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IGREJA LUTERANA<br />

REVISTA TEOLóGICA<br />

da Igreja Evangélica Luterana do Brasil<br />

(trimestral)<br />

Autorizada a circular por despacho doD. I. p. - Proc. 9.651-40<br />

Redatores: Prof. Dr. H. Rottmann Editôra: Casa Publicadora Concórdia S.LL<br />

Prof. ])lário L. Rehfeldt Tiragem: 350<br />

ANO XXVII PÔRTO ALEGRE 1966<br />

o DILEl\'IA<br />

HERMENÊUTICO:<br />

O Dualismo na Interpretação<br />

da Escritura Sagrada<br />

]UARTIN H. FRANZMANN<br />

trad.<br />

INTRODUÇÃO<br />

ARN ALDO SCHtJ"LER<br />

A Igreja Luterana-Sínodo de Missúridevera ter interêsse<br />

especial por questões hermenêuticas. Seguramente<br />

é grande dádiva de Deus à nossa igreja o fato dea<br />

autoridade da Escritura ainda constituir para nós duto~<br />

Í'idâde incontestada, o fato de em todo debate teológico<br />

que se fira em nosso meio se poder pressupor que todos<br />

os' participantes são os "humildes leitores" dos quais fala<br />

Lutero, que cada qual "treme diante da palávra de Deus<br />

e sempre clamá: Ensina-me! ensina-mel" Dentre todos<br />

os organismos eclesiásticos, talvez sejamos, pela graçá de<br />

Deus, o menos corroído pelos "ácidos da modernidade",<br />

o mais ingênuo em nosso santo temor da Escriturá. Não<br />

precisamos pedir desculpas por causa dessa candura. A<br />

promessa feita por Cristo às crianças também vale para<br />

o intérprete das Escrituras; quem recebe a palavra do<br />

reino "como criança", herdará o reino. E peçamos a Deus<br />

não permita venhamos a perder o sentimento de temor<br />

e tremor diante de sua palavra. Um mordomar responsável<br />

dêsses dons inclui, todavia, que não nos deixemos<br />

levar por essa ingenuidade a ultra-simplificar o problema<br />

hermenêutico, nem permitamos que nosso santo temor degenere<br />

num excessivamente humano pavor pânico que se<br />

recuse a encarar genuínos problemas hermenêuticos.<br />

A hermenêutica tem uma história longa, e em nossos<br />

tempos o debate hermenêutico é excessivamente volumo-


140 o dilema hél'menéutieo<br />

30, variado, e, por ora, inconcluso. Ê característico e sig~<br />

nificativo que nos últimos anos apareceram muito pouca.s<br />

obras abrangentes no setor da hermenêutica. Das que<br />

vieram a lume a de Kurt Fror 1 talvez seja a que melhor<br />

base oferece para uma discussão hermenêutica em nossa<br />

igreja hoje. Mostra grande familiaridade com os debates<br />

e a literatura hermenêutica corrente. Teologicamente, ocupa<br />

posição média: não está tão longe das nossas preocupações<br />

de luteranos conservadores como a Hermeneutik<br />

de E. Fuchs 2, por exemplo. E, acima de tudo, éprática<br />

em Seus desígnios. Isto a aproxima de nós,quenão<br />

vemos a teologia em primeiro lugar como disciplina erudita,<br />

como Wissenschaft, mas como habitus practicus. O<br />

subtítulo do livro indica que êle se ocupa com os nossos<br />

interêsses: Zur Schriftauslegung in Predigt und Unterricht<br />

No prefácio Fror cita com aprovação o dito de G. Ebeling<br />

de que o problema hermenêutico experimenta sua "concentração<br />

extrema" no ato da pregação (pág. 5), e continua:<br />

nA consideração de problemas hermenêuticos deve<br />

ser levada até o ponto em que o ouvinte é realmente confrontado,<br />

na pregação, na instrução catequética, e na instrução<br />

bíbiica. Esta confrontação ou encontro ocorre, em<br />

sua forma primária, e de um modo que o torna paradigma<br />

para todos os demais encontros na congregação reunida que<br />

ouve a palavra do Cristo ressurreto e a êle se dirige.co~<br />

mo ao Senhor presente e retomunte da Igreja. A hermenêutica<br />

teológica não pode ignorar esta situação, dada e<br />

básica, da interpretação da Escritura, em qualquer ponto<br />

de seu pensamento teorético ou em qualquer estágio de<br />

sua aplicação prática" (pág. 5) 3. Concordemos ou não<br />

com êsse pensamento hermenêutico e com os principias<br />

hermenêuticos dêle resultuntes, o fato é que Frar está fazendo<br />

a nossa pergunta hermenêutica. E um diálogo com<br />

êle promete ser de proveito.<br />

Onde começará o diálogo Depois de um capitulo<br />

introdutório, no qual desenvolve a idéia expressa no prefácio<br />

e segundo a qual o Sitz im Leben primário e próprio<br />

da interpretação bíblica é a igreja em assem:!;>léia<br />

(páginas 11-19), Frar esboça a história da interpretação<br />

bíblica (páginas 20-46). No terceiro capítulo discute oito<br />

questões básicas da hermenêutica bíblica: 1. o método<br />

histórico; 2. a questão da exegese sem pressupostos; 3.<br />

L Kurt Fror, Biblische Hermeneutik (Munique, Chr, Kaiser Ver<br />

larg, 1961).<br />

2. Ernst FllChs, Hermeneutik (Bad Cannstátt, R. MUllerschõn<br />

Verlag, 1954) .<br />

3. Cf. também ó primeiro capitulo de 'F"eür: "Was heisst theologisehe<br />

Schriftauslegung " ....:.. págirtas11"líL


o dilema hermenêutico<br />

141<br />

Vorverstandnis (précentendimento); 4. o círculo hermenêutico;<br />

5, o dualismo na interpretaç-ão bíblica; 6. interpretação<br />

como encontro entendedor cOm o texto; 7. o câno,.<br />

ne como contexto; 8. o prestar ouvidos à história da interpretação.<br />

É digno de nota o fato de que dessas· oito<br />

questões básicas duas' versam a questão da história da<br />

interpretação, a saber, a primeira (o método histórico) e<br />

a quinta (o dualismo na interpretação bíblica). E em tô.:.<br />

das as secções subseqüentes da obra de Fror o problema<br />

da história tem a correspondente proeminência. Limitarnoscemos,<br />

por isso, a essa questão no presente ensaio.<br />

I -- O PROBLEMA DO HISTORICISl\fO<br />

Conforme mostra seu esbôço da história da interpre·<br />

ta


142 o dilema hermenêutico<br />

ção da ênfase reformatória no sensus literalis sive historicus.<br />

"O método histórico inquire hoje quanto aêsse sen~<br />

tido literal e histórico dos textos. Só que emprega, aofazé-Io,<br />

as técnicas de uma ciência da história plenamente<br />

desenvolvida. Para nós, em nosso lugar na história da<br />

cultura, é o meio mais seguro de que dispomos para resguardar<br />

os textos contra interpretações arbitrárias, ouvin~<br />

do-os, destarte, como a Reforma queria ouvi-Ias" (páginas<br />

48 e 49). Os textos bíblicos são testemunhos da atividade<br />

criadora de· Deus na história. "t:stesatos são, como<br />

ocorrências históricas (in ihrer Vorfindlichkeit) ,história<br />

inteiramente humana e terrena, não discerníveis como atos<br />

de Deus por qualquer critério exterior. São, por isso, objeto<br />

legítimo de investigação histórica crítica, que procura<br />

determinar "o que realmente aconteceu". O método histórico<br />

não deve ser aplicado com relutância ou comreservas,<br />

senão que livremente. Devemos "reconhecer seu<br />

significado eminentemente positivo para aiarefa da inter~<br />

pretação e usá-Io devidamente" (pág. 49).<br />

"Usá-Io corretamente" ~ êsteé o problema. Frarreconhece<br />

o problema e a êle volta na secção intítulada "O<br />

Dualismo da Interpretação Bíblica" (páginas 56 a 60). O<br />

"dualismo" aí referido está na frincha que existe entre a<br />

inteligência histórica do texto e uma inteligência e apro'­<br />

priação genulnamente teológica, ou religiosa. "Onde a<br />

exegese assume os métodos da história científica geral e<br />

trata os textos bíblicos como documentos históricos, a interpretação,<br />

ao parecer, deve tornar-se, inevitàvelmente e<br />

por princípio, operação em dois níveis. Encontramos êsse<br />

modo de operação onde intérpretes primeiro trabalham de<br />

modo puramente histórico e em seguida tentam ultrapassar<br />

uma abordagem puramente histórica através de<br />

segunda investigação (desta feita teológica) dos textos"<br />

(pág. 56). Frar rejeita as tentativas pretéritas de uma<br />

"exegese pneumática" ou "supra-histórica", concedendo,<br />

entretanto, que "apontam c:laramente para uma dificuldade<br />

criada pela metodologia histórico-crítica e ainda não resolvida"<br />

(pág. 57). Em sua opinião, também a exegese<br />

existencial de Bultmann não logra superar o dualismo criado<br />

pela abordagem histórico-crítica com seuS pressupostos<br />

positivistas.<br />

A solução que Frar aventa para o problema começa<br />

pelo reconhecimento do fato de que no conhecimento e<br />

entendimento científicos há notório consenso no sentido de<br />

que "os métodos da investigação histórico-crítica são indispensáveis.<br />

Apenas acontece que êsses métodos têm a­<br />

gora, na escala de valores, lugar diverso do que tinham<br />

nos dias do positivismo" (pág. 58). Isto é, no entendimen-


o àiiema<br />

hermenêutico<br />

143<br />

to hodierno da história a observação dos fenômenos de<br />

uma tradição histórica não é separada, como se fôsse operação<br />

distinta, do encontro existencial, simpático, com a<br />

tradição. lÜ-:tes, as duas operações realizam-se simultâneamente<br />

Fror cita com aprovação a O. F. Bollnow: "De<br />

modo r:e::Ú"mmexiste aqui um antes ou depois, senão que<br />

apenas t:m Miteinander no processo concreto do entendirr:e,,:c:rpreciativo"<br />

(pág. 59). Aplicado à interpretação<br />

ci·::Escritura, isto significa: "Não se pode explanar primei:-o<br />

todo o evento (bíblico) em têrmos de causa e efeito<br />

dentro da história e na base de analogia universal, para<br />

levantar, depois de terminada essa tarefa, a questão<br />

do operar criador de Deus na história. Nesse procedimento<br />

em dois níveis os resultados se entrechocariam ou se<br />

anuloriam mutuomente" (pág. 59). No entender de Frar<br />

o dualismo na interpretação da Bíblia só pode ser superado<br />

quando o trabalho histórico-crítico se estende a todo<br />

o processo hermenêutico: "A questão do sentido histórico<br />

de um texto não pode ser isolada do contexto total da<br />

'Escritura e do entendimento que da Escritura tem a igreja<br />

que ouve e confessa" (pág. 60),<br />

Frar colocou bem o problema, Uma separação estrita<br />

entre' a interpretação histórico-crítica de um lado e uma<br />

interpretação puramente teológica de outro, dá como resultado<br />

uma operação em dois níveis ou dois estágios,<br />

cujos resultados estão condenados a não se harmonizarem<br />

entre si ou então podem coexistir em uma mesma mente<br />

apenas numa espécie de tensão esquizofrênica. Por exemplo:<br />

o Paulo da epístola aos gálatas, quando visto de um<br />

modo "puramente histórico", seria figura bem diversa do<br />

Paulo visualizado como São Paulo, de um ponto de mira<br />

religioso, teológico, espedficamentecristão. O historiador<br />

objetivo (ainda que tente ser um observador simpático)<br />

bem poderia concluir que êsse brilhante gênio religioso do<br />

primeiro século, que de algum modo fôra convertido do<br />

judaísmo estritamente farisaico ao cristianismo, é (malgrado<br />

seu fervor genul.namente religioso, seu zêlo religioso<br />

consumidor e o amor ardente por seus convertidos) um<br />

caráter desequilibrado, um homem altamente subjetivo, incapaz<br />

de visão equilibrada e ecumênica de diferenças<br />

religiosas, muito agitado, um polemista desleal, despido de<br />

sentimento para com os interêsses justificados de seus o­<br />

ponentes, não acima da fraqueza de empregar exegese<br />

rabínica forçada e inconvincente para alcançar seu objetivo,<br />

indisciplinado na invecíiva, brutal em seu anátema .<br />

O historiador objetivo está obrigado a considerar tôda prova<br />

e dará o devido valor à opinião dos oponentes de Paulo<br />

tal como se reflete na carta. Já que Paulo, não seus


O· dilema hermenêutico<br />

oponentes, deixou o registro, é provável que o historiador<br />

estará inclinado, lealmente, a conceder aos oponentes ao<br />

menos pêso igual ao do auto-testemunho de Paulo. E assim<br />

surge o dilema do dualismo: haverá alguma via que<br />

leva desta figura histórica ao "apóstolo, não da parte de<br />

homens, nem por intermédio de homem algum, mas por<br />

Jesus Cristo, e por Deus Pai", o apóstolo no qual Cristo<br />

fala, cuja palavra é a palavra de Deus<br />

A solução que Fror oferece para o problema do dualismo<br />

certamente é um movimento na direção acertada,<br />

e é boa até o ponto a que vai. Mas quando se inspeciona<br />

sua obra, justifica-se a pergunta: encarou êle inteiramente<br />

a questão envolvida e sua resposta é suficientemente<br />

radical para poder ser considerada resposta real Indicou<br />

êle, de maneira suficiente, como opera, precisamente, o<br />

processo histórico-crítico Conseguiu êle realmente trazer<br />

o "senso histórico" a seu lugar apropriado dentro do contexto<br />

total da Escritura e a uma relação harmoniosa com<br />

o entendimento que da Escritura tem a igreja que ouve e<br />

confessa<br />

A concepção de Fror quanto à maneira em que o trabalho<br />

histórico-crítico deve ser integrado no todo do processo<br />

hermenêutico fica bem ilustrada com. sua discussão<br />

sôbre saga e legenda nos relatos bíblicos (pág. 81): Segundo<br />

uma lei da história, a saga e a lenda se apoderam<br />

de eventos e figuras que são objeto de especial veneraçãoo<br />

A tradição procura tornar manifesta a operação d0<br />

podêres divinos e verificar, ou atestar, seus efeitos graciosos.<br />

Por isso está necessàriamente sujeita à lei dasô.<br />

bre-exaltação, do encarecimento e da proliferação. Isto<br />

por sua vez provoca um processo de peneiramento e poda.<br />

Mas apenas o criticismo histórico ataca metàdicamente a<br />

tarefa de pôr a descoberto o "núcleo histórico" escondido<br />

na tradição. :t:sse procedimento constitui, todavia, a última<br />

fase da história oda tradição. Também as tradições bíblicas<br />

estão sujeitas a êsse processo regular e recorrente.<br />

É esta uma das partes de seu caráter humano e de sua<br />

historicidade, e apenas um terrível mal-entendimento positivístico<br />

da "credibilidade" da Bíblia julga necessário negar<br />

isso em razão da fé, Seria altamente inatural se pre.<br />

cisamente aquêles eventos que formam o alicerce da tra~<br />

dição bíblica, não tivessem dado origem a êsse processo<br />

de adôrno e encarecimento. Que se pudessem tecer nar.<br />

rativas lendárias em tôrno da figura de Jesus é parte de<br />

sua humanidade terrena, narrativas destinadas a exaltar<br />

e louvá-lo com os meios que a igreja crente tinha a sua<br />

disposição.


