, com a<br />
tradição. lÜ-:tes, as duas operações realizam-se simultâneamente<br />
Fror cita com aprovação a O. F. Bollnow: "De<br />
modo r:e::Ú"mmexiste aqui um antes ou depois, senão que<br />
apenas t:m Miteinander no processo concreto do entendirr:e,,:c:rpreciativo"<br />
(pág. 59). Aplicado à interpretação<br />
ci·::Escritura, isto significa: "Não se pode explanar primei:-o<br />
todo o evento (bíblico) em têrmos de causa e efeito<br />
dentro da história e na base de analogia universal, para<br />
levantar, depois de terminada essa tarefa, a questão<br />
do operar criador de Deus na história. Nesse procedimento<br />
em dois níveis os resultados se entrechocariam ou se<br />
anuloriam mutuomente" (pág. 59). No entender de Frar<br />
o dualismo na interpretação da Bíblia só pode ser superado<br />
quando o trabalho histórico-crítico se estende a todo<br />
o processo hermenêutico: "A questão do sentido histórico<br />
de um texto não pode ser isolada do contexto total da<br />
'Escritura e do entendimento que da Escritura tem a igreja<br />
que ouve e confessa" (pág. 60),<br />
Frar colocou bem o problema, Uma separação estrita<br />
entre' a interpretação histórico-crítica de um lado e uma<br />
interpretação puramente teológica de outro, dá como resultado<br />
uma operação em dois níveis ou dois estágios,<br />
cujos resultados estão condenados a não se harmonizarem<br />
entre si ou então podem coexistir em uma mesma mente<br />
apenas numa espécie de tensão esquizofrênica. Por exemplo:<br />
o Paulo da epístola aos gálatas, quando visto de um<br />
modo "puramente histórico", seria figura bem diversa do<br />
Paulo visualizado como São Paulo, de um ponto de mira<br />
religioso, teológico, espedficamentecristão. O historiador<br />
objetivo (ainda que tente ser um observador simpático)<br />
bem poderia concluir que êsse brilhante gênio religioso do<br />
primeiro século, que de algum modo fôra convertido do<br />
judaísmo estritamente farisaico ao cristianismo, é (malgrado<br />
seu fervor genul.namente religioso, seu zêlo religioso<br />
consumidor e o amor ardente por seus convertidos) um<br />
caráter desequilibrado, um homem altamente subjetivo, incapaz<br />
de visão equilibrada e ecumênica de diferenças<br />
religiosas, muito agitado, um polemista desleal, despido de<br />
sentimento para com os interêsses justificados de seus o<br />
ponentes, não acima da fraqueza de empregar exegese<br />
rabínica forçada e inconvincente para alcançar seu objetivo,<br />
indisciplinado na invecíiva, brutal em seu anátema .<br />
O historiador objetivo está obrigado a considerar tôda prova<br />
e dará o devido valor à opinião dos oponentes de Paulo<br />
tal como se reflete na carta. Já que Paulo, não seus
O· dilema hermenêutico<br />
oponentes, deixou o registro, é provável que o historiador<br />
estará inclinado, lealmente, a conceder aos oponentes ao<br />
menos pêso igual ao do auto-testemunho de Paulo. E assim<br />
surge o dilema do dualismo: haverá alguma via que<br />
leva desta figura histórica ao "apóstolo, não da parte de<br />
homens, nem por intermédio de homem algum, mas por<br />
Jesus Cristo, e por Deus Pai", o apóstolo no qual Cristo<br />
fala, cuja palavra é a palavra de Deus<br />
A solução que Fror oferece para o problema do dualismo<br />
certamente é um movimento na direção acertada,<br />
e é boa até o ponto a que vai. Mas quando se inspeciona<br />
sua obra, justifica-se a pergunta: encarou êle inteiramente<br />
a questão envolvida e sua resposta é suficientemente<br />
radical para poder ser considerada resposta real Indicou<br />
êle, de maneira suficiente, como opera, precisamente, o<br />
processo histórico-crítico Conseguiu êle realmente trazer<br />
o "senso histórico" a seu lugar apropriado dentro do contexto<br />
total da Escritura e a uma relação harmoniosa com<br />
o entendimento que da Escritura tem a igreja que ouve e<br />
confessa<br />
A concepção de Fror quanto à maneira em que o trabalho<br />
histórico-crítico deve ser integrado no todo do processo<br />
hermenêutico fica bem ilustrada com. sua discussão<br />
sôbre saga e legenda nos relatos bíblicos (pág. 81): Segundo<br />
uma lei da história, a saga e a lenda se apoderam<br />
de eventos e figuras que são objeto de especial veneraçãoo<br />
A tradição procura tornar manifesta a operação d0<br />
podêres divinos e verificar, ou atestar, seus efeitos graciosos.<br />
Por isso está necessàriamente sujeita à lei dasô.<br />
bre-exaltação, do encarecimento e da proliferação. Isto<br />
por sua vez provoca um processo de peneiramento e poda.<br />
Mas apenas o criticismo histórico ataca metàdicamente a<br />
tarefa de pôr a descoberto o "núcleo histórico" escondido<br />
na tradição. :t:sse procedimento constitui, todavia, a última<br />
fase da história oda tradição. Também as tradições bíblicas<br />
estão sujeitas a êsse processo regular e recorrente.<br />
É esta uma das partes de seu caráter humano e de sua<br />
historicidade, e apenas um terrível mal-entendimento positivístico<br />
da "credibilidade" da Bíblia julga necessário negar<br />
isso em razão da fé, Seria altamente inatural se pre.<br />
cisamente aquêles eventos que formam o alicerce da tra~<br />
dição bíblica, não tivessem dado origem a êsse processo<br />
de adôrno e encarecimento. Que se pudessem tecer nar.<br />
rativas lendárias em tôrno da figura de Jesus é parte de<br />
sua humanidade terrena, narrativas destinadas a exaltar<br />
e louvá-lo com os meios que a igreja crente tinha a sua<br />
disposição.
o dilema hermenêutico<br />
145<br />
Antes de entrar no debate sôbre as implicaçõesteológicas'<br />
de semelhante declaração, é bom ilustrar as repercussões<br />
práticas do princípio. A maneira como Frar<br />
trata da interpretação das narrativas sôbre a infância de<br />
Jesus constitui bom exemplo (páginas 278 a 286). É o que<br />
se esperaria se a "lei da história" afirmada por Frar devesse<br />
ser aplicada de modo consistente. Vê êle, corretamente,<br />
que estas estórias da infância de Jesus estão dominadas<br />
por dois motivos: a expectativa do cumprimento veterotestamentário<br />
e o fato de que estas estórias também formam<br />
parte da proclamação pós-pascoal do Senhor crucificado,<br />
ressuscitado e exaltado de tôda a criação. "A luz<br />
da declarada intenção escatológica dessa proclamação deve<br />
entender-se a historização do a-histórico que é peculiar<br />
a essas narrativas. O. credo escatológico da igreja<br />
formou e expandiu ativamente a tradição e lhe impôs traços<br />
legendários" (página 279). Se a "lei da história" (que<br />
pessoas e eventos·, venerados estão sujeitos à exposição<br />
lendária) é válida para tôda pessoa e evento venerado, éste<br />
seria o caminho para considerar e avaliar as narrativas<br />
da infância de Jesus. Frar cita com aprovação (pág. 282)<br />
uma palavra de Kdsemann que estende essa avaliação a<br />
todo o evangelho segundo Mateus: "Tôda a história de<br />
Jesus oferecida pelo primeiro evangelista não só é vista<br />
do ponto de mira da escatologia; também foi configurada<br />
por ela. Isso tomou possível o fato de que, a real história<br />
de Jesus fôsse entrelaçado com material da tradição, material<br />
que deve ser designado como sendo, em si mesmo,<br />
a-histórico, lendário, mítico." É de notar que Frar concede<br />
ter o autor do evangelho considerado essas tradições como<br />
sendo históricas (página 282). A "lei da história" o<br />
leva a interpretar contra a intenção do evangelista.<br />
Efeito ainda mais vasto da operação de uma "lei da<br />
história" se vê na secção de Frar sôbre Überlieferungsgeschichte<br />
und Vergegenwartigung (páginas 243 o 253).<br />
Diz éle que por trás dos documentos neotestamentários há<br />
uma longa e complicada tradição, e acrescenta que, só<br />
tratando essa história da tradição e reconstruindo a única<br />
e irrepetível situação da igreja em que determinado<br />
texto (ou algum elemento anterior déle) foi pela primeira<br />
vez produzido, está o pregador habilitado a proclamá··<br />
10 hoje à igreja de maneira relevante. Em outras palavras:<br />
estudo ou investigação crítico-formal, de história da<br />
tradição e de história da redação de um texto, é indispensável<br />
caso se queira pregar apropriadamente sôbre o texto<br />
hoje (página 243). Agora, a "lei" que opera em cada<br />
estrato do processo da tradição pode ser formulada como<br />
segue: "Atualização - reinterpretação - variação" (pá-
146 o dilema hermenêutico<br />
gina 245). Isto é, tôda vez que uma palavra, uma parábola<br />
ou um milagre de Jesus era proclamado à igreja pri~<br />
mitiva, reinterpretava-se a coisa à luz das necessidades e<br />
dos problemas de então, e se mudava ou reformulava a<br />
coisa para ir ao encontro dessas necessidades. Na verdade,<br />
o processo de atualização foi tão longe, ao ponto<br />
de palavras de profetas cristãos haverem sido atribuídas<br />
ao Jesus histórico (página 245).<br />
A tarefa do pregador inclui necessàriamente a Sachkritik,<br />
crítica da substância da mensagem neotestamentária<br />
tal como está diante de nós por escrito. Pois, de acôrdo<br />
com o estudo histórico do Nôvo Testamento, estas variações<br />
na atualização da tradição não se complementam meramente;<br />
contradizem-se. O pregador exegeta deve determinar<br />
então, à base do contexto total do cânone neotestamentário,<br />
"se uma proclamação feita para essa ou aquela<br />
situação concreta realmente se desincumbiu de maneira<br />
adequada de sua obrigação, ou se essa proclamação<br />
desfigurou, torceu, abreviou ou enfraqueceu" a substância<br />
da tradição - (página 251). Isto, sem dúvida, toma<br />
mais difícil a tarefa do pregador. tle não mais tem que<br />
haver-se apenas com determinado texto, mas também com<br />
a história do texto. Por outro lado, isso tem um efeito "libertador"<br />
sôbre o pregador, pois agora o texto não mais<br />
o prende de maneira "legalística", e o pregador tem a<br />
mesma "liberdade para variação" que o autor do texto<br />
reivindicou para si (página 253).<br />
Fror adverte dos perigos que cercam o pregador e<br />
urge com o pregador para que se submeta à "disciplina<br />
do Espírito" ao exercer esta liberdade "carismática". Diz<br />
êle: "A liberdade de variar só pode ser fecunda quando<br />
exercida com obediência, autodisciplina e responsabilidade<br />
(página 253). E Fror muitas vêzes evidencia em seu<br />
livro que tem o propósito de obedecer a suas próprias admoestações.<br />
Seu tratamento dos milagres de Jesus, por<br />
exemplo (páginas 318 a 331), não faz concessões à "mentalidade<br />
moderna", contém profundas introvisões teológicas<br />
e dá sadias advertências e sugestões ao pregador. Aqui,<br />
a "lei da fatura de lendas" recebe escassa atenção (páginas<br />
319 e 329).<br />
Fror é relativamente conservador na aplicação de seus<br />
princípios histórico-críticos. Mas não há razão para que<br />
o seja. Um princípio, ou método, não deve ser aplicado<br />
da maneira "conservadora" ou "radical" - deverá simplesmente<br />
ser aplicado de maneira consistente. Por isso,<br />
os que trabalham com o método de maneira mais "radical"<br />
sempre podem repreender aos mais "conservadores"<br />
de incoerência. Razão por que não é deslealdade. citar
o dílema hermenêutico<br />
147<br />
exemplos de um uso mais "radical" do método a fim de<br />
ilustrar sua tendência e suas conseqüências,<br />
Assim, Ernst Lohmeyer, em seu comentário sôbre a<br />
cura do paralítico (Marcos 2.1-12)·, emprega metodologia<br />
muito semelhante à recomEmdada por Fror e é levado<br />
a negar que a secção central (Jesus pronunciando o perdão<br />
e discutindo com os escribas, versículos 5 a 10) seja<br />
parte da tradição original. E vai além, negando a historicidade<br />
do incidente: a igreja primitiva pôs nos lábios<br />
de Jesus essas palovras que marcam sua presença na Terro<br />
como sendo a presença de Deus:<br />
Quem perdoa tódas as tuas iniqüidades;<br />
quem sara tódas as tuas enfermidades (Salmo 103, 3) .<br />
A gente se dá conta do impacto total da metodologia<br />
histórico-crítica quando se vê seu resultado compendiado<br />
no artigo "Jesus Cristo", de F. C. Grant, na obra<br />
The Interpreter's Dictionary oi the Bible". Para citar alguns<br />
exemplos: Grant é de opinião que a norrativa sóbre<br />
a infância de Jesus que se encontra em Mateus 1 a<br />
2 "é muito menos inspiradora que a de Lucas; assemelha-se<br />
às estórias iantasiosos mas pedantes que se encontram<br />
na midrash judaica posterior, as quais, via de regra,<br />
começavam com um texto ou textos, e então "recriavam<br />
a cena" através de livre vôo da fantasia, fabricando muitas<br />
vêzes eventos históricos para corresponder às necessidades<br />
do exegeta ou do pregador. Isaías 7, 14 é interpretado<br />
agora como predição do noscimento de Jesus,<br />
embora não se encontre nenhuma sugestão da idéia (do<br />
nascimento virgem) em qualquer outra parte do 'Nóvo Testamento."<br />
(página 880).<br />
Quanto à tentação de Jesus, diz Grant: "No que diz<br />
respeito à forma, talvez seja uma meditação sôbre a história<br />
deuteronômica da nação.,. antes que uma narrativa<br />
autobiográfica dos próprios lábios de Jesus. Fica mais<br />
uma vez claro que as fontes dos evangelhos incluíam o<br />
Antigo Testamento, o qual, com respeito à vida de Jesus,<br />
era considerado de autenticidade e autoridade iaual à das<br />
tradições da igreja,. A narrativa da tentaçã; nos fornece<br />
um conhecimento íntimo de uma visão amplamente<br />
difundida entre o cristianismo primitivo quanto a Jesus,<br />
sua natureza, sua missão e seu feito," (página 881). Mais<br />
Cldiante Grant acentua, contudo, que "a narrativa da tentação<br />
é tão fiel ao caráter todo de Jesus, conforme o pin-<br />
4. Ernst F. Lohmeyer, Das Evangelium des Markus (Gotinga,<br />
Vandenhoeck & Ruprecht, 1937), páginas 50 e 54~<br />
5. GeorgeArthur Buttrick, editor, The Interpreter's Dictionary<br />
oi the Bible (Nashville, Abingdon Press, 1962), rI, 869-896.
148 o dilema hermenêutico<br />
tam os evangelhos, que fornece a chave para o início de<br />
seu ministério" (página 891).<br />
A declaração beatíhcadara sôbre o Pedro confessor<br />
de Cesaréia de Filipo é tratada como segue: "A bênção<br />
pronunciada sôbre Pedro, em Mateus 16.17-19, que implica,<br />
da parte de Jesus, plena consciência e propó~ito "m:-essiânicos"<br />
, é reconhecida hoje, em largos círculos, como<br />
piedosa teorização ou fantasia no interêsseda suprema<br />
autoridade de Pedra como o intérprete cristão da lei e o<br />
expositor do dever cristão .. ' A antiga igreja da Palestina<br />
ou de Antioquia, onde Pedro se poderia ter tornado o primeiro<br />
papa, não o tivesse reclamado Roma." (página 892).<br />
De acôrdo com Grant, o Jesus dos sinóticos "não faz<br />
de si mesmo o centro de seu ensino, nem exige submissão<br />
ou lealdade a êle como condição de ser admitido no reino<br />
de Deus (os ditos que tratam de lealdade em caso de<br />
perseguição, mesmo de perseguição até c[ morte, àbviamente<br />
refletem as condições da igrejo: primitivo:, que se<br />
defrontava com o: ameaço: de extermínio, ou por parte da<br />
s.inagoga judaica, ou do Estado Romano, ou da parte de<br />
ambos" (página 892). De acôrdo com isso, lJma grande<br />
declaração cristológica como a de Mateus 11.25-27 muito<br />
provàvelmente se originou "de meclitações e devoções do<br />
cristianismo primitivo, da mesma forma como grande parte<br />
do material (igualmente poético) dos discursos do quarto<br />
evangelho." (página 892).<br />
Grant classifica o Jesus histórico como profeta (página<br />
893), mas parece não lhe. reconhecer nem ao menos<br />
introvisão profético: quanto ao futuro: "A opinião de que<br />
primeiro o evangelho deve ser pregado a tôdas as nações<br />
(Marcos 13.10; 14 9) e que depois disso virá o fim (Mateus<br />
24. 14), seguramente é opinião posterior. Confronte-se<br />
com essa opinião a idéia de I Carínhos 15 24, que não<br />
enfatiza a pregação." (página 885).<br />
Sôbre as palavras de Jesus aos doze, em Mateus 10.5<br />
(sua ordem no sentido de que não fôssem aos samaritanos<br />
ou aos gentios), Grant afirma que isso "agora é interpretado<br />
como refletindo os pontos de vista da ala ultradireitista<br />
dos cristãos judeus .. , antes que os próprios<br />
princípios de Cristo" (página 885). A história do amaldiçoamento<br />
da figueira, no registro que dêle faz Mateus,<br />
"torna-se uma lição em matéria de maldição exitosa!" e<br />
"êsse quadro de um profeta ou varão santo desapontado,<br />
ressentido e vingativo não é digno de Jesus, e conflita com<br />
a representação que usualmente se faz dêle nos evangelhos"<br />
(página 890). As predições de Jesus sôbre sua Paixão<br />
"são retroprojetadas, por Marcos, para o ministério galileu,<br />
presumivelmente no intuito de mostrar que Jesus não
o diletrrahennenêutico<br />
149<br />
foi pegado de surprésa em Jerusalém e que já sabia de<br />
antemão o que estava fazendo (I=
150 o dilema hermenêutico<br />
cláusulas, como metodologia, sem por ora questionar seus<br />
pressupostos. Por exemplo: deriva-se a "lei" da feitura de<br />
lendas da observação dos próprios textos bíblicos ou é<br />
ela importada para dentro do domínio bíblico de alguma<br />
outra parte Onde estamos em posição de poder observar<br />
a feitura de lendas em processo, verificamos que os<br />
escritores do Nôvo Testamento são severamente intolerantes<br />
com essa feitura. A cristologia docetista introduzida<br />
nas congregações da Ásia Menor (por Cerinto) é uma<br />
espécie de embelezamento lendário da história de· Jesus<br />
de Nazaré. A primeira epístola de João se opãeaisso reafirmando<br />
o fato evangélico original e básico de Jesus como<br />
o Cristo que veio na carne, visível, audível e palpàvelmente,<br />
e ferreteando a "lenda" como produto do espírito<br />
do Anticristo. O clima da igreja primitiva não parece<br />
ter sido favorável ao crescimento exuberante de lendas.<br />
E qual a situação com respeito à "lei" da recorrente<br />
atualização - reinterpretação - variação da proclamação<br />
do evangelho A gente se espanta ao ver a segurança<br />
com que eruditos fazem distinções e juízos respeito aos<br />
vários "estratos" das tradições encerradas nos evangelhos<br />
escritos. O leitor não iniciado dificilmente adivinhará quan~<br />
ta coisa nesses estudos está na dependência de conjetura,<br />
reconstrução ehipótesesi com todos os perigos de julgamento<br />
subjetivo e interpretação errônea involuntária dos<br />
dados que assistem a essas tentativas no sentido de penetrarnos<br />
bastidores do evan.gelho à cata de formas literárias<br />
ou tradições não literárias de época anterior. O<br />
solo sob os pés da erudição não é tão firme aqui como<br />
talvez se poderia supor, e o consenso entre os eruditos de<br />
forma nenhuma é tão grande como F. C. Grant (com muitas<br />
outras exposições populares) sugere. Mas à margem<br />
disso, qual a evidência do próprio Nôvo Testamento em<br />
casos onde podemos realmente observar o processo I Coríntios<br />
15 é um caso dêsses. Aqui Paulo se sente obrigado<br />
a "atualizar" de nôvo o evangelho à vista do fato de<br />
que em Corinto havia "alguns" que negavam a ressurreição<br />
dos mortos. De que maneira Paulo "atualiza" o evangelho<br />
Acaso o reinterpreta e modifica Não parece. Leva<br />
seus leitores de volta ao catecismo menor de Corinto: "Irmãos,<br />
venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o<br />
qual recebestes e no qual ainda perseverais; por êle também<br />
sais salvos, se retiverdes a palavra tal como vo-la<br />
preguei (I Coríntios 15.1,2). Repete, nos têrmos mais simples,<br />
os fatos básicos do evangelho (I Coríntios 15.3-11).<br />
E tudo o que se segue no capítulo quinze não é, para Paulo,<br />
uma "reinterpretação" ou "variação" do evangelho, senão<br />
que simplesmente uma explicitação do que já está im-
o dilema hermenêutico<br />
151<br />
plícito naquele evangelho. Podemos lembrar, nesta conexão,<br />
como Paulo se refere a tôda a riqueza de sua profunda<br />
atualização do evangelho em sua epístola aos romanos<br />
como "remembrança" do que seus leitores romanos<br />
já SClbiam (Romanos 15.15).<br />
Por certo que há variações nos relatos dos evangelhos.<br />
Certamente cada um dos evangelhos tem sua tônica<br />
própria e seu impulso querigmático individual. E ainda<br />
que não estejamos tão convencidos como Ireneu da divina<br />
"necessidade" de exatamente quatro evangelhos, a quaternidode<br />
de nosso evangelho não é acidental, e cabe a<br />
nós, na qualidade de ouvintes submissos da Palavra, es,<br />
cutar cada evangelho tal como nos fala em sua linguagem.<br />
Mas será que a variação e a individualidade dos evangelhos<br />
nos autorizam a estabelecer um esquema como o de<br />
Frar (Cltualização ~ reinterpretação - variação) e impô<br />
10 a êles E é preciso dizer que o esquema é impôsto.<br />
Frar pode dizer do evangelho segundo Lucas: "Nesta nova<br />
interpretação da tradição a expectativa do fim corno<br />
iminente é radicalmente expungida" (pág. 248). A luz de<br />
Lucas 9.27, 21.32,33,34,36, isto só pode ser chamado de<br />
crasso exagêro.<br />
A afirmação de que as palavras de profetas cristãos<br />
inspirados não eram distinguidas rigorosamente das palavras<br />
do Jesus histórico, sendo, por isso, livremente injetadas<br />
no registro do ministério terreno de Jesus comO verdadeiras<br />
palavras dêle - essa afirmação também pode<br />
ser testada. As cmtas de Apocalipse 2 e 3, onde o Cristo<br />
exaltado fala através do Espírito a suas igrejas, muitas<br />
vêzes são citadas como evidência do funcionamento dêsse<br />
processo. Mas é difícil ver a fôrça dessa evidência. O<br />
profeta em Patmos, no Espírito, no dia do Senhor, é o<br />
porta-voz de Cristo, e suas palavras são as palavras de<br />
Cristo. Mas êle em parte nenhuma atribui estas palavras<br />
ao Jesus histórico, nem diz que elas foram pronunciadas<br />
por êle nos dias de sua carne. Paulo, de maneira semelhante,<br />
ouviu as palavras de seu Senhor exaltado e as<br />
registrou (lI Coríntios 12.9). E êsse mesmo Paulo, que<br />
afirma estar Cristo falando nêle (lI Coríntios 13.3) e através<br />
dêle operando em palavra e ação (Romanos 15.18),<br />
distingue claramente entre sua própria palavra e a palavra<br />
falada por Jesus nos dias de sua carne (I Coríntios<br />
7.10,12,25,40) .<br />
A afirmação de F. C. Grant de que o Antigo Testamento<br />
foi, para a primeira igreja, "fonte" autêntica da vida<br />
de Jesus é, em primeiro lugar, exageração injustificada<br />
do fatode que as primeiras testemunhas de Jesus proclamaram<br />
~que êle viveu, morreu e ressuscitou "segundo as
152 o dilema hermenêutico<br />
Escrituras". Em segundo lugar, a tese prejulga tóda a<br />
questão da relação entre o Antigo Testamento e o Nóvo,<br />
a questão da promessa e do cumprimento.<br />
À luz de considerações como estas, não se pode assentir<br />
à reivindicação de Frer de que o método histórico<br />
"é o meio mais seguro que temos para preservar os textos<br />
contra interpretação arbitrária" (pág. 49). Será que o<br />
método realmente serve para tornar possível o que FrÓr<br />
chama "encontro inteligente com o texto" (pág. Cl) :Não<br />
é antes assim que o método se põe entre o intérprete e o<br />
texto, impossibilitando um encontro genuíno com o texto e<br />
uma descoberta real da intenção do texto Ernst Fuchs,<br />
que certamente não se opoe ao método histórico por princípio,<br />
disse, a êsse respeito, palavras que assustam e tornam<br />
sóbrio o investigador atento:<br />
O método histórico-crítico da interpretação bíblica não<br />
é só o resultado do fato de haver aberto mão, no século<br />
dezoito, da doutrina da inspiração verbal do protestantismo<br />
antigo; é, mais do que isso, a variante moderna do<br />
princípio da tradição na interpretação da Bíblia que prevalecia<br />
na igreja antiga e medieval. Da mesma formacomo<br />
os homens, muito antes da Reforma, enfatizaram a tradição<br />
viva como paralela à Escritura Sagrada, assim a exegese<br />
histórico-crítica pós a história em paralelo com aBí,<br />
blia. Mais ainda: assim como Escritura e tradição não<br />
eram meramente coordenadas na igreja mais antiga (de<br />
tal sorte que decisões dogmáticas podiam ser tomadas pela<br />
igreja ... e a interpretação bíblica tinha que submeterse<br />
a elas de facto), assim a exegese histórico-crítica da<br />
Bíblia subordinou a Bíblia à história, removendo, com isso,<br />
da Escritura o predicado que a marca como sendo su.<br />
perior ao mundo: o predicado "Santa". G<br />
Se há verdade nestas palavras (e estou convencido<br />
que há), então não podemos pôr ponto final depois de<br />
fazer uma crítica da metodologia histórico-crítica como<br />
metodologia. N60 podemos concordar com Frar quando<br />
diz que, embora "as técnicas estejam sempre sujeitas a<br />
melhora e seus resultados sempre sujeitos a correção", "tudo<br />
isso só pode ocorrer, todavia, dentro do domínio do pensamento<br />
histórico e não pode significar nenhum afastamento<br />
déle em princípio" (pág. 48). O que deve acontecer<br />
é o seguinte: devemos abandonar "por princípio" o<br />
"histórico" tal como foi definido desde o Iluminismo se<br />
quisermos neutralizar o feitiço do historicismo e superar o<br />
"dualismo na interpretaçÔo", que o próprio Frei censurq,<br />
ô. Fuchs, páginas 159 e 160.
o dilema hermenêutico<br />
153<br />
mas ao qual não superou. Nossa crítica não deve ser meramente<br />
metodológica; deve ser teológica.<br />
n - A SUPERACAO DO DUAI..•IS~fO NA<br />
INTERPRETAÇÃO DA BíBLIA<br />
Por que Fror não conseguiu superar o dualismo na<br />
interpretação bíblica que êle mesmo reconhece e lamenta<br />
Conforme licou dito, a falha não o é meramente em<br />
método como tal, e qualquer crítica justa de sua posição<br />
não deve ser meramente metodológica mas teológica.<br />
"Teológico", entretanto, não quer dizer que devemos a<br />
bandonar a história e tornar-nos a-históricos ou até antihistóricos<br />
em nosso entendimento e interpretação da Bíblia.<br />
Isto não seria genuinamente teológico, pois a Bíblia "pensa<br />
histàricamente". O Deus da Bíblia não é o Deus dos filósofos,<br />
ser eviterno, mas o Deus de Abraão, de Isaque e<br />
de Jacó, "der Ewig-tatige". E a mensagem fundamental<br />
e onicontroladora da Bíblia não é idéias eternas mas boas<br />
novas, notícias novas do que Deus fêz por nós e por nossa<br />
salvação. Fror está certo ao considerar "o contexto total<br />
da Escritura" quando procura superar o dualismo que<br />
atormenta a interpretação bíblica moderna. Também está<br />
certo ao insistir que devemos continuar a interpretar histàricamente.<br />
Além disso, a "igreja que ouve e confessa",<br />
igreja para cujo entendimento da Escritura Fror apela,<br />
também pensa histàricamente. Os credos da igreja, a extrema<br />
concentração da Palavra de Deus por que a igreja<br />
vive, são históricos - referem os poderosos atos de Deus,<br />
passados, presentes e futuros.<br />
O fracasso de Fror não é devido a sua insistência em<br />
pensar e agir histàricamente mas à sua tentativa de introduzir<br />
uma concepção essencialmente secular no todo<br />
do trabalho hermenêutico-teológico em tôrno dos textos bíblicos.<br />
Isto se evidencia quando diz, em sua avaliação<br />
positiva do método histórico:<br />
Os textos bíblicos estão conscientes do fato de serem<br />
testemunhos da ação criadora de Deus na história. Mas<br />
a presença eficiente de Deus na história é presença oculta,<br />
presença oculta sob a cruz. A história da ação criadora<br />
de Deus não pode, por isso, Ser distinguido objeti~<br />
vamente do restante dos eventos que ocorrem entre piedosos<br />
e ímpios. Esta história só pode ser reconhecida, confessada<br />
e proclamada na fé. Esta história, tal como a encontramos,<br />
é história inteiramente humana e terreno. Não<br />
há critérios exteriores pelos quais possamos determinar<br />
que o próprio DeUSestá em ação aqui. É, por conseguinte,<br />
função legítima da teologia investigar eSsa história com
154 o dilema hermenêutico<br />
todos os meios à nossa disposição, a fim de demarcar e<br />
reconhecer, o mais claramente possível. as "crateras" deixadas<br />
pela ação eficaz de Deus na história, sopitando nosso<br />
desejo compreensível de têrmos a ação divina posta<br />
diante de nós em dourada glória. E nisto o método histórico,<br />
com seu inquérito quanto a como as coisas realmente<br />
aconteceram, pode prestar-nos real serviço (pág. 49).<br />
Em dois pontos dessa afirmação Frar indicou estar<br />
operrmdo com pressupostos derivados não do contexto total<br />
da Escritura e do entendimento que da Escritura tem<br />
a igreja que ouve e confessa, mas da consciência histórica<br />
secularizada do homem moderno. Em primeiro lugar,<br />
pensa de maneira não bíblica ao declarar que a "história<br />
da ação criadora de Deus não pode ser distinguida<br />
objetivamente" de qualquer outra história, sagrada ou<br />
profana, podendo, por isso, ser apreendida apenas pela<br />
fé. Em segundo lugar, um pressuposto similarmente secular<br />
fundamenta seu juízo de que o método histórico pode<br />
determinar o que "realmente" aconteceu. Aqui se define<br />
"realidade" como sendo algo que o homem natural,<br />
secular pode apreender e conhecer. A esta concepção de<br />
realidade é básico seu juizo sôbre a ocultação da atividade<br />
criadora de Deus na história (a presença de Deus<br />
se torna conhecida apenas pelas "crateras" abertas por<br />
suas bombas). Convém, por isso, encarar primeiro essa<br />
questão do que "realmente acontece".<br />
A -<br />
Que é Que Acontece «Realmente»<br />
Tanto Tácito como Lucas nos deixaram descrições da<br />
mesma realidade: a expansão do cristirmismo no Império<br />
Romano. Diz Tácito que o que realmente aconteceu<br />
é o seguinte:<br />
Auctor nominis eius (Christiani) Christus Tiberio imperante<br />
per procuratorem Pontium Pilatum supplicio adfectus<br />
erat; repressaque in praesens exitiabilis superstitio<br />
rursum erumpebat, non modo per Iudaeam, originem eius<br />
maU, sed per urbem etiam quo cuncta undique atrocia<br />
aut pudenda confluunt celebranturque (Annales, XV, 44).<br />
De acôrdo com Lucas, eis o que realmente aconteceu:<br />
"Assim a palavra do Senhor crescia e prevalecia poderosamente"<br />
(Atos 19.20; cf. 6.7; 12.24).<br />
Obviamente, cada um dos dois descreveu o que, a seu<br />
ver, "realmente aconteceu". Óbvio também que a maneirode<br />
cada qual ver a realidade foi determinada por três<br />
fatôres: seu ponto-de-vista, o que cria e o que era. Ora,<br />
o provérbio diz: "A beleza está no ôlho de quem a contempla"<br />
. E os artistas, que nos ensinam a ver beleza on-
o dilema hermenêutico 155<br />
de jamais suspeitávamos que ela existia, consideram verdadeiro<br />
o provérbio. A realidade da beleza e o ato de<br />
ver, por parte do contemplado r, não podem ser separados .<br />
São aspectos complementares de uma mesma realidade.<br />
Algo de similar vale quanto à realidade histórica. Pode<br />
parecer perigosamente subjetivq, mas a verdade é que a<br />
realidade histórica não existe realmente per se. Existe no<br />
ôlho do contemplador, na mente e no coração do historiador<br />
equipado para penetrar nela. Lucas viu a realidade<br />
da expansão do cristianismo corretamente e a registrou<br />
de maneira fiel porque a encarou de um ponto~de-vista inteiramente<br />
diverso do de Tácito. Nos três pontos que controlam<br />
a existência do homem e lhe dão um ôlho capaz<br />
de ver a realidade, Lucas estava determinado pelo poder<br />
do Espírito Santo. tsses três pontos são o de onde, o onde<br />
e o para onde da vida do homem: o irrevocável pretérito,<br />
o inescapável presente e o inevitável futuro. Lucas<br />
vinha do seu batismo, vivia na igreja e olhava para o<br />
Juízo e a vida do mundo vindouro. Estava em condições<br />
de apreender a realidade da história da primeira igreja<br />
como o crescimento da palavra do Senhor em virtude do<br />
"lavar regenerador e renovador do Espírito Santo" (Tito<br />
3.5), em virtude do fato de que êle era conduzido, como<br />
filho e membro da famma de Deus, "pelo Espírito" (Romanos<br />
8. 14), e em virtude do fato de que estava "selado<br />
com o prometido Espírito Santo, o que é a garantia de<br />
nossa herança" (Efésios 1.14), o Espírito que clamava<br />
nêle: "Vem, Senhor Jesus" (Apoca1ipse 2217,20).<br />
Podemos contemplar e apreender a realidade que Lucas<br />
contemplou e registrou no poder do Espírito apenas<br />
quando nos situamos em seu ponto de mira e estamos onde<br />
êle estêve. Podemos ver o que "realmente" aconteceu<br />
apenas na medida em que comparticipamos do de onde,<br />
do onde e do para onde de sua vida. Para compreender<br />
o que isto significa devemos penetrar para além da "igreja<br />
conÍessante e audiente" da declaração de Frar até às<br />
realidades últimas que originaram e ainda sustêm a igreja<br />
confessante e audiente. Devemos penetrar na obra de<br />
Deus, que cria, sustenta e consuma a igreja. De que maneira<br />
está constituído o ponto de mira do contemplador<br />
da realidade genuína De onde vem onde está para<br />
onde vai<br />
De onde viemos nós (só podemos falar disso em têrmos<br />
pessoais) Viemos do nosso batismo, e isso determina<br />
nossa visualização da realidade e nos dá nossa capacidade<br />
para contemplar a realidade. Aqui, em meio<br />
a uma realidade altamente mundana (um homem, um<br />
pouco d'água, algumas palavras, um rito), aconteceu al-
156 o dilema hermenêutico<br />
go de notável, algo de supramundano. Aconteceu um milagre.<br />
Por ocasião do nosso bahsmo Deus interveio em<br />
nossa vida e a determinou para sempre. Porque essa água<br />
não foi simples água, mas água usada por ordem de Deus<br />
e unida com sua palavra. Foi um "lavar de água com a<br />
palavra" (Efésios 5 26), Aqui a palavra de Deus foi a<br />
última e poderosa realidade. Onde opera a palavra de<br />
Deus, aí as coisas acontecem "realmente".<br />
Pois esta palovra faz o que nenhuma outra palavra<br />
e nenhum outro poder na Terra pode fazer. Esta palavra<br />
abre o futuro, positiva, graciosa e eternamente. Pelo batismo<br />
somos levados através das portas da morte para<br />
"novidade de vida" (Romanos 6.4). Como "herdeiros na<br />
esperança da vida eterna" (Tito 3. 7), somos removidos do<br />
mundo velho, onde o pecado reina na morte, e "morremos<br />
para o pecado e vivemos para Deus" (Romanos 6.11).<br />
Fomos "trazidos da marte para a vida" (Romanos 6.13).<br />
E contudo essa palavra, que confere ao batismo o poder<br />
que êle tem, não ignora o passado nem esvazia o presente.<br />
Tem poder para abrir o futuro exatamente porque<br />
deita raízes num evento do' passado, porque lembra e<br />
proclama o evento pretérito e é o veículo dêsse evento<br />
pretérito, único e definitivo (Romanos 6.4,9,10). E essa<br />
palavra, exatamente porque abre o futuro, é significativa<br />
para o presente. Ela determina e controla nossa vida presente<br />
(Romanos 6. L 11,13) . Esta água unida com a palavra<br />
nos dá o Espírito Santo; por êle somos selados ago"<br />
ra, marcados como possessão eterna de Deus, para o futuro<br />
(Efésios 1.13,14).<br />
Esta é nossa primeira lição quanto ao que realmente<br />
acontece. O que realmente pode aconteçer não é determinado,<br />
para nós, por leis de causalidade e desenvolvi"<br />
mento, pela consideração de analogias e probabilidades<br />
normais. Sabemos que para Deus tudo é possível, pois<br />
nosso batismo foi possíveL Sabemos agora que a Palavra<br />
de Deus é o fator poderoso na história; fator diante<br />
do qual tudo mais deve abrir caminho, todos os podêres,<br />
possibilidades e probabilidades. E sabemos também que<br />
qualquer concepção da história não determinada pelo futuro<br />
(isto é, pelo Senhor do futuro) é parcial e míope, e,<br />
por isso, em última análise, falsa.<br />
Onde estamos Estamos na igreja, somos membros<br />
do povo de Deus. A semelhança do batismo, a igreja pode<br />
ser vista como realidade estritamente mundana. É asso~<br />
ciação de homens, estrutura social em certo lugar e no<br />
tempo, com uma constituição, organização, oficiais, lugar<br />
de encontro, conjunto de convenções e costumes, muito semelhante<br />
a qualquer outra a.ssociação religiosa ou secular.