o dilema hermenêutico<br />

145<br />

Antes de entrar no debate sôbre as implicaçõesteológicas'<br />

de semelhante declaração, é bom ilustrar as repercussões<br />

práticas do princípio. A maneira como Frar<br />

trata da interpretação das narrativas sôbre a infância de<br />

Jesus constitui bom exemplo (páginas 278 a 286). É o que<br />

se esperaria se a "lei da história" afirmada por Frar devesse<br />

ser aplicada de modo consistente. Vê êle, corretamente,<br />

que estas estórias da infância de Jesus estão dominadas<br />

por dois motivos: a expectativa do cumprimento veterotestamentário<br />

e o fato de que estas estórias também formam<br />

parte da proclamação pós-pascoal do Senhor crucificado,<br />

ressuscitado e exaltado de tôda a criação. "A luz<br />

da declarada intenção escatológica dessa proclamação deve<br />

entender-se a historização do a-histórico que é peculiar<br />

a essas narrativas. O. credo escatológico da igreja<br />

formou e expandiu ativamente a tradição e lhe impôs traços<br />

legendários" (página 279). Se a "lei da história" (que<br />

pessoas e eventos·, venerados estão sujeitos à exposição<br />

lendária) é válida para tôda pessoa e evento venerado, éste<br />

seria o caminho para considerar e avaliar as narrativas<br />

da infância de Jesus. Frar cita com aprovação (pág. 282)<br />

uma palavra de Kdsemann que estende essa avaliação a<br />

todo o evangelho segundo Mateus: "Tôda a história de<br />

Jesus oferecida pelo primeiro evangelista não só é vista<br />

do ponto de mira da escatologia; também foi configurada<br />

por ela. Isso tomou possível o fato de que, a real história<br />

de Jesus fôsse entrelaçado com material da tradição, material<br />

que deve ser designado como sendo, em si mesmo,<br />

a-histórico, lendário, mítico." É de notar que Frar concede<br />

ter o autor do evangelho considerado essas tradições como<br />

sendo históricas (página 282). A "lei da história" o<br />

leva a interpretar contra a intenção do evangelista.<br />

Efeito ainda mais vasto da operação de uma "lei da<br />

história" se vê na secção de Frar sôbre Überlieferungsgeschichte<br />

und Vergegenwartigung (páginas 243 o 253).<br />

Diz éle que por trás dos documentos neotestamentários há<br />

uma longa e complicada tradição, e acrescenta que, só<br />

tratando essa história da tradição e reconstruindo a única<br />

e irrepetível situação da igreja em que determinado<br />

texto (ou algum elemento anterior déle) foi pela primeira<br />

vez produzido, está o pregador habilitado a proclamá··<br />

10 hoje à igreja de maneira relevante. Em outras palavras:<br />

estudo ou investigação crítico-formal, de história da<br />

tradição e de história da redação de um texto, é indispensável<br />

caso se queira pregar apropriadamente sôbre o texto<br />

hoje (página 243). Agora, a "lei" que opera em cada<br />

estrato do processo da tradição pode ser formulada como<br />

segue: "Atualização - reinterpretação - variação" (pá-


146 o dilema hermenêutico<br />

gina 245). Isto é, tôda vez que uma palavra, uma parábola<br />

ou um milagre de Jesus era proclamado à igreja pri~<br />

mitiva, reinterpretava-se a coisa à luz das necessidades e<br />

dos problemas de então, e se mudava ou reformulava a<br />

coisa para ir ao encontro dessas necessidades. Na verdade,<br />

o processo de atualização foi tão longe, ao ponto<br />

de palavras de profetas cristãos haverem sido atribuídas<br />

ao Jesus histórico (página 245).<br />

A tarefa do pregador inclui necessàriamente a Sachkritik,<br />

crítica da substância da mensagem neotestamentária<br />

tal como está diante de nós por escrito. Pois, de acôrdo<br />

com o estudo histórico do Nôvo Testamento, estas variações<br />

na atualização da tradição não se complementam meramente;<br />

contradizem-se. O pregador exegeta deve determinar<br />

então, à base do contexto total do cânone neotestamentário,<br />

"se uma proclamação feita para essa ou aquela<br />

situação concreta realmente se desincumbiu de maneira<br />

adequada de sua obrigação, ou se essa proclamação<br />

desfigurou, torceu, abreviou ou enfraqueceu" a substância<br />

da tradição - (página 251). Isto, sem dúvida, toma<br />

mais difícil a tarefa do pregador. tle não mais tem que<br />

haver-se apenas com determinado texto, mas também com<br />

a história do texto. Por outro lado, isso tem um efeito "libertador"<br />

sôbre o pregador, pois agora o texto não mais<br />

o prende de maneira "legalística", e o pregador tem a<br />

mesma "liberdade para variação" que o autor do texto<br />

reivindicou para si (página 253).<br />

Fror adverte dos perigos que cercam o pregador e<br />

urge com o pregador para que se submeta à "disciplina<br />

do Espírito" ao exercer esta liberdade "carismática". Diz<br />

êle: "A liberdade de variar só pode ser fecunda quando<br />

exercida com obediência, autodisciplina e responsabilidade<br />

(página 253). E Fror muitas vêzes evidencia em seu<br />

livro que tem o propósito de obedecer a suas próprias admoestações.<br />

Seu tratamento dos milagres de Jesus, por<br />

exemplo (páginas 318 a 331), não faz concessões à "mentalidade<br />

moderna", contém profundas introvisões teológicas<br />

e dá sadias advertências e sugestões ao pregador. Aqui,<br />

a "lei da fatura de lendas" recebe escassa atenção (páginas<br />

319 e 329).<br />

Fror é relativamente conservador na aplicação de seus<br />

princípios histórico-críticos. Mas não há razão para que<br />

o seja. Um princípio, ou método, não deve ser aplicado<br />

da maneira "conservadora" ou "radical" - deverá simplesmente<br />

ser aplicado de maneira consistente. Por isso,<br />

os que trabalham com o método de maneira mais "radical"<br />

sempre podem repreender aos mais "conservadores"<br />

de incoerência. Razão por que não é deslealdade. citar


o dílema hermenêutico<br />

147<br />

exemplos de um uso mais "radical" do método a fim de<br />

ilustrar sua tendência e suas conseqüências,<br />

Assim, Ernst Lohmeyer, em seu comentário sôbre a<br />

cura do paralítico (Marcos 2.1-12)·, emprega metodologia<br />

muito semelhante à recomEmdada por Fror e é levado<br />

a negar que a secção central (Jesus pronunciando o perdão<br />

e discutindo com os escribas, versículos 5 a 10) seja<br />

parte da tradição original. E vai além, negando a historicidade<br />

do incidente: a igreja primitiva pôs nos lábios<br />

de Jesus essas palovras que marcam sua presença na Terro<br />

como sendo a presença de Deus:<br />

Quem perdoa tódas as tuas iniqüidades;<br />

quem sara tódas as tuas enfermidades (Salmo 103, 3) .<br />

A gente se dá conta do impacto total da metodologia<br />

histórico-crítica quando se vê seu resultado compendiado<br />

no artigo "Jesus Cristo", de F. C. Grant, na obra<br />

The Interpreter's Dictionary oi the Bible". Para citar alguns<br />

exemplos: Grant é de opinião que a norrativa sóbre<br />

a infância de Jesus que se encontra em Mateus 1 a<br />

2 "é muito menos inspiradora que a de Lucas; assemelha-se<br />

às estórias iantasiosos mas pedantes que se encontram<br />

na midrash judaica posterior, as quais, via de regra,<br />

começavam com um texto ou textos, e então "recriavam<br />

a cena" através de livre vôo da fantasia, fabricando muitas<br />

vêzes eventos históricos para corresponder às necessidades<br />

do exegeta ou do pregador. Isaías 7, 14 é interpretado<br />

agora como predição do noscimento de Jesus,<br />

embora não se encontre nenhuma sugestão da idéia (do<br />

nascimento virgem) em qualquer outra parte do 'Nóvo Testamento."<br />

(página 880).<br />

Quanto à tentação de Jesus, diz Grant: "No que diz<br />

respeito à forma, talvez seja uma meditação sôbre a história<br />

deuteronômica da nação.,. antes que uma narrativa<br />

autobiográfica dos próprios lábios de Jesus. Fica mais<br />

uma vez claro que as fontes dos evangelhos incluíam o<br />

Antigo Testamento, o qual, com respeito à vida de Jesus,<br />

era considerado de autenticidade e autoridade iaual à das<br />

tradições da igreja,. A narrativa da tentaçã; nos fornece<br />

um conhecimento íntimo de uma visão amplamente<br />

difundida entre o cristianismo primitivo quanto a Jesus,<br />

sua natureza, sua missão e seu feito," (página 881). Mais<br />

Cldiante Grant acentua, contudo, que "a narrativa da tentação<br />

é tão fiel ao caráter todo de Jesus, conforme o pin-<br />

4. Ernst F. Lohmeyer, Das Evangelium des Markus (Gotinga,<br />

Vandenhoeck & Ruprecht, 1937), páginas 50 e 54~<br />

5. GeorgeArthur Buttrick, editor, The Interpreter's Dictionary<br />

oi the Bible (Nashville, Abingdon Press, 1962), rI, 869-896.


148 o dilema hermenêutico<br />

tam os evangelhos, que fornece a chave para o início de<br />

seu ministério" (página 891).<br />

A declaração beatíhcadara sôbre o Pedro confessor<br />

de Cesaréia de Filipo é tratada como segue: "A bênção<br />

pronunciada sôbre Pedro, em Mateus 16.17-19, que implica,<br />

da parte de Jesus, plena consciência e propó~ito "m:-essiânicos"<br />

, é reconhecida hoje, em largos círculos, como<br />

piedosa teorização ou fantasia no interêsseda suprema<br />

autoridade de Pedra como o intérprete cristão da lei e o<br />

expositor do dever cristão .. ' A antiga igreja da Palestina<br />

ou de Antioquia, onde Pedro se poderia ter tornado o primeiro<br />

papa, não o tivesse reclamado Roma." (página 892).<br />

De acôrdo com Grant, o Jesus dos sinóticos "não faz<br />

de si mesmo o centro de seu ensino, nem exige submissão<br />

ou lealdade a êle como condição de ser admitido no reino<br />

de Deus (os ditos que tratam de lealdade em caso de<br />

perseguição, mesmo de perseguição até c[ morte, àbviamente<br />

refletem as condições da igrejo: primitivo:, que se<br />

defrontava com o: ameaço: de extermínio, ou por parte da<br />

s.inagoga judaica, ou do Estado Romano, ou da parte de<br />

ambos" (página 892). De acôrdo com isso, lJma grande<br />

declaração cristológica como a de Mateus 11.25-27 muito<br />

provàvelmente se originou "de meclitações e devoções do<br />

cristianismo primitivo, da mesma forma como grande parte<br />

do material (igualmente poético) dos discursos do quarto<br />

evangelho." (página 892).<br />

Grant classifica o Jesus histórico como profeta (página<br />

893), mas parece não lhe. reconhecer nem ao menos<br />

introvisão profético: quanto ao futuro: "A opinião de que<br />

primeiro o evangelho deve ser pregado a tôdas as nações<br />

(Marcos 13.10; 14 9) e que depois disso virá o fim (Mateus<br />

24. 14), seguramente é opinião posterior. Confronte-se<br />

com essa opinião a idéia de I Carínhos 15 24, que não<br />

enfatiza a pregação." (página 885).<br />

Sôbre as palavras de Jesus aos doze, em Mateus 10.5<br />

(sua ordem no sentido de que não fôssem aos samaritanos<br />

ou aos gentios), Grant afirma que isso "agora é interpretado<br />

como refletindo os pontos de vista da ala ultradireitista<br />

dos cristãos judeus .. , antes que os próprios<br />

princípios de Cristo" (página 885). A história do amaldiçoamento<br />

da figueira, no registro que dêle faz Mateus,<br />

"torna-se uma lição em matéria de maldição exitosa!" e<br />

"êsse quadro de um profeta ou varão santo desapontado,<br />

ressentido e vingativo não é digno de Jesus, e conflita com<br />

a representação que usualmente se faz dêle nos evangelhos"<br />

(página 890). As predições de Jesus sôbre sua Paixão<br />

"são retroprojetadas, por Marcos, para o ministério galileu,<br />

presumivelmente no intuito de mostrar que Jesus não


o diletrrahennenêutico<br />

149<br />

foi pegado de surprésa em Jerusalém e que já sabia de<br />

antemão o que estava fazendo (I=


150 o dilema hermenêutico<br />

cláusulas, como metodologia, sem por ora questionar seus<br />

pressupostos. Por exemplo: deriva-se a "lei" da feitura de<br />

lendas da observação dos próprios textos bíblicos ou é<br />

ela importada para dentro do domínio bíblico de alguma<br />

outra parte Onde estamos em posição de poder observar<br />

a feitura de lendas em processo, verificamos que os<br />

escritores do Nôvo Testamento são severamente intolerantes<br />

com essa feitura. A cristologia docetista introduzida<br />

nas congregações da Ásia Menor (por Cerinto) é uma<br />

espécie de embelezamento lendário da história de· Jesus<br />

de Nazaré. A primeira epístola de João se opãeaisso reafirmando<br />

o fato evangélico original e básico de Jesus como<br />

o Cristo que veio na carne, visível, audível e palpàvelmente,<br />

e ferreteando a "lenda" como produto do espírito<br />

do Anticristo. O clima da igreja primitiva não parece<br />

ter sido favorável ao crescimento exuberante de lendas.<br />

E qual a situação com respeito à "lei" da recorrente<br />

atualização - reinterpretação - variação da proclamação<br />

do evangelho A gente se espanta ao ver a segurança<br />

com que eruditos fazem distinções e juízos respeito aos<br />

vários "estratos" das tradições encerradas nos evangelhos<br />

escritos. O leitor não iniciado dificilmente adivinhará quan~<br />

ta coisa nesses estudos está na dependência de conjetura,<br />

reconstrução ehipótesesi com todos os perigos de julgamento<br />

subjetivo e interpretação errônea involuntária dos<br />

dados que assistem a essas tentativas no sentido de penetrarnos<br />

bastidores do evan.gelho à cata de formas literárias<br />

ou tradições não literárias de época anterior. O<br />

solo sob os pés da erudição não é tão firme aqui como<br />

talvez se poderia supor, e o consenso entre os eruditos de<br />

forma nenhuma é tão grande como F. C. Grant (com muitas<br />

outras exposições populares) sugere. Mas à margem<br />

disso, qual a evidência do próprio Nôvo Testamento em<br />

casos onde podemos realmente observar o processo I Coríntios<br />

15 é um caso dêsses. Aqui Paulo se sente obrigado<br />

a "atualizar" de nôvo o evangelho à vista do fato de<br />

que em Corinto havia "alguns" que negavam a ressurreição<br />

dos mortos. De que maneira Paulo "atualiza" o evangelho<br />

Acaso o reinterpreta e modifica Não parece. Leva<br />

seus leitores de volta ao catecismo menor de Corinto: "Irmãos,<br />

venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o<br />

qual recebestes e no qual ainda perseverais; por êle também<br />

sais salvos, se retiverdes a palavra tal como vo-la<br />

preguei (I Coríntios 15.1,2). Repete, nos têrmos mais simples,<br />

os fatos básicos do evangelho (I Coríntios 15.3-11).<br />

E tudo o que se segue no capítulo quinze não é, para Paulo,<br />

uma "reinterpretação" ou "variação" do evangelho, senão<br />

que simplesmente uma explicitação do que já está im-


o dilema hermenêutico<br />

151<br />

plícito naquele evangelho. Podemos lembrar, nesta conexão,<br />

como Paulo se refere a tôda a riqueza de sua profunda<br />

atualização do evangelho em sua epístola aos romanos<br />

como "remembrança" do que seus leitores romanos<br />

já SClbiam (Romanos 15.15).<br />

Por certo que há variações nos relatos dos evangelhos.<br />

Certamente cada um dos evangelhos tem sua tônica<br />

própria e seu impulso querigmático individual. E ainda<br />

que não estejamos tão convencidos como Ireneu da divina<br />

"necessidade" de exatamente quatro evangelhos, a quaternidode<br />

de nosso evangelho não é acidental, e cabe a<br />

nós, na qualidade de ouvintes submissos da Palavra, es,<br />

cutar cada evangelho tal como nos fala em sua linguagem.<br />

Mas será que a variação e a individualidade dos evangelhos<br />

nos autorizam a estabelecer um esquema como o de<br />

Frar (Cltualização ~ reinterpretação - variação) e impô­<br />

10 a êles E é preciso dizer que o esquema é impôsto.<br />

Frar pode dizer do evangelho segundo Lucas: "Nesta nova<br />

interpretação da tradição a expectativa do fim corno<br />

iminente é radicalmente expungida" (pág. 248). A luz de<br />

Lucas 9.27, 21.32,33,34,36, isto só pode ser chamado de<br />

crasso exagêro.<br />

A afirmação de que as palavras de profetas cristãos<br />

inspirados não eram distinguidas rigorosamente das palavras<br />

do Jesus histórico, sendo, por isso, livremente injetadas<br />

no registro do ministério terreno de Jesus comO verdadeiras<br />

palavras dêle - essa afirmação também pode<br />

ser testada. As cmtas de Apocalipse 2 e 3, onde o Cristo<br />

exaltado fala através do Espírito a suas igrejas, muitas<br />

vêzes são citadas como evidência do funcionamento dêsse<br />

processo. Mas é difícil ver a fôrça dessa evidência. O<br />

profeta em Patmos, no Espírito, no dia do Senhor, é o<br />

porta-voz de Cristo, e suas palavras são as palavras de<br />

Cristo. Mas êle em parte nenhuma atribui estas palavras<br />

ao Jesus histórico, nem diz que elas foram pronunciadas<br />

por êle nos dias de sua carne. Paulo, de maneira semelhante,<br />

ouviu as palavras de seu Senhor exaltado e as<br />

registrou (lI Coríntios 12.9). E êsse mesmo Paulo, que<br />

afirma estar Cristo falando nêle (lI Coríntios 13.3) e através<br />

dêle operando em palavra e ação (Romanos 15.18),<br />

distingue claramente entre sua própria palavra e a palavra<br />

falada por Jesus nos dias de sua carne (I Coríntios<br />

7.10,12,25,40) .<br />

A afirmação de F. C. Grant de que o Antigo Testamento<br />

foi, para a primeira igreja, "fonte" autêntica da vida<br />

de Jesus é, em primeiro lugar, exageração injustificada<br />

do fatode que as primeiras testemunhas de Jesus proclamaram<br />

~que êle viveu, morreu e ressuscitou "segundo as


152 o dilema hermenêutico<br />

Escrituras". Em segundo lugar, a tese prejulga tóda a<br />

questão da relação entre o Antigo Testamento e o Nóvo,<br />

a questão da promessa e do cumprimento.<br />

À luz de considerações como estas, não se pode assentir<br />

à reivindicação de Frer de que o método histórico<br />

"é o meio mais seguro que temos para preservar os textos<br />

contra interpretação arbitrária" (pág. 49). Será que o<br />

método realmente serve para tornar possível o que FrÓr<br />

chama "encontro inteligente com o texto" (pág. Cl) :Não<br />

é antes assim que o método se põe entre o intérprete e o<br />

texto, impossibilitando um encontro genuíno com o texto e<br />

uma descoberta real da intenção do texto Ernst Fuchs,<br />

que certamente não se opoe ao método histórico por princípio,<br />

disse, a êsse respeito, palavras que assustam e tornam<br />

sóbrio o investigador atento:<br />

O método histórico-crítico da interpretação bíblica não<br />

é só o resultado do fato de haver aberto mão, no século<br />

dezoito, da doutrina da inspiração verbal do protestantismo<br />

antigo; é, mais do que isso, a variante moderna do<br />

princípio da tradição na interpretação da Bíblia que prevalecia<br />

na igreja antiga e medieval. Da mesma formacomo<br />

os homens, muito antes da Reforma, enfatizaram a tradição<br />

viva como paralela à Escritura Sagrada, assim a exegese<br />

histórico-crítica pós a história em paralelo com aBí,<br />

blia. Mais ainda: assim como Escritura e tradição não<br />

eram meramente coordenadas na igreja mais antiga (de<br />

tal sorte que decisões dogmáticas podiam ser tomadas pela<br />

igreja ... e a interpretação bíblica tinha que submeterse<br />

a elas de facto), assim a exegese histórico-crítica da<br />

Bíblia subordinou a Bíblia à história, removendo, com isso,<br />

da Escritura o predicado que a marca como sendo su.­<br />

perior ao mundo: o predicado "Santa". G<br />

Se há verdade nestas palavras (e estou convencido<br />

que há), então não podemos pôr ponto final depois de<br />

fazer uma crítica da metodologia histórico-crítica como<br />

metodologia. N60 podemos concordar com Frar quando<br />

diz que, embora "as técnicas estejam sempre sujeitas a<br />

melhora e seus resultados sempre sujeitos a correção", "tudo<br />

isso só pode ocorrer, todavia, dentro do domínio do pensamento<br />

histórico e não pode significar nenhum afastamento<br />

déle em princípio" (pág. 48). O que deve acontecer<br />

é o seguinte: devemos abandonar "por princípio" o<br />

"histórico" tal como foi definido desde o Iluminismo se<br />

quisermos neutralizar o feitiço do historicismo e superar o<br />

"dualismo na interpretaçÔo", que o próprio Frei censurq,<br />

ô. Fuchs, páginas 159 e 160.


o dilema hermenêutico<br />

153<br />

mas ao qual não superou. Nossa crítica não deve ser meramente<br />

metodológica; deve ser teológica.<br />

n - A SUPERACAO DO DUAI..•IS~fO NA<br />

INTERPRETAÇÃO DA BíBLIA<br />

Por que Fror não conseguiu superar o dualismo na<br />

interpretação bíblica que êle mesmo reconhece e lamenta<br />

Conforme licou dito, a falha não o é meramente em<br />

método como tal, e qualquer crítica justa de sua posição<br />

não deve ser meramente metodológica mas teológica.<br />

"Teológico", entretanto, não quer dizer que devemos a­<br />

bandonar a história e tornar-nos a-históricos ou até antihistóricos<br />

em nosso entendimento e interpretação da Bíblia.<br />

Isto não seria genuinamente teológico, pois a Bíblia "pensa<br />

histàricamente". O Deus da Bíblia não é o Deus dos filósofos,<br />

ser eviterno, mas o Deus de Abraão, de Isaque e<br />

de Jacó, "der Ewig-tatige". E a mensagem fundamental<br />

e onicontroladora da Bíblia não é idéias eternas mas boas<br />

novas, notícias novas do que Deus fêz por nós e por nossa<br />

salvação. Fror está certo ao considerar "o contexto total<br />

da Escritura" quando procura superar o dualismo que<br />

atormenta a interpretação bíblica moderna. Também está<br />

certo ao insistir que devemos continuar a interpretar histàricamente.<br />

Além disso, a "igreja que ouve e confessa",<br />

igreja para cujo entendimento da Escritura Fror apela,<br />

também pensa histàricamente. Os credos da igreja, a extrema<br />

concentração da Palavra de Deus por que a igreja<br />

vive, são históricos - referem os poderosos atos de Deus,<br />

passados, presentes e futuros.<br />

O fracasso de Fror não é devido a sua insistência em<br />

pensar e agir histàricamente mas à sua tentativa de introduzir<br />

uma concepção essencialmente secular no todo<br />

do trabalho hermenêutico-teológico em tôrno dos textos bíblicos.<br />

Isto se evidencia quando diz, em sua avaliação<br />

positiva do método histórico:<br />

Os textos bíblicos estão conscientes do fato de serem<br />

testemunhos da ação criadora de Deus na história. Mas<br />

a presença eficiente de Deus na história é presença oculta,<br />

presença oculta sob a cruz. A história da ação criadora<br />

de Deus não pode, por isso, Ser distinguido objeti~<br />

vamente do restante dos eventos que ocorrem entre piedosos<br />

e ímpios. Esta história só pode ser reconhecida, confessada<br />

e proclamada na fé. Esta história, tal como a encontramos,<br />

é história inteiramente humana e terreno. Não<br />

há critérios exteriores pelos quais possamos determinar<br />

que o próprio DeUSestá em ação aqui. É, por conseguinte,<br />

função legítima da teologia investigar eSsa história com


154 o dilema hermenêutico<br />

todos os meios à nossa disposição, a fim de demarcar e<br />

reconhecer, o mais claramente possível. as "crateras" deixadas<br />

pela ação eficaz de Deus na história, sopitando nosso<br />

desejo compreensível de têrmos a ação divina posta<br />

diante de nós em dourada glória. E nisto o método histórico,<br />

com seu inquérito quanto a como as coisas realmente<br />

aconteceram, pode prestar-nos real serviço (pág. 49).<br />

Em dois pontos dessa afirmação Frar indicou estar<br />

operrmdo com pressupostos derivados não do contexto total<br />

da Escritura e do entendimento que da Escritura tem<br />

a igreja que ouve e confessa, mas da consciência histórica<br />

secularizada do homem moderno. Em primeiro lugar,<br />

pensa de maneira não bíblica ao declarar que a "história<br />

da ação criadora de Deus não pode ser distinguida<br />

objetivamente" de qualquer outra história, sagrada ou<br />

profana, podendo, por isso, ser apreendida apenas pela<br />

fé. Em segundo lugar, um pressuposto similarmente secular<br />

fundamenta seu juízo de que o método histórico pode<br />

determinar o que "realmente" aconteceu. Aqui se define<br />

"realidade" como sendo algo que o homem natural,<br />

secular pode apreender e conhecer. A esta concepção de<br />

realidade é básico seu juizo sôbre a ocultação da atividade<br />

criadora de Deus na história (a presença de Deus<br />

se torna conhecida apenas pelas "crateras" abertas por<br />

suas bombas). Convém, por isso, encarar primeiro essa<br />

questão do que "realmente acontece".<br />

A -<br />

Que é Que Acontece «Realmente»<br />

Tanto Tácito como Lucas nos deixaram descrições da<br />

mesma realidade: a expansão do cristirmismo no Império<br />

Romano. Diz Tácito que o que realmente aconteceu<br />

é o seguinte:<br />

Auctor nominis eius (Christiani) Christus Tiberio imperante<br />

per procuratorem Pontium Pilatum supplicio adfectus<br />

erat; repressaque in praesens exitiabilis superstitio<br />

rursum erumpebat, non modo per Iudaeam, originem eius<br />

maU, sed per urbem etiam quo cuncta undique atrocia<br />

aut pudenda confluunt celebranturque (Annales, XV, 44).<br />

De acôrdo com Lucas, eis o que realmente aconteceu:<br />

"Assim a palavra do Senhor crescia e prevalecia poderosamente"<br />

(Atos 19.20; cf. 6.7; 12.24).<br />

Obviamente, cada um dos dois descreveu o que, a seu<br />

ver, "realmente aconteceu". Óbvio também que a maneirode<br />

cada qual ver a realidade foi determinada por três<br />

fatôres: seu ponto-de-vista, o que cria e o que era. Ora,<br />

o provérbio diz: "A beleza está no ôlho de quem a contempla"<br />

. E os artistas, que nos ensinam a ver beleza on-


o dilema hermenêutico 155<br />

de jamais suspeitávamos que ela existia, consideram verdadeiro<br />

o provérbio. A realidade da beleza e o ato de<br />

ver, por parte do contemplado r, não podem ser separados .<br />

São aspectos complementares de uma mesma realidade.<br />

Algo de similar vale quanto à realidade histórica. Pode<br />

parecer perigosamente subjetivq, mas a verdade é que a<br />

realidade histórica não existe realmente per se. Existe no<br />

ôlho do contemplador, na mente e no coração do historiador<br />

equipado para penetrar nela. Lucas viu a realidade<br />

da expansão do cristianismo corretamente e a registrou<br />

de maneira fiel porque a encarou de um ponto~de-vista inteiramente<br />

diverso do de Tácito. Nos três pontos que controlam<br />

a existência do homem e lhe dão um ôlho capaz<br />

de ver a realidade, Lucas estava determinado pelo poder<br />

do Espírito Santo. tsses três pontos são o de onde, o onde<br />

e o para onde da vida do homem: o irrevocável pretérito,<br />

o inescapável presente e o inevitável futuro. Lucas<br />

vinha do seu batismo, vivia na igreja e olhava para o<br />

Juízo e a vida do mundo vindouro. Estava em condições<br />

de apreender a realidade da história da primeira igreja<br />

como o crescimento da palavra do Senhor em virtude do<br />

"lavar regenerador e renovador do Espírito Santo" (Tito<br />

3.5), em virtude do fato de que êle era conduzido, como<br />

filho e membro da famma de Deus, "pelo Espírito" (Romanos<br />

8. 14), e em virtude do fato de que estava "selado<br />

com o prometido Espírito Santo, o que é a garantia de<br />

nossa herança" (Efésios 1.14), o Espírito que clamava<br />

nêle: "Vem, Senhor Jesus" (Apoca1ipse 2217,20).<br />

Podemos contemplar e apreender a realidade que Lucas<br />

contemplou e registrou no poder do Espírito apenas<br />

quando nos situamos em seu ponto de mira e estamos onde<br />

êle estêve. Podemos ver o que "realmente" aconteceu<br />

apenas na medida em que comparticipamos do de onde,<br />

do onde e do para onde de sua vida. Para compreender<br />

o que isto significa devemos penetrar para além da "igreja<br />

conÍessante e audiente" da declaração de Frar até às<br />

realidades últimas que originaram e ainda sustêm a igreja<br />

confessante e audiente. Devemos penetrar na obra de<br />

Deus, que cria, sustenta e consuma a igreja. De que maneira<br />

está constituído o ponto de mira do contemplador<br />

da realidade genuína De onde vem onde está para<br />

onde vai<br />

De onde viemos nós (só podemos falar disso em têrmos<br />

pessoais) Viemos do nosso batismo, e isso determina<br />

nossa visualização da realidade e nos dá nossa capacidade<br />

para contemplar a realidade. Aqui, em meio<br />

a uma realidade altamente mundana (um homem, um<br />

pouco d'água, algumas palavras, um rito), aconteceu al-


156 o dilema hermenêutico<br />

go de notável, algo de supramundano. Aconteceu um milagre.<br />

Por ocasião do nosso bahsmo Deus interveio em<br />

nossa vida e a determinou para sempre. Porque essa água<br />

não foi simples água, mas água usada por ordem de Deus<br />

e unida com sua palavra. Foi um "lavar de água com a<br />

palavra" (Efésios 5 26), Aqui a palavra de Deus foi a<br />

última e poderosa realidade. Onde opera a palavra de<br />

Deus, aí as coisas acontecem "realmente".<br />

Pois esta palovra faz o que nenhuma outra palavra<br />

e nenhum outro poder na Terra pode fazer. Esta palavra<br />

abre o futuro, positiva, graciosa e eternamente. Pelo batismo<br />

somos levados através das portas da morte para<br />

"novidade de vida" (Romanos 6.4). Como "herdeiros na<br />

esperança da vida eterna" (Tito 3. 7), somos removidos do<br />

mundo velho, onde o pecado reina na morte, e "morremos<br />

para o pecado e vivemos para Deus" (Romanos 6.11).<br />

Fomos "trazidos da marte para a vida" (Romanos 6.13).<br />

E contudo essa palavra, que confere ao batismo o poder<br />

que êle tem, não ignora o passado nem esvazia o presente.<br />

Tem poder para abrir o futuro exatamente porque<br />

deita raízes num evento do' passado, porque lembra e<br />

proclama o evento pretérito e é o veículo dêsse evento<br />

pretérito, único e definitivo (Romanos 6.4,9,10). E essa<br />

palavra, exatamente porque abre o futuro, é significativa<br />

para o presente. Ela determina e controla nossa vida presente<br />

(Romanos 6. L 11,13) . Esta água unida com a palavra<br />

nos dá o Espírito Santo; por êle somos selados ago"<br />

ra, marcados como possessão eterna de Deus, para o futuro<br />

(Efésios 1.13,14).<br />

Esta é nossa primeira lição quanto ao que realmente<br />

acontece. O que realmente pode aconteçer não é determinado,<br />

para nós, por leis de causalidade e desenvolvi"<br />

mento, pela consideração de analogias e probabilidades<br />

normais. Sabemos que para Deus tudo é possível, pois<br />

nosso batismo foi possíveL Sabemos agora que a Palavra<br />

de Deus é o fator poderoso na história; fator diante<br />

do qual tudo mais deve abrir caminho, todos os podêres,<br />

possibilidades e probabilidades. E sabemos também que<br />

qualquer concepção da história não determinada pelo futuro<br />

(isto é, pelo Senhor do futuro) é parcial e míope, e,<br />

por isso, em última análise, falsa.<br />

Onde estamos Estamos na igreja, somos membros<br />

do povo de Deus. A semelhança do batismo, a igreja pode<br />

ser vista como realidade estritamente mundana. É asso~<br />

ciação de homens, estrutura social em certo lugar e no<br />

tempo, com uma constituição, organização, oficiais, lugar<br />

de encontro, conjunto de convenções e costumes, muito semelhante<br />

a qualquer outra a.ssociação religiosa ou secular.


o dilema. hermenêutico 157<br />

Mas sabemos que esta não é a realidade da igreja. A realidade<br />

da igreja é o que Bengel diz do "povo de Deus<br />

em Corinto": um magnum et Iaetum paradoxon. A realidade<br />

da igreja é puro milagre em meio à história, A igreja<br />

é as doze tribos escatológicas na diáspora, composta<br />

de homens realizados pela palavra da verdade, para serem<br />

as primícias da nova criação de Deus (Tiago 1. 1,18).<br />

Mais uma vez é a palavra de Deus que realizou o milagre.<br />

A palavra de Deus é a realidade determinativa. É<br />

a palavra da verdade, a palavra do próprio Deus, que produziu<br />

as novas doze tribos. O grande e alegre paradoxo<br />

de um povo de Deus em Corinto é devido ao fato de que<br />

a palavra de Deus alcançou os corintios e os chamou para<br />

serem santos (I Caríntios 1.2). É devido ao fato de que<br />

"o testemunho a favor de Cristo foi confirmado" entre êles<br />

(I Coríntios 1.6). Há uma igreja porque a grande luz da<br />

qual falou Isaías resplandeceu aos que viviam na região<br />

da sombra da morte (Isaías 9.2; Mateus 4. 16), porque<br />

Jesus, o Cristo, chamou os homens. A voz do Bom Pastor<br />

foi ouvida e suas ovelhas ouvem a sua voz (João 10.3-5).<br />

Por esta palavra a igreja chegou a existir; por ela a igreja<br />

é sustentada e vive. O nôvo povo de Deus recebe com<br />

humildade a palavra implantada em seu meio, a palavra<br />

que tem o poder de salvar suas almas (Tiago l. 21). Os<br />

santos chamados de Corinto "estão" na palavra do evangelho,<br />

e devem apegar-se com ela se querem ser salvos<br />

(I Coríntios 15.!, 2). Os filhos reunidos de Deus vivem,<br />

como o filho de Deus viveu, de cada palavra que sai da<br />

bôca de Deus (Mateus 4.4).<br />

Esta palavra do evangelho deita raízes na ação passada<br />

de Deus, a morte ea ressurreição de Cristo, mas<br />

orienta a igreja totalmente para o futuro.<br />

É ela que em derradeira análise, dá à igreja seu caráter<br />

e determina sua existência. Sem êste futuro aberto a igreja<br />

simplesmente é mais uma associação humana que pode ser<br />

alinhada e nivelada com outras associações humanas. E<br />

sem êste futuro aberto a igreja não tem razão real para agir<br />

de maneira diversa da de homens que se agarram, enquanto<br />

podem, a qualquer prazer ao seu alcance: "Se os mortos<br />

não ressuscitam, comamos e bebamos, que amanhã morreremos"<br />

(I Corinhos 15.32). Mas o futuro pertence à igreja.<br />

As novas doze tribos são, mesmo agora, as primícias<br />

do nôvo mundo de Deus. Nelas a grande mudança dos<br />

eons por assim dizer já se realizou. Os santos chamados<br />

de Corinto exercitàm seus dons espirituais na tensa expectação<br />

da revelação escatológica "de nosso Senhar Jesus<br />

Cristo" (I Coríntios 1.7). O Espírito de Deus, êle mesmo<br />

a "garantia de nossa herança",· como o Espírito de sa-


158 o dílema hermenêutico<br />

bedoria e revelação, dando aos homens "olhos do coração<br />

iluminados" para conhecerem qual a esperança a que Deus<br />

os chamou (Efésios 1.14, 17.18). A Ceia do Senhor retrospecta<br />

para a cruz, mas também olha para a frente, para<br />

o nôvo mundo e o vinho nôvo a ser tomado em alegre<br />

companhia com o Senhor (Mateus 26.29). Na celebração<br />

da Ceia do Senhor a igreja anuncia a morte do Senhor<br />

"até que venha" (l Corínhos 1126). A absolvição pronunciada<br />

na igreja em lugar e por ordem do Senhor Jesus<br />

Cristo é, por assim dizer, uma antecipação do Juízo<br />

Final. A oração da igreja é: "Venha o teu reino". "Maranata".<br />

Pois a vida da igreja está oculta com Cristo em<br />

Deus. Quando êleaparecer, sua igreja aparecerá com êle<br />

em glória (Colossenses 3. 3,4) .<br />

Esta é nossa segunda lição em história, quanto ao<br />

que "realmente" acontece. Aqui nos é dado ver que história<br />

é aquilo que o profeta assim chama: "Obra do Senhor"<br />

(Isaías 10.12). Quando vemos o que "realmente"<br />

aconteceu na criação da igreja, vemos que foi exatamente<br />

isto: um ato criador (Efésios 2. 10), um ressuscitar de<br />

mortos (Efésios 2.1) e um chamar para a existência do<br />

que não existe. Para Deus tudo é possível, pois a igreja<br />

é possíveL a igreja em que vivemos. Quando Paulo fala<br />

do poder de Deus para a igreja, acumula expressões de<br />

poder como em nenhuma outra parte (Efésios 1.19). É<br />

depois que Paulo recenseou os caminhos intrincados e<br />

maravilhosos palmilhados por Deus, na história, a fim de<br />

juntar para si um povo entre os judeus e os gentios (Romanos<br />

9-11) que êle explode na grande doxologia que<br />

marca a Deus como o Senhor absoluto da história:<br />

Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como<br />

do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus<br />

juízos e quão inescrutáveis os seus caminhos!<br />

Quem, pois, conheceu a mente do Senhor ou quem<br />

foi o seu conselheiro<br />

Ou quem primeiro lhe deu a êle para que lhe venha<br />

a ser restituído<br />

Porque dêle e por meio dêle e para êle são tôdas<br />

as coisas. A êle, pois, a glória eternamente. Amém. (Romanos<br />

11.33-36).<br />

Êsse domínio de Deus, único e universal, conhecido<br />

e reconhecido na igreja, é a realidade da história. Eis o<br />

que "realmente" acontece: Deus opera. Merece ser citado<br />

aqui o comentário de Schlatter sôbre o versículo final<br />

da doxologia paulina: "No início da história está sua vontade<br />

e seu poder. E por êle são tooas as coisas. Não há<br />

quem ande sem que seja Deus quem o faz andar; não há


o dilema hermenêutico 15~<br />

quem conheça e obedeça sem que seja iluminado por<br />

Deus; não há quem aja sem que o faça como instrumento<br />

de Deus." T<br />

A operação criadora de Deus realiza-se através de<br />

sua palavra. O trecho todo - Romanos 9-11 - realmente<br />

é todoêle uma explicação do que Paulo diz logo no início<br />

do capítulo nono: "E não pensemos que a palavra de Deus<br />

haja falhado" (versículo 6). A palavra de Deus, a promessa<br />

de Deus, o fato de Deus chamar e dar nome, a execução<br />

da sentença de Deus, a voz de Deus no Antigo Testamento,<br />

o evangelho de Deus - tudo isso constitui a espinha<br />

dorsal dos três capítulos.<br />

Esta palavra de Deus dirige-se ao futuro e o abre;<br />

A palavra da promessa deu a Abraão um futuro e uma<br />

esperança quando não havia esperança alguma. Esta palavra<br />

justificadora deu aos gentios, que nunca foram em<br />

busca da justiça, um futuro e uma esperança. Esta palavra<br />

dá mesmo a Israel, povo desobediente e recalcitrante,<br />

que recusou a justiça de Deus, um futuro e uma esperança.<br />

Para onde vamos Vindos do batismo e vivendo na<br />

igreja,confessamos, com respeito ao Senhor, que nos comprou:<br />

Et iterum venturus est in gloria iuducare vivos et<br />

mortuos, cuius regui non erÍt finis. Sabemos que todos os caminhos<br />

levam ao trono de Cristo. Êle pronunciará a última<br />

e definitiva palavra de Deus. A luz dêsse Juízo Final a­<br />

preendemos quão poderosa esta palavra é. Aquêle que<br />

teve a primeira palavra na criação, terá a última palavra<br />

no Juízo - que palavra senão a dêle pode ter qualquer<br />

validez na história que está entre êstes palas Medimos<br />

em tôda a sua extensão o "para Deus tudo é possível"<br />

quando vivemos na expedação do Juízo. Esta expedação<br />

do Juizo e do reino infindável de Cristo projeta sua<br />

luz sôbre o passado e o presente. Nós os que vivemos nesta<br />

esperança podemos ver que a cruz e a ressurreição de<br />

Cristo são atos escaloiógicos de Deus. Nêles o Juízo e o<br />

reino infindável de Cristo são, por assim dizer, antecipados.<br />

Também podemos ver que, quando o Espírito dá testemunho<br />

de Cristo, através de nÓs, no p:'ocentc: :.1UL,',:' ,<br />

convencendo os homens, atando e desatando-os com cadeias<br />

eternas e eterna libertação - o fim entrou no presente.<br />

Eis nossa terceira lição em história: êste para-onde<br />

de nossas vidas. Aqui aprendemos o que "realmente" está<br />

acontecendo. Tornou-se impossível para nós encarar a história<br />

como processo autônomo, que procede de acôrdo com<br />

7. Adolf Schlatter, Gottes Gerechtigkeit (Estugarda, Calwer Verlag,<br />

1952), página 330.