o dilema. hermenêutico 157<br />
Mas sabemos que esta não é a realidade da igreja. A realidade<br />
da igreja é o que Bengel diz do "povo de Deus<br />
em Corinto": um magnum et Iaetum paradoxon. A realidade<br />
da igreja é puro milagre em meio à história, A igreja<br />
é as doze tribos escatológicas na diáspora, composta<br />
de homens realizados pela palavra da verdade, para serem<br />
as primícias da nova criação de Deus (Tiago 1. 1,18).<br />
Mais uma vez é a palavra de Deus que realizou o milagre.<br />
A palavra de Deus é a realidade determinativa. É<br />
a palavra da verdade, a palavra do próprio Deus, que produziu<br />
as novas doze tribos. O grande e alegre paradoxo<br />
de um povo de Deus em Corinto é devido ao fato de que<br />
a palavra de Deus alcançou os corintios e os chamou para<br />
serem santos (I Caríntios 1.2). É devido ao fato de que<br />
"o testemunho a favor de Cristo foi confirmado" entre êles<br />
(I Coríntios 1.6). Há uma igreja porque a grande luz da<br />
qual falou Isaías resplandeceu aos que viviam na região<br />
da sombra da morte (Isaías 9.2; Mateus 4. 16), porque<br />
Jesus, o Cristo, chamou os homens. A voz do Bom Pastor<br />
foi ouvida e suas ovelhas ouvem a sua voz (João 10.3-5).<br />
Por esta palavra a igreja chegou a existir; por ela a igreja<br />
é sustentada e vive. O nôvo povo de Deus recebe com<br />
humildade a palavra implantada em seu meio, a palavra<br />
que tem o poder de salvar suas almas (Tiago l. 21). Os<br />
santos chamados de Corinto "estão" na palavra do evangelho,<br />
e devem apegar-se com ela se querem ser salvos<br />
(I Coríntios 15.!, 2). Os filhos reunidos de Deus vivem,<br />
como o filho de Deus viveu, de cada palavra que sai da<br />
bôca de Deus (Mateus 4.4).<br />
Esta palavra do evangelho deita raízes na ação passada<br />
de Deus, a morte ea ressurreição de Cristo, mas<br />
orienta a igreja totalmente para o futuro.<br />
É ela que em derradeira análise, dá à igreja seu caráter<br />
e determina sua existência. Sem êste futuro aberto a igreja<br />
simplesmente é mais uma associação humana que pode ser<br />
alinhada e nivelada com outras associações humanas. E<br />
sem êste futuro aberto a igreja não tem razão real para agir<br />
de maneira diversa da de homens que se agarram, enquanto<br />
podem, a qualquer prazer ao seu alcance: "Se os mortos<br />
não ressuscitam, comamos e bebamos, que amanhã morreremos"<br />
(I Corinhos 15.32). Mas o futuro pertence à igreja.<br />
As novas doze tribos são, mesmo agora, as primícias<br />
do nôvo mundo de Deus. Nelas a grande mudança dos<br />
eons por assim dizer já se realizou. Os santos chamados<br />
de Corinto exercitàm seus dons espirituais na tensa expectação<br />
da revelação escatológica "de nosso Senhar Jesus<br />
Cristo" (I Coríntios 1.7). O Espírito de Deus, êle mesmo<br />
a "garantia de nossa herança",· como o Espírito de sa-
158 o dílema hermenêutico<br />
bedoria e revelação, dando aos homens "olhos do coração<br />
iluminados" para conhecerem qual a esperança a que Deus<br />
os chamou (Efésios 1.14, 17.18). A Ceia do Senhor retrospecta<br />
para a cruz, mas também olha para a frente, para<br />
o nôvo mundo e o vinho nôvo a ser tomado em alegre<br />
companhia com o Senhor (Mateus 26.29). Na celebração<br />
da Ceia do Senhor a igreja anuncia a morte do Senhor<br />
"até que venha" (l Corínhos 1126). A absolvição pronunciada<br />
na igreja em lugar e por ordem do Senhor Jesus<br />
Cristo é, por assim dizer, uma antecipação do Juízo<br />
Final. A oração da igreja é: "Venha o teu reino". "Maranata".<br />
Pois a vida da igreja está oculta com Cristo em<br />
Deus. Quando êleaparecer, sua igreja aparecerá com êle<br />
em glória (Colossenses 3. 3,4) .<br />
Esta é nossa segunda lição em história, quanto ao<br />
que "realmente" acontece. Aqui nos é dado ver que história<br />
é aquilo que o profeta assim chama: "Obra do Senhor"<br />
(Isaías 10.12). Quando vemos o que "realmente"<br />
aconteceu na criação da igreja, vemos que foi exatamente<br />
isto: um ato criador (Efésios 2. 10), um ressuscitar de<br />
mortos (Efésios 2.1) e um chamar para a existência do<br />
que não existe. Para Deus tudo é possível, pois a igreja<br />
é possíveL a igreja em que vivemos. Quando Paulo fala<br />
do poder de Deus para a igreja, acumula expressões de<br />
poder como em nenhuma outra parte (Efésios 1.19). É<br />
depois que Paulo recenseou os caminhos intrincados e<br />
maravilhosos palmilhados por Deus, na história, a fim de<br />
juntar para si um povo entre os judeus e os gentios (Romanos<br />
9-11) que êle explode na grande doxologia que<br />
marca a Deus como o Senhor absoluto da história:<br />
Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como<br />
do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus<br />
juízos e quão inescrutáveis os seus caminhos!<br />
Quem, pois, conheceu a mente do Senhor ou quem<br />
foi o seu conselheiro<br />
Ou quem primeiro lhe deu a êle para que lhe venha<br />
a ser restituído<br />
Porque dêle e por meio dêle e para êle são tôdas<br />
as coisas. A êle, pois, a glória eternamente. Amém. (Romanos<br />
11.33-36).<br />
Êsse domínio de Deus, único e universal, conhecido<br />
e reconhecido na igreja, é a realidade da história. Eis o<br />
que "realmente" acontece: Deus opera. Merece ser citado<br />
aqui o comentário de Schlatter sôbre o versículo final<br />
da doxologia paulina: "No início da história está sua vontade<br />
e seu poder. E por êle são tooas as coisas. Não há<br />
quem ande sem que seja Deus quem o faz andar; não há
o dilema hermenêutico 15~<br />
quem conheça e obedeça sem que seja iluminado por<br />
Deus; não há quem aja sem que o faça como instrumento<br />
de Deus." T<br />
A operação criadora de Deus realiza-se através de<br />
sua palavra. O trecho todo - Romanos 9-11 - realmente<br />
é todoêle uma explicação do que Paulo diz logo no início<br />
do capítulo nono: "E não pensemos que a palavra de Deus<br />
haja falhado" (versículo 6). A palavra de Deus, a promessa<br />
de Deus, o fato de Deus chamar e dar nome, a execução<br />
da sentença de Deus, a voz de Deus no Antigo Testamento,<br />
o evangelho de Deus - tudo isso constitui a espinha<br />
dorsal dos três capítulos.<br />
Esta palavra de Deus dirige-se ao futuro e o abre;<br />
A palavra da promessa deu a Abraão um futuro e uma<br />
esperança quando não havia esperança alguma. Esta palavra<br />
justificadora deu aos gentios, que nunca foram em<br />
busca da justiça, um futuro e uma esperança. Esta palavra<br />
dá mesmo a Israel, povo desobediente e recalcitrante,<br />
que recusou a justiça de Deus, um futuro e uma esperança.<br />
Para onde vamos Vindos do batismo e vivendo na<br />
igreja,confessamos, com respeito ao Senhor, que nos comprou:<br />
Et iterum venturus est in gloria iuducare vivos et<br />
mortuos, cuius regui non erÍt finis. Sabemos que todos os caminhos<br />
levam ao trono de Cristo. Êle pronunciará a última<br />
e definitiva palavra de Deus. A luz dêsse Juízo Final a<br />
preendemos quão poderosa esta palavra é. Aquêle que<br />
teve a primeira palavra na criação, terá a última palavra<br />
no Juízo - que palavra senão a dêle pode ter qualquer<br />
validez na história que está entre êstes palas Medimos<br />
em tôda a sua extensão o "para Deus tudo é possível"<br />
quando vivemos na expedação do Juízo. Esta expedação<br />
do Juizo e do reino infindável de Cristo projeta sua<br />
luz sôbre o passado e o presente. Nós os que vivemos nesta<br />
esperança podemos ver que a cruz e a ressurreição de<br />
Cristo são atos escaloiógicos de Deus. Nêles o Juízo e o<br />
reino infindável de Cristo são, por assim dizer, antecipados.<br />
Também podemos ver que, quando o Espírito dá testemunho<br />
de Cristo, através de nÓs, no p:'ocentc: :.1UL,',:' ,<br />
convencendo os homens, atando e desatando-os com cadeias<br />
eternas e eterna libertação - o fim entrou no presente.<br />
Eis nossa terceira lição em história: êste para-onde<br />
de nossas vidas. Aqui aprendemos o que "realmente" está<br />
acontecendo. Tornou-se impossível para nós encarar a história<br />
como processo autônomo, que procede de acôrdo com<br />
7. Adolf Schlatter, Gottes Gerechtigkeit (Estugarda, Calwer Verlag,<br />
1952), página 330.
160 o dilema hermenêutico<br />
"leis" próprias. Sabemos que tôdas as vidas, dos homens<br />
e das nações, movimentam-se em direção ao Juízo de Deus.<br />
Tôda a história está sob a judicatura livre e soberana de<br />
Deus. O passado não mais está sujeito à progressiva desvalorização.<br />
Eventos pretéritos não estão sujeitos à relativização.<br />
Sob a judicatura divina, o que aconteceu uma<br />
vez, aconteceu de uma vez por tôdas. A desobediência de<br />
Adão, a obediência de Cristo, o testemunho apostólico sóbre<br />
o Senhor, nosso batismo - estas coisas não são "pas_<br />
sadas" simplesmente porque pertencem ao passado. Repletam<br />
o presente. O presente não está vazio e sem sentido;<br />
está carregado de responsabilidade e esperança. O<br />
Então da cruz, o Agora da igreja e o Por Vir do Juízo apro·<br />
pmquaram -se.<br />
B -<br />
A Ocultidade da Ação Criadora de Deus na História<br />
Vindos de nosso batismo, vivendo na igreja, e olhando<br />
paro o Juízo, temos uma concepção da realidade histórica<br />
que nos dá olhos paro a realidade histórica pintada<br />
na Bíblia. A posição em que estamos nos permite<br />
avaliar a verdade da asserção de Frar segundo a qual<br />
"a presença efetiva de Deus na história é presença ocul·<br />
ta", que esta história da ação criadora de Deus "não pode,<br />
por isso, ser distinguida objetivamente do resto dos<br />
eventos que ocorrem entre piedosos e ímpios", que não<br />
há critérios externos pelos quais possamos determinar o<br />
fato de que Deus está ativo aqui. Por conseguinte, estamos<br />
também em condições de avaliar a validez de sua<br />
conclusão de que o método histórico é o meio legítimo para<br />
se troçar o contôrno dos "crateras" que marcam o ponto<br />
onde caíram as bombas de Deus na história (pág. 49),<br />
1 - Os Atos Falantes de Deus<br />
Em que sentido são ocultos os atos criadores de Deus<br />
Podemos conceder desde já que nenhuma ação de Deus:<br />
(antes do retôrno do Filho do homem e do Juízo) é tão<br />
manifesta, como sua ação de que o homem caído, em sua<br />
revolta contra Deus, não o possa negar, não se possa cegar<br />
e endurecer contra êle. O homem tem essa liberdade.<br />
Mas é liberdade fatal. Pois, conforme disse o mesmo Jesus,<br />
o homem, 00 proceder assim, é levado a blasfemar.<br />
Comete a blasfêmia imperdoável contra o Espírito Santo<br />
quando se cega a si mesmo no que diz respeito à. óbvio<br />
operação de Deus (Mateus 12 31,32).<br />
Para o objetivo dêsse estudo podemos deixar de lodo<br />
a questão sóbre se Fror não separou indevidamente
o dilema hermenêutico 161<br />
a ação criadora de Deus na história" do resto da história<br />
de um modo inescrituristico e, por isso, teolàgicamente desencaminhador,'<br />
Podemos avcmçar de vez para a questão<br />
principal: a ação criadora de Deus, tal como deÍronta co<br />
"':osco, é história "totalmente humana" e "totalmente terrena"<br />
E são as "crateras" abertas pelas bombas de Deus<br />
.:; única evidência de seu agir acessível ao teólogo his<br />
:oriador<br />
De acôrdo com o testemunho da Escritura, os atos de<br />
Deus são atos falantes, testemunhadores: o "Deus vivo<br />
que fêz o céu, e a Terra, e o mar, e tudo o que nêles há",<br />
não se deixou ficar "sem testemunho", mesmo fora de seu<br />
povo, até no mundo pagão (Atos 14,15-17). Talvez a declaração<br />
mais abrangente do fato de que tôda história é<br />
um testemunho movente da presença e do propósito de<br />
Deus seja a que Paulo fêz em seu discurso no Areópago:<br />
"O Deus que fêz o mundo e tudo o que nêle existe .. de<br />
um só fêz tôda raça humana para habitar sôbre tôda a<br />
face da Terra, havendo fixado o.s tempos previamente estabelecidos<br />
e os limites da sua habitação; para buscarem<br />
a Deus se, porventura, tateando o possam achar, bem que<br />
não está longe de cada um de nós" (Atos 1724,26,27).<br />
Aqui Paulo representa tôda a história como testemunhando<br />
de Deus (assim como em Romanos 1 representa tôda a<br />
criação como testemunhando dêle). E, por indefinido que<br />
possa ser o conteúdo dêsse discurso, uma coisa é certa: o<br />
discurso é tão insistentemente claro, que o homem adquire<br />
responsabilidades em presença dêle. A "ignorância" das<br />
nações no passado, segundo Paulo, não é ignorância venial.<br />
Deus "estabeleceu um dia no qual julgará o mundo<br />
com justiça" (Atos 17.31), e por isso "notifica aos homens<br />
que todos em tóda parte se arrependam" (Atos 17 30) .<br />
Mas dentro dêsse amplo círculo do testemunho universal<br />
o próprio Deus "distinguiu objetivamente" sua ação<br />
criadora na história, a saber, na história de seu povo peculiar<br />
e na de seu Filho. Aqui temos atos falantes e testemunhadores<br />
de Deus em sua mais alta concentração.<br />
Aqui se evidencia singularmente o perpétuo milagre de sua<br />
governação da história. Esta história tem uma transparência<br />
única e uma particular eloqüência em.,S'lla~Üos<br />
sobre a Interpretação do Antigo Testáinento" , tradução de<br />
JaÍnes· LutherMays (Ulndres,:.SCM:Press, 1963, página 342,<br />
lilÚméró13.).:: ..
162 o dilema hermenêutico<br />
falam em linguagem desafiadora e excitante a todos os<br />
homens. Quando o Senhor prostrou o Egito por causa do<br />
povo de Deus, Faraó pôde endurecer seu coração e o endureceu<br />
(e o juízo de Deus o firmou na dureza de seu<br />
coração), mas os mágicos foram movidos a exclamar:<br />
":t:ste é o dedo de Deus!" (:t:xodo 8. 19). Quando o Deus<br />
de Israel age, em juízo e libertação, não só Israel "saberá<br />
que êle é o Senhor"; Moabe o saberá (Ezequiel 25. 11);<br />
os filisteus o saberão (Ezequiel 25.17); Tiro o saberá (EzequieI26.6);<br />
o Egito o saberá (Ezequiel 30.15); as nações<br />
o saberão (Ezequiel 36.23,36; 38.16; 39.7,23); "têda a<br />
carne" o saberá (Ezequiel 21.5; cf. Isaías 405). As "nações"<br />
não precisam contentar-se com traçar as "crateras"<br />
deixadas pelas explosões divinas na história. A peculiaridade<br />
das ações de Deus na história de seu povo peculiar<br />
em si mesma faia linguagem clara.<br />
O que vaie da história do povo de Deus também vale<br />
da história do Filho de Deus. 1'; distinguido do restante<br />
da história de um modo que torna o contemplador responsável<br />
para com ela. O Jesus dos sinóticos repreende<br />
os seus contemporâneos por não haverem dado atenção<br />
à voz desta história: "Ai de ti, Corazim! ai de ti, Betsaida!<br />
porque se em Tiro e em Sidom se tivessem operado os milagres<br />
que em vós se fizeram, há muito que elas se teriam<br />
a.rrependido com pano de saco e cinza. E contudo vos<br />
digo: No dia do juízo haverá menos rigor para Tiro e<br />
Sidom, do que para vós outros. Tu, Cafarnaum, elevar-teás,<br />
porventura, até ao céu Descerás até ao inferno; porque<br />
se em Soda ma se tivessem operado os milagres que<br />
em ti se fizeram, teria ela permanecido até ao dia de hoje.<br />
Digo-vos, porém, que menos rigor haverá no dia do juizo<br />
para com a terra de Sodoma, do que para contigo (Maieus<br />
11.21-24). Os homens são escatolàgicamente responsáveis<br />
diante da mensagem desta história. E o Jesus do quarto<br />
evangelho diz de maneira semelhante: "Se eu não tivesse<br />
feito entre êles tais obras, quais nenhum outro fêz, pecado<br />
não teriam; mas agora não somente têm êles visto,<br />
mas também odiado, tanto a mim, como a meu Pai" (João<br />
15.24) . Ate homens que não se com prometeram com Jesus,<br />
mesmo seus arqui-oponentes, os fariseus, são rélovidos<br />
misteriosamente por sua testemunha, o apóstolo Paulo:<br />
"Será que algum espírito ou anjo lhe tenha lalado" (Atos<br />
23.9). Ou então homens são movidos a caluniar e blasfemar:<br />
"Aprendeu a magia negra no Egito e desencaminhou<br />
seu povo" lemos no Talmude. O próprio Nôvo Testamento<br />
lembra similares reações violentas: "Tem demônio."<br />
"Seus discípulos Íurtaram seu corpo." Ninguém parece<br />
capaz de Íria objetividade para com esta hist6ria.
o dilema hcrmenêutico<br />
163<br />
Quanto a reações modernas ante essa história, Walther<br />
Künneth, em estudo :r;ecente, depois de inspecionar<br />
quatro modos de tratar de Jesus (todos seculares em sua<br />
abordagem), chega à seguinte conclusão: "Na consideração<br />
de Jesus de um ponto-de"vista profano sempre há ...<br />
um ponto em que os tradicionais métodos racionais, psicológicos<br />
ou históricos não mais bastam como meio para<br />
alcançar a realidade. Remanesce no quadro total uma<br />
perspectiva inexplorada e inexplorável (oHener Punkt), um<br />
coeficiente de incerteza enigmática, um elemento do inanalisável<br />
misterioso.""<br />
tsse caráter falante da ação de Deus não pode ser<br />
minimizado ou ignorado, como ocorre, aparentemente, na<br />
declaração de Frar. Mas também não deve ser aumentado,<br />
como acontece em algumas modernas concepções<br />
da revelação. Esta fala dos atos de Deus é palavra imperiosa,<br />
que desafia o homem e o torna responsável. Per~<br />
manece, contudo, de algum modo, misteriosamente indefinida.<br />
Não é nem a primeira nem a derradeira palavra<br />
de Deus ao homem. E seguramente não é sua palavra tôda.<br />
2 - A Palavra Agente de Deus<br />
Até aqui temos falado da ação criadora de Deus na<br />
história per se. Do ponto de mira bíblico, há algo de artificial<br />
e teorético nesta maneira de falar. Pois a ação<br />
criadora de Deus não ocorre per se ~ pelo menos não para<br />
o povo de Deus, para a igreja e para o teólogo historiador.<br />
O aspecto mais importante, mais significativo e decisivo<br />
da ação criadora de Deus na história ainda não foi<br />
tomado em consideração, a saber, a Palavra de Deus, a<br />
quela palavra que precede e anuncia sua ação, que a<br />
acompanha e interpreta, e também segue e lembra sua<br />
ação passada. Se se deixa a Palavra de Deus consistentemente<br />
fora de consideração em sua ação criadora na<br />
história, é quase certo que se entenderá mal a ação e se<br />
interpretará: mal o registro profético e apostólico da ação.<br />
O erudito veterotestamentário H. W. WolH deu uma<br />
definição da concepção profética da história que lida a<br />
dequadamente com o que é essencial ao nosso debate:<br />
"Para os profetas, história é o trato, Íina])sticamente orientado,<br />
do Senhor do futuro com Israel." 10 Em tal concepção<br />
da história os homens da "igreja confessante e audiente"<br />
podem reconhecer o que é nativo e básico a sua<br />
9. vValther Künneth, Glauben an Jesus (Hamburgo, Friedrich<br />
Wittig Vcrlag, 1962), página 35.<br />
10. Wolff, pág. 338.
.':".:<br />
o dilema hermenêutico<br />
prÓpria existência. Esta concepção está aparentada essencialmente<br />
com o de-onde, o onde e o para-onde de sua<br />
própria vida. A ênfase funda~ental da Palavra de Deus<br />
Dq ;t~rmo "conversação. com Israel" corresponde ao papeldesempenhado<br />
pela Palavra em se\J batismo, sua vida<br />
na igreja e sua expectação do Juízo. ~À~sexpressões "finalisticamente<br />
orientado" e "Senhor do futuro" corresponç!em<br />
à:experiência de homens que sabem como esta Pala<br />
V·fC( deDeuslheSdcbriu o futuro. E "Senhor do futuro" <br />
aquêle queB o. Senhor do futuro é o Senhor absoluto de<br />
tudo, o Senhor da história. Aqui os homens da igreja identificam.<br />
o Deuspa!a q1Jen1 tudo é possível, seu Deus, cujo<br />
pala"rg: trclJ:1shgurouo presente para êles, e lhes deu um<br />
futuro e urn.d eSperCL'lça:<br />
-EsIDconcepção da +iistóriatambém se harmoniza com<br />
o contexto -total dá: Escritura.' ,Até o fato lexical de que<br />
o·"hebraico dobar tanto rlenota,pmuvra como evento", história<br />
contada berrr :como' história: experimen toda, apoio a<br />
ênfase fundamental de1VolH.no:palavra em sua definição<br />
de história.' E: a estreita·conexãoenire"J)olavrae história<br />
é evidente no funcionamento real da palavra profético.<br />
"O futuro dedeus·éanledípado;:nó' ~aIGV'Tá profética ...<br />
A história é comunicado ao profeta na palavra. Segundo<br />
Amós '.(3. '7h não há·· futuro que hãb:apareça de antemão<br />
na palavra profética." Éassimque·WolfU formulw estaconexão.,ll<br />
~.,: -... , : .:: ':' -:<br />
'--~', -- '- '<br />
É est.a presença. da PCl1qvrO ç!~ Del.lJhcpmq .o: fôrç,o:<br />
prÜn9ciql na JlisJ6rki ,de. Isiq~l.qÚé.tQrnÇi_Jsr.qelJb, povP<br />
pecl,Jliqrde Deus: _"Israel é~di9tinguid.Q. o:pel'lQ(3peIo.!Q:tQ<br />
de leQvEÍcontlnuam~mte. sediriglL.O:, &le.'"12t: noqucÍrfo<br />
capitulo dpDeute'ronômio Moisé§ ,ç[esafia oshorperis'qe<br />
IsraeL o: Jazerem ,uma reJigionsgesebichtIic;he.' compÇlraçoP<br />
entre,êIes e as-nações, e aponta para,o lÇ1todeql.le·Isrqel<br />
pu viu: o: .voz de De1.1s.,como.a, prim,eira prQvad imBsrÜdade<br />
,do povo peculiar: "Agorg,pois,..perÇ)'untOaos' te:tJ'l<br />
Pos,.passados, ,que teprecederçem_desqe' adia em.qu.e<br />
Deus crimioJ:lOmem sôbre aTerra, desde uma extremidade<br />
do céu até a outra, sesucedeúfamaisc;oisà tàmarihdcomo<br />
esta, oU sé se oUVIU cóisàcómo esta 011 sê<br />
algum povO-óuviu falar d voz aeàlgum deus do ill:eio<br />
dó fogo, comotu à ouviste, ficando vivoT'Doscéus te }êz<br />
ouvir ci sua VOZ, para te erisinai;e 'sô15re ci'Terra te mOs''';<br />
troU ó seu grande fógo,'e dômeiodofogo ouviste aS- sueis<br />
palavras'" '(Deuteronômio 4. 32,33';36}:<br />
11. Ibidem.<br />
12. Ibidem, pág. 346.
o dilema hermenêutico 165
166 o dilema hermenêutico<br />
Reivindica para si nada menos do que isso: que êle é<br />
vida em meio a um mundo morto (8.22), que suas palavras<br />
nunca passarão, ainda que passem o céu e a terra<br />
(24.35).'5 E tôdas as suas palavras e atos são tanto revelação<br />
presente, como promessa potente para o futuro.<br />
Eg. : transformará em pescadores de homens aos que<br />
chama (4. 19), serÔo satistei tos os que têm fome e séde<br />
de justiça (5.6), cr voz de Jesus será a voz decisiva no<br />
dia do Juizo - seu "nunca vos conheci" significa rejeição<br />
eterna (7.23), confessará diante de seu Pai os confessores<br />
fiéis (l0. 32, 33), êle, a quem foi dada tôda autoridade<br />
no céu e na Terra, estará com os seus todos os dias, até<br />
a consumação do século (Mateus 28.20), sua palavra os<br />
chamará bem-vindos no reino no século vindouro (Mateus<br />
25.34).<br />
A ação criadora de Deus na história pode não ser<br />
"distinguida objetivamente" pelo homem, nem mesmo por<br />
"gênios religiosos" O homem sempre se impressionará<br />
mais com o colosso imponente do império mundial do que<br />
, -'<br />
com apeara nao<br />
de Deus (Daniel<br />
,~ ~. 1 . " -<br />
conaaa por mao uumana, que e o remo<br />
2), e de acôrdo com isso o homem escreverá<br />
história. [v1as Deus distinguiu objetivamente sua<br />
ação criadora na história por sua palavra a profética e<br />
a apostólica. tI já que Íé é puro relacionorne.nto com a<br />
Palavra, que é O fato mais objGtivo da história, Fror sugeriu<br />
uma antítese falsa quando opõe "objetivamente distinguido"<br />
a "reconhecido, confessado e proclamado na<br />
(pág. 49). Porque a fé não é qualquer c:::isa vaga e subjetiva<br />
no homem, não é meramente um apreender intuitivo<br />
de uma realidade inapreensivel de outra maneira. A<br />
fé simplesmente é radical abertura para a grande realidade<br />
objetiva da Palavra de Deus, um ser determinado<br />
pela Palavra, que é a história essencial do mundo. Em<br />
última análise, só o crente pode ser um historiador "objetivo",<br />
pois só êle está aberto para a realidade objetiva da<br />
história, a Palavra do Senhor do futuro.<br />
Com semelhante concepção da história (que sempre<br />
de nôvo nos deve ser dada pelo Espírito) podemos superar<br />
o dualismo fatal da interpretação moderna. Podemos<br />
resolver a tensão entre o histórico e o teológico (pois agora<br />
o elemento histórico se tornou genuInamente teológico).<br />
Agora podemos ter um encontro genuInamente "entendedor<br />
com o texto sagrado". Que diferença faria tal concepção<br />
da história, por exemplo, no entendimento e na interpretação<br />
dos evangelhos! Em nossos dias, é lugar co-<br />
15. Note que Jesus reivindica mais para a sua palavra do que o<br />
que reivindica para a Tora - Mateus 5.18.
o dilema hermenêutico 161<br />
mum, na interpretação dos evemgeLhos,que todos os nossos<br />
evemgelhos são escritos do ponto-de-vista da ressurrei,<br />
ção e da exaItação de Jesus, São a voz da fé pascoal da<br />
igreja, Isto é bem verdade, mas deixa irrespondida a questão:<br />
por que os evemgelhos são escritos dessa perspectiva<br />
Essa perspectiva foi dada com a própria história ou<br />
foi imposta à história pela reflexão (inspirada ou não) da<br />
igreja Se tomamos Jesus a sério como o Senhor da história<br />
em conversação finallsticamente orientada com seu<br />
povo (e é êste o rumo que nos indica tanto a Bíblia de<br />
Jesus como os evangelhos em sua forma presente), a resposta<br />
a nossa pergunta é óbvia, A história de Jesus orienta-se<br />
no sentido do futuro de Jesus como o Cristo e Senhor<br />
exaltado, porque as palavras e as obras de Jesus desde o<br />
princípio estavam orientadas nesta direção, Então pode<br />
cessar a discussão infrutífera sôbre a "consciência messiânica"<br />
de Jesus; a sapiência crítica pode cessar de tremsformar<br />
em vaticinia ex eventu as predições de Jesus sôbre<br />
sua paixão e ressurreição; o debate enfadonho sôbre<br />
quais palavras do Cristo devem ser consideradas Verba<br />
Jesu autênticas e históricas e quais delas representam a<br />
teologia da igreja primitiva retroprojetadas para dentro<br />
da história, êsse debate pode, então, ser encerrado finalmente.<br />
E a exegese pode voltar a ser um ministério cuja<br />
tarefa seja deixar que Cristo se torne grande aos olhos da<br />
igreja.<br />
Com essa concepção profética da história estamos em<br />
posição que nos permite avaliar a concepção secularizada<br />
da história, em posição de ver como ela difere, em cada<br />
ponto, da história conforme concebida e escrita pelos<br />
profetas e apóstolos, os porta-vozes do Senhor do futuro<br />
em conversação significativa com seu povo. Aqui Deus<br />
está no centro e é tudo em todos; lá, o homem caído, na<br />
mataioies (Romemos 1.21) de sua mente. Aqui a Palavra<br />
é o poder na história; lá, não se confia na Palavra - o<br />
pai da mentira a pôs a serviço da mentira, e o pensar e<br />
falar do homem tornou-se o que lhe chama Schlatter:<br />
Traum, Schaum und Geschwdtz. Aqui o ÍutulO sempre c:stá<br />
sendo aberto pela Palavra de Deus; lá, o futuro é porta<br />
fechada, parede sem janelas.<br />
O homem frustrado, em seu mundo frustrado, precisa<br />
fabricar lendas. Precisa dourar os fatos de sua existência<br />
ou então não os suportará. Não tem futuro, e por isso sente<br />
a necessidade de entregar-se a sonhos, Em virtude de<br />
sua maiaioies atéia o homem frustrado precisa reinterpretar<br />
e variar. Mas os profetas, os apóstolos e a igreja apostólica,<br />
os quais adoram o SENHOR que não muda, e ser-
168 o dilema hermenêutico<br />
vem o Senhor Jesus Cristo, o qual é o mesmo ontem, hoje<br />
e eternamente, êstes não têm necessidade de variação.<br />
Pertence-Ihes a Palavra inexaurível do Deus constante, imutável<br />
em meio a tódas as mudanças da história, inexaurl.<br />
velmente rico para tôda necessidade do homem num mundo<br />
em transformação. O intérprete cristão é liberado não<br />
para variação mas da necessidade e compulsão de variar.<br />
Últimamente, a promessa e o evangelho de Deus é o Não!<br />
de Deus àquela história do homem alienado que termina<br />
monàtonamente com o "E êle faleceu". Medir as probabilidades<br />
da ação criadora da Palavra de Deus na história<br />
com as "leis" daquela história é tão infrutífero quanto é<br />
perverso.<br />
III -<br />
A -<br />
PERIGOS<br />
Doeetismo<br />
Se se quer superar o dualismo na interpretação bíblica,<br />
a concepção do que é "histórico" (e, conseqüentemente,<br />
o que se quer designar com "crílico") deve ser radicalmente<br />
revisado. A decisão quanto a isso deve ser tomàda<br />
a despeito do fato de a erudição bíblica geralmente ainda<br />
aceitar o método histórico-crítico como quase axiomàticamente<br />
legítimo e proveitoso, pois a decisão é teológica, re~<br />
ligiosa, de fé. Agora, todos sabemos que cada decisão<br />
teológica envolve o perigo de uma reação no sentido do<br />
extremo oposto. Todos estamos inclinados a pensar que<br />
dois pregos seguram melhor do que um. Neste casO o<br />
perigo é que a reação tome a forma de uma fuga dá história.<br />
Ao enfatizarmos o que deve ser enfatizado - o milagre<br />
da Bíblia, o Wunderbarkeitscharakter da Bíblia, na<br />
expressão de von Hofmann, corremos o risco de ignorar<br />
seu caráter histórico, com todo o esplêndido colorido e variedade<br />
próprios da história. Pode acontecer que a gente<br />
esqueça aquela terrenidade da história bíblica que nosso<br />
credo fixou nas palavras sub Pontio Pilato. Há o perigo<br />
real de uma espécie de docetismo hermenêutico e exegético.<br />
Como escapar dêsse perigo O único caminho seguro<br />
é observar os próprios textos inspirados, estar totalmente<br />
aberto à operação do Espírito que os originou e através<br />
dêles realiza sua obra. Êle nos ensinará. É inútil e presunçoso<br />
especular em tômo de como o Espírito Santo devia<br />
operar ou como podia ter operado. Como exegetas<br />
crentes, subordinados à Escritura, temos apenas uma escolha:<br />
observar como o Espírito Santo operou. Qual a<br />
natureza e a côr das palavras pronunciadas no poder do<br />
Espírito Serão palavras de homens que vivem numdes-
o dilema hermenêutico<br />
169<br />
peCle de ghetto religioso, e que se valem de um vocabulário<br />
e de uma imagética totalmente particulares, ou são<br />
palavras de homens que estão na correnteza principal da<br />
história, num relacionamento vivo com todos os sons, cheiros<br />
e vistas - e com as pessoas em seu redor Em outras<br />
pplavras: têm. as palavras inspiradas relevância para a<br />
história e a cultura dos homens que as pronunciaram Podemos<br />
confinar-nos ao Nôvo Testamento ao indicarmos<br />
qual é a resposta das Escrituras a nossa pergunta.<br />
O próprio fato de o Nôvo Testamento haver sido escrito<br />
em grego· Koinê, o grego cultural, o denominador cultural<br />
comum do mundo mediterrâneo no primeiro século,<br />
já testemunha do fato de que o Espírito Santo fala em palavras<br />
que são relevantes para a história e a cultura das<br />
pessoas a quem se endereça. A fim de que o Senhor e<br />
Juiz de todos pudesse ser proclamado por todos, o Espírito<br />
corre por. assim dizer o risco de ver sua mensagem helenizada<br />
(o que não aconteceu).<br />
.Jesus, cada palavra do qual foi falada "no poder do<br />
Espírito" (Lucas 4.14,15), sempre falou em têrmos e ima"<br />
gens ligados à vida de seus ouvintes palestinos. Os materiais<br />
de suas parábolas são tomados do mundo que cada<br />
palestino conhecia: o jardim, a propriedade rústica, a<br />
cozinha, o comércio dos pescadores, senhor e servo, casamentos,<br />
festas, jejuns, ingresso na côrte, odres, vestímenta<br />
remendada,o môço que abandonou o lar, a estrada<br />
perigosa de Jerusalém a Jericó.<br />
Até o vocabulário estritamente "religioso" de Jesus foi<br />
histôricamente relevante para a Palestina do primeiro século.<br />
Sua linguagem está saturada com o sumo da Bíblia<br />
de seu povo, o Antigo Testamento. Mas, além disso, muitas<br />
expressões que chegamos a encarar como sendo características<br />
de Jesus,têrmos que não é possível traçar diretamente<br />
ao Antigo Testamento, são expressões que êle<br />
compartilha com a sinagoga: "pequena fé", "tesouro no<br />
céu", "os justos, que não têm necessidade de arrependimento",<br />
"o reino dos céus", "herdar o reino dos céus",<br />
"de cima", "êste mundo e o mundo porvindouro", "o príncipe<br />
do mundo", "Paracleto ", "o juízo da Geena".<br />
Quando Jesus censurou a corrupção da tradição<br />
daica que se desenvolvera em tôrno da lei, tradição que<br />
realmente obscurecera a vontade de Deus revelada na lei,<br />
êle o fêz nos têrmos de um caso concreto, culturalmente<br />
relevante. Citou o exemplo do voto de Corbã (Marcos<br />
7. 11 ~13). Alude ao caso de maneira tão concisa - como<br />
a algo perfeitamente familiar a seus ouvintes - que nos<br />
seria difícil entender de todo sua denúncia dessa triste
170 o dilema hermenêutico<br />
peça da casuística dos escribas se não tivéssemos acesso<br />
a escritos rabínicos que tratam do caso.<br />
Um dos exemplos mais impressionantes de relevância<br />
cultural nas palavras de jesus ocorre na parábola das minas<br />
(Lucas 19.12-27). Descreve êle o nobre que confiou<br />
a seus servos as minas antes de iniciar sua viagem "para<br />
uma terra distante, com o fim de tomar posse de um reino,<br />
e voitar" (versículo 12). Não é essa a maneira óbvia e<br />
usual de um homem nobre tomar posse de um reino, e o<br />
caso deve ter impressionado seus ouvintes. Quando ouviram<br />
jesus dizer, em continuação, que os concidadã os do<br />
nobre "o odiavam, e enviaram após êle uma embaixada,<br />
dizendo: Não queremos que êste reine sôbre nós" (v. 14),<br />
certamente tomaram conhecimento do fato de que Jesus<br />
falava em têrmos próximos à experiência dêles. Forçosamente<br />
lembraram-se de uma história acontecida na época<br />
dêles. Lembrar-se-iam de Arquelau, o filho de Herodes, o<br />
Grande, que foi a Roma a fim de conseguir que o imperador<br />
confirmasse seu direito ao trono, contra a reivindicação<br />
de seu irmão Antipas. Enquanto estava em Roma,<br />
lá apareceu uma deputação de judeus que pediu ao imperador<br />
se abstivesse êle de indicar a qualquer membro<br />
da casa de Herodes como rei dos judeus. Vemos assim<br />
como jesus afirma sua mais alta reivindicação (ser ê1e<br />
o rei ungido) e como faz sua mais poderosa promessa (que<br />
voltará com poder e glória reais para recompensa e juízo)<br />
nos têrmos de um espelhafatoso episódio da história real<br />
dos judeus. Isto seguramente é relevância culíural; isto<br />
é acertar no meio dos olhos. li'<br />
Também neste respeito os apóstolos são discípulos de<br />
seu Mestre. Até Paulo, o apóstolo nascido fora do tempo<br />
devido, é seguidor de jesus na questão da relevância culturaL<br />
O exemplo que primeiro ocorre é o uso que fêz, em<br />
seu sermão no Areópago (Atos 17.23), da inscrição que<br />
encontrou em um dos altares de Atenas: Ao Deus Desconhecido.<br />
Paulo invade o domínio de uma religião falsa,<br />
politeística, para achar um têrmo, ou uma idéia, que o<br />
habilitará a proclamar aos atenienses o Deus verdadeiro<br />
de modo relevante e compelativo. Procede assim sem fazer<br />
qualquer concessão ao paganismo (de fato, éle usa a<br />
inscrição ateniense como a base para um ataque contra o<br />
paganismo ateniense - Atos 17.24-29), e sem poupar a<br />
seus ouvintes a proclamação do juizo impendente e o chamamento<br />
à penitência (Atos 17.30,31). Mas usa material<br />
16. Para uma lista muito mais longa de têrmos como êstes, veja<br />
.t'--dolf Schlatter: A História do Jest~s (Estugarda, Calv~jer<br />
Verlag, 1923), página 34, número 1.
o dilema hermenêutico<br />
171<br />
historicamente relevante, tirado do paganismo, para alcançar<br />
seu desígnio. E para o mesmo fim cita um poeta pagão<br />
(Arato - Atos 17.28).<br />
As cartas de Paulo da mesma forma evidenciam êste<br />
empenho por relevância cultural. Jesus não usara metáloras<br />
tiradas do atletismo. Claro que· na Palestina também<br />
havia anfiteatros, estádios e hipódromos, mas o mundo<br />
do atletismo greco-romano permaneceu longe da vida<br />
do judeu médio. Nos escritos de Paulo, entretanto, há livre<br />
uso de imagens atléticas (e. g.: Colossenses 1.29;<br />
I Timóteo 4 7-10; II Timóteo 4 7, 8; I Corin tios 9 24- 27) ,<br />
apesar do fato de que as grandes festas atléticas (tais<br />
como os jogos olímpicos ou ístmicos) eram celebraçoes religiosas<br />
pagãs.<br />
"Nossa politeuma está no céu", escreve Paulo aos filipenses<br />
(3.20). Seja qual fôr a exata nuança significativa<br />
que atribuímos a politeuma ("convivência", "cidadania",<br />
"comunidade" ou "metrópole"), parece certo que<br />
Paulo está aludindo q condição de Filipo como colônia romana,<br />
com habitantes que, embora residentes em Filipo,<br />
são cidadãos de Roma e disto se orgulham. Paulo vale-se<br />
de um aspecto relevante da vida civil para dizer sêriamente<br />
aos filipenses onde está centralizada a vida dêles<br />
e qual é a real glória dela.<br />
Em II Corinhos 11.22-33 Paulo "se gloria", principalmente<br />
de seus sofrimentos. Fridrichsen J7 sugere que neste<br />
"gloriar-se" Paulo está imitando conscientemente o estilo<br />
de inscriçoes reais do Oriente e das inscrições de res gestae<br />
de imperadores romanos, inscrições em que essa gente<br />
ilustre deixa ao mundo um memorial de suas realizações.<br />
Isto explicaria a falta de conetivos, o uso freqüente de<br />
numerais, o recorrente "muitas vêzes", e outros caracteres<br />
estilísticos não usuais. Seria isto mais um exemplo de como<br />
o Espírito induzia os homens a usarem uma forma pagã<br />
culturalmente relevante para fins de evangelização.<br />
Quando faz uso dessa forma, Paulo está dizendo, com eleito:<br />
Posso "gloriar-me" com reis e imperadores, se necessário;<br />
mas devo gloriar-me de meus sofrimentos, pois minhas<br />
conquistas são a conquista do sofredor Rei Ungido.<br />
João oferece outro exemplo. Há muito se reconheceu<br />
que o térmo Lagos, usado para designar a Cristo no prólogo<br />
joanino, tinha "relevância cultural" para o mundo<br />
grego do ano 95. O lato de que êsse aspecto de Lagos<br />
muitas vêzes tem sido desenfreadamente exagerado não<br />
devera tornar-nos cegos para esta realidade ou levar-nos<br />
17. Anton FI'ídrichsen, citado por i,V. G. Kümmel no Apêndice a<br />
Hans Lietzmann "Aos Corintios" (Tubinga, J. C. B. Mohr,<br />
1949), página 211.
172 o dilema hermenêutico<br />
a ignorá-la. Gerhard Kittel expressou a natureza e a extensão<br />
dessa relevância cultural com cuidado e precisão:<br />
"É perfeitamente crível que especulações verbais no<br />
mundo que circundava o Nôvo Testamento não deixaram<br />
de exercer influência (no uso joanino de 'Palc:!vra'). A situação<br />
é a seguinte: quatro coisas coincidem: 1) a concepção<br />
ou ponto-de-vista cristão-primitivo de Jesus como<br />
o Logos; 2) a convicção, igualmente do cristíanismo primitivo,<br />
com respeito à existência eterna, divina, pré-temporal<br />
de Cristo; 3) a memória do relato bíblico da peilavra<br />
criadora blada 'no princípio'; 4) os mitos e teorias<br />
do tempo em tôrno de lagos. Esta situação induziu o autor<br />
do Prólogo a acolher a palavra-chave destas teorias e<br />
mitos em tôrno de logos e a fazer desta palavra-chave a<br />
palavra temática de suas sentenças. É palavra~chave que<br />
também lhe é sugerida pela língua da Bíblia e do cristianismo<br />
primitivo. Mas éle dá a essa palavra-chave nôvo<br />
lugar e nôvo acento. Poder-se-ia expressá-Io escrevendo<br />
uma variação em tôrno das palavras de Paulo em I Coríntios<br />
8 5: 'Assim como há muitos deuses e muitos senhores'<br />
~ e muitas "palavras" ... O autor apresenta seu<br />
Logos, o qual é a única Palavra, e era ~ 'no princípio';<br />
o Logos que não é especulação acêrca de um indetermi~<br />
nado ser intermediário, nem personificação metafísica de<br />
um conceito metafísico, mas, em Jesus, Pessoa manifestada<br />
e, nêle, 'a Palavra' ".18<br />
O Apocalipse, escrito por João enquanto estava "no<br />
Espírito no dia do Senhor" (Apocalipse 1.10), fornece<br />
muitos exemplos de relevância cultural. Alguns exemplos<br />
terão que satisfazer. Em vão procuramos dentro das Escrituras<br />
uma chave para o sentido das sete estréIas na<br />
mão de um semelhante a filho de homem, na visão inaugural<br />
(Apocalipse 1.16). Os membros das sete igrejas provàvelmente<br />
estavam familiarizados com as sete estréIas<br />
como símbolo de domínio universal. Aparecem como símbolo<br />
dessa natureza em moedas imperiais. De sorte que<br />
o profeta inspirado toma um símbolo pagão e o usa para<br />
negar a reivindicação imperial. "Jesus, não César, é o Se~<br />
nhor", diz éle. E quando as sete estréIas são interpretadas<br />
como significando "os anjos das sete igrejas" (Apocalipse<br />
1.20), o profeta está dizendo aos seus contemporâneos<br />
ameaçados e amedrontados: "Quem reinará na<br />
Terra somos nós, os da igreja, não César" (cf. Apocalipse<br />
5.10) .<br />
18. Gerhard Kittel, légoo, Theologisches Wõrterbuch zum Neuen<br />
Testament, editor Gerhard Kittel (Estugarda, \V. Kohlhammer<br />
Verlag, 1932 -), IV, 137.
o dilema·hermenêutico<br />
173<br />
Na carta dirigido a Filadélfia Cristo dá 00 vencedor<br />
esta promesso: "Fá-lo-ei coluno no santuário do meu Deus"<br />
(Apocalipse 3. 12). Esta maneira de lalor otingia direta<br />
e relevantemente os homens de Filadélfia. Filadélfia, cidade<br />
de muitos templos, "tinha costume amável respeitante<br />
a êsses templos. Quando um homem havia servido bem<br />
ao Estado, quando havia deixado atrás de si memória<br />
nobre como magistrado, ou benfeitor público, ou sacerdote,<br />
o memorial que a cidade lhe dava consistia em erigir<br />
um pilar, em um dos templos, com seu nome inscrito<br />
nêle. Filadélfia honrova seus filhos ilustres, pondo os nomes<br />
déles nos pilores de seus templos. Assim o Cristo<br />
ressurreto promete ao vencedor: 'Fá-lo-ei coluna no santuário<br />
do meu Deus' (Apocalipse 3.12). O nome do fiel<br />
será inscrito não em algum templo pagão, mas na própria<br />
casa e famílía de Deus." 19<br />
Vale a pena citar a generalização de William Borday<br />
sôbre êsse tipo de inspiração: "Ao longo de tôda essa<br />
carta a Filadélfia vemos como a mensagem do Cristo ressurreto<br />
veio ao povo de Filadélfia em linguagem e ima'<br />
gens que êles puderam entender. Tomou sua história, os<br />
acontecimentos do dia a dia, as práticas cívicas de todos<br />
conhecidas, e a portir dessas coisas terrenas formou a<br />
mensagem celeste." 20<br />
Pode abusar-se dêsse modo de interpretação, e muitas<br />
vêzes dêle se abusou. Como, aliás, Se fêz mau uso de<br />
qualquer boa dádiva de Deus. A soberana liberdade do<br />
Espírito em confiscar tôda e qualquer faceta e experiência<br />
da história do homem para seus propósitos pode ser<br />
(e foi) mal interpretada como empréstimo servil. Assim<br />
as Escrituras vêm a ser encaradas como produto de seu<br />
ambiente, como mais um produto do espírito humano, não<br />
como o produto do Espírito. Em parecer recente (1963),<br />
o Deportamento de Teologia Exegética do Seminário Concórdia<br />
de SI. Louis advertiu contra êsse abuso do estudo<br />
histórico das Escrituras. Mostrou os pressupostos a que<br />
deve obedecer um estudo histórico. Ei-los: "1. Que ...<br />
o. estudo ... seja levado a eÍeito em submissão crente<br />
às Escrituras inspiradas como testemunhos de nosso Senhor<br />
Jesus Cristo, assim que estão excluídas considerações puramente<br />
racionais. 2. Que se dê consideração primacial<br />
à evidência da Escritura e que o emprêgo de evidência<br />
extrabíblica lhe fique subordinado_ 3. Que as Escrituras<br />
inspiradas sejam reconhecidas em sua imparidade e que<br />
analogias formais e substanciais com outros escritos sejom<br />
19. William Barclay. As Cartas às Sete Igrejas (Londres, SCM<br />
Press, 1957). página 98 e seguintes.<br />
20. Ibidem. pág. 99.
174 o dilema hermenêutico<br />
consideradas à luz dêsse fato preponderante; que o intérprete<br />
tenha consciência da possibilidade de que talvez<br />
esteja impondo ao material bíblico classificações estrOJ.'lhas<br />
e de que esteja julgando êste material à luz de normas<br />
inapropriadas para êle ... 4. Que no caso de figuras, instituições<br />
e eventos veterotestamentários se considere devidamente<br />
o testemunho de nosso Senhor e o de seus<br />
apóstolos. "<br />
Há um perigo nesse processo exegético. Perigo que<br />
se deveria reconhecer ajuizadamente. Mas não se esqueça<br />
que o perigo oposto é tão grande como o outro, asaber,<br />
o perigo de um docetismo pálido e inanimado. Devemos<br />
lembrar que o trabalho histórico é apenas a escadaria<br />
que conduz à porta do texto. Depois que a subimos<br />
podemos ver qual é a porta diante da qual estamos<br />
e em que desejamos entrar e de que espécie ela é<br />
(Isto é, reconhecemos o texto em sua particularidade e<br />
imparidade) . Por certo não é a chave que abre a porta;<br />
esta é deschaveada a partir de dentro. Mas desprezar a<br />
escadaria só porque não é a chave seria insensoio e marca<br />
de ingratidão para com o Deus que constrói escadarias,<br />
B -<br />
Esquematismo<br />
Há um outro perigo que deve ser reconhecido o arrostado:<br />
quondo vemos como o método histórico resolve<br />
os documentos dos poderosos otos de Deus em mito e legenda,<br />
somos inclinodos a reogir na direçôo oposta. Inclinomo-nos<br />
no sentido de fozer do princípio, verdadeiro<br />
e indispensável, do sensus litewlis um esquemotismo sêco,<br />
um modêlo que, entes de encontrá-Io no texto, a êle o impomos.<br />
O Deus que criou pássaros e inspirou os salmos<br />
é um poeta, é o Poeto. Não devemos esquecer êste fato.<br />
Seu Espírito falo atwvés de profetas e apóstolos em figuro<br />
e símbolo, na linguogem vivo dos homens, que sentem<br />
e querem e agem com a precisão do poixão. E fala assim<br />
mesmo quondo norra e interpreta história. Poder-se-io<br />
dizer até: exatomente quondo narro e interpreta histório.<br />
Por exemplo o Conto do Vinha, em Isoíos 5. 1-2, é todo<br />
êle símbolos. Mas os símbolos falam de eventos, do<br />
amor de Deus por seu povo, documentado por seus feitos<br />
na história daquele povo e do apostasia com que Israel<br />
respondeu 00 amor de Deus: "uvas brovos". Trota-se de<br />
um reloto profeticamente interpretativo de uma genuíno<br />
história, e os símbolos fazem a interpretoção. Os símbolos<br />
fozem desta história umo ocusoção formal que o coso<br />
de Israel e os homens de Judá não podem ignoror ou<br />
evodir (Cf. IsQÍos 5.3-7) .
o dilema hermenêutico<br />
175<br />
Jesus, o último profeta para Israel, também narra história<br />
nesta forma profético-simbólica. A parábola dos lavradores<br />
maus é relato profeticamente interpretativo da<br />
história de Israel até aos dias de Jesus. O relato do tratamento<br />
abusivo dispensado aos mensageiros do dono naturalmente<br />
é simbólico. Mas o símbolo relata e interpreta<br />
história. O assassínio do filho do dono se estava tornando<br />
história enquanto Jesus falava (Cf. Mateus 21.45, 46).<br />
A maioria das parábolas de Jesus são histórias capsulares<br />
em forma simbólica ou figurativa. A parábola da<br />
ovelha perdida, a da dracma perdida e a do filho pródigo<br />
são narrações profeticamente interpretativas da histó<br />
Tia que seus oponentes haviam narrado em forma "histórica"<br />
literal quando disseram: "Êste recebe pecadores e<br />
come com êles" (Lucas 15.2). Qual dos dois relatos é o<br />
"verdadeiro" O relato de Jesus é "mais verdadeiro" exatamente<br />
porque é relato profeticamente interpretativo e<br />
que se vale de símbolos.<br />
Da mesma forma a parábola dos dois filhos, a da figueira<br />
estéril (Lucas 13.6-9 - notai o contexto), a do semeador,<br />
a do remendo nôvo em vestido velho, a do homem<br />
forte acorrentado, a da galinha que junta seus pintinhos,<br />
tôdas elas são históricas de acôrdo com seu carater.<br />
Não só tratam de verdades intemporais, mas da<br />
história que está sendo encenada perante os olhos dos<br />
contemporâneos de Jesus, a história do Messias-servo que<br />
vai palmilhando seu caminho ministerial rumo à cruz. Jesus<br />
contou história desta maneira porque era o chamador<br />
de homens, o evangelista. Narrando história dêsse<br />
modo econômico, plástico e agudo, procurou abrir os olhos<br />
dos homens para o fato do domínio real de Deus ativo na<br />
terra e no tempo dêles. A chave para entender as parábolas<br />
é exatamente o fato de que elas narram a história<br />
de Jesus de Nazaré. As parábolas cegam e endurecem a<br />
homens que se negam a recebê-Ias como história em símbolo,<br />
homens que não traçarão a linha do símbolo do forte<br />
acorrentado pelo mais forte ao "débil" Jesus de Nazaré,<br />
cujo. história está sendo narrada e interprctac:a na pc:,·ábob.<br />
Paulo narra e interpreta a história de Israel quando<br />
fala do "batismo" e da "ceia" de Israel no deserto (I Cormtios<br />
10.1-4). Narra a história do lidar de Deus com os<br />
judeus e os gentios quando fala da árvore e dos ramos<br />
enxertados (Romanos 11.17-24). Está narrando história de<br />
um modo profeticamente interpretativo, por meio de símbolo,<br />
quando diz aos coríntios: "Pelo evangelho vos gerei<br />
em Cristo Jesus" (I Coríntios 4. 15).<br />
Mas - poderia alguém argumentar -, nestes casos<br />
sempre parece haver alguma indicação de que está sen-
176 o dilema hermenêutico<br />
do empregada linguagem simbólica. E os livros que a si<br />
mesmos se apresentam como narrativa literal Nossos<br />
evangelhos certamente se apresentam como narrativas<br />
diretas. São o que implicam os títulos que a igreja lhes<br />
deu: . Boas Novas. Contudo, serão êles tão absoluta e ir'<br />
restritamente diretos e livres de símbolos como sugere o<br />
têrmo "novas" Não se pode imaginar uma série mais<br />
prosaica de "gerou" do que a da genealogia de Jesus em<br />
Mateus .1. Mas até aqui o simbólico tem seu lugar. Mateus<br />
deu a esta série uma estrutura simbólica de 3 x 14<br />
gerações, saltando algumas gerações a fim de estruturar<br />
assim, e êle mesmo chama a atenção para êste simbolismo<br />
(Mateus 1.17). A presença de quatro mulheres na genealogia<br />
também parece ter significado simbólico. Este simbolismo<br />
estrutural se encontra ao longo de todo o primeiro<br />
evangelho.<br />
O livro dos Atos dos Apóstolos certamente é narrativa<br />
direta. O valor do livro depende inteiramente da historicidade<br />
de seu conteúdo, da aconteceuidade doseventos<br />
registrados. Mas até nêle encontramos uma paralelização<br />
simbólica das carreiras de Pedro e Paulo, bem como<br />
uma paralelização simbólica das peregrinações e dos<br />
sofrimentos de Paulo e de seu S~nhor. E o estribilho de<br />
Lucas: "A palavra do Senhor cresceu", não é linguagem<br />
de crônica prosaica. t a linguagem simbólica de uma interpretação<br />
profética da história.<br />
O emprêgo do símbolo na narração e interpretação<br />
da história é uma sempre presente possibilidade nas Escrituras.<br />
Devemos contar com essa possibilidade princi.:.<br />
palmente onde a coisa narrada não tem paralelo em nossa<br />
existência terrena, diária - ou mesmo em nossa existência<br />
século-a-século. Tomemos os exemplos mais óbvios.<br />
Nossa vida nada sabe de um fim absoluto (os que dizem<br />
que a morte é o fim de tudo jamais podem crer inteiramente<br />
nisso). É estúpido e desgracioso impor um "deve H<br />
ao Espírito Santo. Mas, falando de onde estamos, neste<br />
eon sombrio, términos absolutos devem ser comunicados<br />
em signos e símbolos, ou então não podem ser comunicados<br />
de forma nenhuma. O fim dêste mundo e o iuízo<br />
definitivo e final sóbre o pecado - como se comuni~arão<br />
estas coisas a nós, que vivemos num mundo em que o<br />
pecado é a realidade constante, dada, dominante da vida<br />
humana, mundo em que todo e qualquer julgamento Sóbre<br />
o pecado é apenas penúltimo (o juiz que sentencia a<br />
pena capital acrescenta as palavras: E que Deus se amerceie<br />
de sua alma)<br />
O fato é que o Espírito fala dos acontecimentos escatológicos<br />
em simbolismo sugestivo. Tão longe estão os
o dilema hermenêutico<br />
177<br />
relatos bíblicos sôbre o fim do mundo de serem diagrac<br />
màtÍcamente claros e consistentes, que teólogos ortodoxos<br />
ficaram indecisos entre a concepção de um aniquilamento<br />
absoluto dêste mundo e uma criação de nóvo, de um<br />
lado, e uma restauração recriadora dêste mundo de outro<br />
lado, e, talvez sàbiamente, muitas vêzes deixaram aberta<br />
a questão. O que todos êsses relatos dizem a nossas consciências<br />
e a nossa esperança é abundante e abençoadac<br />
mente claro.<br />
Tomemos os dois relatos mais pormenorizados do JuízoFinal<br />
oferecidos pelo Nôvo Testamento: Mateus 25.31-46<br />
e Apocalipse 20.11-15. Teologicamente concordam de modo<br />
absoluto: ambos falam a nossas consciências e a nossaesperança<br />
da mesma maneira, pois ambos põem ênfase<br />
no fato de que nossa libertação no julgamento final<br />
é devido, só e inteiramente, aos eternos conselhos graciosos<br />
de Deus ("Bem-ditos de meu Pai", "o livro da vida"),<br />
e no fato de que nossas" vidas crentes decifraram o veredicto<br />
que ouviremos no último dia ("A mim o fizestes", julgados<br />
pelo que estava escrito nos livros, "segundo o· que<br />
haviam feito"). Mas nos pormenores os dois relatos diferem<br />
quase que em todos os pontos. Nem mesmo a pessoa<br />
do juiz é absolutamente idêntica (Filho do homem;<br />
Deus no trono), A inferência é clara. A linguagem, em<br />
ambos os relatos, é a dos símbolos profeticamente interpretativos.<br />
E símbolos não precisam ser idênticos para<br />
acordarem entre si.<br />
Todos somos perseguidos por um receio quando consideramos<br />
êsse modo de interpretação. Perguntamos: para<br />
onde nos levará isso Onde termina Acaso não nos<br />
levará a lógica de nossa metodologia até o ponto em que<br />
vamos rarefazer todos os grandes atos de Deus em benefício<br />
dos homens e por nossa salvação, transformando-os<br />
em princípios e abstrações, em idéias que podem ser intelectualmente<br />
excitantes mas que não podem sustentarnos<br />
agora em nossas tentações, nem ajudar-nos na hora<br />
da morte Acaso não chegaremos a concluir, afinal, que,<br />
por exemplo, o fato primacial, aquêle do qual depende o<br />
futuro todo da humanidade, o fato da ressurreição de Jesus<br />
Cristo, não passa de maneira simbólica de dizer que<br />
a influência e o poder de Jesus persistem de alg1)8 mOGO<br />
para além de sua morte e determinam as vidas de seus<br />
seguidores.<br />
Devem dar-se duas respostas a essa temível pergunta.<br />
l. a representação profético-interpretativa de um evento,<br />
com o emprê
178 o dilema hermenêutico<br />
morte", Atos 2.24), está afirmando a realidade e histofÍcidade<br />
do evento. 2. uma coisa é reconhecer a presença<br />
e o valor da linguagem simbólica numa narrativa em que<br />
é provável e reconhecível; outra, bem diversa, é fazer da<br />
realidade que corresponde ao símbolo mero símbolo. No<br />
caso da ressurreição de nosso Senhor, simplesmente não<br />
há evadir o fato de que para cada uma das testemunhas<br />
eleitas para êsse evento a ressurreição é um fato. Aconteceu.<br />
De acôrdo com essas testemunhas, os soldados que<br />
guardavam<br />
tava vazio<br />
o túmulo fugiram aterrorizados; o túmulo es<br />
e as vestes tumulares lá estavam, esmeradamente<br />
dobradas - nem mesmo a réplica judaica pôde<br />
desmentir o túmulo vazio. O Cristo ressurreto foi visto por<br />
muitos e em várias ocasiões. Falou-lhes; comeu na presença<br />
dêles. Superou suas dúvidas. Paulo, em I Coríntios<br />
15 (provàvelmente o mais antigo relato do acontecimento),<br />
fixa totalmente a fatualidade da ressurreição e faz<br />
depender da realidade dêsse evento a existência do apostolado,<br />
a proclamação apostólica, a igreja apostólica e a<br />
esperança da humanidade. Quem se desvia disso separou-se<br />
Santo.<br />
do Nôvo Testamento, do testemunho do Espirito<br />
Há um perigo aqui. Se o reconhecemos, estamos precautelados<br />
contra êle e podemos evitá-lo. Se em mêdo<br />
pânico nos recusamos a encarar êsse caraterístico dos textos<br />
inspirados, estamos ignorando o que nos ensinaram o<br />
Saltério e a história tôda da hinologia cristã: que a linguagem<br />
da poesia é a mais poderosa, a mais comovente,<br />
e, em derradeira análise, a mais verdadeira e mais acurada<br />
forma de linguagem.<br />
c - Intelectuallsmo<br />
Em 1942 Hermann Sasse publicou um estudo penetrante<br />
e comovedor do programa bultamanniano de demitiíicação.<br />
O estudo foi reeditado, com nôvo prefácio, por<br />
Friedrich Wilhelm Hopf, em Lutherische Bkiíter de novembro<br />
de 1964.* Devêramos ser-lhe gratos por haver feito êsse<br />
estudo, ainda relevante, e ainda prontamente obtenível.<br />
Pois o problema de que trata não é só o do Bultmannismo<br />
radical; trata de todo o historicismo que criou aquêle dualismo<br />
na interpretação das Escrituras do qual temos falado,<br />
1ntitulou seu estudo Flucht vor dem Dogma (Fuga do Dogma)<br />
. Em seu parágrafo final Sasse chama atenção para<br />
o fato de que o juizo por êle feito a teologia bultmanniana<br />
também vale para largo setor da teologia evangélica de<br />
hoje, Essa teologia, diz êle:<br />
") Ci. Igreja Luterana, 1964, página 170 S8.
o dílema hermenêutico<br />
179<br />
.. ' ainda é, em derradeira análise, uma forma do<br />
neoprotestantismo nascido do Iluminismo. O sinal infalível<br />
dêsse neoprotestantismo é sua falta de compreensão para<br />
com o dogma da igreja, e, conseqÜentemente, sua inabilidade<br />
para compreender as grandes verdades objetivas<br />
da revelação divina. É êste o tributo que as igrejas evangélicas<br />
pagam à cultura moderna. No pagamento dêsse<br />
tributo encontra expressão a vergonhosa dependência da<br />
igreja frente ao mundo. Foi na batalha contra o dogma<br />
da igreja, mais ou menos à volta dos séculos 17 e 18, que<br />
o mundo moderno começou a existir. Desde então todo<br />
homem moderno tem, por assim dizer, um ressentimento<br />
inato contra tudo o que se possa chamar confissão, doutrina,<br />
dogma da igreja. Até la onde os homens exultam<br />
nas confissões redescobertas, verifica-se que ainda estão,<br />
inconscientemente, em fuga do dogma, a substância doutrinária<br />
das confissões. Muito trabalho terá que ser feito,<br />
e terá que realizar-se profunda revolução no pensamento<br />
teológico antes que esta secreta fuga do dogma (que é<br />
deveras fuga da reivindicação de autoridade sôbre nós feita<br />
pela Escritura Sagrada) esteja superada e a igreja recupere<br />
sua liberdade espiritual frente ao mundo ..<br />
Como igreja, ainda não participamos nessa fuga do<br />
dogma. Mas talvez devêramos perguntar a nós mesmos:<br />
o espetáculo da dissolução de dogma após dogma, sob o<br />
ataque da exegese histórico-crítica, nos aterrou de tal maneira,<br />
que fugimos para dentro do dogma E dessa fuga<br />
não resultou uma espécie de intelectualismo em nossa proclamação<br />
e em nosso ensino Disse, faz poucos anos, um<br />
pastor de nossa igreja, de idade provecta: "Somos uma<br />
igreja-catecismo, antes que uma igreja-Bíblia". Sua intenção<br />
não foi criticar. Mas êsse "antes que" não será<br />
uma acusação a nossa igreja Se é acusação justificada,<br />
significa que não permitimos exercessem nossas preciosas<br />
confissões sua função hermenêutÍca: levar-nos para dentro<br />
da Escritura e através da Escritura. Por certo que há<br />
verdade na afirmação de Gerhard Gloege: "A Confissão<br />
(escrita) é a norma básica da hermenêutica bíblica .<br />
Uma confissão está em vigor apenas enquanto capaz de<br />
exercer sua função de interpretar a Escritura." 11<br />
Seja qual fôr nossa resposta a essa acusaçao, devemos<br />
admitir que certo intelectualismo se infiltrou em nossa<br />
pregaçao, como resultado de nossa fuga para dentro do<br />
dogma. Os sermões que ouvimos têm, certamente, substância<br />
dogmáticc:!. São claros e precisos. Grandes e ine-<br />
21. Gerhard Gloege, "Bekenntnis, V., Dogmatisch", Die Religion<br />
in Geschichte undGegenwart, terceira edição (Tubinga, J. C. B.<br />
Mohr, 1957) ~), I, 997.