160 o dilema hermenêutico<br />

"leis" próprias. Sabemos que tôdas as vidas, dos homens<br />

e das nações, movimentam-se em direção ao Juízo de Deus.<br />

Tôda a história está sob a judicatura livre e soberana de<br />

Deus. O passado não mais está sujeito à progressiva desvalorização.<br />

Eventos pretéritos não estão sujeitos à relativização.<br />

Sob a judicatura divina, o que aconteceu uma<br />

vez, aconteceu de uma vez por tôdas. A desobediência de<br />

Adão, a obediência de Cristo, o testemunho apostólico sóbre<br />

o Senhor, nosso batismo - estas coisas não são "pas_<br />

sadas" simplesmente porque pertencem ao passado. Repletam<br />

o presente. O presente não está vazio e sem sentido;<br />

está carregado de responsabilidade e esperança. O<br />

Então da cruz, o Agora da igreja e o Por Vir do Juízo apro·<br />

pmquaram -se.<br />

B -<br />

A Ocultidade da Ação Criadora de Deus na História<br />

Vindos de nosso batismo, vivendo na igreja, e olhando<br />

paro o Juízo, temos uma concepção da realidade histórica<br />

que nos dá olhos paro a realidade histórica pintada<br />

na Bíblia. A posição em que estamos nos permite<br />

avaliar a verdade da asserção de Frar segundo a qual<br />

"a presença efetiva de Deus na história é presença ocul·<br />

ta", que esta história da ação criadora de Deus "não pode,<br />

por isso, ser distinguida objetivamente do resto dos<br />

eventos que ocorrem entre piedosos e ímpios", que não<br />

há critérios externos pelos quais possamos determinar o<br />

fato de que Deus está ativo aqui. Por conseguinte, estamos<br />

também em condições de avaliar a validez de sua<br />

conclusão de que o método histórico é o meio legítimo para<br />

se troçar o contôrno dos "crateras" que marcam o ponto<br />

onde caíram as bombas de Deus na história (pág. 49),<br />

1 - Os Atos Falantes de Deus<br />

Em que sentido são ocultos os atos criadores de Deus<br />

Podemos conceder desde já que nenhuma ação de Deus:<br />

(antes do retôrno do Filho do homem e do Juízo) é tão<br />

manifesta, como sua ação de que o homem caído, em sua<br />

revolta contra Deus, não o possa negar, não se possa cegar<br />

e endurecer contra êle. O homem tem essa liberdade.<br />

Mas é liberdade fatal. Pois, conforme disse o mesmo Jesus,<br />

o homem, 00 proceder assim, é levado a blasfemar.<br />

Comete a blasfêmia imperdoável contra o Espírito Santo<br />

quando se cega a si mesmo no que diz respeito à. óbvio<br />

operação de Deus (Mateus 12 31,32).<br />

Para o objetivo dêsse estudo podemos deixar de lodo<br />

a questão sóbre se Fror não separou indevidamente


o dilema hermenêutico 161<br />

a ação criadora de Deus na história" do resto da história<br />

de um modo inescrituristico e, por isso, teolàgicamente desencaminhador,'<br />

Podemos avcmçar de vez para a questão<br />

principal: a ação criadora de Deus, tal como deÍronta co­<br />

"':osco, é história "totalmente humana" e "totalmente terrena"<br />

E são as "crateras" abertas pelas bombas de Deus<br />

.:; única evidência de seu agir acessível ao teólogo his­<br />

:oriador<br />

De acôrdo com o testemunho da Escritura, os atos de<br />

Deus são atos falantes, testemunhadores: o "Deus vivo<br />

que fêz o céu, e a Terra, e o mar, e tudo o que nêles há",<br />

não se deixou ficar "sem testemunho", mesmo fora de seu<br />

povo, até no mundo pagão (Atos 14,15-17). Talvez a declaração<br />

mais abrangente do fato de que tôda história é<br />

um testemunho movente da presença e do propósito de<br />

Deus seja a que Paulo fêz em seu discurso no Areópago:<br />

"O Deus que fêz o mundo e tudo o que nêle existe .. de<br />

um só fêz tôda raça humana para habitar sôbre tôda a<br />

face da Terra, havendo fixado o.s tempos previamente estabelecidos<br />

e os limites da sua habitação; para buscarem<br />

a Deus se, porventura, tateando o possam achar, bem que<br />

não está longe de cada um de nós" (Atos 1724,26,27).<br />

Aqui Paulo representa tôda a história como testemunhando<br />

de Deus (assim como em Romanos 1 representa tôda a<br />

criação como testemunhando dêle). E, por indefinido que<br />

possa ser o conteúdo dêsse discurso, uma coisa é certa: o<br />

discurso é tão insistentemente claro, que o homem adquire<br />

responsabilidades em presença dêle. A "ignorância" das<br />

nações no passado, segundo Paulo, não é ignorância venial.<br />

Deus "estabeleceu um dia no qual julgará o mundo<br />

com justiça" (Atos 17.31), e por isso "notifica aos homens<br />

que todos em tóda parte se arrependam" (Atos 17 30) .<br />

Mas dentro dêsse amplo círculo do testemunho universal<br />

o próprio Deus "distinguiu objetivamente" sua ação<br />

criadora na história, a saber, na história de seu povo peculiar<br />

e na de seu Filho. Aqui temos atos falantes e testemunhadores<br />

de Deus em sua mais alta concentração.<br />

Aqui se evidencia singularmente o perpétuo milagre de sua<br />

governação da história. Esta história tem uma transparência<br />

única e uma particular eloqüência em.,S'lla~Üos<br />

sobre a Interpretação do Antigo Testáinento" , tradução de<br />

JaÍnes· LutherMays (Ulndres,:.SCM:Press, 1963, página 342,<br />

lilÚméró13.).:: ..


162 o dilema hermenêutico<br />

falam em linguagem desafiadora e excitante a todos os<br />

homens. Quando o Senhor prostrou o Egito por causa do<br />

povo de Deus, Faraó pôde endurecer seu coração e o endureceu<br />

(e o juízo de Deus o firmou na dureza de seu<br />

coração), mas os mágicos foram movidos a exclamar:<br />

":t:ste é o dedo de Deus!" (:t:xodo 8. 19). Quando o Deus<br />

de Israel age, em juízo e libertação, não só Israel "saberá<br />

que êle é o Senhor"; Moabe o saberá (Ezequiel 25. 11);<br />

os filisteus o saberão (Ezequiel 25.17); Tiro o saberá (EzequieI26.6);<br />

o Egito o saberá (Ezequiel 30.15); as nações<br />

o saberão (Ezequiel 36.23,36; 38.16; 39.7,23); "têda a<br />

carne" o saberá (Ezequiel 21.5; cf. Isaías 405). As "nações"<br />

não precisam contentar-se com traçar as "crateras"<br />

deixadas pelas explosões divinas na história. A peculiaridade<br />

das ações de Deus na história de seu povo peculiar<br />

em si mesma faia linguagem clara.<br />

O que vaie da história do povo de Deus também vale<br />

da história do Filho de Deus. 1'; distinguido do restante<br />

da história de um modo que torna o contemplador responsável<br />

para com ela. O Jesus dos sinóticos repreende<br />

os seus contemporâneos por não haverem dado atenção<br />

à voz desta história: "Ai de ti, Corazim! ai de ti, Betsaida!<br />

porque se em Tiro e em Sidom se tivessem operado os milagres<br />

que em vós se fizeram, há muito que elas se teriam<br />

a.rrependido com pano de saco e cinza. E contudo vos<br />

digo: No dia do juízo haverá menos rigor para Tiro e<br />

Sidom, do que para vós outros. Tu, Cafarnaum, elevar-teás,<br />

porventura, até ao céu Descerás até ao inferno; porque<br />

se em Soda ma se tivessem operado os milagres que<br />

em ti se fizeram, teria ela permanecido até ao dia de hoje.<br />

Digo-vos, porém, que menos rigor haverá no dia do juizo<br />

para com a terra de Sodoma, do que para contigo (Maieus<br />

11.21-24). Os homens são escatolàgicamente responsáveis<br />

diante da mensagem desta história. E o Jesus do quarto<br />

evangelho diz de maneira semelhante: "Se eu não tivesse<br />

feito entre êles tais obras, quais nenhum outro fêz, pecado<br />

não teriam; mas agora não somente têm êles visto,<br />

mas também odiado, tanto a mim, como a meu Pai" (João<br />

15.24) . Ate homens que não se com prometeram com Jesus,<br />

mesmo seus arqui-oponentes, os fariseus, são rélovidos<br />

misteriosamente por sua testemunha, o apóstolo Paulo:<br />

"Será que algum espírito ou anjo lhe tenha lalado" (Atos<br />

23.9). Ou então homens são movidos a caluniar e blasfemar:<br />

"Aprendeu a magia negra no Egito e desencaminhou<br />

seu povo" lemos no Talmude. O próprio Nôvo Testamento<br />

lembra similares reações violentas: "Tem demônio."<br />

"Seus discípulos Íurtaram seu corpo." Ninguém parece<br />

capaz de Íria objetividade para com esta hist6ria.


o dilema hcrmenêutico<br />

163<br />

Quanto a reações modernas ante essa história, Walther<br />

Künneth, em estudo :r;ecente, depois de inspecionar<br />

quatro modos de tratar de Jesus (todos seculares em sua<br />

abordagem), chega à seguinte conclusão: "Na consideração<br />

de Jesus de um ponto-de"vista profano sempre há ...<br />

um ponto em que os tradicionais métodos racionais, psicológicos<br />

ou históricos não mais bastam como meio para<br />

alcançar a realidade. Remanesce no quadro total uma<br />

perspectiva inexplorada e inexplorável (oHener Punkt), um<br />

coeficiente de incerteza enigmática, um elemento do inanalisável<br />

misterioso.""<br />

tsse caráter falante da ação de Deus não pode ser<br />

minimizado ou ignorado, como ocorre, aparentemente, na<br />

declaração de Frar. Mas também não deve ser aumentado,<br />

como acontece em algumas modernas concepções<br />

da revelação. Esta fala dos atos de Deus é palavra imperiosa,<br />

que desafia o homem e o torna responsável. Per~<br />

manece, contudo, de algum modo, misteriosamente indefinida.<br />

Não é nem a primeira nem a derradeira palavra<br />

de Deus ao homem. E seguramente não é sua palavra tôda.<br />

2 - A Palavra Agente de Deus<br />

Até aqui temos falado da ação criadora de Deus na<br />

história per se. Do ponto de mira bíblico, há algo de artificial<br />

e teorético nesta maneira de falar. Pois a ação<br />

criadora de Deus não ocorre per se ~ pelo menos não para<br />

o povo de Deus, para a igreja e para o teólogo historiador.<br />

O aspecto mais importante, mais significativo e decisivo<br />

da ação criadora de Deus na história ainda não foi<br />

tomado em consideração, a saber, a Palavra de Deus, a­<br />

quela palavra que precede e anuncia sua ação, que a<br />

acompanha e interpreta, e também segue e lembra sua<br />

ação passada. Se se deixa a Palavra de Deus consistentemente<br />

fora de consideração em sua ação criadora na<br />

história, é quase certo que se entenderá mal a ação e se<br />

interpretará: mal o registro profético e apostólico da ação.<br />

O erudito veterotestamentário H. W. WolH deu uma<br />

definição da concepção profética da história que lida a­<br />

dequadamente com o que é essencial ao nosso debate:<br />

"Para os profetas, história é o trato, Íina])sticamente orientado,<br />

do Senhor do futuro com Israel." 10 Em tal concepção<br />

da história os homens da "igreja confessante e audiente"<br />

podem reconhecer o que é nativo e básico a sua<br />

9. vValther Künneth, Glauben an Jesus (Hamburgo, Friedrich<br />

Wittig Vcrlag, 1962), página 35.<br />

10. Wolff, pág. 338.


.':".:<br />

o dilema hermenêutico<br />

prÓpria existência. Esta concepção está aparentada essencialmente<br />

com o de-onde, o onde e o para-onde de sua<br />

própria vida. A ênfase funda~ental da Palavra de Deus<br />

Dq ;t~rmo "conversação. com Israel" corresponde ao papeldesempenhado<br />

pela Palavra em se\J batismo, sua vida<br />

na igreja e sua expectação do Juízo. ~À~sexpressões "finalisticamente<br />

orientado" e "Senhor do futuro" corresponç!em<br />

à:experiência de homens que sabem como esta Pala­<br />

V·fC( deDeuslheSdcbriu o futuro. E "Senhor do futuro" ­<br />

aquêle queB o. Senhor do futuro é o Senhor absoluto de<br />

tudo, o Senhor da história. Aqui os homens da igreja identificam.<br />

o Deuspa!a q1Jen1 tudo é possível, seu Deus, cujo<br />

pala"rg: trclJ:1shgurouo presente para êles, e lhes deu um<br />

futuro e urn.d eSperCL'lça:<br />

-EsIDconcepção da +iistóriatambém se harmoniza com<br />

o contexto -total dá: Escritura.' ,Até o fato lexical de que<br />

o·"hebraico dobar tanto rlenota,pmuvra como evento", história<br />

contada berrr :como' história: experimen toda, apoio a<br />

ênfase fundamental de1VolH.no:palavra em sua definição<br />

de história.' E: a estreita·conexãoenire"J)olavrae história<br />

é evidente no funcionamento real da palavra profético.<br />

"O futuro dedeus·éanledípado;:nó' ~aIGV'Tá profética ...<br />

A história é comunicado ao profeta na palavra. Segundo<br />

Amós '.(3. '7h não há·· futuro que hãb:apareça de antemão<br />

na palavra profética." Éassimque·WolfU formulw estaconexão.,ll<br />

~.,: -... , : .:: ':' -:<br />

'--~', -- '- '<br />

É est.a presença. da PCl1qvrO ç!~ Del.lJhcpmq .o: fôrç,o:<br />

prÜn9ciql na JlisJ6rki ,de. Isiq~l.qÚé.tQrnÇi_Jsr.qelJb, povP<br />

pecl,Jliqrde Deus: _"Israel é~di9tinguid.Q. o:pel'lQ(3peIo.!Q:tQ<br />

de leQvEÍcontlnuam~mte. sediriglL.O:, &le.'"12t: noqucÍrfo<br />

capitulo dpDeute'ronômio Moisé§ ,ç[esafia oshorperis'qe<br />

IsraeL o: Jazerem ,uma reJigionsgesebichtIic;he.' compÇlraçoP<br />

entre,êIes e as-nações, e aponta para,o lÇ1todeql.le·Isrqel<br />

pu viu: o: .voz de De1.1s.,como.a, prim,eira prQvad imBsrÜdade<br />

,do povo peculiar: "Agorg,pois,..perÇ)'untOaos' te:tJ'l­<br />

Pos,.passados, ,que teprecederçem_desqe' adia em.qu.e<br />

Deus crimioJ:lOmem sôbre aTerra, desde uma extremidade<br />

do céu até a outra, sesucedeúfamaisc;oisà tàmarihdcomo<br />

esta, oU sé se oUVIU cóisàcómo esta 011 sê<br />

algum povO-óuviu falar d voz aeàlgum deus do ill:eio<br />

dó fogo, comotu à ouviste, ficando vivoT'Doscéus te }êz<br />

ouvir ci sua VOZ, para te erisinai;e 'sô15re ci'Terra te mOs''';<br />

troU ó seu grande fógo,'e dômeiodofogo ouviste aS- sueis<br />

palavras'" '(Deuteronômio 4. 32,33';36}:<br />

11. Ibidem.<br />

12. Ibidem, pág. 346.


o dilema hermenêutico 165


166 o dilema hermenêutico<br />

Reivindica para si nada menos do que isso: que êle é<br />

vida em meio a um mundo morto (8.22), que suas palavras<br />

nunca passarão, ainda que passem o céu e a terra<br />

(24.35).'5 E tôdas as suas palavras e atos são tanto revelação<br />

presente, como promessa potente para o futuro.<br />

Eg. : transformará em pescadores de homens aos que<br />

chama (4. 19), serÔo satistei tos os que têm fome e séde<br />

de justiça (5.6), cr voz de Jesus será a voz decisiva no<br />

dia do Juizo - seu "nunca vos conheci" significa rejeição<br />

eterna (7.23), confessará diante de seu Pai os confessores<br />

fiéis (l0. 32, 33), êle, a quem foi dada tôda autoridade<br />

no céu e na Terra, estará com os seus todos os dias, até<br />

a consumação do século (Mateus 28.20), sua palavra os<br />

chamará bem-vindos no reino no século vindouro (Mateus<br />

25.34).<br />

A ação criadora de Deus na história pode não ser<br />

"distinguida objetivamente" pelo homem, nem mesmo por<br />

"gênios religiosos" O homem sempre se impressionará<br />

mais com o colosso imponente do império mundial do que<br />

, -'<br />

com apeara nao<br />

de Deus (Daniel<br />

,~ ~. 1 . " -<br />

conaaa por mao uumana, que e o remo<br />

2), e de acôrdo com isso o homem escreverá<br />

história. [v1as Deus distinguiu objetivamente sua<br />

ação criadora na história por sua palavra a profética e<br />

a apostólica. tI já que Íé é puro relacionorne.nto com a<br />

Palavra, que é O fato mais objGtivo da história, Fror sugeriu<br />

uma antítese falsa quando opõe "objetivamente distinguido"<br />

a "reconhecido, confessado e proclamado na<br />

(pág. 49). Porque a fé não é qualquer c:::isa vaga e subjetiva<br />

no homem, não é meramente um apreender intuitivo<br />

de uma realidade inapreensivel de outra maneira. A<br />

fé simplesmente é radical abertura para a grande realidade<br />

objetiva da Palavra de Deus, um ser determinado<br />

pela Palavra, que é a história essencial do mundo. Em<br />

última análise, só o crente pode ser um historiador "objetivo",<br />

pois só êle está aberto para a realidade objetiva da<br />

história, a Palavra do Senhor do futuro.<br />

Com semelhante concepção da história (que sempre<br />

de nôvo nos deve ser dada pelo Espírito) podemos superar<br />

o dualismo fatal da interpretação moderna. Podemos<br />

resolver a tensão entre o histórico e o teológico (pois agora<br />

o elemento histórico se tornou genuInamente teológico).<br />

Agora podemos ter um encontro genuInamente "entendedor<br />

com o texto sagrado". Que diferença faria tal concepção<br />

da história, por exemplo, no entendimento e na interpretação<br />

dos evangelhos! Em nossos dias, é lugar co-<br />

15. Note que Jesus reivindica mais para a sua palavra do que o<br />

que reivindica para a Tora - Mateus 5.18.