180 o dilema hermenêutico<br />
gáveis virtudes estas. Mas quankrs vêzes essa clareza e<br />
precisão foram alcançados às custas de plasticidade, concretitudee<br />
relevância. O texto em tela não é exposto em<br />
sua particularidade. Torna-se, antes, meramente ponto de<br />
partida de um dogma como tal. O pregador foge do Nôvo<br />
Testamento para seu catecismo ou sua dogmática. Se sua<br />
consciência o atribula pelo fato de êle haver substituído,<br />
por assim dizer, um mapa dogmático com a paisagem<br />
querigmática do Nôvo Testamento, sempre pode confore<br />
tar-se com o fato de que pregou "um sermão sàlidc:mente<br />
doutrinário, e isso é o de que o povo precisa".<br />
Alguns pregadores reàgiram contra êsse intelectualismo<br />
na direção da senti mentalidade e do legalismo pietístico,<br />
com tôda a perda da substância dogmático-querig~<br />
mática que vai envolvida nisso. Natural que isso não constitui<br />
remédio. O remédio não está em pregar menos dogma,<br />
mas em pregar mais dogma, dogma em tôda a sua<br />
plenitude, riqueza e relevância bíblicas - como palavra<br />
direta e compelativa, dirigida a nós. O remédio está em<br />
permitir que ~s Confissões realmente façam sua obra hermenêutica,<br />
permitir-lhes que nos dêem olhos para ver e<br />
ouvidos para ouvir o que a Escritura apresenta em côr e<br />
variedade profusas. No clima cálido dos textos inspirados<br />
as sementes do dogma se expandirão, brotarão e florescerão<br />
para uma proclamação que instrua e mova.<br />
A função hermenêutica de nossas Confissões é servir<br />
a pregação, a proclamação da igreja: "Nossas igrejas eh~<br />
sinam com grande unanimidade" (Confissão de Augsbur~<br />
go, I). É genuInamente luterana a afirmação de Peter<br />
Brunner: "A interpretação decisiva da Escritura" é .. ' o<br />
sermão escatológico, não a exegese histórico-crítica." 22<br />
Nesta conexão dever-seeia dizer uma palavra respeito à<br />
função hermenêutica da liturgia, êsse outro grande presente<br />
com que Deus dadivou a Igreja Luterana. A liturgia<br />
luterana oferece a moldura ideal para essa "interpretação<br />
decisiva da Escritura". Aqui o movimento do ano eclesiástico<br />
é recordação constante do caráter escatológico de<br />
nossa interpretação da Escritura, pois aí se nos lembra<br />
contlnuamente de que Deus está "0 caminho", em movimento<br />
rumo a seu alvo final de juizo e consumação - e<br />
se nos lembra também que nós, a igreja, somos peregrinos,<br />
povo de Deus a caminho, gente que dirige o olhar<br />
para a cidade que tem fundamentos. Aqui o horizonte escatológico<br />
está sendo contInuamente aberto, na confissão<br />
22. Peter Brunner, citado no Informe de otto Perels em "Die<br />
Verbindlichkeit des Kanons", Fuldaer Hefte, 12, editor Friedrich<br />
HUbner (Berlim, Lutherisches Verlagshaus, 1960), página<br />
78.
o dilenia hermenêutico<br />
181<br />
dos pecados e na absolvição, no louvor, na oração, na proclamação<br />
e na confissão de fé, no recebimento da bênção<br />
de Deus, pois "eu te abençoarei" é a palavra primeva e<br />
a escatológica de Deus a seu povo (Gênesis 12. 2; Mateus<br />
25 34).<br />
E aqui, na liturgia, palavra e sacramento são mantidos<br />
juntos em sua unidade essencial e orgânica. Esta unidade<br />
de palavra e sacramento. recorda perpetuamente ao<br />
intérprete proclamadOr o fato de que êle, em última análise,<br />
não está "lidando com" a Palavra de Deus; o Deus,<br />
que em sua Palavra está presente e ativo para julgar e<br />
salvar, está lidando com o intérprete proclamador. Também<br />
aqui se abre o horizonte escatológico: quando se<br />
nos ensina a conceber desta maneira a Palavra de Deus,<br />
sabemos que tôda e qualquer proclamação dela é ante·<br />
cipação do Juízo Final. Pois com cada proclamação a<br />
luz ilumina o mundo: "O julgamento é êste: Que a luz<br />
veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do<br />
que a luz; porque as suas obras eram más. Pois todo<br />
aquêle que pratica o mal, aborrece a luz e não se chega<br />
para a luz, a fim de não serem argüidas as suas obras.<br />
Quem pratica a verdade aproxima·se da luz a fim de que<br />
as suas obras sejam manifestas, porque feitas em Deus"<br />
(João 3.19-21).<br />
Neste solo o intelectualismo realmente não pode cres~<br />
cer. Neste clima o dualismo na interpretação bíblica (que<br />
ainda é a praga da teologia bíblica em nossos dias) pode<br />
ser superado. Aqui, onde estamos totalmente submissos<br />
à Palavra, pode haver entendimento genuíno da Palavra.<br />
Aqui pode haver interpretação verdadeira da Palavra.<br />
Aqui, até o exegeta pode viver na esperança de que algum<br />
dia ouça aquela palavra irresistivel: "Bom e fiel<br />
servo, entra no gôzo do teu Senhor".
182 Fundamentos Bíblicos da :Ética Cristã<br />
FUNDAMENTOS BíBLICOS<br />
DA_ ÉTICA CRIST~{<br />
l\IARTUI<br />
C. WARTH<br />
INTRODUÇÃO<br />
1.<br />
Ética Cristã<br />
Com o próprio tema dado a esta pesquisa fica delimitada<br />
a discussão do problema ético dentro do campo e<br />
dos conceitos da religião cristã. As poucas referências a<br />
uma ética filosófica apenas foram incluídas para sublinhar<br />
as conclusões da ética cristã.<br />
A religião cristã é a religião perfeita no sentido absoluto.<br />
Porisso também a ética cristã é a ética perfeita no sentido<br />
absoluto. Falamos em sentido absoluto, porque não é comparativamente<br />
melhor, mas é a única que corresponde à<br />
realidade humana frente ao seu Deus e Criador.<br />
Tentou-se, especialmente desde Fichte, pensar a realidade<br />
moral sem o Deus que criou a ordem moral, ou pensar<br />
a realidade moral baseada apenas na consciência psicológica<br />
do homem. Mas a consciência psicológica, com<br />
as manifestações da razão e da vontade, aponta para além<br />
de si mesma, para Deus. A ética autônoma e imanente é<br />
indefensável, embora seja novamente invocada pela ass.im<br />
chamada "nova" moralidade, tornada popular pelos<br />
livros de John A. T. Robinson.1 De outro lado a consciência<br />
moral ainda se impõe ao. homem, fazendo-o responsável<br />
perante uma justiça qu.e lhe é superior e fora de seu<br />
contrôle absoluto. A consciência moral aponta para a vontade<br />
de Deus como medida para nossas ações. 2<br />
Para termos um sistema ético que corresponda à realidade<br />
humana é, portanto, necessário que conheçamos a<br />
vontade de Deus. E para escaparmos à imanência de um<br />
sistema ético é necessário que esta vontade de Deus nos<br />
seja revelada além e acima das manifestações de nossas<br />
1 John A. T. Robinson, Honest to God. (Philadelphia: The<br />
Westminster Press, 1963). - Do mesmo autor em tradução<br />
para o alemão: Ch'l'istliche Moral heltte. (München: Chr.<br />
Kaiser Verlag, 1964).<br />
2 Kirchliches Handlea,ikon. Editado por Carl Meusel, Ernst<br />
Haack, B. Lehmann, e outros. (Leipzig: Justus Naumann,<br />
1889). VoI. II, 450-451: "Ethik".<br />
Paul Althaus, Grundriss der Ethik (Gütersloh: C. Bertelsmann,<br />
1953, 2' edição), p. 50.
Fundamentos Bíblicos da l1:tíca Cristã 183<br />
consclencias psicológica e moral. Esta é a razão porque<br />
procuramos os fundamentos bíblicos da ética cristã.<br />
Por definição a ética cristã está condicionada a Cristo.<br />
E Cristo sàmente encontramos na revelação de Deus<br />
dada nas Escrituras Sagradas. A ética. cristã é portanto<br />
uma ética revelada. 1'v1uitasdefinições se têm dado à ética<br />
cristã ou teológica. Ética é considerada a ciência do<br />
m.oraI, dos costumes, do ethos, g dando cada autor uma<br />
conotação diferente à palavra escolhida. A teologia católica<br />
romana preferiu geralmente falar de "filosofia mo~<br />
rol" onde a teologia evangélica usou o térmo "ética". 4<br />
Usamos neste estudo os térmos ética e moralidade como<br />
essencialmente sinônimos.<br />
A ética cristã não é sàmente descritiva, como a ciência<br />
da atitude do homem frente ao dever absoluto, mas<br />
também é normativa, no sentido em que é uma reilexão<br />
sistemática a respeito da revelação de Deus vista como<br />
chamamento do homem à ação, isto é, vista como mandamento,<br />
bem como fundamentação efetiva da obediência<br />
humana. 5 Desta forma a ética cristã fala de um lado<br />
da situação do homem frente ao dever absoluto, e, de outro<br />
lado, frente ao dever condicionado pela vinda de Cristo.<br />
Porisso a ética cristã não é apenas descritiva e normotiva,<br />
mas, para ser cristã, precisa ser soteriológica, porque<br />
ela precisa apontar e dar os meios para tornar posa<br />
obediência humana dentro da norma e da graça<br />
de Deus. Isto a aproxima da teologia sistemática de tal<br />
forma que muitos teólogos no passado não quiseram falar<br />
da ética como de uma disciplina separada da dogmática.<br />
Foi o mérito de Calixto pela sua "Theologia Moralis"<br />
de 1634, de separar as duas disciplinas. Embora separadas<br />
exteriormente, ética e dogmática se relacionam Intimamente.<br />
Ambas apresentam a verdade revelada, mas<br />
enquanto que a dogmática apresenta as doutrinas da fé,<br />
a ética apresenta as doutrinas dos costumes e da moral. G<br />
Enquanto que a dogmática tratá das verdades religiosas,<br />
a ética trata das verdades morais. 7<br />
A ética cristã envolve tóda a Dersonal',c1adcc Q vicr;:<br />
humana. A ética cristã trata da" qualidade do homem<br />
julgado de acôrdo com o critério de Deus, e parisso a<br />
nossa biografia precisa ser estudada do ponto de vista do<br />
3<br />
4<br />
5<br />
6<br />
Paul Lehmann, "Ética Cristã e l1:tica Marxista", Diálogo, VoI.<br />
TI (1964, nQ 3), p. 27.<br />
Werner Elert, The Ohristian Ethos. Tradução de Carl J.<br />
Schindler. (Philadelphía: Muhlenberg Press, 1957), p. 3.<br />
Paul Althaus, op. cit., p. 11.<br />
Meusel, et aI., op. cit., lI, p. 452.<br />
Johann Michael Reu e Paul H. Buel1ring, Ohristian Ethics,<br />
(Columbus, Ohio: The Lutneran Book Concern, 1935), p. 48.
184 Fundamentos Bíblicos da 11:tica.Cristã<br />
juízo final. Temos que saber como Deus avalia a vida, e<br />
qual o seu critério de julgamento. 8 Descobrimos que e<br />
critério de Deus é a sua lei, uma lei de vida, de morte,<br />
de retribuição. 9 A base desta lei é que precisamos avaliar<br />
e reavaliar a nossa vida diàriamente.<br />
Esta avaliação nos poderia levar ao desespêro se não<br />
soubéssemos do motivo soteriológico da ética cristã, se<br />
não soubéssemos de Cristo e sua obra redentora, se não<br />
soubéssemos que Cristo será o juiz no juízo final. Porisse<br />
ética cristã é uma ética de concessão, em que não apenas<br />
existe um critério de lei para julgar os nossos atos, mas<br />
existem também a graça e o perdão. A ética cristã é diferente<br />
de tôda ética filosófica porque não apenas dá uma<br />
norma, mas cria no homem as condições para que possa<br />
atender a essa norma. A ética cristã nos transforma para<br />
primeiro sermos o que devemos fazer, ela nos dá o que<br />
nos ordena, ela mesma realiza em nós o que exige. 10<br />
Nesse sentido podemos definir a moralidade cristã como<br />
a aceitação voluntária da vontade divina como norma, por<br />
personalidades humanas livres, com o objetivo e a finalidade<br />
de realizar esta vontade na vida individual bem<br />
como nas várias relações sociais. 11<br />
A moralidade cristã nasce portanto de uma relação<br />
individual do homem com Deus. Sàmente quando esta<br />
relação está correta é que o pensamento, a vontade, e a<br />
ação do cristão podem ser corretos em relação a si mesmo<br />
e em relação à sociedade em que vive. Na ética cristã<br />
se aplica o princípio de que a árvore precisa ser boa<br />
para que possa produzir bons frutos. Não são os bons<br />
frutos que tornam a árvore boa. Na ética cristã o mais<br />
importante não é o que deve acontecer, mas o que aconteceu.<br />
Quando analisamos neste estudo o que aconteceu,<br />
vamos descobrir que a ética cristã é na realidade uma<br />
ética de emergência para um estado provisório entre a<br />
promessa da vinda de Cristo e a sua "parousia" finaL<br />
2. Fundamentos Bíblicos<br />
Não seria necessário dizer que a ética cristã deve<br />
estar fundamentada na revelação de Deus. A revelação<br />
de Deus tem como centro principal a Cristo e sua obra<br />
em favor dos homens, de modos que poderíamos dizer<br />
8 Elert, op. cit., p. 49.<br />
9 Ibid., p. 52. - Rm 2.6; 2 Co 5.10.<br />
10 Meusel, et a!., op. cit., lI, p. 452.<br />
11 Reu, op. cit., p. 33.
Fundamentos Bíblicos da Ética Cristã<br />
185<br />
que a revelação de Deus é Cristo. 12 A ética cristã é portanto<br />
a ética ensinada por Cristo, é a ética tornada possível<br />
por meio c:!eCristo.<br />
Duas cousas ressaltam no estudo da Palavra revelada<br />
de Deus. De um lado é a causa da vinda de Cristo,<br />
e de outro lado o resultado da vinda de Cristo. Cristo veio<br />
por causa do pecado dos homens, para os libertar da opressão<br />
do pecado. Pecado e graça são os dois motivos que<br />
voltam sempre de nôvo na revelação de Deus. :t:stes dois<br />
motivos são expressos pelos princípios fundamentais que<br />
devem reger a hermenêutica cristã: Lei e Evangelho. 13<br />
Tôda revelação de Deus ou é Lei ou é Evangelho, ou fala<br />
da ira de Deus pelo pecado do homem ou da graça<br />
de Deus.<br />
Quando, pois, queremos examinar os fundamentos<br />
bíblicos da ética cristã o fazemos baseados nestes dois<br />
princípios de hermenêutica cristã, na certeza de que são<br />
êstes os dois princípios que devem não somente governar<br />
a interpretação da revelação de Deus nas Escrituras Sagradas,<br />
como devem também governar tôda a vida do<br />
cristão.<br />
A. A SITUAÇÃO NATURAL DO HOMEM<br />
1. O homem foi criado segundo a imagem de Deus<br />
Quando analisamos a nossa situação atual como homens<br />
descobrimos uma duplicidade em nós. De um lado<br />
reconhecemos que somos autônomos apenas no sentido<br />
em que reconhecemos as nossas decisões e os nossos atos<br />
como nossos, mas que fundamentalmente dependemos de<br />
Deus. Reconhecemos que somos responsáveis por estas<br />
decisões e êstes atos a um poder e a uma vontade que<br />
não são nossos. Reconhecemos que Deus nos responsabiliza<br />
por algo que deveríamos ser, fazer, ou deixar de<br />
fazer. De outro lado descobrimos que Deus nos torna responsáveis<br />
por algo que na realidade nem podemos fazer.<br />
Descobrimos que apesar de decidirmos o que queremos<br />
decidir nós não temos um livre arbítrio para decidirmos<br />
o que devemos decidir, nem para fazer o que devemos<br />
fazer. Há portanto uma contradição entre o que quere-<br />
12 Werner Elert, Morphologie des Lttthertu1ns (Müncl1en: C. H.<br />
Beck'scl1e Verlagsbuchhandlung, 1958), VoI. I, p. 95. - Jo<br />
14.6; Mt 11.27.<br />
13 Robert C. SChultz, "The Distinction Between Law and Gospel",<br />
Ooncordia Theological Monthly, XXXII (Oct. 1961), p. 591.<br />
(Cf. Lutero, WA 18, 680 ff., 692 f.; Ap. IV 5, 102, 186; XII<br />
53; FC SD V, VI.)
186 Fundamentos Bíblicos da :e:tica Cristã<br />
mos decidir e o que devemos decidir, O mais espantoso<br />
que descobrimos em nós é que o Deus que exige, de nós<br />
algo em sua Lei, ao mesmo tempo prod~z pela sua Lei<br />
justamente o contrário em nós, H Essa é a infeliz duplicidade,<br />
que sabendo que devemos fazer o bem não o fazemos,<br />
nem o podemos fazer (Rm 7, 19), Mesmo que Deus<br />
exija o bem de nós, somos obrigados por natureza a fazer<br />
o que é mau diante de Deus. Esta duplicidade cria angústia<br />
e ansiedade no homem, porque o homem olha para<br />
Deus na procura de uma resposta para êsse dilema, e<br />
Deus apenas lhe responde: Tua culpa! Nessa contingência<br />
termina tóda a racionalidade da moral para o homem,<br />
Até êsse ponto precisamos chegar para compreendermos<br />
que a moral cristã é necessàriamente soteriológica, isto é,<br />
que para o problema humano sàmente há uma solução:<br />
a graça em Cristo, mediante a fé. Porisso a ética cristã<br />
precisa ser uma ética do perdão<br />
Essa duplícidade no homem, embora natural, nao<br />
corresponde à vontade absoluta de Deus, nem foi implantada<br />
no homem por criação, Ensina-nos a Escritura que o<br />
homem foi criado segundo a imagem de Deus (Gn 1 "26,27;<br />
1 Co 11.7). Assim o homem não poderia estar por criação<br />
em contradição com a vontade de Deus. Não havia,<br />
portarlto, a duplicidade entre o dever e o cumprimento. O<br />
homem era "absolutamente" bom, isto é, êle ainda não<br />
conhecia um bem em contraposição ao mal, porque o mal<br />
ainda não havia penetrado em sua vida.)" Deus o previne<br />
do "mal", proibindo-lhe de comer da árvore do conhecimento<br />
do bem e do mal (Gn 2. 17). No entanto essa<br />
possibilidade do mal que é admitida na proibição é uma<br />
possibilidade que não se pode realizar dentro do paraíso.<br />
Quando essa possibilidade SG tmLGl ; [jalidade já não há<br />
paraíso para a criatura. 16 Na situação em que o homem<br />
foi criado por Deus éle conhecia apenas a univocidade<br />
de sua vontade, de seus pensamentos, de suas ações, que<br />
concordavam com a vontade de Deus. O homem ainda<br />
estava separado do mal, separado para uma certa finalidade,<br />
a finalidade de cumprir a vontade de Deus. Isso<br />
é traduzido na palavra "santidade". Santidade era uma<br />
das características da imagem divina, porque na restauração<br />
da imagem divina o apóstolo Paulo nomeia esta qualidade<br />
ao lado da justiça e do conhecimento (Ei 4.24; Cl<br />
3.10). Santidade nos identifica com a imagem divina, porque<br />
santidade é a exigência máxima que Deus faz ao ho-<br />
14 Elelt, Morphologie des Luthertu1ns, r, pp. 18-19.<br />
15 Helmut Thielicke, Theologische Ethik, VaI. I, (Tlibingen: J.<br />
C. B. Mohr - Paul Siebeck -, 1958), p. 457 (1363).<br />
16 Ibid., p. 457 (1364). - Rm 3.7.
Fundamentos<br />
Bíblicos da l\'ltica Cristã<br />
187<br />
mem (Lv 19.2; 1 Pe 1.15,16). Santidade é a qualidade<br />
de estar em perfeita consistência e harmonia com a sua<br />
própria natureza.17 No caso do homem esta santidade sàmente<br />
existia enquanto êle tinha uma natureza sem duplicidade,<br />
uma natureza simples e pura, segundo a imagem<br />
de Deus. Ninguém pode estar em perÍeita harmonia com<br />
uma natureza dividida como a do homem em seu estado<br />
natural atuaL Porisso agora, em seu estado natural, o<br />
homem já não tem a possibilidade de ser santo.<br />
O homem criado à imagem divina era santo porque<br />
estava em perfeita harmonia com a vontade de Deus que<br />
êle conhecia. O conhecimento da vontade de Deus era<br />
outra característica da imagem de Deus (CI 3.10). A vontade<br />
de Deus é a sua lei. O homem, pela imagem divina,<br />
conhecia a lei de Deus. Esta era uma lei "afirmativa",<br />
visto que não havia ainda o mal na vida do homem que<br />
devia ser negado e rejeitado. O homem ainda não conhecia'<br />
o mal. A única proibição que houve na lei de Deus<br />
era para evitar que houvesse negações e proibições. Não<br />
era ainda o reconhecimento do mal como uma .possibilidade<br />
na vida do homem, mas era o caso extremo, o caso<br />
de limite que deveria ser evitado. A proibição de não comer<br />
da árvore do conhecimento do bem e do mal foi dada<br />
para assegurar a obediência absoluta do homem a<br />
Deus, para conservar a sua integral santidade, sua harmonia<br />
com a sua própria natureza criada segundo a imagem<br />
de Deus. Esta proibição não foi uma insinuação no<br />
sentido de afirmar que o homem era imperfeito e propenso<br />
para o mal, e que por essa razão era necessário criar<br />
barreiras que evitassem o desenvolvimento dessa imperfeição.<br />
Ao contrário, a imagem divina dava ao homem o<br />
caráter de perfeição. O critério de Deus a respeito do homem<br />
foi deque tudo era "muito bom". (Gn 1. 31; Ec 7.29).<br />
Seu conhecimento da lei de Deus e sua obediência a ela<br />
eram perfeitos. Deus não precisava fazer concessões ou<br />
advertências além daquela que fêz, e que reconhecia apenas<br />
a existência do mal fora do ciclo normal da criação,<br />
fora do paraíso. O conhecimento do mal traria a morte.<br />
Morte é oposta a criação.<br />
2. A queda introduziu o mal que era «tabu»<br />
.fi. queda no pecado não foi o aproveitamento de uma<br />
nova possibilidade, mas foi a queda numa "impossibilidade",<br />
a queda no servo arbítrio, no "non posse non pec-<br />
17 A. L. Graebner, Outl'ines of Doct1'ínal Theology, (st. Louis:<br />
Concordia Publishing House, 1898), p.39, § 36.
188 Fundame"tos Biblícos da :Ética Cristã<br />
care". 18 O mal que foi citado apenas como fora do limite<br />
da criação, que era "tabu" para o homem santo, agora<br />
tornou-se parte integrante de sua personalidade e de<br />
sua existência. Agora surgiu a fatal duplicidade de que<br />
fala o apóstolo Paulo (Rm 7. 15). O homem conhecia agora<br />
o bem e o mal. Mas não era livre para decidir-se pelo<br />
bem. Sua vontade apenas tinha possibilidade de decidirse<br />
pelo que era m0ralmente mau de acôrdo com a santa<br />
vontade de Deus. 19 A imagem divina não era uma "super-estrutura"<br />
que se perdeu com O pecado, mas era parte<br />
da própria natureza do homem. O mal corrompeu a<br />
natureza humana.<br />
A lei natural, que é a revelação da vontade de Deus<br />
por criação, não deixou de existir no homem quando pecou,<br />
mas com o advento do mal ela tornou-se inadequada.<br />
Deus não havia dado ao homem instruções a respeito<br />
do maL porque êsse mal não existia na sua criação.<br />
O mal entrou na criação e destruiu o equilíbrio, a santidade,<br />
o conhecimento perfeito. O mal sobrepujou o homem,<br />
porque o mal não estava previsto, nem sujeito à lei<br />
de Deus. O mal contaminou irremediàvelmente o homem<br />
de tal forma que a exigência da lei já não podia ser cumprida.<br />
Sabendo a lei o homem já não podia cumprí-Ia.<br />
O mal se impunha sem lei e contrário à lei. O homem<br />
que deve fazer o bem é obrigado a fazer o mal. O mal<br />
se impôs de tal forma que dominou o homem, que obscureceu<br />
a sua razão e sua vontade, bem como a lei de Deus<br />
que deveria governar as ações morais do homem.<br />
A consciência moraL que representa a lei dada por<br />
Deus na criação, 2
Fundamentos<br />
Bíblicos da l!:Uca Crístã<br />
189<br />
que está em nós. A Escritura fala de consciência "fraca",<br />
"golpeada" (l C08.12), "adormecida" (Ef 5.14; 1 Ts 5.6).<br />
Podemos acalmar a consciência, fazê-Ia defender o nosso<br />
pecado, justificar o mal, acostumá-Ia ao pecado até certo<br />
ponto. Desta maneira a consciência pode encontrar-se entre<br />
a lei e o pecado, entre a santa vontade de Deus e o<br />
mal. De um lado acusa-nos, de outro lado aprova as nossas<br />
ações do ponto de vista moral. Mas, sujeita à influência<br />
do mal em nós, a consciência moral também pode a<br />
provar a imperfeição moral e acusar onde procuramos seguir<br />
a lei de Deus. Esta depravação da consciência é devida<br />
ao pecado, devida à duplicidade que trouxe o conhecimento<br />
do bem e do mal.<br />
E no entanto a consciência continua sendo uma voz<br />
de Deus no homem. A consciência testifica a presença e<br />
a validade da lei dada por Deus ao homem, e o direito<br />
que Deus tem de exigir satisfação do homem. A consciência<br />
testifica que a ação moral do homem é medida pela<br />
lei de Deus. Porisso o "pecado aterroriza as consciências",<br />
o que acontece através da lei que mostra a ira de Deus<br />
contra o pecado. 22 Porisso os dogmáticos podem falar dos<br />
"terrores", "tormentos", do "aguilhão" da consciência. 2:':<br />
Em vista do mal que deturpou a lei natural no homem a<br />
consciência não pode ser ouvida confiantemente como a<br />
voz de Deus em nós quando baseada unicamente na lei<br />
natural. Para que possa atuar com segurança é preciso<br />
que seja iluminada pela lei positiva de Deus, isto é, pela<br />
lei revelada com vistas a Cristo. 24<br />
Apesar de tódas as restrições, a consciência orientada<br />
apenas pela lei natural é suficiente para nos provar que<br />
somos responsáveis perante Deus. Porisso quando perguntamos<br />
por que somos maus, a resposta dada pela consciência<br />
orientada segundo a lei natural nos afirma que<br />
nós mesmos somos os responsáveis, concordando com o<br />
julgamento de Deus que afirma: Tua culpa! 25<br />
A consciência moral atesta dois fatos importantes para<br />
a vida moral do homem: primeiro, que o homem ainda<br />
conhece parcialmente a lei natural; segundo, que em<br />
22 Edmund SChlink, Theology 01 fhe Lidheran Oonlessions. Tradução<br />
de Paul F. Koehnecke e Herbert J. A. Bouman, (Philadelphia:<br />
Muhlenberg Press, 1961), p. 55. - Cf. Ap IV, 79.<br />
23 Heinrich Schmid, The Doctrinal Theology 01 fhe EvangeZical<br />
Lutheran Ohurch. Tradução de Charles A. Hay e Henry E~<br />
Jacobs. (JVIinneapolis, Minn.: Augsburg Publishing House,<br />
19i)!, 3' edição, c. 1875), p. 106-108.<br />
24 Jolm Theodore Mueller, Dogmática Cristã. Tradução de Martinho<br />
L. Hasse. (Pôrto Alegre: Casa Publicadora Concórdia,<br />
1957/60), VoI. I, p. 219.<br />
25 Thielicke, op. cit., I, p. 464 (1389).
:1&0 Fundamentos Bíblicos da Ética Cristã<br />
oposição à lei natural o homem está marcado pelo pecado<br />
original. Uma análise detalhada do fato da existência<br />
do pecado original em cada homem nos convence de que<br />
mesmo que o pecado original seja herdado, nós o reconhecemos<br />
como nosso, como nossa culpa, da mesma forma<br />
como aceitamos como nossos também qualidades e dons<br />
que recebemos de nossos antepassados. 2"<br />
O pecado original é um dos fatôres importantes na<br />
análise do ato moral do homem, porque determina o arbítrio<br />
do homem desde o início de sua existência. O pecado<br />
original decididamente coloca o homem em oposição<br />
à lei natural, e desta forma em oposição à vontade de<br />
Deus. Em vista disso o homem não pode escapar à necessidade<br />
de pecar, mesmo conhecendo a vontade de Deus<br />
parcialmente pela lei natural. O pecado original não é<br />
apenas um defeito eventual na personalidade do homem,<br />
não é apenas a falta de boas qualidades no homem, mas<br />
a total corrupção da natureza humana que pela queda de<br />
nossos primeiros pais está destituída da justiça originale<br />
é propensa a todo o mal. ~7 O pecado original não é uma<br />
corrupção. superficial, mas uma corrupção tão profunda da<br />
natureza humana que nada de são ou incorrupto .nela fi<br />
COU.28 A culpa de Adão não foi apenas imputada aos seus<br />
descendentes (Rm 5. 18), mas sua natureza corrompida<br />
mes foi transmitida (EI 2.3; Gn 8 21), de modos que todos<br />
os homens são agora carne nascida da carne, isto é;<br />
são totalmente depravados (Jo 3. 6; Rm 3. 23; 7. 18), totclmente<br />
cegos quanto a cousas espirituais (Ef 4.18; 1 Co<br />
2.14; 2 Co 3.5; EIS. 8), tendo os desejos corrompidos<br />
(Gn 6.5; Rm 6.12; Ef 2.3; 4.22), a vontade em oposição<br />
à: vontade de Deus e voltada para o mal (Rm 8.7;<br />
5.10;' Cl 1.21), enfim tendo tôdas as faculdades dominadas<br />
pelo pecado (Rm 7.14, 23, 24; 6.6, 17, 20; 3.9, 10), estando<br />
sem nenhuma possibilidade própria de rehabilitação<br />
espiritual (Ef 2.1,5; Ci 2,13; 2 Co 3.5).<br />
Apesar dêste mal e do pecado que corrompeu o homem,<br />
Deus ainda permite que por natureza lhe seja transmitida<br />
a sua vontade pela lei natural. De um lado torna<br />
o homem moralmente responsável pelos seus atos, visto<br />
que êlese torna inexcusável diante de Deus, apesar do<br />
pecado original. A consciência, baseada na lei natural,<br />
acusa e defende, evidenciando que o homem é um ser<br />
26 Ibicl., p. 474 (1422) e 478 (1434).<br />
27 Mueller, op. cit., I, p. 223.<br />
28 The Book of Concordo The confessions of the Evangelical Lutheran<br />
Church. Tradução e edição de Theodore G. Tappert e<br />
outros. (St. Louis: Concordia Publishing House, 1959), Fórmula<br />
Concórdia, Epítome I, 8.
F'undamentos<br />
Bíblicos da J
192 Fundamentos Bíblicos da Étíca Cdstã<br />
Lutero pode afirmar que "tôda criatura é Sua máscara"<br />
(Ideo universo creatura eius estlarva).:n Todo o homem<br />
tem um certo conhecimento de· Deus, porque Deus o confronta<br />
no meio de sua própria situação de criatura. As<br />
ordens criadas no mundo são máscaras de Deus em que<br />
o homem pode reconhecer o Criador. Assim também a<br />
lei natural é uma "larva Dei", porque através dela- Deus<br />
e sua santa vontade podem ser conhecidos, embora' parcialmente<br />
por causa do pecado e mal que domina o homem.<br />
Mesmo a lei revelada é uma máscara de Deus, porque<br />
a lei não nos mostra a Deus em sua plenitude, mas<br />
acomodado à condição humana. Lutero diz que a "rnáscara<br />
em que a Sua majestade com todos os seus dons se<br />
nos apresenta" é seu Filho, Jesus Cristo. 3~ Tôdas as demais<br />
máscaras devem conduzir a Cristo. O homem natural<br />
não reconhece a Deus corretamente nos seus véus ou<br />
máscaras, porque isso sàmente é possível ao cristão, e<br />
mesmo assim só parcialmente. :3:3<br />
Neste estudo queremos considerar esta situação de<br />
compromisso de Deus, que Lutero classifica entre as "larvae<br />
Dei", apontando especialmente a sua acomodação ao<br />
homem quanto à Lei e quanto ao Evangelho.<br />
1. A Lei como concessão da parte de Deus<br />
A transmissão da lei natural ao homem por natureza,<br />
bem como a sua repetição posterior por revelação, é uma<br />
acomodação de Deus à situação pecaminosa do homem.<br />
Com a queda o homem tornou-se indigno de qualquer consideração<br />
da parte de Deus. O pecado apenas merece a<br />
morte (Gn 2.17; Rm 5.12; 6.23). A permanência da lei<br />
natural no homem, e especialmente a revelação da lei positiva,<br />
são provas de que Deus ainda quer tratar com o<br />
homem. Se bem que Deus precisa tratar com o homem<br />
em sua ira do ponto de vista da lei, o oferecimento da lei<br />
é claramente um indício de concessão da parte de Deus.<br />
Deus conhece o pecado do homem, e no entanto ainda<br />
quer tratar com êle. BonhoeHer nos ciiria que "o mandamento<br />
de Deus é a permissão de viver como homem diante<br />
de Deus". 34 Deus ainda nos concede· uma oportunida-<br />
31 Martín Luthel', D. Martin Lltther's Werke (\Veímar: Hermann<br />
Bi.ihlau's Nachfolger, 1911), XL (í), 174, 3. Esta obra<br />
será citada como WA.<br />
32 Luther, WA XLII, 296, 22 f.<br />
33 Luther, WA XLII, 631, 36-42.<br />
31 Díetrích Bonhoeffel', Ethik (Stuttgart: Evangeliscl1e Buchgemeinde,<br />
1948). Zusammel1gestellt und herausgegeben von<br />
Eberhard Bethge. P. 218.