o dilema hermenêutico 161<br />

mum, na interpretação dos evemgeLhos,que todos os nossos<br />

evemgelhos são escritos do ponto-de-vista da ressurrei,<br />

ção e da exaItação de Jesus, São a voz da fé pascoal da<br />

igreja, Isto é bem verdade, mas deixa irrespondida a questão:<br />

por que os evemgelhos são escritos dessa perspectiva<br />

Essa perspectiva foi dada com a própria história ou<br />

foi imposta à história pela reflexão (inspirada ou não) da<br />

igreja Se tomamos Jesus a sério como o Senhor da história<br />

em conversação finallsticamente orientada com seu<br />

povo (e é êste o rumo que nos indica tanto a Bíblia de<br />

Jesus como os evangelhos em sua forma presente), a resposta<br />

a nossa pergunta é óbvia, A história de Jesus orienta-se<br />

no sentido do futuro de Jesus como o Cristo e Senhor<br />

exaltado, porque as palavras e as obras de Jesus desde o<br />

princípio estavam orientadas nesta direção, Então pode<br />

cessar a discussão infrutífera sôbre a "consciência messiânica"<br />

de Jesus; a sapiência crítica pode cessar de tremsformar<br />

em vaticinia ex eventu as predições de Jesus sôbre<br />

sua paixão e ressurreição; o debate enfadonho sôbre<br />

quais palavras do Cristo devem ser consideradas Verba<br />

Jesu autênticas e históricas e quais delas representam a<br />

teologia da igreja primitiva retroprojetadas para dentro<br />

da história, êsse debate pode, então, ser encerrado finalmente.<br />

E a exegese pode voltar a ser um ministério cuja<br />

tarefa seja deixar que Cristo se torne grande aos olhos da<br />

igreja.<br />

Com essa concepção profética da história estamos em<br />

posição que nos permite avaliar a concepção secularizada<br />

da história, em posição de ver como ela difere, em cada<br />

ponto, da história conforme concebida e escrita pelos<br />

profetas e apóstolos, os porta-vozes do Senhor do futuro<br />

em conversação significativa com seu povo. Aqui Deus<br />

está no centro e é tudo em todos; lá, o homem caído, na<br />

mataioies (Romemos 1.21) de sua mente. Aqui a Palavra<br />

é o poder na história; lá, não se confia na Palavra - o<br />

pai da mentira a pôs a serviço da mentira, e o pensar e<br />

falar do homem tornou-se o que lhe chama Schlatter:<br />

Traum, Schaum und Geschwdtz. Aqui o ÍutulO sempre c:stá<br />

sendo aberto pela Palavra de Deus; lá, o futuro é porta<br />

fechada, parede sem janelas.<br />

O homem frustrado, em seu mundo frustrado, precisa<br />

fabricar lendas. Precisa dourar os fatos de sua existência<br />

ou então não os suportará. Não tem futuro, e por isso sente<br />

a necessidade de entregar-se a sonhos, Em virtude de<br />

sua maiaioies atéia o homem frustrado precisa reinterpretar<br />

e variar. Mas os profetas, os apóstolos e a igreja apostólica,<br />

os quais adoram o SENHOR que não muda, e ser-


168 o dilema hermenêutico<br />

vem o Senhor Jesus Cristo, o qual é o mesmo ontem, hoje<br />

e eternamente, êstes não têm necessidade de variação.<br />

Pertence-Ihes a Palavra inexaurível do Deus constante, imutável<br />

em meio a tódas as mudanças da história, inexaurl.­<br />

velmente rico para tôda necessidade do homem num mundo<br />

em transformação. O intérprete cristão é liberado não<br />

para variação mas da necessidade e compulsão de variar.<br />

Últimamente, a promessa e o evangelho de Deus é o Não!<br />

de Deus àquela história do homem alienado que termina<br />

monàtonamente com o "E êle faleceu". Medir as probabilidades<br />

da ação criadora da Palavra de Deus na história<br />

com as "leis" daquela história é tão infrutífero quanto é<br />

perverso.<br />

III -<br />

A -<br />

PERIGOS<br />

Doeetismo<br />

Se se quer superar o dualismo na interpretação bíblica,<br />

a concepção do que é "histórico" (e, conseqüentemente,<br />

o que se quer designar com "crílico") deve ser radicalmente<br />

revisado. A decisão quanto a isso deve ser tomàda<br />

a despeito do fato de a erudição bíblica geralmente ainda<br />

aceitar o método histórico-crítico como quase axiomàticamente<br />

legítimo e proveitoso, pois a decisão é teológica, re~<br />

ligiosa, de fé. Agora, todos sabemos que cada decisão<br />

teológica envolve o perigo de uma reação no sentido do<br />

extremo oposto. Todos estamos inclinados a pensar que<br />

dois pregos seguram melhor do que um. Neste casO o<br />

perigo é que a reação tome a forma de uma fuga dá história.<br />

Ao enfatizarmos o que deve ser enfatizado - o milagre<br />

da Bíblia, o Wunderbarkeitscharakter da Bíblia, na<br />

expressão de von Hofmann, corremos o risco de ignorar<br />

seu caráter histórico, com todo o esplêndido colorido e variedade<br />

próprios da história. Pode acontecer que a gente<br />

esqueça aquela terrenidade da história bíblica que nosso<br />

credo fixou nas palavras sub Pontio Pilato. Há o perigo<br />

real de uma espécie de docetismo hermenêutico e exegético.<br />

Como escapar dêsse perigo O único caminho seguro<br />

é observar os próprios textos inspirados, estar totalmente<br />

aberto à operação do Espírito que os originou e através<br />

dêles realiza sua obra. Êle nos ensinará. É inútil e presunçoso<br />

especular em tômo de como o Espírito Santo devia<br />

operar ou como podia ter operado. Como exegetas<br />

crentes, subordinados à Escritura, temos apenas uma escolha:<br />

observar como o Espírito Santo operou. Qual a<br />

natureza e a côr das palavras pronunciadas no poder do<br />

Espírito Serão palavras de homens que vivem numdes-


o dilema hermenêutico<br />

169<br />

peCle de ghetto religioso, e que se valem de um vocabulário<br />

e de uma imagética totalmente particulares, ou são<br />

palavras de homens que estão na correnteza principal da<br />

história, num relacionamento vivo com todos os sons, cheiros<br />

e vistas - e com as pessoas em seu redor Em outras<br />

pplavras: têm. as palavras inspiradas relevância para a<br />

história e a cultura dos homens que as pronunciaram Podemos<br />

confinar-nos ao Nôvo Testamento ao indicarmos<br />

qual é a resposta das Escrituras a nossa pergunta.<br />

O próprio fato de o Nôvo Testamento haver sido escrito<br />

em grego· Koinê, o grego cultural, o denominador cultural<br />

comum do mundo mediterrâneo no primeiro século,<br />

já testemunha do fato de que o Espírito Santo fala em palavras<br />

que são relevantes para a história e a cultura das<br />

pessoas a quem se endereça. A fim de que o Senhor e<br />

Juiz de todos pudesse ser proclamado por todos, o Espírito<br />

corre por. assim dizer o risco de ver sua mensagem helenizada<br />

(o que não aconteceu).<br />

.Jesus, cada palavra do qual foi falada "no poder do<br />

Espírito" (Lucas 4.14,15), sempre falou em têrmos e ima"<br />

gens ligados à vida de seus ouvintes palestinos. Os materiais<br />

de suas parábolas são tomados do mundo que cada<br />

palestino conhecia: o jardim, a propriedade rústica, a<br />

cozinha, o comércio dos pescadores, senhor e servo, casamentos,<br />

festas, jejuns, ingresso na côrte, odres, vestímenta<br />

remendada,o môço que abandonou o lar, a estrada<br />

perigosa de Jerusalém a Jericó.<br />

Até o vocabulário estritamente "religioso" de Jesus foi<br />

histôricamente relevante para a Palestina do primeiro século.<br />

Sua linguagem está saturada com o sumo da Bíblia<br />

de seu povo, o Antigo Testamento. Mas, além disso, muitas<br />

expressões que chegamos a encarar como sendo características<br />

de Jesus,têrmos que não é possível traçar diretamente<br />

ao Antigo Testamento, são expressões que êle<br />

compartilha com a sinagoga: "pequena fé", "tesouro no<br />

céu", "os justos, que não têm necessidade de arrependimento",<br />

"o reino dos céus", "herdar o reino dos céus",<br />

"de cima", "êste mundo e o mundo porvindouro", "o príncipe<br />

do mundo", "Paracleto ", "o juízo da Geena".<br />

Quando Jesus censurou a corrupção da tradição<br />

daica que se desenvolvera em tôrno da lei, tradição que<br />

realmente obscurecera a vontade de Deus revelada na lei,<br />

êle o fêz nos têrmos de um caso concreto, culturalmente<br />

relevante. Citou o exemplo do voto de Corbã (Marcos<br />

7. 11 ~13). Alude ao caso de maneira tão concisa - como<br />

a algo perfeitamente familiar a seus ouvintes - que nos<br />

seria difícil entender de todo sua denúncia dessa triste


170 o dilema hermenêutico<br />

peça da casuística dos escribas se não tivéssemos acesso<br />

a escritos rabínicos que tratam do caso.<br />

Um dos exemplos mais impressionantes de relevância<br />

cultural nas palavras de jesus ocorre na parábola das minas<br />

(Lucas 19.12-27). Descreve êle o nobre que confiou<br />

a seus servos as minas antes de iniciar sua viagem "para<br />

uma terra distante, com o fim de tomar posse de um reino,<br />

e voitar" (versículo 12). Não é essa a maneira óbvia e<br />

usual de um homem nobre tomar posse de um reino, e o<br />

caso deve ter impressionado seus ouvintes. Quando ouviram<br />

jesus dizer, em continuação, que os concidadã os do<br />

nobre "o odiavam, e enviaram após êle uma embaixada,<br />

dizendo: Não queremos que êste reine sôbre nós" (v. 14),<br />

certamente tomaram conhecimento do fato de que Jesus<br />

falava em têrmos próximos à experiência dêles. Forçosamente<br />

lembraram-se de uma história acontecida na época<br />

dêles. Lembrar-se-iam de Arquelau, o filho de Herodes, o<br />

Grande, que foi a Roma a fim de conseguir que o imperador<br />

confirmasse seu direito ao trono, contra a reivindicação<br />

de seu irmão Antipas. Enquanto estava em Roma,<br />

lá apareceu uma deputação de judeus que pediu ao imperador<br />

se abstivesse êle de indicar a qualquer membro<br />

da casa de Herodes como rei dos judeus. Vemos assim<br />

como jesus afirma sua mais alta reivindicação (ser ê1e<br />

o rei ungido) e como faz sua mais poderosa promessa (que<br />

voltará com poder e glória reais para recompensa e juízo)<br />

nos têrmos de um espelhafatoso episódio da história real<br />

dos judeus. Isto seguramente é relevância culíural; isto<br />

é acertar no meio dos olhos. li'<br />

Também neste respeito os apóstolos são discípulos de<br />

seu Mestre. Até Paulo, o apóstolo nascido fora do tempo<br />

devido, é seguidor de jesus na questão da relevância culturaL<br />

O exemplo que primeiro ocorre é o uso que fêz, em<br />

seu sermão no Areópago (Atos 17.23), da inscrição que<br />

encontrou em um dos altares de Atenas: Ao Deus Desconhecido.<br />

Paulo invade o domínio de uma religião falsa,<br />

politeística, para achar um têrmo, ou uma idéia, que o<br />

habilitará a proclamar aos atenienses o Deus verdadeiro<br />

de modo relevante e compelativo. Procede assim sem fazer<br />

qualquer concessão ao paganismo (de fato, éle usa a<br />

inscrição ateniense como a base para um ataque contra o<br />

paganismo ateniense - Atos 17.24-29), e sem poupar a<br />

seus ouvintes a proclamação do juizo impendente e o chamamento<br />

à penitência (Atos 17.30,31). Mas usa material<br />

16. Para uma lista muito mais longa de têrmos como êstes, veja<br />

.t'--dolf Schlatter: A História do Jest~s (Estugarda, Calv~jer<br />

Verlag, 1923), página 34, número 1.


o dilema hermenêutico<br />

171<br />

historicamente relevante, tirado do paganismo, para alcançar<br />

seu desígnio. E para o mesmo fim cita um poeta pagão<br />

(Arato - Atos 17.28).<br />

As cartas de Paulo da mesma forma evidenciam êste<br />

empenho por relevância cultural. Jesus não usara metáloras<br />

tiradas do atletismo. Claro que· na Palestina também<br />

havia anfiteatros, estádios e hipódromos, mas o mundo<br />

do atletismo greco-romano permaneceu longe da vida<br />

do judeu médio. Nos escritos de Paulo, entretanto, há livre<br />

uso de imagens atléticas (e. g.: Colossenses 1.29;<br />

I Timóteo 4 7-10; II Timóteo 4 7, 8; I Corin tios 9 24- 27) ,<br />

apesar do fato de que as grandes festas atléticas (tais<br />

como os jogos olímpicos ou ístmicos) eram celebraçoes religiosas<br />

pagãs.<br />

"Nossa politeuma está no céu", escreve Paulo aos filipenses<br />

(3.20). Seja qual fôr a exata nuança significativa<br />

que atribuímos a politeuma ("convivência", "cidadania",<br />

"comunidade" ou "metrópole"), parece certo que<br />

Paulo está aludindo q condição de Filipo como colônia romana,<br />

com habitantes que, embora residentes em Filipo,<br />

são cidadãos de Roma e disto se orgulham. Paulo vale-se<br />

de um aspecto relevante da vida civil para dizer sêriamente<br />

aos filipenses onde está centralizada a vida dêles<br />

e qual é a real glória dela.<br />

Em II Corinhos 11.22-33 Paulo "se gloria", principalmente<br />

de seus sofrimentos. Fridrichsen J7 sugere que neste<br />

"gloriar-se" Paulo está imitando conscientemente o estilo<br />

de inscriçoes reais do Oriente e das inscrições de res gestae<br />

de imperadores romanos, inscrições em que essa gente<br />

ilustre deixa ao mundo um memorial de suas realizações.<br />

Isto explicaria a falta de conetivos, o uso freqüente de<br />

numerais, o recorrente "muitas vêzes", e outros caracteres<br />

estilísticos não usuais. Seria isto mais um exemplo de como<br />

o Espírito induzia os homens a usarem uma forma pagã<br />

culturalmente relevante para fins de evangelização.<br />

Quando faz uso dessa forma, Paulo está dizendo, com eleito:<br />

Posso "gloriar-me" com reis e imperadores, se necessário;<br />

mas devo gloriar-me de meus sofrimentos, pois minhas<br />

conquistas são a conquista do sofredor Rei Ungido.<br />

João oferece outro exemplo. Há muito se reconheceu<br />

que o térmo Lagos, usado para designar a Cristo no prólogo<br />

joanino, tinha "relevância cultural" para o mundo<br />

grego do ano 95. O lato de que êsse aspecto de Lagos<br />

muitas vêzes tem sido desenfreadamente exagerado não<br />

devera tornar-nos cegos para esta realidade ou levar-nos<br />

17. Anton FI'ídrichsen, citado por i,V. G. Kümmel no Apêndice a<br />

Hans Lietzmann "Aos Corintios" (Tubinga, J. C. B. Mohr,<br />

1949), página 211.