Fundamentos BíbJicos da Ética Cristã<br />
193<br />
de, e paro êsse tempo de graça nos dá a sua lei para<br />
governar a nossa conduta moral.<br />
Lutero também vê na lei revelada um gronde consô<br />
10, porque por ela sabe que Deus ainda quer tratar conosco.<br />
Na sua angústia diante das exigências da lei e da<br />
sua situação de pecador, impossibilitado de cumprir a<br />
santa vontade de Deus, Lutero se agarra nas palavras "teu<br />
Deus" do primeiro mandamento, quando Deus diz "Eu sou<br />
o Senhor teu Deus".:;'i Êle reconheceu que esta era uma<br />
palavra de concessão da parte de Deus: apesar do pecado<br />
Deus ainda quer tratar com o homem, Deus ainda se<br />
considero o Deus do pecador. Lutero sabia· que esta pa~<br />
lavra era dirigidaao povo do concêrto do Velho Testamento<br />
é hão aos gentios. Mas como a lei revelada era para<br />
êle drhesma lei natural, Lutero reconhece que a lei revelada<br />
também é revelada ao gentio. Porisso se incluiu entre<br />
aqueles aos. quais Deus diz "Eu sou o Senhor teu<br />
Deus". ~"<br />
O "teu Deus" é uma palavra. de concessão da parte<br />
de Deus, porque Deus quer ser o Deus do pecador, apes.ar<br />
de Deus ter criado ° homem santo e apenas para asantidade,<br />
Sua vontade inicial foi que o homem tivesse absoluta<br />
santidade, e agora Deus diz ao pecador condenado<br />
à morte ainda as palavras "Eu sou o Senhor teu Deus",<br />
Desta forma a lei "é a permissão de vivermos como: homens<br />
diante de Deus", como diz BonhoeÍfer.<br />
No entaríto isto apenas é parte da concessão, a parte<br />
que fala do tempo da graça em que Deus ainda quer tratar<br />
com os homens. A outra parte da concessão é a palavra<br />
de ordem para o homem pecador em que Deus afirma<br />
que a lei continua em seu vigotcom todo o seu rigor.<br />
Sea primeira parte é· uma mensagem de arrior e consôlo,<br />
a segunda parte é lei em tôda a sua frieza, sua maldição,<br />
seu terror, porque Deus nesta lei continua a exigir absoluta<br />
santidade do homem que não pode ser santo.<br />
O pecado desvirtuou de tal forma a lei natural no ho~<br />
mem, que Deus decidiu revelar novamente a lei ao seu<br />
povo do concêrto. 37 Quando Deus falou ao povo de Israel<br />
lhes deu não sàmente a Lei Moro}, mas também as<br />
Leis Ceremonial e Judicial. De acôrdo com Cl 2.16,17 as<br />
duas últimas leis foram abolidas, mas de acôrdo com Mt<br />
35 Martin Luther, Dr. Martin Luther's Siimmtliche Schríften.<br />
Editado por Joh. Georg Walch. (St. Louis: Concordia Publishing<br />
House, 1894), lIl, 1041. Esta obra será citada como<br />
W2 - Cf. Éx 20.2.<br />
36 Luther, Wz, li, 1039.<br />
37 Bohlmann, op. cit., p. 731 (Cf. FC SD II, 9; FC SD V, 22;<br />
LC lI, 67; Ap. IV, 7).
194 Fundamentos Bfblicos da l!:tica Cristã<br />
5.17,18 a Lei Moral foi confirmada por Jesus para Iodos<br />
os homens e para Iodos os tempos, visto que a lei moral<br />
se identifica com a lei natural dada por Deus na criação.<br />
A lei moral revelada é a mesma lei natural com a diferença<br />
de que agora Deus estabelece a sua lei tendo em vista<br />
a pecaminosidade do homem, quando na criação lhe expressou<br />
a sua vontade tendo em vista a santidade do homem.<br />
:\8<br />
A lei moral, no entanto, não pode ser identificada simplesmente<br />
com o decálogo como dado em :t;x 20 e Dt 5,<br />
porque encontramos elementos da lei ceremonial nesta<br />
enumeração de mandamentos (e. g., o sábado no terceiro<br />
mandamento em comparação com CI 2.16,17). A lei moral<br />
é entendida no seu sentido completo quando vista sob<br />
a luz da obra de Cristo.<br />
Lei, no seu sentido estrito, é a doutrina divina que nos<br />
ensina o que é correto e agradável a Deus, e que condena<br />
tudo o que é pecaminoso e contrário à vontade de<br />
Deus. 29 Embora a lei seja expressa e clara, o homem não<br />
é capaz de reconhecer a verdadeira natureza do seu pecado,<br />
nem é capaz de saber quais são as verdadeiras<br />
boas obras morais, quando unicamente conhece a lei. O<br />
véu de Moisés (2 Co 3. 13-16) cobre a inteligência do homem<br />
que, julgando entender a vontade divina, produz<br />
apenas obras que levam ou à hipocrisia ou ao desespêro.<br />
A razão humana está encoberta pelo pecado para não<br />
entender a lei de Deus em tôda a sua extensão. Além<br />
de não poder conhecer a lei perfeitamente, o homem está:<br />
incapacitado pelo pecado de agir corretamente do ponto<br />
de vista moral. A compreensão cO""'etada lei sàmente pode<br />
ser dada por Cristo, e a capacidade de agir moralmente<br />
bem vem sàmente da regeneração espiritual tornada<br />
possível pela obra de Cristo.<br />
Por essa razão é correto dizer que "Cristo toma a lei<br />
em suas próprias mãos e a explica espiritualmente" .'" De<br />
acôrdo com a explicação que Jesus dá em seu sermão do<br />
monte a lei não pode ser cumprida simplesmente pelo<br />
atendimento exterior dos mandamentos e das proibições<br />
dadas no decálogo. A omissão de algo negativo ainda<br />
não é garantia da pureza da ação positiva. Essa era a<br />
teoria do farisaismo. A lei como vontade de Deus ao homem<br />
exige, antes da proibição do pecado, a açãoposi-<br />
38 Thielicke, op. cit., H/I, 191 (648 ff.).<br />
39 Book ot OoncQrd, Fórmula Concórdia, Epftome V, 3.<br />
40 [bid., V, 8. - Mt 5.21-48; Rm 7.14.
Fundamentos<br />
Bíblicos da li:tica Cristã<br />
195<br />
tiva. H Esta é a sua verdadeira finalidade. Porisso Jesus<br />
ensina que a lei precisa ser vista e cumprida de acôrdo<br />
com a lei do amor. O amor de que Jesus fala não é um<br />
sentimento que se resume em omissões, nem se satisfaz<br />
em receber dos outros, mas envolve a totalidade do homem<br />
e se completa na boa ação destinada ao próximo e<br />
oferecida a Deus.<br />
Jesus não está ensinando um nôvo mandamento no<br />
seu sentido absoluto, mas apenas retirando o "véu de<br />
Moisés" da razão empanada do homem, pois que o amor<br />
sempre fôra o resumo da lei de Deus, como vemos da<br />
comparação de Mt 22.37-39 e Lc 10.27, com Dt 6.5 e Mq<br />
6.8. Com o duplo sumário da lei (amor a Deus, e amor<br />
ao próximo) Cristo "descobriu " os mandamentos, tirando<br />
o véu que cobria o coração dos homens, e mostrou-nos que<br />
a lei de Deus. se extende a todos os desejos e ações do<br />
homem, a tódos os seus pensamentos, palavras e obras.<br />
O coraçâo por inteiro, com tôdas as suas manifestaçoes<br />
exteriores, está sob a exigência da perfeita obediência, do<br />
verdadeiro temor de Deus, do verdadeiro amor a Deus, e<br />
do serviço e amor ao próximo. 42 Por essa razão Lutero<br />
iniciou as explicações de todos os mandamentos no seu<br />
Catecismo Menor com as palavras "Devemos temer e amar<br />
a Deus", e apresentou os aspectos negativo e positivo de<br />
cada mandamento 4;; à luz do Sermão do Monte (Mt 5-7)<br />
e do duplo mandamento do amor.<br />
Paradoxamente esta "lei do amor" cria no homem natural<br />
apenas ira, desespêro e ódio quando isolada da proclamação<br />
do evangelho de Jesus Cristo. :t:ste evangelho<br />
de Cristo é a mensagem do perdão e não sàmente o conhecimento<br />
da vinda de Cristo, porque a própria proclamação<br />
da paixão e morte de Cristo pode ser feita sob o<br />
ponto de vista da lei, - constituindo-se assim em "obra<br />
alheia" de Cristo, •• ~ pois revela a ira de Deus pelo pecado<br />
do homem, e assim "leva o homem para dentro da<br />
lei" de tal forma que agora vê duas causas: as grandes<br />
COlIsasque Deus exige na lei, e a sua impossibilidade de<br />
cumprí-las. Se de um lado o homem chega a reconhecer<br />
que é incapaz de cumprir o que Deus exige, de outro lado<br />
cria no homem também ódio contra o Deus que lhe<br />
41 Heinz Bluhm, "Luther's View of Man in His Early German<br />
Writings", Goncordia Theological Monthly, XXXIV (Oct. 1963),<br />
p. 587.<br />
42 Harry G. Coiner, "Law and Gospel iu Christian Education",<br />
Goncordia Theological Monthly, XXXV (Nov. 1964), p. 622.<br />
43 Book of Goncord, Catecismo Menor, I, 2.4.6.8.10.12.14.16.18.20.<br />
44 Ibid., Fórmula Concórdia, Epítome V, 9.10. - Is 28.21. Luther,<br />
WA XV,p. 228.
196 Fundamentos Eíblicos da Etica Cristã<br />
faz as exigências que não pode cumprir. No entanto a<br />
função primordial da lei não é criar no homem a repulsa<br />
de Deus, mas criar no homem q convicção de sua situação<br />
perdida diante de sua incapacidade de cumprir a lei,<br />
e, desta forma, prepará-Io paro o evangelho, paro que, desesperado<br />
de si mesmo, oceite o perdão que Deus lhe oferece.<br />
40 O "usus proprius legis" é condenar os homens em<br />
seus pecados (lex semper accusat), 46 e desta forma preparar·<br />
os· coroçoes para a mensagem do perdão.<br />
Os dogmáticos falom de um emprêgo quádruplo da lei<br />
divina, cada um dos quais aplicável também aos cristãos.<br />
A lei poe em xeque a carne corrompida 90 cristão eo<br />
constrange à disciplina externa (usus politicus), revela-lhe<br />
o pecado e dêle o convence (usus elenchticus), e desta<br />
forma o conduz como um aio a Cristo (usus paedagogicus),<br />
bem como lhe dá uma segura norma de vida (usus didacticUS).47<br />
Em outras Circunstâncias se falo apenas em três<br />
usos da lei, 48 unindo os usos "elenchticus" e "paedagogkus"<br />
para constituir o segundo uso da lei. Em ambas as<br />
classificações fica claro que Deus revelou a sua santa von~<br />
tade ao homem dentro de uma situação de compromisso.<br />
O homem perdeu a sua santidade e mereceu ser ignorado<br />
e condenado por Deus. Deus o condena, mas lhe oferece<br />
um prazo de graça, um prazo em que lhe reconhece a pecaminosidade<br />
e lhe dá ordens e. preceitos para governá-Io<br />
dentro desta pecaminosidade.<br />
Esta lei não pode salvar o homem da retribuição, da<br />
ira de Deus, mas pode acordá-Io para reconhecer a sua<br />
impossibilidade de viver uma vida moral de acôrdo com<br />
a lei de Deus. Por outro lado pode provar-lhe a necessidade<br />
de uma outra concessão da parte de Deus, o evangelho,<br />
porque o homem sempre esbarra· na imanência de<br />
seu ciclo moral: o dever está acima das capacidades de<br />
cumprimento. Somente a transcendência divina pode libertá-Io<br />
dessa escravidão do pecado.<br />
Apesar disso a lei consegue controlar de certa forma<br />
6 convívio harmonioso dos homens sôbre a terra, porque<br />
ou o homem deixa de pecar por temor do castigo de Deus,<br />
ou o homem transforma a lei de Deus num ideal do qual<br />
se quer aproximar, ou o homem, no caso do cristão, cumpre<br />
a lei por amor de Deus. De outro lado a lei, fazendo<br />
45 Schultz, op. cit., p. 593.<br />
C. F. VV.\'Valther, Die rechte Unterscheidung von Geset.zund<br />
Evangelium (St. Louís: Concordía Publishing House, 1946),<br />
p.227.<br />
46 Elert, The Christian Ethos, p. 64-67.<br />
47 Mueller, op. cit., Ir, 158-159.<br />
48 Book of Concord, Fónnula Concórdia, Epítome VI, 1.
Fundamentos Bib1iéosda Ética Cristã<br />
197<br />
o homem reconhecer o seu mal, pode levó-lo ao desespêro,<br />
bem como ao ódio e desprêzo a Deus.4" No entanto o<br />
verdadeiro objetivo da lei é servir, pela acusação, de aio<br />
para levar a Cristo, Isto sucede apenas quando a proclamação<br />
da lei é seguida da proclamação do evangelho,<br />
que é a segunda concessão de Deus em relação ao homem<br />
pecador. Uma vez que o evangelho realizou sua ação regeneradora<br />
no homem a mesma lei que serve de norma<br />
moral ao descrente por temor do castigo serve de norma<br />
moral ao cristão por amor de Deus, porque o cristão foi<br />
remido pelo Filho de Deus precisamente para que se exercitasse<br />
dia e noite nesta' mesma lei (SI 119. 1) , 50 tornandose<br />
servo (doulos) de Deus em favor do próximo (1 Co<br />
7.22;2 Co 4,5).<br />
2. O evangelho como c{)ncessão da parte de Deus<br />
Tornamo-nos culpados da lei de Deus. Pelo reconhecimento<br />
desta culpa aceitamos a lei como boa e vólida<br />
para nós, aPesar de não podermos cumpri-Ia. A lei exige<br />
de nós uma perfeição de conduta que não podemos alcançar.<br />
Esta perfeição não pode ser aceita apenas como ideal<br />
do qual podemos aproximar-nos mais ou menos, mas es~<br />
ta perfeição é absoluta e. deve ser satisfeita integralmente,<br />
O reconhecimento desta impossibilidade não é fator positivo<br />
para o ethos humano, porque apenas cria uma crise<br />
no homem. O valor ético desta crise se afirma apenas<br />
quando ela é vencida de modo correto, quando o homem<br />
encontra a solução para o imposse de seu arbítrio escTOvizodo.<br />
A. solução pode ser openos extra-humana. Ela lhe<br />
vem tão somente de Deus,. que lhe oferece gratuitamente<br />
uma nova concessão, a concessão da moral do perdão<br />
através do evangelho de Jesus Cristo. 51<br />
A solução de .Deus é maravilhosa: o que Êle exige<br />
na sua lei Deus oferece e dó ao homem no seu evangelho.<br />
52 Envia seu Filho Jesus Cristo para tomar o lugar dos<br />
homens e como seu substituto cumprir a sua santa lei.<br />
Jesus tornou-se homem, tomou os pecados dos homens sóbre<br />
si mesmo, para que os homens pudessem ser santos.<br />
A maldição da lei Jesus tomou sóbre si quando morreu<br />
pelos pecadores na cruz. Cristo tornou-se "o pecador", para<br />
que os homens pudessem ser santos. Cristo nos salvou<br />
não somente do pecado, da morte, e do diaboi que dominavam<br />
a nossa vida, mas salvou-rios da própria lei de<br />
49 Althaus, op. cit., p. 50.<br />
50 Book of Goncord, FC Ep.<br />
51 AlUmus, op. cit., p. 50-51.<br />
52 Schlink, op. cit., p. 110.<br />
VI, 2.
198 Fundamentos Bíblícos da l!:tica Cristã<br />
Deus que, apesar de ser uma concessão da parte de Deus,<br />
nos acusava sem cessar. 53<br />
Em Jesus Cristo Deus levou ao fim sua atitude de compromisso<br />
que iniciou com a transmissão da lei. Deus ain~<br />
da quis tratar com o pecador. Tratou com o homem de<br />
maneira extraordinária quando seu próprio filho assumiu<br />
todo o passivo moral dos homens, proporcionando ao mesmo<br />
tempo um ativo moral à disposição dos homens. A<br />
participação do crédito moral adquirido por Cristo no entanto<br />
não é automática: ela é sempre pessoal e individual,<br />
sem contudo depender da atitude ou de qualquer mérito<br />
da parte do homem. Outra vez é pura dádiva de Deus,<br />
quando o Espírito Santo, pelos meios da graça, nos regenera,<br />
isto é, nos dá a fé, e pela fé o perdão e umo: nova<br />
vida espiritual na qual agora podemos começar a cumprir<br />
a lei.<br />
:t:stes dois aspectos, do perdão e da nova vida moral,<br />
são conhecidos na dogmática como "justificação" e "santificação".<br />
A dádiva fundamental é a regeneração. A Te;<br />
generação deve ser olhada sob dois pontos de vista. De<br />
um lado do ponto de vista da ação de Deus, que é total<br />
e perfeita, e do outro lado do ponto de vista da reação<br />
do homem, que é parcial e imperfeita.<br />
Regeneração é a reafirmação positiva do direito de<br />
Deus sôbre o homem. Na regeneração há uma nova tomada<br />
de contato de Deus com o homem. Esta tomada de<br />
contato é a ação graciosa do Espírito Santo no homem<br />
através dos meios da graça, Palavra e Sacramentos. Por<br />
êsses meios o Espírito Santo oferece a concessão de Deus<br />
preparada em Cristo Jesus, e neste oferecimento cria a fé,<br />
isto é, personaliza o dom gratuito de Deus e torna oho~<br />
mem participante dos bens adquiridos por Cristo. Em vis"<br />
ta desta "tomada de posse" no homem Deus já não o vê<br />
como pecador, mas lhe atribui os méritos de Cristo, declarando-o<br />
santo e justó. É esta a moral do perdão, em que<br />
Deus justifica o ímpio. Quando dizemos que estajustificação<br />
(Rm 5.1) é um ato jurídico de Deus, é claro que<br />
não se trata de um ato como em uso perante o fôro humano,<br />
onde se justifica o justo, mas é um ato jurídico "sui<br />
generis", pelo qual Deus justifica o ímpio.54 Deus perdoa,<br />
isto é, Deus declara justo o homem em vista da obra salvadora<br />
de Cristo, que foi condenado pelos êrros do homem.<br />
Deus declara justo o homem não em vista de uma<br />
modificação na atitude do homem, mas unicamente em<br />
vista da obra de Cristo. Mesmo a fé, que é a tomada de<br />
53 Schultz, op. cit., p. 595.<br />
54 ::Mueller, op. cit., II, p. 55-56.
Fundámentos Bíblicos da1i:tica' Cristã<br />
posse da parte de Deus na qual Deus nos justifica, nao<br />
é mérito do homem, mas puramente dom de Deus. '" Esta<br />
justificação é totaL porque Cristo satisfez totalmente as<br />
exigências da lei de Deus. 'f' Porisso o cristão é considerado<br />
santo aos olhos de Deus (2 Co 1.1; Ef 1.1; Fp 1.1;<br />
Cl 1.2).<br />
Paul Althaus vê no perdão um triplo sentido ético.<br />
1 o perdão confirma a validade do mandamento de Deus,<br />
a sentença da lei, e portanto a nossa culpa e condenação<br />
diante de Deus. O perdão não elimina ci passado de nossa<br />
.vida pecaminosa, nem as consequências terrenos do<br />
pecado, nem a dor causada pelo pecado, antes leVITO<br />
homem a reconhecê-Ias ainda melhor. Desta forma a consoiência<br />
aceita a necessidade e validade do perdão pela fé.<br />
2. O perdão é ao mesmo tempo o fim da lei, porque nos<br />
prova a concessão da parte de Deus: que Deus não nos<br />
rejeita como servos inúteis, mas continua acanhar em nós,<br />
aceita o nosso serviço, apesar de manchado e imperfeito,<br />
por causa da comunhão que Cristo estabeleceu conosco<br />
pela fé. 3. O recebimento do perdão, isto é, a posse dos<br />
frutos da obra de Jesus Cristo na comunhão com Deus pe<br />
Ia fé, renova o homem completamente, porque cria no cristão<br />
um nôvo homem, um nôvo sujeito moral, que quer viver<br />
diante de Deus em justiça e santidade. Em lugar da<br />
servidão surge a liberdade. O perdão nos leva à humildade<br />
e ao amor. .')7<br />
A ação de Deus não se resume apenas numa declaração<br />
a respeito dÓ homem em vista da obra de Cristo<br />
(o perdão), mas se extende na regeneração progressiva<br />
do homem, pela qual o homem se modifica e se torna<br />
capaz de uma reação positiva do ponto de vista moral.<br />
Na realidade se trata de um processo que lembra a criação,<br />
porque a Escritura fala de "regeneração" (Tt 3.5; 1<br />
Pe 1.3,23; To 1 13; 3.5; 1 To 3.9; Tg 1.18; 1 Co 4.15;<br />
GI 4.19), um nascer de nôvo (To 3.3). Diz que "somos<br />
feitura dêle, criados em Cristo Jesus" (EI 2.10), que somos<br />
"nova criatura" (2 Co 5.17), que fomos ressuscitados<br />
com Cristo (EI 2.5,6; Cl 2.13), Deus res:cbeleco no :0<br />
generado em parte a imagem divina (Ef 4,24; CI 310)<br />
e torna assim o homem capaz de decidir-se a lavar da<br />
lei de Deus.<br />
Não diz a Escritura que a nossa carne corrompida<br />
deixou de existir, mas que foi imposto ao "velho homem"<br />
55 Martim C. Warth, The Exegetical Basis for the Early Lutheran<br />
Doctrine of BaptismaZ Regeneration (St. Louis: Concordia<br />
.8eminary S.T.M. Thesis, 1966), p. 6,13,132.<br />
56 Bool:. of Concord, FC Ep IIT, 7.<br />
57 Althaus, op. cit., p. 51.
200 Fundamentos Biblicos da lttica Cristã<br />
um "nôvo homem" (Ef 4.22-24; Cl 3.9,10), O velho homem<br />
impera em nós por natureza, dominando completamente<br />
antes da regeneração. Com a regeneração foi criado<br />
nôvo homem em nós que é destinado por Deus a manter<br />
a supremacia sôbre o velho homem de tal forma que<br />
o homem regenerado pode decidir-se por e viver uma vida<br />
moral de acôrdo com o critério de Deus.<br />
Deus transformou o "servum arbitrium" num "arbitrium<br />
liberatum" pela regeneração.;'s O homem pode agora<br />
cumprir a vontade de Deus, porque a sua vontade cor~<br />
rompida é transformada numa vontade iluminada pela<br />
fé 5U e dirigida pelo Espírito Santo. Com base em Tt 3.5<br />
Lutera diz que "naquêles que foram batizados (e desta<br />
forma regenerados) surge uma nova luz e uma nova chama;<br />
novas e devotas emoções formam-se, a saber temor<br />
e confiança em Deus e esperança; e uma nova vontade<br />
emerge. u no Desta forma o dom da fé não é algo passivo,<br />
mas algo que modifica nossas emoções e nossa vontade,<br />
cria uma nova chama e luz, e cria temor, confiança e esperança<br />
em Deus. No entanto, embora o homem tenha<br />
que tomar as decisões e viver a nova vida moral, ainda<br />
é o Espírito Santo que lhe dá o poder para tomar estas<br />
decisões.<br />
Esta vida moral ainda será uma vida de emergência<br />
e imperfeita, visto que a inclinação para o mal não desaparece<br />
do homem renascido durante a sua vida neste<br />
mundo. Embora o cristão tenha o "arbitrium liberatum",<br />
libertado na fé e dirigido pelo Espírito Santo, o cristão<br />
não está livre da corrupção natural que se manifesta ainda<br />
em pecados e ofensas contra a lei de Deus. O homem<br />
regenerado também não consegue viver uma vida moral<br />
sem êrro, mas êle tem agora uma certa capacidade para<br />
agir dentro do padrão moral de Deus. Ainda é uma ética<br />
do perdão, uma moral de emergência, mas é uma moral<br />
positiva concedida pela ação do Espírito Santo no cristão,<br />
é a concessão da liberdade para cumprir a lei, é o<br />
oferecimento de uma nova possibilidade.<br />
C. A ÉTICA CRISTÃ COIlIO ÉTICA DE EMERGÊNCIA<br />
O fator dominante da ética cristã é a fé. Pela fé entendemos<br />
que somos justi!íco;dos e temos perdão dos êrros<br />
do passado. Pela fé somos nova criatura que é livre da<br />
58 Schlink,op.oit., p. 109.·<br />
59 vVartl1; op.· cit.) p. 89-90.<br />
60 Martin Luther, "Lectures on Galatians, 1535", Lldher's Works.<br />
Editado por Jaroslav Pelikane Helmuth T. Lehmann. (St.<br />
Louis: Concordia Publishing House, 1963), XXVI,p. 352-353.
Fundamentos<br />
Bíblicos da l1:tica Cristã<br />
201<br />
lei, mas vive uma vida guiada pelo Espírito Santo. Pela<br />
fé compreendemos que nossa nova vida moral é falha por<br />
causa do velho homem, que não é vencido completamente<br />
nesta vida. Pela fé sabemos que podemos viver apenas<br />
uma vida moral de emergência, uma vida moral de peregrinação<br />
no caminho para a vida eterna. A ética cristã<br />
é uma ética de emergência porque é uma ética para uma<br />
vid.a entre o ser e o tornar-se.