172 o dilema hermenêutico<br />

a ignorá-la. Gerhard Kittel expressou a natureza e a extensão<br />

dessa relevância cultural com cuidado e precisão:<br />

"É perfeitamente crível que especulações verbais no<br />

mundo que circundava o Nôvo Testamento não deixaram<br />

de exercer influência (no uso joanino de 'Palc:!vra'). A situação<br />

é a seguinte: quatro coisas coincidem: 1) a concepção<br />

ou ponto-de-vista cristão-primitivo de Jesus como<br />

o Logos; 2) a convicção, igualmente do cristíanismo primitivo,<br />

com respeito à existência eterna, divina, pré-temporal<br />

de Cristo; 3) a memória do relato bíblico da peilavra<br />

criadora blada 'no princípio'; 4) os mitos e teorias<br />

do tempo em tôrno de lagos. Esta situação induziu o autor<br />

do Prólogo a acolher a palavra-chave destas teorias e<br />

mitos em tôrno de logos e a fazer desta palavra-chave a<br />

palavra temática de suas sentenças. É palavra~chave que<br />

também lhe é sugerida pela língua da Bíblia e do cristianismo<br />

primitivo. Mas éle dá a essa palavra-chave nôvo<br />

lugar e nôvo acento. Poder-se-ia expressá-Io escrevendo<br />

uma variação em tôrno das palavras de Paulo em I Coríntios<br />

8 5: 'Assim como há muitos deuses e muitos senhores'<br />

~ e muitas "palavras" ... O autor apresenta seu<br />

Logos, o qual é a única Palavra, e era ~ 'no princípio';<br />

o Logos que não é especulação acêrca de um indetermi~<br />

nado ser intermediário, nem personificação metafísica de<br />

um conceito metafísico, mas, em Jesus, Pessoa manifestada<br />

e, nêle, 'a Palavra' ".18<br />

O Apocalipse, escrito por João enquanto estava "no<br />

Espírito no dia do Senhor" (Apocalipse 1.10), fornece<br />

muitos exemplos de relevância cultural. Alguns exemplos<br />

terão que satisfazer. Em vão procuramos dentro das Escrituras<br />

uma chave para o sentido das sete estréIas na<br />

mão de um semelhante a filho de homem, na visão inaugural<br />

(Apocalipse 1.16). Os membros das sete igrejas provàvelmente<br />

estavam familiarizados com as sete estréIas<br />

como símbolo de domínio universal. Aparecem como símbolo<br />

dessa natureza em moedas imperiais. De sorte que<br />

o profeta inspirado toma um símbolo pagão e o usa para<br />

negar a reivindicação imperial. "Jesus, não César, é o Se~<br />

nhor", diz éle. E quando as sete estréIas são interpretadas<br />

como significando "os anjos das sete igrejas" (Apocalipse<br />

1.20), o profeta está dizendo aos seus contemporâneos<br />

ameaçados e amedrontados: "Quem reinará na<br />

Terra somos nós, os da igreja, não César" (cf. Apocalipse<br />

5.10) .<br />

18. Gerhard Kittel, légoo, Theologisches Wõrterbuch zum Neuen<br />

Testament, editor Gerhard Kittel (Estugarda, \V. Kohlhammer<br />

Verlag, 1932 -), IV, 137.


o dilema·hermenêutico<br />

173<br />

Na carta dirigido a Filadélfia Cristo dá 00 vencedor<br />

esta promesso: "Fá-lo-ei coluno no santuário do meu Deus"<br />

(Apocalipse 3. 12). Esta maneira de lalor otingia direta<br />

e relevantemente os homens de Filadélfia. Filadélfia, cidade<br />

de muitos templos, "tinha costume amável respeitante<br />

a êsses templos. Quando um homem havia servido bem<br />

ao Estado, quando havia deixado atrás de si memória<br />

nobre como magistrado, ou benfeitor público, ou sacerdote,<br />

o memorial que a cidade lhe dava consistia em erigir<br />

um pilar, em um dos templos, com seu nome inscrito<br />

nêle. Filadélfia honrova seus filhos ilustres, pondo os nomes<br />

déles nos pilores de seus templos. Assim o Cristo<br />

ressurreto promete ao vencedor: 'Fá-lo-ei coluna no santuário<br />

do meu Deus' (Apocalipse 3.12). O nome do fiel<br />

será inscrito não em algum templo pagão, mas na própria<br />

casa e famílía de Deus." 19<br />

Vale a pena citar a generalização de William Borday<br />

sôbre êsse tipo de inspiração: "Ao longo de tôda essa<br />

carta a Filadélfia vemos como a mensagem do Cristo ressurreto<br />

veio ao povo de Filadélfia em linguagem e ima'<br />

gens que êles puderam entender. Tomou sua história, os<br />

acontecimentos do dia a dia, as práticas cívicas de todos<br />

conhecidas, e a portir dessas coisas terrenas formou a<br />

mensagem celeste." 20<br />

Pode abusar-se dêsse modo de interpretação, e muitas<br />

vêzes dêle se abusou. Como, aliás, Se fêz mau uso de<br />

qualquer boa dádiva de Deus. A soberana liberdade do<br />

Espírito em confiscar tôda e qualquer faceta e experiência<br />

da história do homem para seus propósitos pode ser<br />

(e foi) mal interpretada como empréstimo servil. Assim<br />

as Escrituras vêm a ser encaradas como produto de seu<br />

ambiente, como mais um produto do espírito humano, não<br />

como o produto do Espírito. Em parecer recente (1963),<br />

o Deportamento de Teologia Exegética do Seminário Concórdia<br />

de SI. Louis advertiu contra êsse abuso do estudo<br />

histórico das Escrituras. Mostrou os pressupostos a que<br />

deve obedecer um estudo histórico. Ei-los: "1. Que ...<br />

o. estudo ... seja levado a eÍeito em submissão crente<br />

às Escrituras inspiradas como testemunhos de nosso Senhor<br />

Jesus Cristo, assim que estão excluídas considerações puramente<br />

racionais. 2. Que se dê consideração primacial<br />

à evidência da Escritura e que o emprêgo de evidência<br />

extrabíblica lhe fique subordinado_ 3. Que as Escrituras<br />

inspiradas sejam reconhecidas em sua imparidade e que<br />

analogias formais e substanciais com outros escritos sejom<br />

19. William Barclay. As Cartas às Sete Igrejas (Londres, SCM<br />

Press, 1957). página 98 e seguintes.<br />

20. Ibidem. pág. 99.


174 o dilema hermenêutico<br />

consideradas à luz dêsse fato preponderante; que o intérprete<br />

tenha consciência da possibilidade de que talvez<br />

esteja impondo ao material bíblico classificações estrOJ.'lhas<br />

e de que esteja julgando êste material à luz de normas<br />

inapropriadas para êle ... 4. Que no caso de figuras, instituições<br />

e eventos veterotestamentários se considere devidamente<br />

o testemunho de nosso Senhor e o de seus<br />

apóstolos. "<br />

Há um perigo nesse processo exegético. Perigo que<br />

se deveria reconhecer ajuizadamente. Mas não se esqueça<br />

que o perigo oposto é tão grande como o outro, asaber,<br />

o perigo de um docetismo pálido e inanimado. Devemos<br />

lembrar que o trabalho histórico é apenas a escadaria<br />

que conduz à porta do texto. Depois que a subimos<br />

podemos ver qual é a porta diante da qual estamos<br />

e em que desejamos entrar e de que espécie ela é<br />

(Isto é, reconhecemos o texto em sua particularidade e<br />

imparidade) . Por certo não é a chave que abre a porta;<br />

esta é deschaveada a partir de dentro. Mas desprezar a<br />

escadaria só porque não é a chave seria insensoio e marca<br />

de ingratidão para com o Deus que constrói escadarias,<br />

B -<br />

Esquematismo<br />

Há um outro perigo que deve ser reconhecido o arrostado:<br />

quondo vemos como o método histórico resolve<br />

os documentos dos poderosos otos de Deus em mito e legenda,<br />

somos inclinodos a reogir na direçôo oposta. Inclinomo-nos<br />

no sentido de fozer do princípio, verdadeiro<br />

e indispensável, do sensus litewlis um esquemotismo sêco,<br />

um modêlo que, entes de encontrá-Io no texto, a êle o impomos.<br />

O Deus que criou pássaros e inspirou os salmos<br />

é um poeta, é o Poeto. Não devemos esquecer êste fato.<br />

Seu Espírito falo atwvés de profetas e apóstolos em figuro<br />

e símbolo, na linguogem vivo dos homens, que sentem<br />

e querem e agem com a precisão do poixão. E fala assim<br />

mesmo quondo norra e interpreta história. Poder-se-io<br />

dizer até: exatomente quondo narro e interpreta histório.<br />

Por exemplo o Conto do Vinha, em Isoíos 5. 1-2, é todo<br />

êle símbolos. Mas os símbolos falam de eventos, do<br />

amor de Deus por seu povo, documentado por seus feitos<br />

na história daquele povo e do apostasia com que Israel<br />

respondeu 00 amor de Deus: "uvas brovos". Trota-se de<br />

um reloto profeticamente interpretativo de uma genuíno<br />

história, e os símbolos fazem a interpretoção. Os símbolos<br />

fozem desta história umo ocusoção formal que o coso<br />

de Israel e os homens de Judá não podem ignoror ou<br />

evodir (Cf. IsQÍos 5.3-7) .


o dilema hermenêutico<br />

175<br />

Jesus, o último profeta para Israel, também narra história<br />

nesta forma profético-simbólica. A parábola dos lavradores<br />

maus é relato profeticamente interpretativo da<br />

história de Israel até aos dias de Jesus. O relato do tratamento<br />

abusivo dispensado aos mensageiros do dono naturalmente<br />

é simbólico. Mas o símbolo relata e interpreta<br />

história. O assassínio do filho do dono se estava tornando<br />

história enquanto Jesus falava (Cf. Mateus 21.45, 46).<br />

A maioria das parábolas de Jesus são histórias capsulares<br />

em forma simbólica ou figurativa. A parábola da<br />

ovelha perdida, a da dracma perdida e a do filho pródigo<br />

são narrações profeticamente interpretativas da histó­<br />

Tia que seus oponentes haviam narrado em forma "histórica"<br />

literal quando disseram: "Êste recebe pecadores e<br />

come com êles" (Lucas 15.2). Qual dos dois relatos é o<br />

"verdadeiro" O relato de Jesus é "mais verdadeiro" exatamente<br />

porque é relato profeticamente interpretativo e<br />

que se vale de símbolos.<br />

Da mesma forma a parábola dos dois filhos, a da figueira<br />

estéril (Lucas 13.6-9 - notai o contexto), a do semeador,<br />

a do remendo nôvo em vestido velho, a do homem<br />

forte acorrentado, a da galinha que junta seus pintinhos,<br />

tôdas elas são históricas de acôrdo com seu carater.<br />

Não só tratam de verdades intemporais, mas da<br />

história que está sendo encenada perante os olhos dos<br />

contemporâneos de Jesus, a história do Messias-servo que<br />

vai palmilhando seu caminho ministerial rumo à cruz. Jesus<br />

contou história desta maneira porque era o chamador<br />

de homens, o evangelista. Narrando história dêsse<br />

modo econômico, plástico e agudo, procurou abrir os olhos<br />

dos homens para o fato do domínio real de Deus ativo na<br />

terra e no tempo dêles. A chave para entender as parábolas<br />

é exatamente o fato de que elas narram a história<br />

de Jesus de Nazaré. As parábolas cegam e endurecem a<br />

homens que se negam a recebê-Ias como história em símbolo,<br />

homens que não traçarão a linha do símbolo do forte<br />

acorrentado pelo mais forte ao "débil" Jesus de Nazaré,<br />

cujo. história está sendo narrada e interprctac:a na pc:,·ábob.<br />

Paulo narra e interpreta a história de Israel quando<br />

fala do "batismo" e da "ceia" de Israel no deserto (I Cormtios<br />

10.1-4). Narra a história do lidar de Deus com os<br />

judeus e os gentios quando fala da árvore e dos ramos<br />

enxertados (Romanos 11.17-24). Está narrando história de<br />

um modo profeticamente interpretativo, por meio de símbolo,<br />

quando diz aos coríntios: "Pelo evangelho vos gerei<br />

em Cristo Jesus" (I Coríntios 4. 15).<br />

Mas - poderia alguém argumentar -, nestes casos<br />

sempre parece haver alguma indicação de que está sen-


176 o dilema hermenêutico<br />

do empregada linguagem simbólica. E os livros que a si<br />

mesmos se apresentam como narrativa literal Nossos<br />

evangelhos certamente se apresentam como narrativas<br />

diretas. São o que implicam os títulos que a igreja lhes<br />

deu: . Boas Novas. Contudo, serão êles tão absoluta e ir'­<br />

restritamente diretos e livres de símbolos como sugere o<br />

têrmo "novas" Não se pode imaginar uma série mais<br />

prosaica de "gerou" do que a da genealogia de Jesus em<br />

Mateus .1. Mas até aqui o simbólico tem seu lugar. Mateus<br />

deu a esta série uma estrutura simbólica de 3 x 14<br />

gerações, saltando algumas gerações a fim de estruturar<br />

assim, e êle mesmo chama a atenção para êste simbolismo<br />

(Mateus 1.17). A presença de quatro mulheres na genealogia<br />

também parece ter significado simbólico. Este simbolismo<br />

estrutural se encontra ao longo de todo o primeiro<br />

evangelho.<br />

O livro dos Atos dos Apóstolos certamente é narrativa<br />

direta. O valor do livro depende inteiramente da historicidade<br />

de seu conteúdo, da aconteceuidade doseventos<br />

registrados. Mas até nêle encontramos uma paralelização<br />

simbólica das carreiras de Pedro e Paulo, bem como<br />

uma paralelização simbólica das peregrinações e dos<br />

sofrimentos de Paulo e de seu S~nhor. E o estribilho de<br />

Lucas: "A palavra do Senhor cresceu", não é linguagem<br />

de crônica prosaica. t a linguagem simbólica de uma interpretação<br />

profética da história.<br />

O emprêgo do símbolo na narração e interpretação<br />

da história é uma sempre presente possibilidade nas Escrituras.<br />

Devemos contar com essa possibilidade princi.:.<br />

palmente onde a coisa narrada não tem paralelo em nossa<br />

existência terrena, diária - ou mesmo em nossa existência<br />

século-a-século. Tomemos os exemplos mais óbvios.<br />

Nossa vida nada sabe de um fim absoluto (os que dizem<br />

que a morte é o fim de tudo jamais podem crer inteiramente<br />

nisso). É estúpido e desgracioso impor um "deve H<br />

ao Espírito Santo. Mas, falando de onde estamos, neste<br />

eon sombrio, términos absolutos devem ser comunicados<br />

em signos e símbolos, ou então não podem ser comunicados<br />

de forma nenhuma. O fim dêste mundo e o iuízo<br />

definitivo e final sóbre o pecado - como se comuni~arão<br />

estas coisas a nós, que vivemos num mundo em que o<br />

pecado é a realidade constante, dada, dominante da vida<br />

humana, mundo em que todo e qualquer julgamento Sóbre<br />

o pecado é apenas penúltimo (o juiz que sentencia a<br />

pena capital acrescenta as palavras: E que Deus se amerceie<br />

de sua alma)<br />

O fato é que o Espírito fala dos acontecimentos escatológicos<br />

em simbolismo sugestivo. Tão longe estão os


o dilema hermenêutico<br />

177<br />

relatos bíblicos sôbre o fim do mundo de serem diagrac<br />

màtÍcamente claros e consistentes, que teólogos ortodoxos<br />

ficaram indecisos entre a concepção de um aniquilamento<br />

absoluto dêste mundo e uma criação de nóvo, de um<br />

lado, e uma restauração recriadora dêste mundo de outro<br />

lado, e, talvez sàbiamente, muitas vêzes deixaram aberta<br />

a questão. O que todos êsses relatos dizem a nossas consciências<br />

e a nossa esperança é abundante e abençoadac<br />

mente claro.<br />

Tomemos os dois relatos mais pormenorizados do JuízoFinal<br />

oferecidos pelo Nôvo Testamento: Mateus 25.31-46<br />

e Apocalipse 20.11-15. Teologicamente concordam de modo<br />

absoluto: ambos falam a nossas consciências e a nossaesperança<br />

da mesma maneira, pois ambos põem ênfase<br />

no fato de que nossa libertação no julgamento final<br />

é devido, só e inteiramente, aos eternos conselhos graciosos<br />

de Deus ("Bem-ditos de meu Pai", "o livro da vida"),<br />

e no fato de que nossas" vidas crentes decifraram o veredicto<br />

que ouviremos no último dia ("A mim o fizestes", julgados<br />

pelo que estava escrito nos livros, "segundo o· que<br />

haviam feito"). Mas nos pormenores os dois relatos diferem<br />

quase que em todos os pontos. Nem mesmo a pessoa<br />

do juiz é absolutamente idêntica (Filho do homem;<br />

Deus no trono), A inferência é clara. A linguagem, em<br />

ambos os relatos, é a dos símbolos profeticamente interpretativos.<br />

E símbolos não precisam ser idênticos para<br />

acordarem entre si.<br />

Todos somos perseguidos por um receio quando consideramos<br />

êsse modo de interpretação. Perguntamos: para<br />

onde nos levará isso Onde termina Acaso não nos<br />

levará a lógica de nossa metodologia até o ponto em que<br />

vamos rarefazer todos os grandes atos de Deus em benefício<br />

dos homens e por nossa salvação, transformando-os<br />

em princípios e abstrações, em idéias que podem ser intelectualmente<br />

excitantes mas que não podem sustentarnos<br />

agora em nossas tentações, nem ajudar-nos na hora<br />

da morte Acaso não chegaremos a concluir, afinal, que,<br />

por exemplo, o fato primacial, aquêle do qual depende o<br />

futuro todo da humanidade, o fato da ressurreição de Jesus<br />

Cristo, não passa de maneira simbólica de dizer que<br />

a influência e o poder de Jesus persistem de alg1)8 mOGO<br />

para além de sua morte e determinam as vidas de seus<br />

seguidores.<br />

Devem dar-se duas respostas a essa temível pergunta.<br />

l. a representação profético-interpretativa de um evento,<br />

com o emprê


178 o dilema hermenêutico<br />

morte", Atos 2.24), está afirmando a realidade e histofÍcidade<br />

do evento. 2. uma coisa é reconhecer a presença<br />

e o valor da linguagem simbólica numa narrativa em que<br />

é provável e reconhecível; outra, bem diversa, é fazer da<br />

realidade que corresponde ao símbolo mero símbolo. No<br />

caso da ressurreição de nosso Senhor, simplesmente não<br />

há evadir o fato de que para cada uma das testemunhas<br />

eleitas para êsse evento a ressurreição é um fato. Aconteceu.<br />

De acôrdo com essas testemunhas, os soldados que<br />

guardavam<br />

tava vazio<br />

o túmulo fugiram aterrorizados; o túmulo es­<br />

e as vestes tumulares lá estavam, esmeradamente<br />

dobradas - nem mesmo a réplica judaica pôde<br />

desmentir o túmulo vazio. O Cristo ressurreto foi visto por<br />

muitos e em várias ocasiões. Falou-lhes; comeu na presença<br />

dêles. Superou suas dúvidas. Paulo, em I Coríntios<br />

15 (provàvelmente o mais antigo relato do acontecimento),<br />

fixa totalmente a fatualidade da ressurreição e faz<br />

depender da realidade dêsse evento a existência do apostolado,<br />

a proclamação apostólica, a igreja apostólica e a<br />

esperança da humanidade. Quem se desvia disso separou-se<br />

Santo.<br />

do Nôvo Testamento, do testemunho do Espirito<br />

Há um perigo aqui. Se o reconhecemos, estamos precautelados<br />

contra êle e podemos evitá-lo. Se em mêdo<br />

pânico nos recusamos a encarar êsse caraterístico dos textos<br />

inspirados, estamos ignorando o que nos ensinaram o<br />

Saltério e a história tôda da hinologia cristã: que a linguagem<br />

da poesia é a mais poderosa, a mais comovente,<br />

e, em derradeira análise, a mais verdadeira e mais acurada<br />

forma de linguagem.<br />

c - Intelectuallsmo<br />

Em 1942 Hermann Sasse publicou um estudo penetrante<br />

e comovedor do programa bultamanniano de demitiíicação.<br />

O estudo foi reeditado, com nôvo prefácio, por<br />

Friedrich Wilhelm Hopf, em Lutherische Bkiíter de novembro<br />

de 1964.* Devêramos ser-lhe gratos por haver feito êsse<br />

estudo, ainda relevante, e ainda prontamente obtenível.<br />

Pois o problema de que trata não é só o do Bultmannismo<br />

radical; trata de todo o historicismo que criou aquêle dualismo<br />

na interpretação das Escrituras do qual temos falado,<br />

1ntitulou seu estudo Flucht vor dem Dogma (Fuga do Dogma)<br />

. Em seu parágrafo final Sasse chama atenção para<br />

o fato de que o juizo por êle feito a teologia bultmanniana<br />

também vale para largo setor da teologia evangélica de<br />

hoje, Essa teologia, diz êle:<br />

") Ci. Igreja Luterana, 1964, página 170 S8.