202 Fundamentos Bíblicos' da liJtíca Cristã<br />
separados, e nunca podem ser identificados. Desta forma<br />
não deveria haver pregação da lei sem a pregação do<br />
evangelho, e não deveria haver pregação do evangelho<br />
sem a pregação da lei, mas que um deveria completar o<br />
outro. Não é para Bonhoeffer assim que a lei é para o<br />
mundo, e o evangelho para a comunidade, mas lei e evangelho<br />
são ambos para o mundo e a comunidade. 04<br />
Teólogos modernos gostam de falar em indicativo e<br />
imperativo na ética, entendendo por imperativo o conjunto<br />
de ordens dadas ao cristão em sua condição de regenerado,<br />
e por indicativo o conjunto de ações de Deus em<br />
favor do cristão. Gf, lndicativo nesse caso sempre seria e<br />
vangelho, a mensagem da obra redentora de Deus. Mas<br />
imperativo teria duas interpretações, porque no sentido<br />
usado, por exemplo, por Thielicke pode ser tanto evangelho<br />
como lei. O "imperativo éV(L'1gélico" não é uma ordem<br />
de lei, mas um convite da graça de Deus, apenasexpresso<br />
de modo mais enérgico, no sentido de levar o homem<br />
a aceitar o oferecimento do perdão e da salvação.<br />
Mesmo que o "imperativo evangélico" exija a fé, fica claro<br />
que esta fé não é n-:mhuma realização humana, mas<br />
uma ação e um dom de Deus Espírito Santo. M Em última<br />
análise se trata, portanto, de um convite para deixar o<br />
Espírito agir em nossos corações e assim transformar a<br />
nossa vida. Onde o Espírito age ali também produz no<br />
homem as boas obras. O cristão faz as boas obras em<br />
virtude de sua situação de cristão, de regenerado. Parisso<br />
não é necessário intervir um segundo imperativo, um<br />
imperativo da lei, para fazer surgir as boas obras morais<br />
do cristão, porque nada conseguiria realizar. A vida moral,<br />
as boas obras, surgem Dor neressidade intrínseca,como<br />
decorrência norme!! da regeneraçào, por causa da ação<br />
do Espírito Santo no sujeito moral.<br />
Por ocasião da discussão desta relação entre o Espírito<br />
e a boa obra Thielicke lembra uma ilustração de Lu~<br />
tera. Êsse disse que Deus nos cobriu com o manto da justiça<br />
divina quando nos regenerou pelo batismo, mas que<br />
os nossos pés ainda apareciam debaixo dêsse manto, e<br />
que O diabo sentia uma grande satisfação em morder nessas<br />
extremidades nuas que apareciam, Disse Lutera que<br />
quando isso acontecia não deveríamos dar um vigóroso<br />
pontapé no demônio, mas recolher os pés mais debaixo<br />
do manto e deixar dessa forma Deus nos proteger. 01<br />
64 . Bonhoeffer, op. cit., p. 279.<br />
65 Althaus, op. cit .., p. 53. - Thielicke. op. cit., I, p. 112 ff •<br />
66 Mueller, op. cit ... n, p. 153.<br />
67 Thielicke, op. cit., I, p. 115 (324).
Fundamentos Biblicos dat:ti.ca Cristã<br />
203<br />
a segundo tipo de imperativo de que Thielicke fala<br />
é puramente lei, porque é o imperativo dos. "proibitivos"<br />
que são dirigidos contra a natureza corrompida do regenerado.<br />
(;8 a poder para obedecer a êsses proibitivos procede,<br />
no entanto, da mesma fonte que realiza o impera'·<br />
tivo evangélico: a ação do Espírito Santo no cristão. Não<br />
há possibilidade de cumprir a lei de Deus senão pela fé,<br />
e assim mesmo apenas imperfeitamente.<br />
A esta altura há que separar claramente entre lei e<br />
evangelho, o que Lutero chama a maior arte do cristão.<br />
a cristão foi regenerado por Deus pelo evangelho, mas<br />
esta regeneração não está ainda completada no sentido<br />
da ação moral do homem. Permanece no homem a natureza<br />
corrompida que está em luta contra o nôvo homem<br />
criado pela fé. Esta situação permanece até à morte do<br />
cristão. Não podemos falar, portanto, do cristão apenas<br />
como regenerado, nem tampouco apenas como pecador.<br />
a cristão tem em si duas "leis", como diz o apóstolo Paulo<br />
em Rm 7.23: a "lei" da natureza regenerada, e a "lei"<br />
da natureza corrompida. A primeira é identificada com<br />
"espírito", a segunda com "carne". E no entanto o cristão<br />
noo tem uma dupla personalidade, mas uma personalidade<br />
em transformaçoo em que o estado original é alienaçoo<br />
de Deus, e a transformação iniciou a partir da regeneração.<br />
A ação do Espírito Santo em nós torna-nos<br />
"espirituais", dando-nos a capacidade de produzir "frutos<br />
do espíritO", que são as boas obras morais. E no entanto<br />
estas boas obras nunca são perfeitas, porque produzidas<br />
pelo Eu do cristão, que é ao mesmo tempo também "carne",<br />
natureza corrompida. O cristão nunca deixa de ser<br />
nesta vida "gimul iustus et peccator", ao mesmo tempo<br />
santo e pecador. Assim também as suas obras nunca serão<br />
perfeitas neste mundo, mas sempre santas, quando vistas<br />
do ponto de vista do perdão de Deus, e pecado, quando<br />
vistas do ponto de vista da natureza corrompida. Em<br />
vista dessa situação o cristão precisa contlnuamente de lei<br />
e evangelho. a evangelho lhe fornece os meios para viver<br />
uma vida moral santificada, enquanto que a lei lhe<br />
mostra qual é a verdadeira vida moral que agrada a Deus.<br />
a evangelho lhe fornece os meios, as condições, enquanto<br />
que a lei lhe fornece os objetivos, a finalidade.<br />
Devemos ainda precisar mais as funções de lei e evangelho<br />
porao cristão, umd vez do ponto de vista como regenerado,<br />
outra vez do ponto de vista como pecador. Parece<br />
claro que como pecadOr o cristão precisa ouvir a lei<br />
em todo seu rigor, visto que o velho homem em nós não<br />
68 Ibid., I, p. 117 (332).
204 Fundamentos Bíblicos da ltticaCristã<br />
atende ao chamamento do evangelho, mas precisa ser o<br />
brigado por ameaças de castigo divino a seguir a orientação<br />
do Espírito (1 Co 9.27; Rm 6.12; G16.14; Sl1l9.1;<br />
Hb 13_21)_69 Parece claro que como regenerado o cristão<br />
vive do evangelho, pois esta é a causa de sua nova<br />
vida espiritual. O que no entanto parece difícil de compreender,<br />
e que é motivo de constante discussão teológica,<br />
é a função da lei para o cristão como regenerado, o que<br />
vamos a seguir examinar.<br />
2. Lei e Liberdade<br />
Quando se afirma a validade da lei na vida do regenerado,<br />
com facilidade se pode exigir o cumprimento da<br />
lei como condição da graça de Deus, e assim descambar<br />
para um nomismo injustificado. De outro lado, negando<br />
a validade da lei, baseado no princípio de que o cristão<br />
é livre da lei, com facilidade se aceita um antinomismo<br />
que quer uma vida moral baseada apenas na atividade<br />
do Espírito no regenerado e medida pelo amor. 70<br />
O ponto de vista de que pela vida moral baseada na<br />
lei podemos nos tomar merecedores de graça. da parte de<br />
Deus é vencido por um exame de consciência, em que descobrimos<br />
que apenas somos devedores de Deus_ Além disso<br />
o apóstolo Paulo nos afirma muito claramente de que<br />
não há graça por merecimento, mas que tudo é dom gratuito<br />
de Deus (Rm 3.28; Gl 2.16). O nomismo que põe<br />
as exigências da lei como condições da aceitação de<br />
Deus,71 e que define o próprio evangelho como "a proclamação<br />
dos térmos à base dos quais Deus está disposto<br />
a salvar os pecadores, e demonstração do dever dos homens<br />
caídos em relação àquêle plano", 72 é preciso rejeitar<br />
por ser contrário à doutrina da Escritura. Da mesma<br />
forma temos que rejeitar a doutrina que afirma que o homem<br />
que conhece a lei a pratica, porque a lei não tem<br />
o poder de convencer o homem a fazer a vontade de Deus,<br />
se nem ao menos tem o poder de convencer o homem da<br />
total gravidade do seu pecado. Somente libertado por<br />
Cristo da acusação da lei pelo perdão e regenerado o homem<br />
consegue cumprir a lei parcialmente. Portanto o no-<br />
69 Book of Concord, FCEp VI, 3.<br />
70 "Do Situations Determine<br />
(March 1966), p. 3.<br />
Ethics", Lutheran Witness,LXXXV<br />
71 W. Kessler, "Die literarische, historische und theologische Problematik<br />
des Dekalogs" (Vetus Testamentum 7, 1957, p. 1-16),<br />
Christliche Ethik (Ein Quellenheft), editado por Heinz-Horst<br />
Schrey (GOttingen: Vandenhoeck & Rupprecht, 1961), p. 7.<br />
72 Mueller, op. cit., li, p. 163.
Fundamentos<br />
Bíblicos da !!:tica Cristã<br />
205<br />
mismo tanto de Uma espécie, como de outra, precisa ser<br />
rejeitado.<br />
De outro lado o antinomismo também não pode ser<br />
aceito, mesmo que o cristão seja livre da lei. Se de um<br />
lado é correto dizer que Cristo nos salvou não somente<br />
do p.ecado, da morte, e do diabo, mas também da própria<br />
lei de Deus, 73 - porque posso apelar para o perdão<br />
no evangelho quando a lei me acusa, - de outro lado<br />
precisamos concordar com Bonhoeffer quando afirma que<br />
a obediência livre do cristão é possível apenas dentro dos<br />
limites da lei de Deus. 7 .• O cristão está realmente livre<br />
da maldição e da coerção da lei, mas não está porisso<br />
sem lei. Pelo contrário "o cristão foi redimido pelo Filho<br />
de Deus precisamente para exercitar-se dia e noite na lei".<br />
Da mesma forma também os nossos primeiros pais antes<br />
da queda não viveram sem lei, porque a lei de Deus lhes<br />
foi escrita no coração quando foram criados segundo a<br />
imagem de Deus. Por causa da natureza corrompida, que<br />
mesmo o cristão renascido ainda tem, é necessário que a<br />
lei de Deus constantemente ilumine o caminho do cristão<br />
para que não pratique atos inventados e escolhidos por<br />
critério próprio em seu serviço a Deus. As obras feitas de<br />
acôrdo com a lei de Deus são consideradas "obras da lei"<br />
somente quando feitas por coerção da lei e sob ameaça<br />
do castigo e da ira de Deus. "Frutos do espírito" são aquelas<br />
obras que o Espírito de Deus, que está nos crentes, realiza<br />
através dos renascidos, e que os renascidos realizam<br />
em virtude de seu renas cimento tão espontâneamente como<br />
se não conhecessem nenhum mandamento, nenhuma<br />
recompensa. Nesse sentido os filhos de Deus vivem na<br />
lei e andam segundo a lei de Deus. Paulo chama êsse viver<br />
dos cristãos um viver segundo a lei de Cristo ou segundo<br />
a lei da mente (Rm 7.23; 8.2, 14). Desta forma os<br />
filhos de Deus não estão debaixo da lei, mas sob a graça,<br />
Porisso tanto para o penitente como para o impenitente,<br />
para o regenerado como para o não regenerado a lei é<br />
e permanece uma e a mesma lei, a saber, a vontade imutável<br />
de Deus. A diferença quanto à obediência está exclusivamente<br />
com o homem, porque o não regenerado,<br />
como também o regenerado de acôrdo com a carne, faz<br />
o que lhe é exigido pela lei sob coerção e involuntàriamente.<br />
Mas o crente, sem coerção e com um espírito voluntário,<br />
faz, na medida em que é renascido, o que nenhuma<br />
ameaça da lei poderia jamais conseguir obrigá-lo a<br />
fazer. 75<br />
73 Sçhultz, op.cit., p. 595.<br />
74 Bonhoffer,op. cit., p. 256.<br />
75 Book of Goncord, FC Ep VI, 2-7.
206 Fundamentos Bíblicos da Ética Cl'istá<br />
o cristão vive portanto uma vida moralde acôrdo<br />
com a lei não porque a lei o exija, mas porque é nova<br />
criatura, é regenerado e guiado pelo Espírito Santo, e vive<br />
do perdão e da justiÍicação pela fé em Cristo. O cristão é<br />
livre da lei, porque cumpre a lei não porque a lei o exige,<br />
mas porque o Espírito o impele. A diferença é portanto<br />
de causa, não de objetivo. Quanto à causa é livre da lei,<br />
quanto aos objetivos se guia pela lei.<br />
O resumo da ética cristã se encontra em Ef 2 10, on"<br />
de o apóstolo diz que "somos feitura dêle, criados em Cristo<br />
Jesus para boas obras, asquais Deus de antemão pre-,<br />
parou para que andássemos nelas". Deus .Espírito Santo<br />
nos gerou de nôvo, fêz-nos novas criaturas com uma finalidade<br />
para nossa vida neste mundo: de fazermos boas<br />
obras. Estas boas obras, no entanto, são também preparadas<br />
por Deus. Primeiro Deus trabalhou por nós, então<br />
em nós, e agora por intermédio de nós. 76 Se bem que<br />
nós fazemos a boa obra e temos que decidir e agir, o poder<br />
para essa decisão e ação vem de .Deus mesmo. Deus<br />
nos toma capazes de fazer as obras morais que êle exige<br />
em sua lei. Porisso as boas obras, embora sejam nossas,<br />
não nos podem ser creditadas. Elas são "preparadas de<br />
antemão" por Deus. Nós apenas devemos "andar nelas".<br />
A glória portanto é apenas de Deus. Por essa razão diz<br />
Jesus que, vendo as nossas boas obras, os homens devem<br />
"glorificar ao nosso Pai que está. nos céus" (Mt5.16).<br />
Com isso está identificado também o objetivo de nossa<br />
vida moral no mundo: ela deve ser um testemunho da<br />
obra de Deus em nós. Porisso deve de um lado apontar<br />
para a graça e o amor de Deus, e de outro lado deve ser<br />
um veículo nas mãos de Deus para fazer a sua obra no<br />
mundo. Nós estamos no mundo para o serviço aos outros,<br />
para pormos a nossa vida à disposição de Deus de tal forma<br />
que por nosso intermédio se cumpra a vontade de<br />
Deus neste mundo. Somos servos (doulos) do Senhor (I<br />
Co 7.22; 2 Co 4.5).<br />
Em resumo, o cristão está livre da lei somente na medida<br />
em que êle se tomou nova criatura. Na medida em<br />
que ainda tem o velho homem êle continua sob a autoridade,<br />
a pressão, e a coerção da lei. 17<br />
3. Lei e Espírito<br />
Sempre de nôvo se verifica que os extremos se encontram.<br />
Karl Barth, com uma tradição essencialmente cal-<br />
76 E. K. Simpson (and F. F. Bruce), Commentary on the Epistles<br />
to the Ephesians (and the Colossians). (Grand Rapids, Mich.:<br />
'Vm. B. Eerdmans Publishing Co., 1965), p. 56.<br />
77 Reu, op. cit., p. 249.
Fundamentos Blblicosda .Ética Cristã<br />
207<br />
viriista que não escapa de uma orientação no sentido de<br />
dar uma relevância essencial à lei, expressa-se de uma<br />
forma que faz entender estar defendendo uma ética' sem<br />
lei; apenas baseada na orientação direta do Espírito Sane<br />
to.' Em primeiro lugar supõe a ação do Espírito Santo no<br />
coração daquêle que "é obediente aDeus", confirmando<br />
sÜa orientação básica, quando em segundo lugar diz que<br />
o Espírito Santo dirige e instrui o cristão "a cada tempo,<br />
em cada lugar, eem cada situação". 7' Assim o cristão,<br />
diante da multiplicidade de ocasiões, teria apenas uma<br />
Única possibilidade : .o sua regeneração em Cristo me.~<br />
diante o Espírito. 7[1 A ação do Espírito Santo no cristão<br />
em sua forma absoluta como Único oportunidade "a cada<br />
tempo, em cada lugar, e em cada situação" pressupõe<br />
uma preponderância do Espírito sôbre a lei, revelando deseto<br />
formo um antinomismo. Barth diz mesmo que a ins~<br />
trução do Espírito não pode ser "prêsa" o "nenhuma lei<br />
geral" ou "código escrito". Com isso defende uma liberdade<br />
total do cristão da lei: ignorando o negatividade do<br />
natureza corrompido que ainda permanece mesmo no renascído,<br />
e de outro lado idealiza a ação do Espírito Sane<br />
to no regenerado. Uma frase muito usada pelo teologia<br />
de nossos dias, que também é defendido por Barth, é que<br />
"o homem deve ser o que êle no realidade é".80 O que<br />
pretende dizer é que o renascido deve viver como renasdcio.<br />
É sem dÚvida um imperativo interesso-nte mas ideae<br />
listo-. Esquece que o reno-scido é 0-0 mesmo tempo to-me<br />
bêm pecador, "simul iustus et peccator", O ponto de vistados<br />
que querem que o homem seja o que êle é, está<br />
representado pelo perfeccionismo na ética cristã, o que<br />
dentro da realidade do cristão e de acôrdo com a revelação<br />
de Deus é impossíveL<br />
Quando, no entanto, usamos a frase do "ser o que é"<br />
à base do "simul iustus et peccator" chegamos exatamente<br />
à ética de emergência, do perdão, da lei e do evangelho.<br />
Thomas C. Oden compreendeu perfeitamente o espírito<br />
dessa tese quando explica porque posso agir com conliança<br />
como se minhas ações fôssor.r,corretamente ",orai:,<br />
quando sinto que "todo agir sàmente acontece em uma<br />
relação corporativa pecaminosa" e eu, o agente, sou um<br />
pecador. A resposta é clara. Sàmente no perdão posso<br />
agir "como se minhas ações fôssem justilicadas, quando<br />
78 Karl Barth, Church Dogmatics) editado por G. W. Bromiley e<br />
T, F. Torrance (Edinburgh: T. e T. Clark, 1958), IV, 2, p. 373.<br />
79 Thomas C. Oden, "1st die Forderung Gottes zweideutig",<br />
Zeitschrift für Evangelische Ethik, V (Novembro 1961), Heft<br />
6, p. 330.<br />
80 Barth, op. cit.) IV, 2, p. 364-365.
2D8 Fundamentos Bíblicos da li:tica Cristã<br />
na realidade são ambíguas". A mensagem do perdão dos<br />
pecados exige e permite que o homem aja em situações<br />
moralmente ambíguas, apesar de saber que o seu agir<br />
não possa ser moralmente perfeito. "O perdão de Deus<br />
porém é perfeito." Deus não julga de acôrdo com nossas<br />
imperfeições, mas de acôrdo com nosso Mediador e Salvador<br />
Jesus Cristo. Esta ação humana não se fundamenta<br />
na ilusão de que nossa vontade é a vontade de Deus, mas<br />
no reconhecimento de que o homem "est simul peccator et<br />
iustus", e que êle pode e deve agir justificado, mesmo em<br />
atos pecaminosos. Nesse sentido Lutera diz em comentário<br />
a Melanchthon: "pecca fortiter". Diante da veracidade<br />
das promessas de Deus temos um nôvo fundamento para<br />
a ação moral no meio da ambigüidade humana, e eliminamos<br />
o perfeccionismo sem contudo perder o esfôrço moral<br />
em direção da perfeição. SI<br />
Nesse sentido também Althaus utiliza a frase do "ser<br />
o que é" um pouco modiíicada. Diz que os imperativos<br />
se baseiam totalmente nos indicativos do nôvo ser, a presença<br />
do Espírito Santo, e lembra o cristão que êle "seja<br />
concretamente o que êle fundamentalmente é". Se Quando<br />
diz "fundamentalmente", Althaus reconhece que é fundamental<br />
no cristão ser renascido, embora continue condicionado<br />
pelo velho homem. Porisso pode dizer que os<br />
imperativos já não são lei, mas evangelho, são imperativos<br />
da graça, chamamento para dentro da vida de filhos<br />
de Deus. Não são exigências morais que ainda deveriam<br />
ser juntadas ao evangelho, mas um chamamento<br />
"à posse concreta da liberdade que nos é dada na comunhão<br />
com Deus". No entanto "são lei, sentença de morte,<br />
na medida em que ainda somos velho homem"! S:j Segundo<br />
Althaus a nova liberdade no Espírito, a nova vida tornada<br />
realidade pela ação do Espírito Santo, é base e poder<br />
do ethos cristão. "A nossa luta se realiza no campo<br />
da vitória já alcançada na comunhão com Cristo." M Nesse<br />
sentido e apenas nesse sentido somos livres da lei e<br />
guiados pelo Espírito Santo.<br />
A direção do Espírito Santo está intimamente ligada<br />
com a revelação de Deus nas Sagradas Escrituras. Porisso<br />
Lutera afirma que não há boas obras além daquelas<br />
que Deus ordenou na sua Palavra, como não há pecado<br />
além daquele que Deus proibiu na sua Palavra. Quem<br />
pois quer saber quais são as boas obras e praticá-Ias precisa<br />
verificar isto no mandamento de Deus. 85 A liberdade<br />
cristã da lei (Em 3. 31), segundo a qual somos justifica-<br />
81 Oden, 01J. cit., p. 338.<br />
82/83/84 Althaus, op. cit., p. 56.<br />
85 Martin Luther, "Sermon von den guten Werken", 1'172, X, 1300..
Fundamentos Bíblicos da Ética Cristã<br />
209<br />
dos pela fé sem as obras da lei, não anula a lei, antes a<br />
estabelece e torna base de tôda ordem moral no mundo"<br />
r. M. Reu diz que quando Cristo veio nos livrar da lei não<br />
veio para abolir a lei e os profetas, mas para cumprí-Ios,<br />
Porisso o cristão está livre da lei enquanto é nova criatura,<br />
mas está sob a autoridade, a pressão, e a coerção<br />
da lei enquanto velho homem, fr;<br />
A negação da validade da lei para o cristão está geralmente<br />
ligada com a negação da Palcrvra e dos Sacramentos<br />
como meios da graça. Onde a Palavra não é aceita<br />
como meio do ação do Espírito Santo paro o regeneração,<br />
ali também é dodo 00 Espírito Santo outonomio paro<br />
suo oção em relação às boos obros morais no homem.<br />
Assim Thomos C. Oden critico Rudolf Bultmann por declaror<br />
que "coda momer1Íomostro 00 homem com plena clareza<br />
o que é moralmente bom". Assim o homem saberio<br />
como agir, não por causa de uma onálise raciono], nem<br />
de educação ou experiêncios feitos, mos por um "conhecimento<br />
morol" procedente da vivêncio do "ogoro". A situação<br />
presente mostrario o que é umO oção morolmente<br />
boo. Sômente a situação ensinaria, S7 Tal "moral de situação<br />
do momento" espera que a "decisão" venha da<br />
ação direta do Espírito Santo no homem, como também<br />
O.Cullmann expõe em sua análise do ato moral, que êle<br />
claramente classifica como "decisão do momento", 88 Cullmann<br />
argumenta, dizendo que o cristianismo primitivo não<br />
estabeleceu novos mandomentos éticos, mos que "em cada<br />
momento atual a decisão ética é tomada dentro de<br />
uma situação concreta". Para Cullmann o "mandamento<br />
do momento", do "kairos", está sob a direta orientação do<br />
Espírito Santo. Mesmo sem a lei, sem a Palavra, o Espírito<br />
Santo nos daria em cada ""kairos" a capacidade de<br />
decidirmos corretamente. SP<br />
'Esta é a chamada "ética de situação" que quer impor-se<br />
para mediar entre o nomismo e o antinomismo.90<br />
Paul Althaus caracteriza muito bem esta nova ética, classificando-a<br />
como ética de entusiasmo, ou espiritualismo, ,>1<br />
Segundo Althaus não podemos perder de vista três fatôres<br />
importantes na ética cristã: a realidade da natureza<br />
do homem e da história, o ouvir claro da Palavra de Deus,<br />
e a decisão da consciência guiada pelo Espírito Santo.!l2<br />
86 Reu, op. eU., p. 249.<br />
87 Oden, op. c-it., p. 325.<br />
88 Oscar Cullmann, Ohrist and Time (London: SeM press Ltd.,<br />
1962), p. 228. Tradução de Floyd V. Filson.<br />
89 Ibid., p. 225.<br />
90 Ltttheran Witness, LXXXV (March 1966), p. 51.<br />
91 Althaus, op. cit., p. 40.<br />
92 Althaus, op. cit., p. 39-40.
210 FundámentosBíblicos da Étíca Cristã<br />
Ninguém desconhece a dificuldade de decisão no mOmento<br />
ético. Se é verdade que Deus claramente ordenou certas<br />
ações como morais, claramente condenou outras ações<br />
como imorais, e claramente concedeu liberdade de escolha<br />
em relação a um terceiro grupo de ações, isto não quer<br />
dizer que a decisão no momento seja fácil. Há uma série<br />
de fatôres que interferem na decisão, porque, apesar da<br />
univocidade da lei de Deus, o momento nos apresenta uma<br />
multiplicidadede soluções possíveis, que muitas vêzes se<br />
nos afiguram contraditórias. Walter Künneth chama a atenção<br />
para o fato da diferença entre a "estrutura geral. de<br />
ordem válida em nossa existência" e os casos de exceção<br />
e de limite. Segundo Künneth êstes últimos não podem ser<br />
decididos de maneira "nomístico-legal", mas devem ser<br />
resolvidos à base da decisão pessoal pela consciência<br />
orientada pelos "princípios permanentes do ethos cristão". 93<br />
Êstes "princípios perma.l1entes"não poderiam ser a nossa situação<br />
ambígua na qual encontramos a "lei de Cristo" e<br />
a "lei da carne" se opondo em nós. Nesta situação ambígua<br />
mesmo a legítima presença do Espírito Santo poderia<br />
ser confundida com soluções racionais e emocionais de nossa<br />
própria lavra. Apesar de termos que tomar em conta<br />
os três fatôres fundamentais de nosso ato moral: a natureza,<br />
a revelação, e o Espírito, é necessário reafirmar que<br />
a única base sólida, os "princípios permanentes -do ethos<br />
cristão" precisam ser ditados pela Revelação.<br />
4. Lei e Amor<br />
Thomas C. Oden critica Reinhold Niebuhr por não concordar<br />
com a ética do perdão e achar que o cristianismo<br />
se perde num simples. determinismo 8 numa falta de responsabilidade<br />
quando o cristão toma a graça de Deus como<br />
última saída de suas complicações, de seus desejos,<br />
seus pecados, e sua hipocrisia, em vez de ser tomada por<br />
fonte de poder para atacar estas complicações. 'H Está em<br />
si correto o ponto de vista de Niebuhr, porque a moral<br />
cristã não admite um esconder-se atrás da mensagem do<br />
perdão para viver uma vida imoral, mas exige uma vida<br />
moral de ação decidida em acôrdo .com a lei de Deus.<br />
Sem dúvida o evangelho, a mensagem do perdão, é causa<br />
de nossa ação moral, não uma desculpa para nossos êrros.<br />
Mas parece que Niebuhr tem em vista uma moralidade<br />
dHerente, uma moralidade .que se aproxima perigosamente<br />
da chamada "nova moralidade:', a moralidade do "amor".<br />
93<br />
94<br />
Walter KÜllneth, "Christliche Moral - heute", Zeitwende<br />
Die n6U6 Fnrche, XXXVII (Fev. 1966), n') 2, p. 80.<br />
Oden, op. cit., p. 333.
Fundamentos<br />
Bíblicos da :€ticaCristã<br />
211<br />
Niebuhr parece desconhecer' o compromisso claro da lei de<br />
Deus ao apelar para a "lei do amor", a dupla lei do amor<br />
que Cristo repetiu no Nôvo Testamento. À base desta lei<br />
a ética cristã consistiria na "avaliação de interêsses". "O<br />
Com isso estaríamos no relativismo em ética, visto que o<br />
amor e o interêsse de um sempre será diferente do amor<br />
e interêsse do outro em questões morais.<br />
A lei do amor como fonte de decisões éticas é a volta<br />
ao hedonismo com tintas cristãs. A lei do amor é aplicada<br />
errôneamente quando é usada em substituição à lei<br />
divina. Se é verdade que o cumprimento da lei é o amor,<br />
não é possível dizer que o critério de um amor subjetivo<br />
substitua a lei de Deus. Não se trata, quando a Escritura<br />
fala da lei do amor, de um valor diferente da lei de Deus.<br />
As duas leis se identificam. Quem cumpre a lei ama, e<br />
quem ama deve cumprir a lei de Deus. O amor cristão<br />
é sempre um amor ligado intrinsecamente à lei de Deus.<br />
John A. T, Robinson, por exemplo, inverte a ordem de<br />
valores éticos, quando aplica em sua "nova moralidade"<br />
uma lei de "amor" subjetivo. Em seu livro "Honest to God"<br />
denuncia a ética "antiquada" como o "equivalente ético<br />
do pensar supranaturalístico". Sabe que não está oferecendo<br />
nenhuma nova moralidade de fato, mas está repristinando<br />
a ética imanentista do racionalismo. Diz que "o<br />
desvio revolucionário no campo da ética do supranaturalismo<br />
para o naturalismo, da heteronomia para a autonomia<br />
já está em prática há muito tempo" e tem como pressuposição,<br />
em última análise, "a magnificente grandiosidade<br />
do ideal autônomo de Kant". Concorda que com o<br />
tempo submergiram todos os conceitos de valor objetivos<br />
e incondicionais, que Kant ainda defendia, "num lamaçal<br />
de relativismo e subjetivismo". 9() :t:ste último estágio a ética<br />
parece ter atingido quando Robinson afirma que não<br />
há para o cristão' "nenhuma decisão moral com embalagem<br />
pronta", porque' "homens são mais importantes que<br />
princípios". 97 A tese fundamental de Robinson é que a<br />
"nova" moral "é uma ética radical de situação, na qual<br />
nada está presCrito a não ser amor" .. Dentro dessa moral<br />
o homem se encontraria na procura de uma base moral<br />
para sustentar a vida moral individual e da sociedade, A<br />
ética de situação seria porisso uma ética de "engagement"<br />
e de descoberta, Porisso Robinson pode declarar que "não<br />
h6 nada que sejá de uma vez por tôdas errado", 96 Quando<br />
Joseph<br />
.<br />
fletcher<br />
0_0.-<br />
traduziu' Agostinho<br />
.<br />
(Dilige<br />
---<br />
.... ,<br />
et auod vis<br />
95 Ibid.) p. 334.<br />
96 Robínson, op. cit., p. 106, 113.<br />
97 Ibid.) p. 120.<br />
98 Ibid., p. 116, 118.
212 Fundamentos Bíblicos da lJtica Cristã<br />
!ac!) para "Ama, e o que então queres fazer faze", foi<br />
fácil o passo para a última conseqüência, de que "só o<br />
amor faz com que uma causa seja boa ou má". 99<br />
Walter Künneth diz que a causa dessa absoluta negação<br />
da lei de Deus é o fato de que Robinson faz de<br />
"Deus" apenas um nome, um título para a "profundidade<br />
da imanência". Esta destruição do conceito bíblico de Deus<br />
Robinson não pode evitar pela concessão de que "as afirmações<br />
a respeito de Deus são em última análise afirmações<br />
a respeito do amor - a respeito da causa e sentido<br />
das relações pessoais." 100 O "amor" de que Robinson fala<br />
não se identifica com o amor cristão, nem o "deus do<br />
amor" com o Deus da Revelação. Porisso Künneth está<br />
certo quando em sua crítica aos livros de Robinson ("Honest<br />
to God", e "Christlíche Moral heute") diz que a "provocação<br />
de nossa era" espera por uma resposta diferente daquela<br />
que a "nova moralidade" pode oferecer. ]01 A lei<br />
do amor cristão se identifica com a lei de Deus. Sàmente<br />
êste pode ser o sentido da afirmação de Paulo: "O cumprimento<br />
da lei é o amor" (Rm 13.10).<br />
Quando aceitamos a Bíblia como Palavra revelada de<br />
Deus e tomamos a sério a oposição e relação de lei e<br />
evangelho nela ensinados com meridiana clareza, não podemos<br />
senão concordar em que a ética cristã seja uma<br />
ética do perdão, porque o cristão é nesta vida sempre "simul<br />
iustus et peccator". A regeneração, quando olhada<br />
sob o ponto de vista da fé em Cristo, nos garante o perdão<br />
dos pecados, a justificação do pecador, que é declarado<br />
santo por Deus, e nos per:rn.ite desta forma viver em nossa<br />
ambigüidade como se fôssemos moralmente perfeitos.<br />
Olhada do ponto de vista da nossa vida moral, a regeneração<br />
nos modifica contlnuamente de tal forma que agora,<br />
sob a ação do Espírito Santo, podemos decidir-nos positivamente<br />
com vistas à vontade de Deus, e agir moralmente<br />
bem em relação a nós mesmos, ao nosso próximo, e à<br />
sociedade em que vivemos. No entanto o ethos cristão<br />
não é perfeito, porque a regeneração não elimina a natureza<br />
corrompida, porém apenas a modifica pela restauração<br />
da imagem divina. Por essa razão a ética cristã é<br />
uma ética de emergência: o cristão precisa ainda, - além<br />
do evangelho, que lhe dá, sustenta, e fortalece a nova vida<br />
espiritual, e assim é causa do ethos cristão, - a lei,<br />
99 Ibid., p. 119.<br />
100 Künneth, op. cit., p. 77.<br />
101 Ibid., p. 80.
Fundamentos Bíblicos da .I!lticaCristã<br />
213<br />
que lhe serve de contrôle da .natureza corrompida, e é a<br />
norma do ethos cristão. Embora a lei de Deus seja unívaca<br />
e clara, ela não oferece soluções explícitas para cada<br />
caso de exceção e limite nas situações complexas da<br />
vida humana, mas oferece urna norma geral precisa e final<br />
que rege e determina o ethos cristão. Esta norma geral<br />
precisa ser conhecida e aplicada nas situações do momento,<br />
que sempre são complexas na vida do cristão.<br />
Com a consciência orientada pela lei de Deus e guiada<br />
pelo Espírito Santo, o cristão deve decidir-se e agir,<br />
confortado com a certeza de que na sua ambigüidade<br />
êle pode e deve viver uma ética do perdão.<br />
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216 Nach dem Konzil<br />
NACH<br />
DEM<br />
1.<br />
KONZIL<br />
Prof. D. theol. Hermann Sasse *)<br />
Das grosse Konzu ist voruber. 1m Unterschied vom Ersten Vatikanum,<br />
das niemais zu £nde gefiihrt worden ist, sondern wegen der<br />
politischen Ereignisse in Italien auf unbestimmte Zeit vertagt werden<br />
musste, konnte das Zweite Vatikanische Konzil in der kritischsten Zeit<br />
der Weltgeschichte nach dreijahriger Dauer seine Arbeit zu Ende<br />
fUhren und in aller Form feierlich geschlossen werden. Mit diesem<br />
Konzil ist eine Epoche del' Kirehengeschichte zu Ende gegangen und<br />
hat eine neue begonnen, und nicht nur fUr den Romischen Katholizismus.<br />
Wenn je ein 'lorn Papst berufenesKonzil auf den vieldeutigen<br />
Namen "okumenisch" - man denke an den Titel "6kumenischer Patriarch"<br />
oder an die Bezeichnung "6kumenischer Rat der Kirchen"<br />
- Anspruch machen konnte, dann war es das Zweite Vatikanum.<br />
Irgendwie waren sie ja aIle dabei, die Orthocioxen unci die Anglikaner,<br />
die Lutheraner unci die Reformierten, die Methodisten, Kongregationalisten<br />
und die Evangelische Kirche in Deutschland, die Quaker und<br />
Unitarier, zwar nicht als Konzilsvater, aber doch ais hochgeehrte<br />
Gaste, als "getrennte Bruder", auf deren GefUhle man Rucksicht nahm<br />
und deren Meinung uber diese oder jene theologische Formulierung<br />
man gelegentlich in der Stille erforschte. Denn hinter diesem Konzil<br />
sahen seine fUhrenden Geister ein anderes, das Keiner der gegenwartig<br />
Iebenden Menschen erieben vlv.rde, ein kunftiges Konzil, auf<br />
dem die grosse Sehnsucht der gegenwartigen Christenheit der verschiedensten<br />
Konfessionen und Denominationen ihre Erfullung finden<br />
wurde in einer "Wiedervereinigten Kirche del' Zukunft". Insofern<br />
gehort dies Konzil nicht nur in die Geschichte der Romisch-Katholischen<br />
Kirche, sondern auch in die Geschichte der 6kumenischen Bewegung,<br />
die seit 50 Jahren durch die Christenheit geht. Mit dem Eintritt<br />
cier grossten del' christlichen Kirchen in die okumenische Bewegung<br />
- die nicht vervrechselt werden darE mit irgendeiner del' Organisationen,<br />
die sie sich geschaffen hat - ist diese Bewegung "katholisch"<br />
geworden und ist Rom "okumenisch" geworden, was sich<br />
schon in der 0bernahme der modernen Bedeutung 'Ion okumenisch<br />
a1s "aIle Konfessionen umrassend" ausdrv.ckt. Neben die beiden bisher<br />
bestehenden Programme einer okumenischen Einigung der Kirchen,<br />
"} Diese tiberaus klare und aus berufener Feder hervorgegangene Beurteilung<br />
des Vatikanum II erschien zuerst als "Briefe an lutherische Pastoren, Nr.<br />
59" in "Lutherische Blatter" (herausgegeben von Friedrich Wilhelm Hopf,<br />
Bleckmar), Nr. 87 (J\i8.rz 1966). Sie ist ebenfalls erschienen in dem Sammelband<br />
von Aufsatzen Hermann Sasses, del' den Titel "In Statu Confessioms"<br />
tragt. Eine Besprechung dieses im Lutherischen Verlag-shaus, Berlin<br />
und Hamburg, erschienenen bedeutungsvollen Buches erfolgt in del'<br />
nachsten NUIillTIcr diesel' Zeitschrift. - H. R.
Nach dem Konzil 217<br />
das pietistisch-enthusiastische und das anglikanische, ist nun aIs drittes<br />
das romisch-katholische getreten. Das erste geht auf den Pietismus<br />
des 18. Jahrhunderts zurück und hat in den protestantischen christlichen<br />
Jugendbewegungen sowie in der Weltmission des 19. und 20.<br />
Jahrhunderts seine Ausgestaltung erfahren: Die unsichtbare Einheit<br />
der Kinder Gottes in den verschiedenen Denominationen m u s s zur<br />
sichtbaren Einheit werden, wenn alle sich im Gebei, in der Arbeit<br />
für "das Reich Gottes" und in dem gemeinsamen Studium der Heiligen<br />
Schrift um das Wort Gottes sammeln. Dann m u s s der Heilige<br />
Geist das grosse Wunder tun und die Una Saneta sichtbar werden<br />
1ossen. Das anglikanische Programm, im Lambethquadrilateral van<br />
1888 definitiv formuliert, auf die anglikanischen Gedanken der Wiederherstellung<br />
der verlorenen Einheit der sichtbaren Kirche im 17.<br />
Jahrhundert zurückgehend und von a11enLambethkonferenzen bis 1958<br />
wiederholt, findet die Einheit in der Lehre der "alten ungeteilten Kirche"<br />
und im "historischen Episkapat" mit der aposto1ischen Sukzession.<br />
Diese beiden Programme haben im Weltrat der Kirchen und in den<br />
zahlreichen von ihm inspirierten oder gefOrderten Unionenunseres<br />
Jahrhunderts in den nationalen oder lokalen Unionskirchen, insbesonc<br />
dere auf den früheren Missionsfeldem, ihreVerwirklichung gefunden.<br />
Neben sie tritt nun das Programm Rams: Eine tiefe Emeuerung der<br />
Romisch-Katholischen Kirche, die einer Reformation gleichkommt, sol!<br />
die Heimkehr der getr8nnten Brüder des Ostens und des Westens<br />
moglich machen. Es ist nicht die Einigung als so1che, um die es auf<br />
dem Konzil ging,sondem deren Vorbereitung und Ermoglichung durch<br />
die Emeuerung der Kirche. Es ist dies Programm, das Rom in emer<br />
Zeit vorlegt, in der die vom Weltrat der Kirchen repréí:sentierte okumenische<br />
Bewegung in eine tiefe Krisis geraten ist. Diese Krisis besteht<br />
darin, dass sowohl das pietistisch-enthusiastische wie auch das anglikanische<br />
Programm sich aIs undurchführbar erwiesen haben, weil<br />
sie immer nur Z11 ortlich begrenzten Unionen, aber niemals zur Eini~<br />
gung der Christenheit aIs ga112erführen kÓnnen. Das wurdem dem<br />
Augenblick aHenbar, aIs Rom den Dialog mit den anderen Kirchen<br />
beginnen wollte. Der Weltrat kann über Fragen der Lehre nicht diskutieren.<br />
Er musste das selbst einsehen und nolens volens dendogmatischen<br />
Dialag den Konfessionskirchen und konfessione11en Weltbünden<br />
überlassen, deren okumenische Bedeutung damit von Genf<br />
anerkannt wurde: den Orthodoxen, den Anglikanem, Lutheranem,<br />
Reformierten, Methodisten, Kongregationalisten. Die vielen Unionskirchen<br />
Asiens und Afrikas müssen stumm bleiben, weil jede vou ihnen<br />
ja eine andere Lehrgrundlage hat. Auch die "Evangelische Kirche<br />
der Union" und die "Evangelische Kirche in Deutschland" konnen keme<br />
Gespréí:chspartner mit Ram im dogmatischen Dialag sem, es. sei derm,<br />
dass sie zu diesem Zweck die "itioin partes" vomehmen, d. h. sich<br />
in die alten Bekenntnisgruppen aufspalten. Sa stellt das Ókumenische<br />
Programm des Zweiten Vatikanums alle Kirchen der Christenheit vor<br />
ganz neue Fragen, die eine Antwort erheischen.