o dílema hermenêutico<br />

179<br />

.. ' ainda é, em derradeira análise, uma forma do<br />

neoprotestantismo nascido do Iluminismo. O sinal infalível<br />

dêsse neoprotestantismo é sua falta de compreensão para<br />

com o dogma da igreja, e, conseqÜentemente, sua inabilidade<br />

para compreender as grandes verdades objetivas<br />

da revelação divina. É êste o tributo que as igrejas evangélicas<br />

pagam à cultura moderna. No pagamento dêsse<br />

tributo encontra expressão a vergonhosa dependência da<br />

igreja frente ao mundo. Foi na batalha contra o dogma<br />

da igreja, mais ou menos à volta dos séculos 17 e 18, que<br />

o mundo moderno começou a existir. Desde então todo<br />

homem moderno tem, por assim dizer, um ressentimento<br />

inato contra tudo o que se possa chamar confissão, doutrina,<br />

dogma da igreja. Até la onde os homens exultam<br />

nas confissões redescobertas, verifica-se que ainda estão,<br />

inconscientemente, em fuga do dogma, a substância doutrinária<br />

das confissões. Muito trabalho terá que ser feito,<br />

e terá que realizar-se profunda revolução no pensamento<br />

teológico antes que esta secreta fuga do dogma (que é<br />

deveras fuga da reivindicação de autoridade sôbre nós feita<br />

pela Escritura Sagrada) esteja superada e a igreja recupere<br />

sua liberdade espiritual frente ao mundo ..<br />

Como igreja, ainda não participamos nessa fuga do<br />

dogma. Mas talvez devêramos perguntar a nós mesmos:<br />

o espetáculo da dissolução de dogma após dogma, sob o<br />

ataque da exegese histórico-crítica, nos aterrou de tal maneira,<br />

que fugimos para dentro do dogma E dessa fuga<br />

não resultou uma espécie de intelectualismo em nossa proclamação<br />

e em nosso ensino Disse, faz poucos anos, um<br />

pastor de nossa igreja, de idade provecta: "Somos uma<br />

igreja-catecismo, antes que uma igreja-Bíblia". Sua intenção<br />

não foi criticar. Mas êsse "antes que" não será<br />

uma acusação a nossa igreja Se é acusação justificada,<br />

significa que não permitimos exercessem nossas preciosas<br />

confissões sua função hermenêutÍca: levar-nos para dentro<br />

da Escritura e através da Escritura. Por certo que há<br />

verdade na afirmação de Gerhard Gloege: "A Confissão<br />

(escrita) é a norma básica da hermenêutica bíblica .<br />

Uma confissão está em vigor apenas enquanto capaz de<br />

exercer sua função de interpretar a Escritura." 11<br />

Seja qual fôr nossa resposta a essa acusaçao, devemos<br />

admitir que certo intelectualismo se infiltrou em nossa<br />

pregaçao, como resultado de nossa fuga para dentro do<br />

dogma. Os sermões que ouvimos têm, certamente, substância<br />

dogmáticc:!. São claros e precisos. Grandes e ine-<br />

21. Gerhard Gloege, "Bekenntnis, V., Dogmatisch", Die Religion<br />

in Geschichte undGegenwart, terceira edição (Tubinga, J. C. B.<br />

Mohr, 1957) ~), I, 997.


180 o dilema hermenêutico<br />

gáveis virtudes estas. Mas quankrs vêzes essa clareza e<br />

precisão foram alcançados às custas de plasticidade, concretitudee<br />

relevância. O texto em tela não é exposto em<br />

sua particularidade. Torna-se, antes, meramente ponto de<br />

partida de um dogma como tal. O pregador foge do Nôvo<br />

Testamento para seu catecismo ou sua dogmática. Se sua<br />

consciência o atribula pelo fato de êle haver substituído,<br />

por assim dizer, um mapa dogmático com a paisagem<br />

querigmática do Nôvo Testamento, sempre pode confore<br />

tar-se com o fato de que pregou "um sermão sàlidc:mente<br />

doutrinário, e isso é o de que o povo precisa".<br />

Alguns pregadores reàgiram contra êsse intelectualismo<br />

na direção da senti mentalidade e do legalismo pietístico,<br />

com tôda a perda da substância dogmático-querig~<br />

mática que vai envolvida nisso. Natural que isso não constitui<br />

remédio. O remédio não está em pregar menos dogma,<br />

mas em pregar mais dogma, dogma em tôda a sua<br />

plenitude, riqueza e relevância bíblicas - como palavra<br />

direta e compelativa, dirigida a nós. O remédio está em<br />

permitir que ~s Confissões realmente façam sua obra hermenêutica,<br />

permitir-lhes que nos dêem olhos para ver e<br />

ouvidos para ouvir o que a Escritura apresenta em côr e<br />

variedade profusas. No clima cálido dos textos inspirados<br />

as sementes do dogma se expandirão, brotarão e florescerão<br />

para uma proclamação que instrua e mova.<br />

A função hermenêutica de nossas Confissões é servir<br />

a pregação, a proclamação da igreja: "Nossas igrejas eh~<br />

sinam com grande unanimidade" (Confissão de Augsbur~<br />

go, I). É genuInamente luterana a afirmação de Peter<br />

Brunner: "A interpretação decisiva da Escritura" é .. ' o<br />

sermão escatológico, não a exegese histórico-crítica." 22<br />

Nesta conexão dever-seeia dizer uma palavra respeito à<br />

função hermenêutica da liturgia, êsse outro grande presente<br />

com que Deus dadivou a Igreja Luterana. A liturgia<br />

luterana oferece a moldura ideal para essa "interpretação<br />

decisiva da Escritura". Aqui o movimento do ano eclesiástico<br />

é recordação constante do caráter escatológico de<br />

nossa interpretação da Escritura, pois aí se nos lembra<br />

contlnuamente de que Deus está "0 caminho", em movimento<br />

rumo a seu alvo final de juizo e consumação - e<br />

se nos lembra também que nós, a igreja, somos peregrinos,<br />

povo de Deus a caminho, gente que dirige o olhar<br />

para a cidade que tem fundamentos. Aqui o horizonte escatológico<br />

está sendo contInuamente aberto, na confissão<br />

22. Peter Brunner, citado no Informe de otto Perels em "Die<br />

Verbindlichkeit des Kanons", Fuldaer Hefte, 12, editor Friedrich<br />

HUbner (Berlim, Lutherisches Verlagshaus, 1960), página<br />

78.


o dilenia hermenêutico<br />

181<br />

dos pecados e na absolvição, no louvor, na oração, na proclamação<br />

e na confissão de fé, no recebimento da bênção<br />

de Deus, pois "eu te abençoarei" é a palavra primeva e<br />

a escatológica de Deus a seu povo (Gênesis 12. 2; Mateus<br />

25 34).<br />

E aqui, na liturgia, palavra e sacramento são mantidos<br />

juntos em sua unidade essencial e orgânica. Esta unidade<br />

de palavra e sacramento. recorda perpetuamente ao<br />

intérprete proclamadOr o fato de que êle, em última análise,<br />

não está "lidando com" a Palavra de Deus; o Deus,<br />

que em sua Palavra está presente e ativo para julgar e<br />

salvar, está lidando com o intérprete proclamador. Também<br />

aqui se abre o horizonte escatológico: quando se<br />

nos ensina a conceber desta maneira a Palavra de Deus,<br />

sabemos que tôda e qualquer proclamação dela é ante·<br />

cipação do Juízo Final. Pois com cada proclamação a<br />

luz ilumina o mundo: "O julgamento é êste: Que a luz<br />

veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do<br />

que a luz; porque as suas obras eram más. Pois todo<br />

aquêle que pratica o mal, aborrece a luz e não se chega<br />

para a luz, a fim de não serem argüidas as suas obras.<br />

Quem pratica a verdade aproxima·se da luz a fim de que<br />

as suas obras sejam manifestas, porque feitas em Deus"<br />

(João 3.19-21).<br />

Neste solo o intelectualismo realmente não pode cres~<br />

cer. Neste clima o dualismo na interpretação bíblica (que<br />

ainda é a praga da teologia bíblica em nossos dias) pode<br />

ser superado. Aqui, onde estamos totalmente submissos<br />

à Palavra, pode haver entendimento genuíno da Palavra.<br />

Aqui pode haver interpretação verdadeira da Palavra.<br />

Aqui, até o exegeta pode viver na esperança de que algum<br />

dia ouça aquela palavra irresistivel: "Bom e fiel<br />

servo, entra no gôzo do teu Senhor".


182 Fundamentos Bíblicos da :Ética Cristã<br />

FUNDAMENTOS BíBLICOS<br />

DA_ ÉTICA CRIST~{<br />

l\IARTUI<br />

C. WARTH<br />

INTRODUÇÃO<br />

1.<br />

Ética Cristã<br />

Com o próprio tema dado a esta pesquisa fica delimitada<br />

a discussão do problema ético dentro do campo e<br />

dos conceitos da religião cristã. As poucas referências a<br />

uma ética filosófica apenas foram incluídas para sublinhar<br />

as conclusões da ética cristã.<br />

A religião cristã é a religião perfeita no sentido absoluto.<br />

Porisso também a ética cristã é a ética perfeita no sentido<br />

absoluto. Falamos em sentido absoluto, porque não é comparativamente<br />

melhor, mas é a única que corresponde à<br />

realidade humana frente ao seu Deus e Criador.<br />

Tentou-se, especialmente desde Fichte, pensar a realidade<br />

moral sem o Deus que criou a ordem moral, ou pensar<br />

a realidade moral baseada apenas na consciência psicológica<br />

do homem. Mas a consciência psicológica, com<br />

as manifestações da razão e da vontade, aponta para além<br />

de si mesma, para Deus. A ética autônoma e imanente é<br />

indefensável, embora seja novamente invocada pela ass.im<br />

chamada "nova" moralidade, tornada popular pelos<br />

livros de John A. T. Robinson.1 De outro lado a consciência<br />

moral ainda se impõe ao. homem, fazendo-o responsável<br />

perante uma justiça qu.e lhe é superior e fora de seu<br />

contrôle absoluto. A consciência moral aponta para a vontade<br />

de Deus como medida para nossas ações. 2<br />

Para termos um sistema ético que corresponda à realidade<br />

humana é, portanto, necessário que conheçamos a<br />

vontade de Deus. E para escaparmos à imanência de um<br />

sistema ético é necessário que esta vontade de Deus nos<br />

seja revelada além e acima das manifestações de nossas<br />

1 John A. T. Robinson, Honest to God. (Philadelphia: The<br />

Westminster Press, 1963). - Do mesmo autor em tradução<br />

para o alemão: Ch'l'istliche Moral heltte. (München: Chr.<br />

Kaiser Verlag, 1964).<br />

2 Kirchliches Handlea,ikon. Editado por Carl Meusel, Ernst<br />

Haack, B. Lehmann, e outros. (Leipzig: Justus Naumann,<br />

1889). VoI. II, 450-451: "Ethik".<br />

Paul Althaus, Grundriss der Ethik (Gütersloh: C. Bertelsmann,<br />

1953, 2' edição), p. 50.


Fundamentos Bíblicos da l1:tíca Cristã 183<br />

consclencias psicológica e moral. Esta é a razão porque<br />

procuramos os fundamentos bíblicos da ética cristã.<br />

Por definição a ética cristã está condicionada a Cristo.<br />

E Cristo sàmente encontramos na revelação de Deus<br />

dada nas Escrituras Sagradas. A ética. cristã é portanto<br />

uma ética revelada. 1'v1uitasdefinições se têm dado à ética<br />

cristã ou teológica. Ética é considerada a ciência do<br />

m.oraI, dos costumes, do ethos, g dando cada autor uma<br />

conotação diferente à palavra escolhida. A teologia católica<br />

romana preferiu geralmente falar de "filosofia mo~<br />

rol" onde a teologia evangélica usou o térmo "ética". 4<br />

Usamos neste estudo os térmos ética e moralidade como<br />

essencialmente sinônimos.<br />

A ética cristã não é sàmente descritiva, como a ciência<br />

da atitude do homem frente ao dever absoluto, mas<br />

também é normativa, no sentido em que é uma reilexão<br />

sistemática a respeito da revelação de Deus vista como<br />

chamamento do homem à ação, isto é, vista como mandamento,<br />

bem como fundamentação efetiva da obediência<br />

humana. 5 Desta forma a ética cristã fala de um lado<br />

da situação do homem frente ao dever absoluto, e, de outro<br />

lado, frente ao dever condicionado pela vinda de Cristo.<br />

Porisso a ética cristã não é apenas descritiva e normotiva,<br />

mas, para ser cristã, precisa ser soteriológica, porque<br />

ela precisa apontar e dar os meios para tornar posa<br />

obediência humana dentro da norma e da graça<br />

de Deus. Isto a aproxima da teologia sistemática de tal<br />

forma que muitos teólogos no passado não quiseram falar<br />

da ética como de uma disciplina separada da dogmática.<br />

Foi o mérito de Calixto pela sua "Theologia Moralis"<br />

de 1634, de separar as duas disciplinas. Embora separadas<br />

exteriormente, ética e dogmática se relacionam Intimamente.<br />

Ambas apresentam a verdade revelada, mas<br />

enquanto que a dogmática apresenta as doutrinas da fé,<br />

a ética apresenta as doutrinas dos costumes e da moral. G<br />

Enquanto que a dogmática tratá das verdades religiosas,<br />

a ética trata das verdades morais. 7<br />

A ética cristã envolve tóda a Dersonal',c1adcc Q vicr;:<br />

humana. A ética cristã trata da" qualidade do homem<br />

julgado de acôrdo com o critério de Deus, e parisso a<br />

nossa biografia precisa ser estudada do ponto de vista do<br />

3<br />

4<br />

5<br />

6<br />

Paul Lehmann, "Ética Cristã e l1:tica Marxista", Diálogo, VoI.<br />

TI (1964, nQ 3), p. 27.<br />

Werner Elert, The Ohristian Ethos. Tradução de Carl J.<br />

Schindler. (Philadelphía: Muhlenberg Press, 1957), p. 3.<br />

Paul Althaus, op. cit., p. 11.<br />

Meusel, et aI., op. cit., lI, p. 452.<br />

Johann Michael Reu e Paul H. Buel1ring, Ohristian Ethics,<br />

(Columbus, Ohio: The Lutneran Book Concern, 1935), p. 48.


184 Fundamentos Bíblicos da 11:tica.Cristã<br />

juízo final. Temos que saber como Deus avalia a vida, e<br />

qual o seu critério de julgamento. 8 Descobrimos que e<br />

critério de Deus é a sua lei, uma lei de vida, de morte,<br />

de retribuição. 9 A base desta lei é que precisamos avaliar<br />

e reavaliar a nossa vida diàriamente.<br />

Esta avaliação nos poderia levar ao desespêro se não<br />

soubéssemos do motivo soteriológico da ética cristã, se<br />

não soubéssemos de Cristo e sua obra redentora, se não<br />

soubéssemos que Cristo será o juiz no juízo final. Porisse<br />

ética cristã é uma ética de concessão, em que não apenas<br />

existe um critério de lei para julgar os nossos atos, mas<br />

existem também a graça e o perdão. A ética cristã é diferente<br />

de tôda ética filosófica porque não apenas dá uma<br />

norma, mas cria no homem as condições para que possa<br />

atender a essa norma. A ética cristã nos transforma para<br />

primeiro sermos o que devemos fazer, ela nos dá o que<br />

nos ordena, ela mesma realiza em nós o que exige. 10<br />

Nesse sentido podemos definir a moralidade cristã como<br />

a aceitação voluntária da vontade divina como norma, por<br />

personalidades humanas livres, com o objetivo e a finalidade<br />

de realizar esta vontade na vida individual bem<br />

como nas várias relações sociais. 11<br />

A moralidade cristã nasce portanto de uma relação<br />

individual do homem com Deus. Sàmente quando esta<br />

relação está correta é que o pensamento, a vontade, e a<br />

ação do cristão podem ser corretos em relação a si mesmo<br />

e em relação à sociedade em que vive. Na ética cristã<br />

se aplica o princípio de que a árvore precisa ser boa<br />

para que possa produzir bons frutos. Não são os bons<br />

frutos que tornam a árvore boa. Na ética cristã o mais<br />

importante não é o que deve acontecer, mas o que aconteceu.<br />

Quando analisamos neste estudo o que aconteceu,<br />

vamos descobrir que a ética cristã é na realidade uma<br />

ética de emergência para um estado provisório entre a<br />

promessa da vinda de Cristo e a sua "parousia" finaL<br />

2. Fundamentos Bíblicos<br />

Não seria necessário dizer que a ética cristã deve<br />

estar fundamentada na revelação de Deus. A revelação<br />

de Deus tem como centro principal a Cristo e sua obra<br />

em favor dos homens, de modos que poderíamos dizer<br />

8 Elert, op. cit., p. 49.<br />

9 Ibid., p. 52. - Rm 2.6; 2 Co 5.10.<br />

10 Meusel, et a!., op. cit., lI, p. 452.<br />

11 Reu, op. cit., p. 33.


Fundamentos Bíblicos da Ética Cristã<br />

185<br />

que a revelação de Deus é Cristo. 12 A ética cristã é portanto<br />

a ética ensinada por Cristo, é a ética tornada possível<br />

por meio c:!eCristo.<br />

Duas cousas ressaltam no estudo da Palavra revelada<br />

de Deus. De um lado é a causa da vinda de Cristo,<br />

e de outro lado o resultado da vinda de Cristo. Cristo veio<br />

por causa do pecado dos homens, para os libertar da opressão<br />

do pecado. Pecado e graça são os dois motivos que<br />

voltam sempre de nôvo na revelação de Deus. :t:stes dois<br />

motivos são expressos pelos princípios fundamentais que<br />

devem reger a hermenêutica cristã: Lei e Evangelho. 13<br />

Tôda revelação de Deus ou é Lei ou é Evangelho, ou fala<br />

da ira de Deus pelo pecado do homem ou da graça<br />

de Deus.<br />

Quando, pois, queremos examinar os fundamentos<br />

bíblicos da ética cristã o fazemos baseados nestes dois<br />

princípios de hermenêutica cristã, na certeza de que são<br />

êstes os dois princípios que devem não somente governar<br />

a interpretação da revelação de Deus nas Escrituras Sagradas,<br />

como devem também governar tôda a vida do<br />

cristão.<br />

A. A SITUAÇÃO NATURAL DO HOMEM<br />

1. O homem foi criado segundo a imagem de Deus<br />

Quando analisamos a nossa situação atual como homens<br />

descobrimos uma duplicidade em nós. De um lado<br />

reconhecemos que somos autônomos apenas no sentido<br />

em que reconhecemos as nossas decisões e os nossos atos<br />

como nossos, mas que fundamentalmente dependemos de<br />

Deus. Reconhecemos que somos responsáveis por estas<br />

decisões e êstes atos a um poder e a uma vontade que<br />

não são nossos. Reconhecemos que Deus nos responsabiliza<br />

por algo que deveríamos ser, fazer, ou deixar de<br />

fazer. De outro lado descobrimos que Deus nos torna responsáveis<br />

por algo que na realidade nem podemos fazer.<br />

Descobrimos que apesar de decidirmos o que queremos<br />

decidir nós não temos um livre arbítrio para decidirmos<br />

o que devemos decidir, nem para fazer o que devemos<br />

fazer. Há portanto uma contradição entre o que quere-<br />

12 Werner Elert, Morphologie des Lttthertu1ns (Müncl1en: C. H.<br />

Beck'scl1e Verlagsbuchhandlung, 1958), VoI. I, p. 95. - Jo<br />

14.6; Mt 11.27.<br />

13 Robert C. SChultz, "The Distinction Between Law and Gospel",<br />

Ooncordia Theological Monthly, XXXII (Oct. 1961), p. 591.<br />

(Cf. Lutero, WA 18, 680 ff., 692 f.; Ap. IV 5, 102, 186; XII<br />

53; FC SD V, VI.)