218 Nach dem Konzil<br />
2.<br />
Doch bevor wir darauf eingehen, wollen wir versuchen, die<br />
grosse Wandlung zu verstehen, die sich im Romischen Katholizismus<br />
dieses Jahrhunderts vollzogen hat. Was steht hinter der okumenischen<br />
Wandlung Der Protestant ist geneigt, jede derartige Wendung in<br />
der Romischen Kirche aus kirchlicher Machtpolitik zu erklCiren. Naturlich<br />
weiss jeder, dass in Rom auch Kirchenpolitik getrieben wird,<br />
und zwar in ganz grossem Stil und mit Erfolgen, die anderen Kirchen<br />
versagt bleiben. Denn Kirchenpolitik gibt es ti.berall, wo Menschen<br />
versuchen, dem Herrn Christus ein wenig nachzuhelfen bei der Regierung<br />
der Kirche. So war es doch wohl auch in der "Bekennenden<br />
Kirche" in Deutschland. Nein, wer die Entwicklung im modernen Katholizismus<br />
verstehen will, der muss wissen, dass es sich urn eine<br />
religiose, urn eine tief geistliche Bewegung handelt. Rom i s tau f<br />
dem Wege zu einer Reformation. Wie sie aussehen<br />
wird, welches die letzten Ergebnisse sein werden, das vermag kein<br />
Mensch zu sagen. Der leidenschaHliche Widerspruch, den die Erneuerungsbestrebungen<br />
der Konzilsmehrheit bei einem Mann '.'lie<br />
Kardinal Ottaviani fanden, erkki:rt sich aus der Befurchtung der Konservativen,<br />
dass die Reformation, auf die man hinsteuert, in Wirkhchkeit<br />
eine Revolution und letzten Endes die Zerstorung des Katholizismus<br />
bedeute. Es ist erstaunlich zu sehen, wie der riesige Korper der Katholischen<br />
Kirche, die grosste Kirche der Christenheit, dieses vermeintlich<br />
starre und jedenfalls konservativste Gebilde unter den christlichen<br />
Kirchen, in Bewegung geraten ist. Noch 'lor dreissig Janren<br />
konnte unter den Katholiken DeutschlaIlds nurvertraulich ubeT die<br />
Moglichkeit gesprochen werden, dass die Messe in der Volkssprache<br />
gehalten werden konne. Wenn man bedenkt, dass einst der Sieg<br />
der Reformation damit zusammenhing, dass die Menschen nun die<br />
Liturgie in der Muttersprache feiern durTtep, dann begreift man die<br />
Tragweite der liturgischen Reform durch das Konzil. Man begreift<br />
zugleich, was fUr ein Opfer die Kirche mit dem Aufgeben der lateinischen<br />
Messe gebracht hat. Denn diese Messe war trotz aller ihrer<br />
Grenzen doch immer noch eine der reifsten rru.chte des kirchlichen Altertums,<br />
eines der grossten liturgischen Kunstwerke, wenn man sieh<br />
einmal so ausdrucken will. Zwar wird sich das Lateinische in feierlichen<br />
Pontifikalamtern halten, aber wie lange wird es dauern, bis<br />
auch das aufh6rt oder nur so fortlebt, wie die wundervolle altspanische<br />
(mozzarabische) Liturgie noch heute in einer Seitenkapelle des<br />
Doms von Toledo ein kiimmerliches Dasein fristet. Jetzt versteht man<br />
die Wehmut, die aus dem Apostolischen Schreiben "Veterum Sapientia"<br />
'Ion Johannes XXIII. spricht, woer dazu ermahnt, die Pflege der<br />
Alten Sprachen nicht zu versaumen. Selbst vielen katholischen Laien<br />
war diese Reform zu weitgenend. Es ist in Melbourne und in Paris<br />
mid gewiss auch anderswo vorgekommen, dass der Priester auf sein<br />
"Der Herr sei mit euch" demonstrativ die Antwort bekam: "[tcum<br />
spiritu tuo." Aber das Opfer der Geschichte wird gebracht urn der
Nach demKonzH 219<br />
Zukunft der Kirehewillen, vor aUem in AfTikaund Asien. Was für<br />
einen Glauben an die MaeM des Heiligen Geistes!<br />
Diese geistliche Bewegung im Katholizismus ist eine Gegenbewegung.<br />
Man muss das Zweite Vatikanum auf dem Hintergrunde<br />
des Ersten sehen. Am 18. Juli 1870, am Tage vor dem Ausbrueh des<br />
deutsch-franzosischen Krieges, war das KonziI zur feierliehen Sitzung<br />
zusammengetreten. DamaIs genügte das reehte Quersehiff von St Peter<br />
ais KonziIsaula. Wahrend eines sehweren Gewitters, das stundenlang<br />
über Rom herniederging, fand die Abstímmung. statt über die<br />
"Erste Konstitution über die Kirche Christi" , welche die Lehre vom<br />
Primat des Papstes, seine volle bischofliche Jurisdiktionsgewalt über<br />
die gesamte Kirche und sein unfehlbares Lehramt enthielt. 533 Bi~<br />
sehéife stimmten mit PIacet, zwei mit Non placet, wahrend die Minderheit<br />
von etwas über 50 Bischofen mit Genehmigung des Papstes<br />
bereits abgereist war. Mit sehweren Herzen waren sie gegangen,<br />
nachdem aUe Versuche einer Verbesserung der Konstitution gescheitert<br />
waren. Einekleine Verbesserung in dem Sinne, dass der Papst sein<br />
Lehramt nicht ohne die Gesamtkirche ausüben kann, hatte genügt,<br />
um Einmütigkeit zm erreichen, Aber nun war die Lehre von der Vollgewalt<br />
des Papstes in einer untragbaren Schroffheit verk:ündet worden.<br />
Das war die Romische Kirche des 19. Jahrhunderts, die im Syllabus<br />
von 1864nicht nur den lrrlehren, sondem aueh den staatlichen InstitutiotJ.en<br />
der modernen Welt den unerbittlichen KampÍ angesagt hatte<br />
und' die nun die Gegenreformation vollendete und nieht nur jede Annaherung<br />
an die Kirchen der Reformation, sondem auch jede Einigung<br />
mitd€f Ostkirche unmoglich gemacht haIte. Am 20. September 1870<br />
'ATurde Rom von den italienlsçhen Truppen besetzt. Der Kirchenstaat<br />
wurde dem Konigreich Italien eingegliedert, dessen Hauptstadt Rom<br />
nun wurde, und der Papst lebte in seiner freiwilligen GeÍangensehaft<br />
1m Vatikan. Die katholisehe Kirche des Abendlandes war in das<br />
Ghetto gegangen.<br />
3.<br />
Den Papst aus seiner "Gefangensehaft im Vatikan", die Kirche<br />
aus dem Ghetto zu befreien und ihr die führende Rolle in der modernen<br />
Welt zu geben, die sie in vergangenen Jahrhunderten gehabt<br />
hatte, dasmusste das ZieI der NachfoIger von PiÜs IX. sein. Schon<br />
LeoXIII. begann dies Werk,aber es seheiterte am Ausbruch der<br />
modernistischen Kontroverse, weIehe die Kirche nur noeh tieÍer in<br />
die Reaktion Íührte. Der Modernismuswar in gewisser Weise eine<br />
Vorwegnahme dessen, was das Zweite Vatikanum hat erreichen wol<br />
IEm,der Versuch eine:t Versohnung des Katholizismus mit der modernen'<br />
Welt, der katholisehen. Theologie mit dermodernen Wissenschaft.<br />
Er musste seheitern, weil die Zeit noch nicht reif Íür die Losung di e<br />
ser schweren Aufgabe war. Das wurde klar, ais die führendenModemisten<br />
vor der Welt kapitulierten und das katholische Dogma mehr<br />
oder weniger aufgaben.DeiStreil, der dieXirehe bisin· ihTe· Grundfesten<br />
erschütterte und dem viele der bestertGeister zum Opfer fieIen,
220 Nach demKonzil<br />
darunter ein so untadeliger Kat..holik:wie der Wurzburger Apologet<br />
Hermann Schell, der 1897 mit seinem Buch "Der Katholizismus als<br />
Prinzip des Fortschritts" dem Katholizismus des 20. Jahrhunderts sein<br />
Programm geschrieben hatte, vertiefte die Kluft zwischen Kirche und<br />
moderner Welt so, dass die besten jungen Katholiken an der Zukunft<br />
ihrer Kirche verzweifelten. Prof. Paul Simon, der nach dem zweiten<br />
Weltkrieg als Domdekan von Paderborn starb, hat seinen Freunden<br />
und SchUlern oft die innere Lage der jungeren Generation im ersten<br />
Jahrzehnt dieses Jahrhunderts geschildert. Junge Akademiker aller<br />
Fakultaten kamen damals in Maria Laach zusammen und tauschten<br />
ihre Gedanken aus. Der aIte Abt, dem sie ihre innere Not schilderten,<br />
sagte, er verstehe sie nicht, aber unter seinen Monchen sei einer,<br />
der Verstandnis fUr sie habe. Das war Hdefons Herwegen, der dann<br />
spi:i:terselbst Abt wurde, der grosse Begrunder der modernen Liturgieforschung<br />
und der Liturgischen Bewegung im deutschen KathoUzismus.<br />
Er fuhrte diese Generation dorthin, wo das Herz der Kirche<br />
schlagt, zur Liturgie, zur "ecclesia orans". Viele der besten Theologen<br />
wandten sich von den Gebieten der Exegese und der Kirchengeschichte<br />
dem nicht so gefahrliehen Gebiet der Liturgieforsehung zu und erwarben<br />
dort die Fahigkeit echter historischer Forsehung, die dann<br />
spater aueh der Bibelforsehung zugute kommen sollte.. Die katholisehe<br />
Bibelforsehung selbs! behielt ihren grossen Fuhrer, den Dominikaner<br />
Lagrange, der ein Bibelinstitut in Jerusalem begrundet hatte.<br />
Die jungen Akademiker, van der Jugendbewegung unter der Fuhrung<br />
van Romano Guardini lief beeinflusst, fanden in der Liturgischen Bewegung<br />
die Kirehe, die sie suchten und liebten. Und die Liturgische<br />
Bewegung wiederum ftihrte zur Neuentdeekung der Bibel, die ja das<br />
grosste liturgisehe Bueh der Kirehe ist. Eine ahnliche Entwieklung<br />
vollzoq sieh im franzbsisehen Spraehgebiet. In Rom wurde die Ar~<br />
beit der 1901 erriehteten Bibelkommission und des 1909 gegriindeten<br />
Papstlichen Bibelinstituts nach dem Abflauen der modernistisehen<br />
Kontroverse nach dem Tode Pius' X. (1914) immer mehr in den Dienst<br />
der positiven Erforschung der Probleme der Heiligen Schrift gestellt,<br />
besonders seit im Jahre 1930 der deutsehe BibelforseherPater Augustin<br />
Bea,S. J., das Rektorat des Bibelinstituts ubernahm, das er neunzehn<br />
Jahre gefUhrt hat (vorher halte er an der Gregoriana und am<br />
Studium seines Ordens an der Gesu gelehrt). Der Hbhepunkt dieser<br />
Arbeit in Rom war die Enzyklika "Divino afflante Spiritu" van 1943,<br />
nach Leos XIII. "Providentissimus Deus" van 1893 und Benedikts XV.<br />
"Spiritus Paraelitus" zum Hieronymusjubilaum 1920 die dritte der<br />
grossen Kundgebungen zur Bibelfrage nach dem Ersten Vatikanum.<br />
Vergleieht man sie mit ihren Vorgangerinnen, so wird sofort ihre Bedeutung<br />
klar. In ihr hat Rom die historisch-kritische Methode der Erforsehung<br />
der Bibel rezipiert, ohne das Tridentiniseh-Vatikanisehe<br />
Dogma van der Inspiration der Schrift aufzugeben.<br />
4.<br />
Es ist kein Zufall, dass der Fuhrer der Bibelbewegung auch zum<br />
Vorkampfer der okumenisehen Sache in der Romischen Kirehe wur-
Naeh de.m Konzil 221<br />
de, Wie alle Wissenschaft, so ist auch die BibelwissenschaH intemotional<br />
und interkonfessione11. Aber Íür den dbutschen Jesuiten ste11t<br />
die Schriftforschung noch ein anderes Problem. "An der Heiligen<br />
Schr-iftsind einst unsere Vater auseinandergegangen, über der Heiligen<br />
Schrift werden wir wieder zusammenkommen." Die Liturgische<br />
Bewegung, die Bibelwegung und die bkumenische Bewegung gehoren<br />
zusammen. Auch in dieser Beziehung musste Rom aus dem Ghetto<br />
des Ersten Vatikanurris beÍreit werden. An deu ersten bkumenischen<br />
Bestrebungen nach dem ersten Weltkrieg war Rom in keíner Weise<br />
interessiert oder hbchstens insofem, aIs diese anzudeuten schienen,<br />
doss dievon Rom getrennten Christen sich nach der "Heimkehr zur<br />
Muiterkirche" sehnten. Die ergreifende Enzyklika des Ókumenischen<br />
Patriarchats von 1920, die im Hinblick auf die Katastrophe der Ostkirche<br />
die Bildung eines Bundes alIer christlichen Kirchen nach Analogie<br />
des Volkerbunds vorschlug, fand kein Echo in Rom. Dasselbe<br />
gilt von den Einladungen zur Weltkonferenz für Glauben und Kirchenverfassung<br />
und anderen okumenischen Kundgebungen des Westens.<br />
Rom warallenfalls an der Errichtung diplomatischer Beziehungen mit<br />
den Staaten interessiert, aber nicht an Verbindungen mit den Kirchen.<br />
Wenn einem der damaligen Berufsdiplomaten, Erzbischof Roncalli, in<br />
Bulgarien und in lstanbul das Herz für die Brüder der Ostkirche zu<br />
schlagen begann, so war das seine Privatsache undhatte mit seinem<br />
Dienst nichts zu tun, Das Politische rnusste ja auch eine Rolle spielen<br />
in den Jahren, indenen das unmogliche VerhO:ltnismit dem Kbnigreich<br />
Italien dringend eine Lbsung verlangte, die dann in den Lateranvertragen<br />
erreicht V/urde um den hohen Preis des Bündnisses mit dem<br />
Faschistischen StaaL Erst in den Krisen der dreissiger Jchre und in<br />
der Katastrophe des zweiten Weltkriegs wurde Rom reif für den ükumenischen<br />
Gedanken. Es ist kein Zufall, dass dies zuerst in den Landern<br />
geschah, wo die Opfer Hitlers aus allen Kirchen sich in den<br />
Konzentrationslagern kennenlernten und die Martyrer aller Bekenntnisse<br />
starben. Die Lander, die zu Schlachtfeldern des zweiten Weltkriegs<br />
wurden, sind die Heimat des bkumenischen Gedankens in der Katholischen<br />
Kirche: Deutschland, die Niederkmde, Belgien, Frankreich.<br />
Was ín der privaten Sphare begann, ereignete sich nun in den katholischen<br />
Kirchen dieser Lander und wurde langsam von Rom geduldet<br />
und übernommen. AIs nach dem Kriege die ersten offiziellen<br />
G-espéiche zwischen evangelischen und. katholischen Theologen unter<br />
bischoflicher Leitung in Deutschland stattfanden, da war eine der Be'-'<br />
dingungel1, dass kein gemeínsames Gebét gesprochen werden dürÍte.<br />
Selbst das Tischgebet sprach jeder still für sich. Eines Tageskonnte<br />
esder Dekan einer angesehenen katholischen Fakultat nicht langer<br />
aushalten und sprach das Tischgebet laut. DarauÍhin vmrde ihm von<br />
zustandiger Stelle gesagt, es sei mit dero ganzen Unternehmen vor_<br />
bei,wennclas noch einmal. geschehe:Kurz darauf wurde erlaubt, das<br />
VtÜerunser zu sprechen oder ein vonder Kirche genehmigtes Gebet.<br />
Eine tiefgehende Erorterung der Frage nach der ratio legis ckr die<br />
comm'..wicatio,in 'sacris verbietenden.Bestimmungen des Kirchenrechts
Nach dem Konzil<br />
istberei ts seit vielen Jahren im Gange: 1st das Verbot solchet Ge~<br />
il).einschaft mil Schismatikern unci Haretikern gottliches Gesetz ~ danD<br />
kann es nicht geanderJ werden~ oder is! es ein Gesetz, dasvon der<br />
Kirche gegeben worden ist undelso von· der Kirche geandertwerden<br />
kann Diese Erorterungen haben spezieIleBedeutung hir die Grenz~<br />
gebiete zwischen der Romischen Kirche und den Ostkirchen, Aber<br />
dariiber hinaus bereiten sie neue rechtliche Bestimmungen iiberdas<br />
Verhaltnis auch zu den Protestanten vor. Dahinter aber steht Einetiefe<br />
Wandlung in dEn Seelen. def katholischen Christen, dienicht mehr<br />
mit der alten naiven BEantVlOrtung der F1age zufrieden sind, was es<br />
bEdeutEt,dass es ausserhalb der Kirche kein Heil gibt.<br />
5.<br />
Dies ist die Kirche, deren Bischofe am 11. Oktober 1962 zm feierlichen<br />
Eroffnung des Konzils zusammentraten. Schon Pius XII. hatte<br />
an ein Konzil gedacht, auf demdie grossen, die Kirche tief bewegenden<br />
Fragen zum Austrag kornmten sollten. Es sind nicht nur die aUsseren<br />
Zeitverhaltnisse gewesen, die ihn van der Ausfiihrung des Plans<br />
abhielten. Dieser kluge Papst wusste, dass die Kirche in einer Krisis<br />
stand, vor Fragen, auf die niernand eine AnrNort wussle: AIlein schon<br />
das Regierungssystern der Kmie war den Aufgaben nicht mehr ge~<br />
waehsen, die der in allen Erdteilen wachsende Riesenorganismusmit<br />
der Mannigfaltigkeit der Probleme steIlte. Pius XII. wusste, dass nach<br />
seinem Tode aIles anders werden wiirde. Joha.Tlnes XXIII., als 'Obergangspapst<br />
gewahlt, hatte den Mut, seinen KardinO:len den Ausweg<br />
vorzuschlagen - ein Konzil. Dieser Mann, in dem sich die praktische<br />
Lebensklugheit seiner bi:i:uerliehen Piemontesisehen. Ahnen mitdern<br />
Geschick des gelernten Diplomaten und einer tiefen, schlichten Frommigkeit<br />
verband, ein Mann, der sein Leben eigentlichhinter sieh hatte,<br />
konnte es sich leisten, ganz anders zu sein als sein grosser Vorganger.<br />
Er hatte nicht den Ehrgeiz, alles aIlein tun zu wollen wie Pius:<br />
Ein Konzil! Das heisst: Lasstdoch die Kirche selbst entscheiden, was<br />
aus ihr werden solI; der liebe Gott wird ihr schon helfen. Auch<br />
Johannes war Papst und konnte das bei Gelegenheit sehr deutlieh<br />
zeigen. Aber er war ein Mann, der schon an der Pforte der Ewigkeit<br />
stand, und so konnte er Dinge tun, die sonst ein Papst nieht tut. Er<br />
wusste, was not tat; das aggiornamento, das die Kirche endgiiltig<br />
aus dem Ghetto herausbringen sollte; die tiefe innere Erneuerung,<br />
die die Voraussetzung war fur eine neue Wirkung der Kirche auf die<br />
Welt, auf die Welt, auf die Schismatiker und Haretiker, die er zu<br />
"getrennten Briidern" promovierte, auf die der Kirehe Entfremdeten<br />
in Italien und anderswo, auf die Marxisten diesseits und jenseits der<br />
politis chen Vorhcinge, auf die Tuden, die Mohammedaner, die Angehorigen<br />
aller Religionen bis zurn Heidentum. Man hat es ihm nieht<br />
nur in Italien iibelgenommen, dass er auch in den Kommunisten die<br />
irrenden Bruder sah. Sein bei der Papstwahl angenommener Name<br />
des Apostels der Liebe enthielt schon sein ganzes Programm. In der
Naeh dem Konzil<br />
EroHnungsansprache steht schon das ganze Programm des Konzils.<br />
Er sprach von den Irrtümem, die die Kirche zu a11enZeiten bekampft<br />
undoftmit grosster Strenge verdammt hat. Heute aber zieht die Braut<br />
Christi es vor, mehr die Medizin der Barmherzigkeit zu gebrauchen<br />
aIs die der Strenge. Sie ist sich klar daruber, dass, was heute nbtig<br />
ist, nicht Verdammungen sind, sondem der ALllweis der Gültigkeit<br />
i,'lrer Lehre. Jo, er wogte on diesem Wendepunkt den nícht ungefahrliehen<br />
Sotz: "Die Substanz der alten Lehre des Gloübensdepositums<br />
ist ein Ding. Die"Weise, in der es dargelegt wird, ist ein anderes."<br />
Ein Konzil unter Pius XII. hatie den Stil des alten Vatikanums<br />
gehabt. Die Constitutio Prima De eeclesia Christiware durch eine<br />
Constitutio Secunda erganzt worden etwa im Sinne der Enzyklika<br />
"Mystiei Corporis", die a11gemeinaIs Vorlauferin eines Konzilsentseheids<br />
betrachtet wurde, aIs sie 1943 ersehien. Andere Lehren, die inzwisehen<br />
"Dogmenreile" erlangt hatten, was Karl Adam vor vielen Jahren<br />
von der Gnadenmittlerseholt Mariens sagte, waren leierlieh dogmatisiert<br />
und dem Dogma ein Canonangehangt worden,wie er den<br />
Mariendogmen von 1854 und 1950 folgt, in welchem jedem, der diese<br />
Lehre leugnet, nieht nur die ewige Hollenstrafe angedroht wird, sondem<br />
.dazu aueh noeh die irdisehen Kirchenstrafen. Das ist nun an~<br />
ders geworden. Kein"Dogma der Kirche ist zurückgenommen worden,<br />
keins kann widerrufen werden. Aber neue Dogmen werden nicht mehr<br />
produziert, wenigstens auf longe Zeit nieht. Das Konzil hot keine neue<br />
Lehre zum Dogma erhoben. Die grosse Konstitution über die Kirehe<br />
wird nicht als "Zweite" Konstitution bezeichn.et nicht aIs die Fortsetzung<br />
des Dogrnas von 1870, obv'lohl sie die wiehtigste Erganzung<br />
dazu ist. Es ist ein Dokument, das auf einer ganz anderen Ebene liegt.<br />
Es wird in dem Sehlusskapitel ungefahr alles gesagt, was man über<br />
die MuUer Gottes sagen kann, auch dies, warurn man sie Mittlerin<br />
aUer Gnaden nennt. Aber es wird nicht zum Dogma erklêi:rt. Das ist<br />
der neue Stil eines Konzils und seiner Ausserungen, der johanneische<br />
Stil sozusagen. Einer der Gründe für diesen Stilwandel liegt natürlich<br />
in der Tatsache, dass jedes neue Dogma ein weiteres Hindernis<br />
der Einigung aueh mit den Ostkirehen ist.<br />
Die Einführung dieser neuen Art des Konzils mit einer pastoralen,<br />
seelsorgerliehen Tendenz ist die eine grosse Tal Joha..'1.nesXXIII.<br />
Die andere ist die Art und Weise, wie er de:'1 Konz:1 é;'):ne [reiheit<br />
liess, den künftigen Weg der Kirche zu bestimmen. Gleieh in der Ersten<br />
Sitzungsperiode vereitelte der Papst eine Vergewaltigung des<br />
Konzils dureh die Kurie bei den Wahlen zu den Kommissionen. Schon<br />
dabei ste11tees sich heraus, wie start die "Fortschrittliehen" unter den<br />
Konzilsvatem waren. Sie waren die Mehrheit, wenn auch nicht die<br />
ZweidriUelmehrheit, die bei wichtigen Entscheidungen orÍorderlich<br />
war. So kom es zu dem viel erbrterten Vorgang bei der Beratung<br />
des von der Theologisehen Kommission dem Konzil vorgelegten Entwurfs<br />
emes Dokuments über die Quellen der OHenbarung. Die Abstimrnung<br />
ergab, dass die Mehrheit den Entwurf und seine Erorterung
224 Nach demo KonzU<br />
ablehnte. Aber es war keine Zweidrittelmehrheit. Das Konzil hatte<br />
sich festgefahren. Da griff der Papst ein, ordnete die Zuriickziehung<br />
des Dokuments an und setzte eine neue Kommission ein, in der beide<br />
Seiten unter ihren Lihrern, den Kardimilen Bea und Ottaviani vertreten<br />
waren, um ein neues Dokument auszuarbeiten. \Vir haben es<br />
unten kurz zu erortern. So sicherte der Papst der Konzilsmehrheit ihr<br />
Hecht unci ihre Freiheit zu und verhinderte eine Vergewaltigung der<br />
fortschrittlichen Mehrheit durch die Kurie. Yon nun an konnte das<br />
Konzi! seine Arbeit tun. Es war, bei Lichte besehen, die Minderheit<br />
des Ersten Vatikanums, die Nachfolger der Bisch6fe, die damals in<br />
tiefster innerer Not vor der verhangnisvollen Abstimmung des 18. Juli<br />
mit Erlaubnis des Papstes Rom verlassen hatten, die inzwischen zur<br />
Mehrheit in der Romiseh-Katholisehen Kirehe geworden war. Ihr Fiihrer<br />
war Kardinal Bea, der beim Beginn des Konzils im 81. Lebensjahr stand,<br />
der Lehrer so vieler der BisehOfe, die unter ihm an der Gregoriana<br />
und am Bibelinstitut studiert hatten, der grosse Bibeltheologe und<br />
Okumeniker, als soIcher auch der Iv1ann, der das Vertrauen der Nichtkatholiken<br />
besass wie kein anderer. Er behielt seine fUhrende Rolle;<br />
die er als Vertrauensmann zweier Papste besessen hatte, Pius XII.,<br />
dessen Beichtvater er viele Jahre gewesen ist, und Johannes XXIII.,<br />
als dieser am 31. Mai 1963, bevor die zweite "Session" beginnen konnte,<br />
von Gatt abberufen wurde, tief betrauert aueh ausserhalb der Kirche.<br />
Dieser Papst hatte, wie wohl kein anderer der neueren Geschichte,<br />
die Herzen der Mensehen gewonnen, ein Beweis, dass sein Programm<br />
irgendwie einem tiefen Verlangen der heutigen Menschheit entsprach.<br />
Er hatte seine historische Sendung erfiillt. In Kardinal Montini erhielt<br />
er einen Nachfolger, der als Paul VI. das durch den Tod des Papstes<br />
automatisch unterbrochene Konzil wiederaufnahm und nun zu Ende<br />
gefUhrt hat. Mit grosser Gewissenhaftigkeit und oft in schwerem inneren<br />
Ringen hat er den Weg ertasten mussen, den Johannes mit<br />
instinktiver Sieherheit zu finden schien. Ob dieser freilich seine Sicherheit<br />
behalten hatte, als im Lauf del' Jahre erst die ganze Fulle def<br />
Probleme und ihre ungeahnte Schwierigkeit siehtbar v1urde, ist eine<br />
andere Frage. Es ehrt den gegenwartigen Papst, der in seiner Intellektualitat<br />
und auch in seiner ausseren Ersdheinung an Pius XII.<br />
erinnert, dass er lieber eine Frage offen lasst, auf die er noeh nieht<br />
mit voller Sicherheit antv10rten kann, wie es in dem letzten Konzilsdokumentbei<br />
dem Problem der Methode der Geburtenkontrolle geschah,<br />
als dass er eine Antwort gibt, die die Welt von ihm erwartet,<br />
die er aber vielleicht spater nieht aufrechterhalten kann. Es sind nur<br />
die kleinen Geister, die immer alles schon wissen, auch in der Kirche.<br />
6.<br />
Als Papst Johannes XXIII. die Kardinale Bea undOttaviani in<br />
jener .Kommissionals Vorsitzende mit gleichen Rechten zusommenspannte,<br />
da tat er symbolischdas, was die Romisch-Katholische Kirche<br />
noch diesem Konzil zu tun hat. Die' beiden Richtungen, die in
Nach dem Konzil 225<br />
Bea und Ottaviani ihre' Verkéirperung fanden, gehéiren in der Kirche<br />
zusammen, wie sie auf dem Konzíl zusammengehéirten und wie auf<br />
demErsten Vatikanum Majoritat lmd Minoritat zusammen das Konzi1<br />
konstituierten. Wie mag Kardínal Bea, dieser vornehme Kirchenfürst<br />
und demütige· katholische Christ, unter den Taktlosigkeiten<br />
mancher getrennter Brüder und ihrer Journalisten gelitten haben, die<br />
L.>J. ihm entweder eine Art Protestanten sahen oder gar den Vorkampfer<br />
eines religiéisen Liberalismus, Und wie ist Ottaviani - nichtohne<br />
eigene Schuld,<br />
em Reaktionar,<br />
wie<br />
der<br />
er selbst zugibt -<br />
nichts mehr fürchtet<br />
missverstanden worden aIs<br />
aIs eine Reform der Kurie.<br />
Beide sind orthodoxe Katholiken, die fest auf dem Boden des Tridentmums<br />
und des Ersten Vatikanums stehen. Aber jeder ist von seiner<br />
Sorge bewegt. Die grosse Sorge des Kardina1s, dem einst die Leitung<br />
der katholischen Bibelforschung anvertraut war und der nun das Sekretariat<br />
für die Einheit der Christen und damit die éikumenische Arbeit<br />
der Réimisch-Katholischen Kirche leitet, ist die, dass die Kirche<br />
dié grosse Reformation versaumt, auf die sie zusteuert, und dass sie<br />
damit ihre Sendung in der modernen Welt versaumt und inein<br />
sch1immes Ghetto geh1. Die Sorge des Réimers Ottaviani - er stammt<br />
aus Trastever<br />
genOffiCium<br />
- ist die legitime<br />
die Bewahrung der<br />
Sorge des Mannes, dem im Heili<br />
katholischen Lehre anvertraut war,<br />
dass die Reform der Kirchc nicht in einer Reformatíon, sondern in<br />
einer Revolution endet, in der die Lehrsubstanz des christlichen G1aubens<br />
verschwindet, wie sie in den meisten Kirchen, die sich auf dle<br />
Reformation des 16. Ja.hrhunderts gründen, verschwunden is1. 1m<br />
Jahre 1950 musste Pius XII. in "Humanigeneris" eine ernste Warnung<br />
gegen falsche Folgerungen aussprechen, die kalholische The010gen<br />
ausder Bibelenzyklika von 1943 gezogen hatten, insbesondere hinsiehtlieh<br />
der Lehre von der Transsubstantiation. 1m Jahre 1965, wêi:hrend<br />
des Konzils, erliess Paul VI. eine ahnliehe Warnung in "Mysterium<br />
lidei" Vlieder war es die Frage der Transsubstantiation; denn katholisehe<br />
.Theologen hatten unter dem Vorgeben, die Lehre von fa1schen<br />
philosophisehen Kategorien befreien zu wollen, die Realprêi:senz preisgegeben.<br />
1n solchen Debatten kündigt sieh die kommende grosse<br />
Aufgabe der Kirche<br />
die des Kirehenrechts<br />
an. Wenn<br />
die Gefahr<br />
schon die Reform der<br />
in sieh schliesst, dass<br />
Liturgie und<br />
die verschiedenebilden<br />
Gebiete<br />
werden,<br />
des kommenden Katholizismus zu selbstandigen<br />
die keine Kurie mehr zusammenhalten kann, was<br />
Ge<br />
wird<br />
dann erst geschehen, wenn die thomistiseh-aristotelisehe Philosophie<br />
kein Einheitsband mehr bildet! Man wundert sichdarüber, mit weleher<br />
Selbstverstandlichkeit heute katholische The010gen davon 2prschen,<br />
dass man in Afrika oder in 1ndien' in anderen Kategorien denken<br />
werde und dass<br />
seheinen werde.<br />
das Glaubensgut<br />
Wir kennendas<br />
dort<br />
von<br />
in neuen Formulierungen er<br />
der Protestantischen Weltmission.<br />
Wirwissen, was es heisst, das Nicdnum sei ein Produkt des<br />
griechisehen Geistes, ein westliches Bekenntnis, das man den Menschen<br />
Asiens nicht zumuten kéinne. Das bedeutet dann das Ende des christlichen<br />
G1aubens. Denn das Nicanum ist in Asien geschrieben, von
22C<br />
Nach clem Konzil<br />
Mensehen Vorderasiens und Agyptens in der Weltsprache von damals,<br />
die zufOllig grieehiseh war. Wir Abendlander haben esanehmen<br />
mussen, genauso wie wir die Sunden- und Gnadenlehre der<br />
Afrikanisehen Kirche ubernommen haben, die damals zufOllig lateinisch<br />
sprach. Denn diese Lehren gehoren nieht einer bestimmten Nation,<br />
Rasse oder Kultur an. Sie sind "secundum scripturas". Fast jeder<br />
Satzteil des Nieanums ist aus dem Neuen Testament genommen. \Vo<br />
diese Lehre preisgegeben wird, da endet die Kirche im Synkretismus.<br />
Das ist das Schicksal weiter Gebiete der Protestantischen Weltmission<br />
und der "Jungen Kirchen", die sie hervorgebracht hat. Soll es auch<br />
das Schicksal der katholischen Missionskirchen werden Wornit wol.,<br />
len wir denn die Einheit der Kirche bewahren, wenn nicht mit dem<br />
Worte Gottes<br />
Dies ist das Problem des Katholizismus der Zukunft. Er wird<br />
erkennen mussen, dass es gar kein anderes Einheitsband gibt, das<br />
die Kirehe auf die Dauer zusammenhalten tann. Es gibt keine Einheitsliturgie,<br />
die das bnnte, keine Einheitsphilosophie, auch nicht die<br />
philosophia perennis des Thomismus. Auch die Verfassung tut es noeh<br />
nieht. Das Konzil war gewiss eine wunder bare Erfa}lrung der Einheit<br />
des Katholizismus. Nie werden die Bischofe diese Erfahrung vergessen.<br />
Aber nun gehart es der Gesehiehte an. Aueh das Papsttum ist<br />
ja noeh nieht das Einheitsband, wie man 1870 meinte. Deswegen<br />
musste ja nun diese stille Reform durch die HinzufUgung des Kollegialitatsprinzips<br />
kommen, von dem noch niemand weiss, wie es sich<br />
gestalten wird. Das wirkliche grosse Einheitsband ist das Wort Gottes.<br />
Das beginnt der Katholizismus zu verstehen. Daher die grosse<br />
Wendung ZUT Schrift in der Liturgie, in der The010gie und im Leben<br />
der Glaubigen. Hier 1iegt die Verheissung der wirk1ichen Erneuerung<br />
der Kirche. Die Erfahrungen, die Rom dabei macht, fUhren es zu einer<br />
neuen Begegnung mit der Reformation. Daruber muss noch einiges<br />
gesag1 werden im Anschluss an die be;den Konstitutionen uber die<br />
"Gott1iche Offenbarung" ("Dei verburn" vom 18. November 19657 und<br />
ubeT "Die Kirche" ("Lumen gentium" vom 21. November 1964).<br />
7.<br />
Die Konstitution uber die Offenbarung ist das Ergebnis deT Debatie<br />
uber das von der Mehrheitdes Konzils verv/Orfene, vom Papst<br />
zuruckgezogene Dokument uber "Die Quellen der OHenbarung". Die<br />
dem Konzil vorgelegte Lehre war die seit Trient in der Kirche gebrauchliche:<br />
Schrift und Tradition sind die beiden Quellen der Offenbarung.<br />
Die neuere deutsche katholisehe Theo1ogie versuchte in grosser<br />
Einmutigkeit, dem Dekret von Trient eine neue Aus1egung zu geben:<br />
Es gibt nieht zVlei Quellen der Offenbarung, die gleichberechtigt nebeneinander<br />
stehen, Schrift und Tradition, sondern im Grunde nUT<br />
eine, die Heilige Schrift, die von der Kirche ausgelegt vtiTd. Diese<br />
Auslegung ist die Tradition. Historisch wmde das. damit begrundet,<br />
dass in Trient die Formel abgelehnt 'Norden sei, das Evangelium sei
Nach dem I{onzil 227<br />
entnolten teils (partim) in gescnriebenen Büchem und teils (partim)<br />
in ungeschriebenen Traditíonen. Die Ablehnung des partim-partim nat<br />
aber nicht den Sinn, den man inr unterscnob. Sie war notwendig,<br />
weil der Begriff der Traditionen (in Trient sprach man immer noch<br />
im Plural "Traditionen" ín der Weise der alteren Theologie) sehr viel~<br />
deutíg ist, da es ja nicnt nur dogmatische Traditionen gib1. Man<br />
hatte nie bestreiten sol1en, dass Trient zwei Quellen kennt: Das eine<br />
Eva.ngelium ist enthalten in geschriebenen Büchern und in ungescnriebenen<br />
Traditionen, die beide mit gleicher Pietêit a.nzunehmen sind.<br />
Obwohl man sagen kann, dass die meisten Lehren in Schrift und<br />
Traditíon stehen, so nêitte man nie sagen sol1en, es gebe keine Lehre<br />
der Tradition, die nícnt auch ín der Scnrift vorkomme. Die Leidenschaft,<br />
mit der die neuere Theologie sich Íür die Tneorie eingesetzt<br />
hat dass es nur eine Quelle gebe, néi:mlichdie Schrilt, erkléi:rtsich<br />
aus dem Bemühen, €line Brücke zu den Kirchen der Reformation z1.i<br />
schlagen und den grossen Gegensatz der Konfessionen, der in dem<br />
sola scriptura der Reformation lag, zu übenlinden. Das scnien aussichtsvo11zu<br />
seín, weil viele Protestanten das sola scriptura praktisch<br />
aufgegeben natten und sogar den Begriff der Tradition wieder entdeát<br />
zu haben meinten. Die ga.nze Debatte war kein Ruhmesblatt<br />
für die daran beteiligten Theologen, die katholiscnen wie die protestantiscnen<br />
und die immer unklaren Anglikaner.<br />
Wie lost das neue Dokument das Problem Unter Bestéi:tigung<br />
desTridentinums und des Ersten Vatikanums (der Constitutio "de<br />
Fida Cathohca") spricht der Text zundcnst über die gÓttliche OHenbarung<br />
eínscnliesslicn der natürlícnen ("dass Gott, a11er Dinge Ursprung<br />
und Ziel, mit dem dem natürlicnen Licht der menscnlicnen Ver~<br />
nunft aus den geschalfenen Dingen sicher erkannt vrerden kann" und<br />
"dass, was im Bereich des Gottlichen der menschlichen VernunÍt an<br />
und für sicn nicnt unzugdnglich ist, aucn in der gegenwdrtigen Lage<br />
dez Menschengescnlechts [also nach dem Fall] von allen leieht, mit<br />
sienerer Gewissheit und onne Beimiscnung von Irrtum erkannt werden<br />
kann"). Der lnhalt der gottlichen Offenbarung wird in der Kircne<br />
weitergegeben. Dabei wird die von den Aposteln und inren Schülem<br />
niedergeschriebene Offenbarung immer zusammen gesehen mit der<br />
mÜndlichen Weitergabe. Die Apostelhaben den Biscnofen ihr eigenes<br />
Lenramt übertragen. "Diese neilige Überlieferung also und die Hei~<br />
lige Sehrift beider Testamente sind gleichsam der Spiegel, in welchem<br />
die a.uf Erden pilgernde Kircne Gott anschaut ... , bis sie hinausgeführt<br />
wird, ihn von Angesicht zu Angesicht zu sehen so, wie er ist."<br />
Die ápostolische Predigt, die in den inspirierten Bü.chern in besonderer<br />
\Veise ausgesprocnen ist, muss bis ans Ende der Zeiten weitergegec<br />
benwerden. Gibt es Wahrheiten, die wir nicht aus der Scnrift, sondernnuraus<br />
der Überlieferung kennen Diese Frage wird nicht erortert<br />
J>Jurdie bekannte Feststellung wird gemacht, dass die Kirche aus der<br />
tjberlieferung weiss, welcne Bücher zum Kcmon gehoren. Von der in<br />
der Kircne weitergegebenen Überlieferung wird gesagt, dass sie unter<br />
dem :Beistand des. Heiligen .Geisies ein immer tieferes Versti:i:ndnis
228 Nach dem Konzil<br />
der Wahrheit gebe. "Die Ausspruche der heiligen Vaterbezeugendie<br />
lebenspendende Gegenwart dieser Dberlieferung. In ihr werden die<br />
heiligen Schriften selbst tie fer verstanden und standig wirksam gemacht.<br />
So ist Gatt, der einst gesprachen hat, ohne<br />
Unterlass mit der Braut seines geliebten Sohnes<br />
i m G e s pr a c h, und d e r H e i 1i 9 e G e i s t, dUTCh den die<br />
lebendige Stimme des Evangeliums in der Kirche und dmch diese<br />
in der Welt widerhallt, f u h r t die G 1 a ubi 9 e n e in in all e<br />
W a h r h e i t und bsst das Wort Christi in Dberfulle in ihnen wohnen."<br />
Wenn es saist, wenn Gatt nicht nm einmal gesprochen hat<br />
und immer wieder dmch dies sein einst gesprochenes, nun geschriebenes,<br />
aber aUzeit lebendiges Wort der Schrift und der schriftgemassen<br />
Predigt zu seiner Kirche redet, sandern wenn er daruber<br />
hinaus nach im standigen Gesprach mit der Braut seines Sohnes steht<br />
UU9 ihr dabei Dinge sagt, die nicht in der Schrift. stehen, oder jeder;1falls<br />
nicht ohne die Hilfe des kirchlichen Lehramts in ihr gefunden<br />
werden konnen, dann ist die "Dberlieferung" eine zweite Quelle<br />
der Lehre, auch wenn man sie noch so sehr mit der Schrift zlisqmmenschaut.<br />
"Darum kann auch die Kirche ihre Gewissheit uber alle<br />
Offenbarungsinhalte n i c h tau s d e r H e i Ii 9 enS c h r i f tal <br />
1e in schopfen. Beide, Schrift undDberlieferung, sind also mit gl.eicher<br />
Kindesgesinnung und Achtung anzunehmen und zu verehren."<br />
Damit ist die Entscheidung van Trient bestatigt. D ass 01 a<br />
s c rip t u r a d er Ref arm a t ion' b 1 e i b t v e r W 0 r fen, aUch<br />
wenn man, dem neuen Kanziliarstil folgend, das Anathemanicht mehr<br />
ausdrucklich ausspricht. "Die Gletscher sind geschmolzen, aber die<br />
Alpen sind geblieben" ,wie ein reformierter Theologe es richtig gesag!<br />
hat.<br />
8.<br />
.<br />
Dasselbe Blld bietet sich uns, wenn wir uns der Lehre von der<br />
Kirche zuwendenc Was fUr ein gewaltiger Unterschied besteht zwischen<br />
der "Dogmatischen Konstitution uber die Kirche" und' der Ersten<br />
Dogmatischen Konstitution uber die Kirche Christi von 1870.<br />
Auch hier sind Gletscher geschmolzen. Die kalte Dogmatik, die dem<br />
Dokument von 1870 den Stempel aufdruckte, ist einer warmen Orthodoxie<br />
gewichen, jener Orthodoxie, die wir van den griechischen Vatern<br />
wie dem heiligen Chrysostomos kennen, der die Haresie hasste<br />
und die Haretiker liebte, oder auch von den Vatern unserer eigenen<br />
Kirche wie Johann Gerhard. Die Sprache dieses Dokuments ist die<br />
pastorale Sprache des Hirtenbriefs und nicht die Sprache des R6rnischen<br />
Rechts. Ganze Kapitel lesen sichwie StUcke aus einer biblischen<br />
Theologie. Sie enthalten die Lehre der Bibel uber die Kirche<br />
oder versuchen es wenigstens, wahrend in der Ersten Konstitution die<br />
Bibel nur dazu da ist, urn die dicta probantia zu liefern, die drei beriihrnten<br />
Petrinischen Texte aus Matth. 16, Lukas 22 und Joh. 21.<br />
Da·das Konzil die Lehre vorn Primat und von der Unfehlbarkeit nicht
Nach dem Konzil 229<br />
revidieren kann, sondem sie im Gegenteil mit starken Worten vorbehaltlos<br />
bestatigen muss, kann das Neue, was die Dokument zu<br />
bringen hat, nur eine Erganzung der bisherigen Lehre sein. Sie kündigt<br />
sich bereits in der Formulierung des Eingangs an, der in allen<br />
Konstitutionen dieselbe ist. Die Dekrete von Trient beginnen mit den<br />
Worten: "Diese hochheilige Synode von Trient, im Heiligen Geiste<br />
rechtmassig versammelt unteI' dem Vorsitz der drei Legaten .,. beschliesst."<br />
Es ist das Konzil, das selbst spricht. Die beiden Konstitutionen<br />
des Ersten Vatikanums beginnen: "Wir, Pius, Diener der Diener<br />
Gottes, mit der Billigung des héligen Konzils (Sacro approbante<br />
Concilio .. )." Es ist der Papst, der hier redet in Ausübung seines<br />
Lehramts. Die Beschlüsse des Zweiten Vatikanums beginnen: "Paul,<br />
Bischof, Diener der Diener Gottes, zusammen mit den Vatem des Heiligen<br />
Konzils ... " In diesel' feierlichen Versammlung des Weltepiskopats<br />
ist Paul "Bischof", wie er denn auch die funkelnagelneue Tiara,<br />
die ihm die Mailé::i:nderzum Abschied geschenkt hatten, abgelegt und<br />
sogar zum Besten der Armen verkauft hat - sie wird wohl irgendwo<br />
in Amerika sein - und aIs Bischof von Rom mit der Mithra erscheint.<br />
"Zusammen mit den Vatem des Konzils", una cum, d. h. in wirklicher,<br />
tiefer Gemeinschaft, wie der Ausdruck im ersten Gebet des Messekanons<br />
gebraucht wird, wenn es heiss1, dass das Opfer dargebracht<br />
wird "für deine heilige katholische Kirche, der du Frieden schenken,<br />
die du behüten, einigen und regieren wollest auf dem ganzen Erdkreis.<br />
zusammen mit (una cum) deinem Diener unserem Papst und<br />
unserem Bischof .. "<br />
In diesel' Formulierung steckt die neue Lehre von der Kollegia1itat<br />
der Bischofe.Wie Petrus im Neuen Testament der Vorsitzende des<br />
Kollegiums der Zwolf ist und von diesem nicht zu trennen ist, so steht<br />
der Papst aIs der Nachfolger Petri innerhalb des Kollegiums der Bi·<br />
chofe aIs der NachfolgeT der AposteI und übt seine Gewalt "zusammen<br />
ínit" ihnen aus. Es wird beides betont, die altvatikanische Lehre,<br />
dass der Papst den vollen Jurisdiktionsprimat hat und dass seine<br />
Lehrentscheidungen "ex sese, non autem ex consensu ecclesiae" irreformabelseien,<br />
wie der Zusatz sagt, den man 1870 noch in letzter<br />
Stunde in das fertige Dekret eingefÜgt hat, und dass das Kollegium<br />
der Bischofe doch selbst an der Lehrgevwlt beteiligt sei: Die papstlichen<br />
Definitionen heissen, so sagt die nel1e Konstitution, "mit Recht<br />
aus sith und nicht erst auf Grund der Zustimmung der Kirche unverd:nderlich,<br />
da Eie ja unteI' dem Beistand des Heiligen Geistes vorgebracht<br />
sind, der ihm im heiligen Petrus verheissen wurde. Sie bedürfen<br />
daher keiner Bestatigung durch andere und dulden keine Berufung<br />
an eiTI anderes UrteiL In diesem Falle tragt namlich der romische<br />
Bischof seinen Spruch nicht aIs Privatperson VaI', sondem legt<br />
die katholische Glaubenslehre aus und schutzt sie in seiner Eigen<br />
~(;hait alsoberster Lehrer der Gescimtkirche, demdas der Kirche selbst<br />
eigene Charisma der Unfehlbarkeit in einzigartiger Weise innewohnt.<br />
Die .d e T K i r c h e ver h e i s s e ne U n f e h 1b a r k e i t .w o h n t<br />
a u ch i m K o II e g iu m de r Bis c h o f e , w e D. n e s das
Nach dem Konzil<br />
o be r s t e L e h r a m t m i t de m N a c h f o 19 e r P et r i a us<br />
Üb t."<br />
Erst wenn die Konzilsakten veroffentlieht sind, wird man sich<br />
em volles Bild machen konnen von den Diskussionen, die der Annahme<br />
der Lehre von der Kollegialiti::it vorausgegangen sind. Konservdtíve<br />
Theologen haben bestritten, dass sie dem Neuen Testament<br />
entnommen vrerden kbnne, aueh muss in einer Erkli::irung, die zu den<br />
Akten genommen 'Norden und bereits verbffentlicht worden i3t, zugégeben<br />
werden, dass es sieh nicht um ein Kollegium im strengen<br />
juristísehen Sinne handelt, \lreil ein solehes immer aus Gleichberechtigten<br />
.besteht, die ihre Gewalt au: den Vorsitzenden Übertrcrgen. Ein<br />
PeMer, der nieht nur ein SchonheitsÍehler ist, ist die Gleichsetzung des<br />
iIl derTat von dem Herrn selbst gestifteten Kreises der Zvrblf, deren<br />
Spreeher Petrus wtrr, mit den AposteIn. Paulus, der in Ror:: immer<br />
neben Petrus steht aIs Gründer der Romischen Kirche, hcrt nicht zu<br />
jenem Kreis gehort. Die grosse Debatte über dieFrage des Verhi::iltnisses<br />
von Pcrpst und Bischo:en 'Nird in erster Linie mit den Ostkirchen staUfínden.<br />
1st doch die Frage des Primcrts dcrs grosse Problem, das Rom<br />
und die Ostkirchen trennt.<br />
9.<br />
Wàs für die Kirchen der' Re!ormation im Mittelpunkt des Dialogs<br />
stehen muss, ist die Frage nacn den Grenzen der Kirche. Der schwerste<br />
Einwand, der auch von katholiseher Seite gegen die Enzyklika "Mystici<br />
Corporis"von 1943 vorgebracht wurde, war die uneingeschri::inkte<br />
1dentihkatíon der Una Saneta Catholica mit der RomisC:-:.-Y:atholischen<br />
Kircne. Glied der Kirche ais des Leibes Christi vrird maI} dmch die<br />
Taufe. Wer aber nach der Taufe Sehismatiker oder gar Hé:i:retiker<br />
wird, gehort nicht mehr zur Kirche Christí, was immer seine Beziehung<br />
zu ihr sein mago 1st das wirklieh so An der KlO:rung dieser Frage<br />
hat Kardinal Bea zusammen mit Papst Johannes XXIII. gearbeitet (vgl.<br />
die Aufsatzsammlung, die unter dem Titel "Die Einheit der Christen"<br />
seit 1963 in mehreren Soraehen erschienen ist), auscrehend von der<br />
Tatsache, dass ja nieht Jedes Sehisma oder jede Hi::ir~sie personliehe<br />
Schuld dessen ist, der ausserhalb der Romischen Kirche steht, weil<br />
er sie ererbt hat, 'Nas auch Pius XII. schon zugegeben hatte. So war<br />
es moglich, den Nichtkatholiken den TiteI "getrennte Brüder" oder<br />
auch den Brudernamen zu geben und von ihren Kirchen aIs kirchlichen<br />
Gemeinschalten "communitates ecclesiasticae" und im Palle<br />
der getrennten Orthodoxen Kirehen sogar von "eeclesiae" zu sprechen.<br />
Das Ergebnis, wie es die Konstitution über die Kirche in dem Kapitel<br />
über das Volk Gottes bietet, ist folgendes. "Jene werden der Gemeinschaft<br />
der Kirche voU eingegliedert ("ecclesiae societati i n c o r p o <br />
r a n t u r " ), die, im Besitze des Geistes Christi, ihre ganze Ordnung<br />
und alIe in ihr eingerichteten Heilsmittel (media salutis) annehmen,<br />
und in ihrem sichtbaren Verband mit Christus, der sie durchden<br />
Papst und die Bischéife leitet, verbunden sind, und dies durch die
Nach dem KonzU<br />
Bande des Glaubensbekenntnisses, der Sakramente und der kirchlichenLeitung<br />
und Gemeinschaft" (Par. 14, amtl. deutscher Text).<br />
A1so die Annahme des ganzen katholischen Glaubensgutes und die<br />
Unterordnung unteI den Papst sindnotwendig zur Gliedschaft in der<br />
Kirche. Von anderen Christen sagt der nêichste Paragraph: "Mli jenen,<br />
die durch dieTaufe des Christennamens teilhaft sind, den vollen<br />
Glauben aber nicht bekennenoder die Kommunioneinheit (unitatem<br />
communionis) unter dem Nachfolger Petri nicht wahren, weiss sich<br />
rue Kircheaus mehdachem Grunde verbunden (conjunctam) .. Viele<br />
namlich halten die Schrift aIs Glaubens- und Lebensnorm in Ehreni<br />
zeigen einen aufrichtigen re1igiosen Eifer, glauben in Liebe anGott,<br />
deh allméi:chtigen Vater, und an Christus, den Sohn Goites undErlOser,empfangen<br />
das Zeichender Taufe, wodurch sie mit Christus<br />
verbunden werden; jasie anerk:ennen und empfangen auch andere<br />
Sak:ramente in ihreneigenen Kirchen oder kirchlichen Gemeinschdften.<br />
Viele unter ihnen sindder Bischolswürde teilhaft, feiem die heilig8'<br />
Eucharistieund pflegen die Verehrung der junglrêiulichen Gottesmuiter.<br />
Dazu k:ommt die Gemeinschait im Gebet und anderen geistlichen<br />
Gütem; ja sogar eine wahre Verbindung im Heiligen Geiste,<br />
der seiner heiligenden Kraft wirksam ist und maJ1che von ihnen bis<br />
zurVergiessung des, Blutes, gei3téirkt hai. So erweckt der Geist in<br />
aUen Jürigem Christi,Sehnsucht, und ,Tat, dass aUe in der von Christus<br />
angeordnetenWeiseÍn der einen Herde unter deIl). einen Hirten geeint<br />
werderi. mogen."', Dasist deutlich genug, Zur Gliedschaft in.der Kirche<br />
,gehort die AnnahnÍ.e des gqnzen katholischen G1aubens,wie ihn<br />
die, Kqnzilsvéi:ter bei der Eroflnung jeder Session mit den Wartan der<br />
Professio Ttidentina bekennen, und die Gemeinschaft mit dem PapsL<br />
Das gilt auch von den Orthodoxen Kirchen, obwohl sie Kirchen ge~<br />
nannt. und ihre Bischofe und Priester sowie die Sakramente, die sie<br />
venralten, anerkannt werden. Denn nur au! diese, nicht etwa auf<br />
die Anglikaner beziehtsich die SteUe über Kirchen, Bischofe und<br />
Sakramente. Ane anderen sind nurmit der Kirche "verbunden" durch<br />
gewisse, Gemeinsamkeiten wie den Glauben an Goit und Christus ~<br />
dass man ihnen nicht einmal den Glauben an den Dreieinigen Gott<br />
zuschreibt,mag eine Antwort au! die "Basis" des Weltrats und die<br />
Debatie darüber in New Delhi sein. Man nennt sie nicht mehr Haretiker,<br />
obwohl sie es doch, dogmatisch gesehen, sind. Man hofft ouf<br />
die Wiedervereinigung mit den Getrennten. Absr dcn i·:;t nicLt einfach<br />
eine Heimkehr. Man, weiss, dass Rom einen Anteil der Schuld<br />
an der Trennung hat und dass die Romische Kirche ganz anders aussehen<br />
müsste, wenn die getrennten Brüder in ihr die eine wahre Kirche<br />
erk:ennensolIten. Aber an dem dogmatischen Urteil hat sich nichts<br />
geandert. Gletscher sind geschmo1zen, aber die Alpen sind geblieben.<br />
Diese Berge versetzt keine mensch1iche Macht. Das kann nur der Herr<br />
tun. Und er wird es tun, davon ist das Konzil überzeugt; denn er<br />
hat ja das Wort von der einen Herde und dem eir1en Hirten gesprochen.<br />
Er hat gebetet, "dass sie alIe eins seien". Dass dies Gebet sich in<br />
der sichtbaren Einigung der Christenheit mer auf Erden erfül1en muss,
232 Nach clero Konzil<br />
dasist· den romischen Christen ebenso selbstverstândlich wie den<br />
okumenisehen Enthusiasten auf der anderen Seite.Warum keiner der<br />
Kirchenvater und keiner der Reformatoren Joh. 17 so verstanden hat,<br />
danaeh wird niehtgefragt. Es besteht eine erstaunliehe Verwandtsehaft<br />
zwischen dem okumenisehen Enthusiasmus in Rom und in Genf<br />
trotz aller Unterschiede der Prograrnme. Rom und die Schwarmer sind<br />
sichimmer darin einig gewesen, dass das Reich Gottes eine sichtbare<br />
Realitat in dieser Welt sein muss, Luthers tiefe Erkenntnis, die er in<br />
seinem Zweifrontenkrieg gegen den Papst und die Schwarmer gewann,<br />
dass diese beiden Gegner innerlich zusammengehoren, bewahrt<br />
sich hier wieder. "Der Enthusiasmus stecket in Adam undsei·<br />
nenKindern vom Anfang bis zum Ende der Welt .. , und 1st aller<br />
Ketzerei, auch des Papsttums und Mahomets Ursprung, Kra!t und<br />
Macht." Der Enthusiasmus ist für ihn die Frommigkeit, die sich nieht<br />
rui! der Offenbarung der Sehrift zufrieden gilJt, sondern da..D.ebennoch<br />
eme zweite Quene der Viahrheit kennt, sei es 'das kirchliehe Lehramt<br />
oder eine innere Erfahrung, in welcher der Geist die Schriít auslegt<br />
10.<br />
\Vir lesen tn der Constitutio weiter. Dernaehste Paragroph spricht<br />
hoch von anderen, welche 8tn Verhaltnis zum Gottesvolk der Kirche<br />
hcibEm."Diejenigen endlich, die das Evangelium noc;h nicht angenommen<br />
haben, sind' auf das GottesvOlk in versehiedeneVl eise hingeordnet<br />
(ad Populum Dei ordinantur)." Es werdên zuÍ1achst a : e J ud e n.<br />
genannt. .. Die Bekehrung des alten Gottesvolkesgehort nun ..einmgl<br />
zu .jedem Chiliasmus, dem protestantisehen \Afie'dem rotnischen .. "Der<br />
Hei1swille umfasst aber auch dio, welche den Sehopfer anerkennen,<br />
untetihnen besonders die Mu se 1ma n e n , die sich zum Glauben<br />
Abrahams bekennen und mit uns deneinen Gott anbefen, den bdrm'<br />
herzigen, der die Menschen am Jüngsten Tag riehten wird." Tun sie<br />
das wirklich Kann man das "Credo in unum Deum Patrem omnipo~<br />
tentem, faetorem coeli et tenae" so loslosen von "et in unum Domin.um<br />
Jesum Christum per quem omnia fada sunt" Kannman<br />
vom Gerieht· spreehen, ohne dessen zu gedenken; der da kommeÍ1<br />
wird zu richten die Lebendigen und die' Toten Die naehsten sirid<br />
d i e H e i d é n : "Aber auch den anderen, die in Sehatten und" Bi1<br />
dern den unbekannten Gott suehen, ist dieser Gott nicht femê; de'r<br />
allen Leben und Atem und alles gibt und aIs Reiter aUe Menseheri<br />
heilmachen will." Aueh die Heiden künnen selia werden: "VIer namlic;n<br />
das Evangelium Christiund seine Kirche ohne Sehuld nieht ken6t;<br />
Gott aber aus ehrliehem Herzen sueht, seinen unter dem Ariruf dês<br />
Gevrissens erkannten \Villen unter dem Elnfluss der Gnade zu êrfüllen<br />
traehtet in der Tat, kann das ewige Heil erlangeri." AIs letzfe sihd<br />
zum VolkeGottes hingeordnet die Atheisten ; "Die gottlichEi)Vorsehurig<br />
verweigert auch denen das zum Heil Notwendige'nícht die OPITe<br />
Sehúld noeh nicht. zur ausdrück)iehenAnerkennung Gónes gekom~<br />
men.sind, jedoch, nichtohne dioEiHe der gottlii::hen Gnade;das reente
Nachdem Konzil 233<br />
Lebenzu erreiehen suchen. ·..Was sieh namlich an Gutem undW ahrem<br />
bei ihnen Ündet,vrird von der Kirehe aIs Vorbereitung für die<br />
Frohbotsehaft .und aIs Gabe dessen gesehé:i:tzt,der jeden Mensehen<br />
erle'mehtet, damit er sehliesslieh das Leben habe." Kann mandenn<br />
o h n e S eh ul d Gott nieht anerkennen, wenn, wie wir oben hórten,<br />
Gott aIs der Ursprung und das Ziel aIler Dinge mit dem natürlíchen<br />
Licht der Vemunftsicher erkannt werden kann Danngeht es weiter:<br />
"Vom Bosen geté:i:usehtwurden lreilich die Menschen,oft eitel in ihren<br />
Gedanken, vertausehten dieW ahrheit Gottes mit der Lüge und dienten<br />
der Schoplung mehr aIs dem Sehopfer oder sind, ohne Gott in<br />
dieser Welt lebend, der aussersten Verzweiflung ausgesetzt. Daher<br />
ist die Kirehe eifrig bestrebt, zur Ehre Gottes und zum Nutzendes<br />
Heils aIl dieser Menschen die Missionen zu fordem, eingedenk des<br />
Befehls des Herrn, der gesagt hat: 'Predigt das Evangelium der gan<br />
Zen Sehoplung' (Markus 16,16)."<br />
11.<br />
Das qrasse Konzil ist zu Ende. Der Dialog beginnt. 80 wollel).<br />
wir ihn mit eíner Frage beginnen. Wenn diéser leuehtende Optimis~<br />
mus in der Beurteilung der Mensehen die Grundlagesein s6ll für das<br />
grosse Werk der Einigung nícht nur der Kirche,sondern der ganzen<br />
Menscheitin .der heiligen katholisehen Kirche, wo muss dieses Un~<br />
ternehmenenden Was das Konzil hier sagt, entsprieht genau dem,<br />
was wir in der heutígenkatholisehen Theologie lesen, bei Henri de<br />
Lubae und bei Hans .Küng und sogar bei Karl Rahner. Sie alle,die<br />
Juden undMohammedaner, die religiosen Heiden und sogar die anc<br />
sté:i:ndigenAtheisten sind der Kirche ja so nahe. Man braueht, sie gar<br />
rÜcht:q:tehr ZU;T Busse zu rufen, manbraueht nur den Dialog mit ihnen<br />
zu fÜhren. Es gibt Hei! aueh ausserhalb der Kirche. Konnen Heiden,<br />
die niehts vom Evangelium wissen, selig werden Hans Küng erortert<br />
qiese Frage in einem volkstümliehen Büehlein "Damit die Welt glaube" .<br />
.früher, so sagt er, meinte man, Ungetaufte würden veTdammt werden.<br />
Darum haben Franz Xavier und die anderen Missionare seiner Zeit<br />
die unsagbaren Mühen der damaligen Missionsarbeit Quf sieh· genommen,<br />
um diese Seelen zu retten. Spé:i:tersei man weitherziger<br />
geworden und habe gesagt: Wir wissen über das Schicksal der Ungetauften<br />
niehts. Die Sehrift sagt uns darüber nichts. Inzwisehen aber<br />
hat sich unser Wissen über die Grosse der Mensehheit, die Lange<br />
der mensehlíehen Gesehiehte, die vergleiehsweise ganz
234 Nach dem Konzil<br />
Man vergleiche damít die Lehre des Trídentinums von der Erbsünde.<br />
Diese wird, unter dem Einfluss der Reformation, so emst genommen,<br />
dass das Konzil in der Fünften Sessio lehren kann, dass<br />
alie Kinder Adams verloren sind, wenn nicht das Verdienst Christi<br />
sie reUel. Wie kommt aber diese Gnade zu uns Die Antwort lautet:<br />
per baptismum in forma ecclesiae rite collatum, durch die in der<br />
Fom der Kirche richtig vollzogene Taule. Vergleicht man damit die<br />
optimistische Beurteilung des Menschen im Ersten und Zweiten Vatikanum,<br />
dann kann man nur mit Schrecken feststellen, wie gering das<br />
Verstandnis der Sünde im modernen Katholizismus geworden ist.<br />
Man versteht nicht mehr die Sünde des jüdischen Volke3, das den<br />
Messias verwarL Man versteht nicht mehr die Sünde des Islam, der<br />
den Vülkern des Morgenlandes den Sünderheiland nahm. Man versteht<br />
nicht mehr die Sünde des Heidentums, die Sünde der Gottesleugnung<br />
im modernen Atheismus. Man versteht nicht mehr den Emst<br />
des Ersten Gebots. Und darum merkt man nicht das Heidentum, das<br />
in die Kirche v,ieder eingedrungen ist. Und man begreift nicht, dass<br />
jede Erneuerung der Kirche mil der Busse beginnen muss. Es gehor!<br />
zu dem Hoffnungsvollen an der Katholischen Kirche, wie sie auf dem<br />
Konzil in Erscheinung getreten ist, dass immer wieder der Ruf erklang:<br />
Auch wir müssen Busse tun. Dass man Unrecht eingestand. Das.,<br />
manches kraftige Wort gegen den Triumphalismus gesagt wurde, der<br />
immer die grosse Versuchung ciner grossen Kirche ist. Abar was<br />
noch fehlt, ist die g r os s e Busse der Kirche, ohne die es keineechte<br />
Reformation gibt. Das gilt von allen Kírchen, auch der unseren.<br />
Der Dialog hai begonnen und wird das Thema der kommenden<br />
Jahrzehnte sein. Es wird der Dialog sein zwischen getrennten Brüdern.<br />
In der Spannung zv,ischen dem Getrenntsein und der Bruderscha!t<br />
liegt das Geheimnis echter okumenischer Arbeit. In dieser Spannung<br />
haben wir unser Werk zu tun, jeder auf den anderen angewiesen, jeder<br />
des getrennten Bruders Hüter. Es kann uns Lutheranern nicht<br />
gleichgültig sein, was aus der Romischen Kírche wird. Es kann unseren<br />
getrennten katholischen Brüdern nicht gleichgültig sein, V-las<br />
crus der Lutherischen Kirche v,ird. Und so stehi es mit unserem Verhaltnis<br />
zu den Orthodoxen Kirchen des Ostens, die ja nun auch in<br />
unseren Landern leben. In diesem Sinne führen wir den Dialog. Die<br />
Antwort aber gibt der Herr.
Livros 235<br />
LIVROS<br />
w. Arndt: Dificuldades Bíblica.", tradução: Nestor Beck - Casa Publicadora<br />
Concórdia S. A. - Sulfite. 113 páginas. Cr$ 2. 000.<br />
A tradução dêste livrinho do DI'. W. ArnClt, antigo professor CIoSeminário<br />
Concórdia:de St. Louis, América do Norte, profundo conhecedor do grego<br />
do Nóvo Testamento e co-tradutor CIovolumoso dicionário grego de Bauer, é<br />
uma obra muito oportuna. Como nunca antes, a Bíblia está senCloatacada<br />
de todos os lados. Uns, até como líderes nas suas igrejas, alegam que há muF<br />
ta divergência entre os relatórios dos evangelistas Mateus, Marcos e Lucas,<br />
e que por isso ninguém poderia saber com certeza o que aconteceu Clurante a<br />
vida de Jesus na terra, que vida levava, que milagres operava e que pregações<br />
proferia.. Outros negam abertamente que Cristo tenha nascido duma virgem,<br />
porque a.s leis da natureza ensinam que virgens não dão à luz um filho. Ainda<br />
outros pensam que na história da ressurreição do nosso Salvador há muitas<br />
contradições e que por isso seria licito rejeitar a idéia do sepulcro vazio<br />
de Jesus.<br />
No Antigo Testamento os primeiros onze capítulos CIoGênesis, trechos<br />
do livro do :Éxodoe dos Juizes, os livros de Jó e Jonas são objeto da critica<br />
moderna. Afirmam que o livro da natureza, que não mente, contradiz muitas<br />
afirmações da história bíblica da criação do mundo, que a existência d~<br />
Adão e Eva é duvidosa, que muitos dados são exagerados e inexatos no livro<br />
dos Juizes, que Jó e Jonas não precisam ser pessoas históricas. Inventam-se<br />
nomes bonitos. Chamam, por exemplo, os dois últimos livros mencionaClosuma<br />
«na.l'1.'açãodidática>.'que, necessàriamente, não relata fatos históricos. Perguntam:<br />
Que diferença faz, se êstes livros não são classificados como l'clatos<br />
de fatos históricos, e, sim, como parábolas. A lição seria a mesma.<br />
EITl face desta situação geral afirmamos com tõda a nossa convieção<br />
pessoal que, se alguém nega um fato contado nas Escrituras Sagradas, e põe<br />
em dúvida todos os outros; se alguém não acredita na existência de Jó, não<br />
aceita como verídico o fato que êste santo dos tempos antigos realmente perdeu<br />
os filhos, todos os bens, a sua saúde e a compreensão da própria espõsa e que<br />
êle .discutiu com seus amigos, cujos nomes são mencionados, sôbre o porquê<br />
do sofrimento humano; se alguém acha que Jonas nunca pregou na cidade<br />
de Nlnive e que nunca teve lugar o arrependimento dos habitantes desta grande<br />
cidade, fatos narrados com tanta singeleza e claridade, como pode semelhante<br />
pessoa consolar-se nas angústias de sua alma com a satisfação vicária<br />
de Cristo através de sua paixão e morte A minha fé se baseia em fatos; se<br />
alguém derruba êstes fatos, destrói a fé e torna impossível a confiança na<br />
obra redentora de Jesus.<br />
Em vista destas atitudes, que reinam nas mais diversas igrejas, cano<br />
vénl, mais que isto, é absolutamente necessário reafirmar certos princípios de<br />
interpretação que se baseiam nas Escrituras Sagradas. Isto faz, de maneira<br />
maravilhosa, o livro do DI'. Arndt. Citemos algumas regras da interpretação<br />
biblica:<br />
1. Na Biblia não consta qualquer êrro, qualquer contraClição. Afirmamos<br />
isso, porque tôda Escritura foi inspirada por Deus (2 Tm 3.16). O Espírito<br />
Santo falou por intermédio dos santos escritores (Mt 4.14; At 4.25<br />
e outros). A Escritura não pode falhar numa Única palavra (Jo 10.35),<br />
nem no singular nem plural dum substantivo (Gl 3. 16).<br />
2. Contradições aparentes podem ser resolvidas por exegese sadia, e sendo,<br />
ao nosso ver, impossível a harmonizaçào de certas passagenfi, o crente<br />
terá paciência e esperará tranqüilamente a sua transferêneia para as<br />
.. ~V;:t'}:sõe$celestiais, or:de tudo lhe será clr.... rissimo C01l10 a luz meridiana~
236 Livros<br />
3. A Escritura interpreta a Escritura, o que quer dizer que ninguém tem<br />
o direito de interpretar qualquer palavra, frase e oração de maneira<br />
simbólica ou figurada, a não ser que a própria Biblia exija tal explicação.<br />
4. Passagens obscuras, que existem; devem ser .interpretadas à' hiz dás passagens<br />
claras. E é bom lembrar que o Antigo Testamento brilha rio'Nôvó<br />
Testamento.<br />
, ...<br />
Somos gratos ao colegá. Nestor Bec]{ pela tradução clara e fluente, e<br />
pedimos a Deus que abençoe ricamente esta obra, para que os leitores sejam<br />
inspirados .com nova reverência diante da Palavra de Deus e tenham)'irmada<br />
a sua fé e confiança na auto~'idá.dedivina das Escritur)ls SagradaS.<br />
Paul<br />
'W. S
índice<br />
237<br />
íNDICE<br />
pág.<br />
o dilema Herm
Livros a u xiIia r e sp ar a<br />
DEV.OÇÕES<br />
Para a família<br />
• Weggeleit zur Ewigkeit, H. Rottmann<br />
• Livro de devoções diárias, escrito pelo<br />
rev. L. HEIMANN especialmente<br />
para as devoções da família.<br />
• Devoções Concórdia, folhinha.<br />
Para os jovens<br />
• Luz para o teu· caminho, encadernado<br />
e bI'üChura..<br />
• Para a jornada<br />
• Pequeno Tesouro de orações<br />
Para as crianças<br />
• Grande livro das Narrações Biblicas<br />
• Horinhas com· Deus<br />
• A Biblia para crianças<br />
---<br />
ENC01\IENDAS<br />
Casa Publicadora<br />
Concórdia S.A.<br />
RUA SilO PEDRO N' 689 - CAIXA POSTAL, 916<br />
PôRTO ALEGRE - RIO GRANDE DO SUL