186 Fundamentos Bíblicos da :e:tica Cristã<br />

mos decidir e o que devemos decidir, O mais espantoso<br />

que descobrimos em nós é que o Deus que exige, de nós<br />

algo em sua Lei, ao mesmo tempo prod~z pela sua Lei<br />

justamente o contrário em nós, H Essa é a infeliz duplicidade,<br />

que sabendo que devemos fazer o bem não o fazemos,<br />

nem o podemos fazer (Rm 7, 19), Mesmo que Deus<br />

exija o bem de nós, somos obrigados por natureza a fazer<br />

o que é mau diante de Deus. Esta duplicidade cria angústia<br />

e ansiedade no homem, porque o homem olha para<br />

Deus na procura de uma resposta para êsse dilema, e<br />

Deus apenas lhe responde: Tua culpa! Nessa contingência<br />

termina tóda a racionalidade da moral para o homem,<br />

Até êsse ponto precisamos chegar para compreendermos<br />

que a moral cristã é necessàriamente soteriológica, isto é,<br />

que para o problema humano sàmente há uma solução:<br />

a graça em Cristo, mediante a fé. Porisso a ética cristã<br />

precisa ser uma ética do perdão<br />

Essa duplícidade no homem, embora natural, nao<br />

corresponde à vontade absoluta de Deus, nem foi implantada<br />

no homem por criação, Ensina-nos a Escritura que o<br />

homem foi criado segundo a imagem de Deus (Gn 1 "26,27;<br />

1 Co 11.7). Assim o homem não poderia estar por criação<br />

em contradição com a vontade de Deus. Não havia,<br />

portarlto, a duplicidade entre o dever e o cumprimento. O<br />

homem era "absolutamente" bom, isto é, êle ainda não<br />

conhecia um bem em contraposição ao mal, porque o mal<br />

ainda não havia penetrado em sua vida.)" Deus o previne<br />

do "mal", proibindo-lhe de comer da árvore do conhecimento<br />

do bem e do mal (Gn 2. 17). No entanto essa<br />

possibilidade do mal que é admitida na proibição é uma<br />

possibilidade que não se pode realizar dentro do paraíso.<br />

Quando essa possibilidade SG tmLGl ; [jalidade já não há<br />

paraíso para a criatura. 16 Na situação em que o homem<br />

foi criado por Deus éle conhecia apenas a univocidade<br />

de sua vontade, de seus pensamentos, de suas ações, que<br />

concordavam com a vontade de Deus. O homem ainda<br />

estava separado do mal, separado para uma certa finalidade,<br />

a finalidade de cumprir a vontade de Deus. Isso<br />

é traduzido na palavra "santidade". Santidade era uma<br />

das características da imagem divina, porque na restauração<br />

da imagem divina o apóstolo Paulo nomeia esta qualidade<br />

ao lado da justiça e do conhecimento (Ei 4.24; Cl<br />

3.10). Santidade nos identifica com a imagem divina, porque<br />

santidade é a exigência máxima que Deus faz ao ho-<br />

14 Elelt, Morphologie des Luthertu1ns, r, pp. 18-19.<br />

15 Helmut Thielicke, Theologische Ethik, VaI. I, (Tlibingen: J.<br />

C. B. Mohr - Paul Siebeck -, 1958), p. 457 (1363).<br />

16 Ibid., p. 457 (1364). - Rm 3.7.


Fundamentos<br />

Bíblicos da l\'ltica Cristã<br />

187<br />

mem (Lv 19.2; 1 Pe 1.15,16). Santidade é a qualidade<br />

de estar em perfeita consistência e harmonia com a sua<br />

própria natureza.17 No caso do homem esta santidade sàmente<br />

existia enquanto êle tinha uma natureza sem duplicidade,<br />

uma natureza simples e pura, segundo a imagem<br />

de Deus. Ninguém pode estar em perÍeita harmonia com<br />

uma natureza dividida como a do homem em seu estado<br />

natural atuaL Porisso agora, em seu estado natural, o<br />

homem já não tem a possibilidade de ser santo.<br />

O homem criado à imagem divina era santo porque<br />

estava em perfeita harmonia com a vontade de Deus que<br />

êle conhecia. O conhecimento da vontade de Deus era<br />

outra característica da imagem de Deus (CI 3.10). A vontade<br />

de Deus é a sua lei. O homem, pela imagem divina,<br />

conhecia a lei de Deus. Esta era uma lei "afirmativa",<br />

visto que não havia ainda o mal na vida do homem que<br />

devia ser negado e rejeitado. O homem ainda não conhecia'<br />

o mal. A única proibição que houve na lei de Deus<br />

era para evitar que houvesse negações e proibições. Não<br />

era ainda o reconhecimento do mal como uma .possibilidade<br />

na vida do homem, mas era o caso extremo, o caso<br />

de limite que deveria ser evitado. A proibição de não comer<br />

da árvore do conhecimento do bem e do mal foi dada<br />

para assegurar a obediência absoluta do homem a<br />

Deus, para conservar a sua integral santidade, sua harmonia<br />

com a sua própria natureza criada segundo a imagem<br />

de Deus. Esta proibição não foi uma insinuação no<br />

sentido de afirmar que o homem era imperfeito e propenso<br />

para o mal, e que por essa razão era necessário criar<br />

barreiras que evitassem o desenvolvimento dessa imperfeição.<br />

Ao contrário, a imagem divina dava ao homem o<br />

caráter de perfeição. O critério de Deus a respeito do homem<br />

foi deque tudo era "muito bom". (Gn 1. 31; Ec 7.29).<br />

Seu conhecimento da lei de Deus e sua obediência a ela<br />

eram perfeitos. Deus não precisava fazer concessões ou<br />

advertências além daquela que fêz, e que reconhecia apenas<br />

a existência do mal fora do ciclo normal da criação,<br />

fora do paraíso. O conhecimento do mal traria a morte.<br />

Morte é oposta a criação.<br />

2. A queda introduziu o mal que era «tabu»<br />

.fi. queda no pecado não foi o aproveitamento de uma<br />

nova possibilidade, mas foi a queda numa "impossibilidade",<br />

a queda no servo arbítrio, no "non posse non pec-<br />

17 A. L. Graebner, Outl'ines of Doct1'ínal Theology, (st. Louis:<br />

Concordia Publishing House, 1898), p.39, § 36.


188 Fundame"tos Biblícos da :Ética Cristã<br />

care". 18 O mal que foi citado apenas como fora do limite<br />

da criação, que era "tabu" para o homem santo, agora<br />

tornou-se parte integrante de sua personalidade e de<br />

sua existência. Agora surgiu a fatal duplicidade de que<br />

fala o apóstolo Paulo (Rm 7. 15). O homem conhecia agora<br />

o bem e o mal. Mas não era livre para decidir-se pelo<br />

bem. Sua vontade apenas tinha possibilidade de decidirse<br />

pelo que era m0ralmente mau de acôrdo com a santa<br />

vontade de Deus. 19 A imagem divina não era uma "super-estrutura"<br />

que se perdeu com O pecado, mas era parte<br />

da própria natureza do homem. O mal corrompeu a<br />

natureza humana.<br />

A lei natural, que é a revelação da vontade de Deus<br />

por criação, não deixou de existir no homem quando pecou,<br />

mas com o advento do mal ela tornou-se inadequada.<br />

Deus não havia dado ao homem instruções a respeito<br />

do maL porque êsse mal não existia na sua criação.<br />

O mal entrou na criação e destruiu o equilíbrio, a santidade,<br />

o conhecimento perfeito. O mal sobrepujou o homem,<br />

porque o mal não estava previsto, nem sujeito à lei<br />

de Deus. O mal contaminou irremediàvelmente o homem<br />

de tal forma que a exigência da lei já não podia ser cumprida.<br />

Sabendo a lei o homem já não podia cumprí-Ia.<br />

O mal se impunha sem lei e contrário à lei. O homem<br />

que deve fazer o bem é obrigado a fazer o mal. O mal<br />

se impôs de tal forma que dominou o homem, que obscureceu<br />

a sua razão e sua vontade, bem como a lei de Deus<br />

que deveria governar as ações morais do homem.<br />

A consciência moraL que representa a lei dada por<br />

Deus na criação, 2


Fundamentos<br />

Bíblicos da l!:Uca Crístã<br />

189<br />

que está em nós. A Escritura fala de consciência "fraca",<br />

"golpeada" (l C08.12), "adormecida" (Ef 5.14; 1 Ts 5.6).<br />

Podemos acalmar a consciência, fazê-Ia defender o nosso<br />

pecado, justificar o mal, acostumá-Ia ao pecado até certo<br />

ponto. Desta maneira a consciência pode encontrar-se entre<br />

a lei e o pecado, entre a santa vontade de Deus e o<br />

mal. De um lado acusa-nos, de outro lado aprova as nossas<br />

ações do ponto de vista moral. Mas, sujeita à influência<br />

do mal em nós, a consciência moral também pode a­<br />

provar a imperfeição moral e acusar onde procuramos seguir<br />

a lei de Deus. Esta depravação da consciência é devida<br />

ao pecado, devida à duplicidade que trouxe o conhecimento<br />

do bem e do mal.<br />

E no entanto a consciência continua sendo uma voz<br />

de Deus no homem. A consciência testifica a presença e<br />

a validade da lei dada por Deus ao homem, e o direito<br />

que Deus tem de exigir satisfação do homem. A consciência<br />

testifica que a ação moral do homem é medida pela<br />

lei de Deus. Porisso o "pecado aterroriza as consciências",<br />

o que acontece através da lei que mostra a ira de Deus<br />

contra o pecado. 22 Porisso os dogmáticos podem falar dos<br />

"terrores", "tormentos", do "aguilhão" da consciência. 2:':<br />

Em vista do mal que deturpou a lei natural no homem a<br />

consciência não pode ser ouvida confiantemente como a<br />

voz de Deus em nós quando baseada unicamente na lei<br />

natural. Para que possa atuar com segurança é preciso<br />

que seja iluminada pela lei positiva de Deus, isto é, pela<br />

lei revelada com vistas a Cristo. 24<br />

Apesar de tódas as restrições, a consciência orientada<br />

apenas pela lei natural é suficiente para nos provar que<br />

somos responsáveis perante Deus. Porisso quando perguntamos<br />

por que somos maus, a resposta dada pela consciência<br />

orientada segundo a lei natural nos afirma que<br />

nós mesmos somos os responsáveis, concordando com o<br />

julgamento de Deus que afirma: Tua culpa! 25<br />

A consciência moral atesta dois fatos importantes para<br />

a vida moral do homem: primeiro, que o homem ainda<br />

conhece parcialmente a lei natural; segundo, que em<br />

22 Edmund SChlink, Theology 01 fhe Lidheran Oonlessions. Tradução<br />

de Paul F. Koehnecke e Herbert J. A. Bouman, (Philadelphia:<br />

Muhlenberg Press, 1961), p. 55. - Cf. Ap IV, 79.<br />

23 Heinrich Schmid, The Doctrinal Theology 01 fhe EvangeZical<br />

Lutheran Ohurch. Tradução de Charles A. Hay e Henry E~<br />

Jacobs. (JVIinneapolis, Minn.: Augsburg Publishing House,<br />

19i)!, 3' edição, c. 1875), p. 106-108.<br />

24 Jolm Theodore Mueller, Dogmática Cristã. Tradução de Martinho<br />

L. Hasse. (Pôrto Alegre: Casa Publicadora Concórdia,<br />

1957/60), VoI. I, p. 219.<br />

25 Thielicke, op. cit., I, p. 464 (1389).


:1&0 Fundamentos Bíblicos da Ética Cristã<br />

oposição à lei natural o homem está marcado pelo pecado<br />

original. Uma análise detalhada do fato da existência<br />

do pecado original em cada homem nos convence de que<br />

mesmo que o pecado original seja herdado, nós o reconhecemos<br />

como nosso, como nossa culpa, da mesma forma<br />

como aceitamos como nossos também qualidades e dons<br />

que recebemos de nossos antepassados. 2"<br />

O pecado original é um dos fatôres importantes na<br />

análise do ato moral do homem, porque determina o arbítrio<br />

do homem desde o início de sua existência. O pecado<br />

original decididamente coloca o homem em oposição<br />

à lei natural, e desta forma em oposição à vontade de<br />

Deus. Em vista disso o homem não pode escapar à necessidade<br />

de pecar, mesmo conhecendo a vontade de Deus<br />

parcialmente pela lei natural. O pecado original não é<br />

apenas um defeito eventual na personalidade do homem,<br />

não é apenas a falta de boas qualidades no homem, mas<br />

a total corrupção da natureza humana que pela queda de<br />

nossos primeiros pais está destituída da justiça originale<br />

é propensa a todo o mal. ~7 O pecado original não é uma<br />

corrupção. superficial, mas uma corrupção tão profunda da<br />

natureza humana que nada de são ou incorrupto .nela fi­<br />

COU.28 A culpa de Adão não foi apenas imputada aos seus<br />

descendentes (Rm 5. 18), mas sua natureza corrompida<br />

mes foi transmitida (EI 2.3; Gn 8 21), de modos que todos<br />

os homens são agora carne nascida da carne, isto é;<br />

são totalmente depravados (Jo 3. 6; Rm 3. 23; 7. 18), totclmente<br />

cegos quanto a cousas espirituais (Ef 4.18; 1 Co<br />

2.14; 2 Co 3.5; EIS. 8), tendo os desejos corrompidos<br />

(Gn 6.5; Rm 6.12; Ef 2.3; 4.22), a vontade em oposição<br />

à: vontade de Deus e voltada para o mal (Rm 8.7;<br />

5.10;' Cl 1.21), enfim tendo tôdas as faculdades dominadas<br />

pelo pecado (Rm 7.14, 23, 24; 6.6, 17, 20; 3.9, 10), estando<br />

sem nenhuma possibilidade própria de rehabilitação<br />

espiritual (Ef 2.1,5; Ci 2,13; 2 Co 3.5).<br />

Apesar dêste mal e do pecado que corrompeu o homem,<br />

Deus ainda permite que por natureza lhe seja transmitida<br />

a sua vontade pela lei natural. De um lado torna<br />

o homem moralmente responsável pelos seus atos, visto<br />

que êlese torna inexcusável diante de Deus, apesar do<br />

pecado original. A consciência, baseada na lei natural,<br />

acusa e defende, evidenciando que o homem é um ser<br />

26 Ibicl., p. 474 (1422) e 478 (1434).<br />

27 Mueller, op. cit., I, p. 223.<br />

28 The Book of Concordo The confessions of the Evangelical Lutheran<br />

Church. Tradução e edição de Theodore G. Tappert e<br />

outros. (St. Louis: Concordia Publishing House, 1959), Fórmula<br />

Concórdia, Epítome I, 8.


F'undamentos<br />

Bíblicos da J


192 Fundamentos Bíblicos da Étíca Cdstã<br />

Lutero pode afirmar que "tôda criatura é Sua máscara"<br />

(Ideo universo creatura eius estlarva).:n Todo o homem<br />

tem um certo conhecimento de· Deus, porque Deus o confronta<br />

no meio de sua própria situação de criatura. As<br />

ordens criadas no mundo são máscaras de Deus em que<br />

o homem pode reconhecer o Criador. Assim também a<br />

lei natural é uma "larva Dei", porque através dela- Deus<br />

e sua santa vontade podem ser conhecidos, embora' parcialmente<br />

por causa do pecado e mal que domina o homem.<br />

Mesmo a lei revelada é uma máscara de Deus, porque<br />

a lei não nos mostra a Deus em sua plenitude, mas<br />

acomodado à condição humana. Lutero diz que a "rnáscara<br />

em que a Sua majestade com todos os seus dons se<br />

nos apresenta" é seu Filho, Jesus Cristo. 3~ Tôdas as demais<br />

máscaras devem conduzir a Cristo. O homem natural<br />

não reconhece a Deus corretamente nos seus véus ou<br />

máscaras, porque isso sàmente é possível ao cristão, e<br />

mesmo assim só parcialmente. :3:3<br />

Neste estudo queremos considerar esta situação de<br />

compromisso de Deus, que Lutero classifica entre as "larvae<br />

Dei", apontando especialmente a sua acomodação ao<br />

homem quanto à Lei e quanto ao Evangelho.<br />

1. A Lei como concessão da parte de Deus<br />

A transmissão da lei natural ao homem por natureza,<br />

bem como a sua repetição posterior por revelação, é uma<br />

acomodação de Deus à situação pecaminosa do homem.<br />

Com a queda o homem tornou-se indigno de qualquer consideração<br />

da parte de Deus. O pecado apenas merece a<br />

morte (Gn 2.17; Rm 5.12; 6.23). A permanência da lei<br />

natural no homem, e especialmente a revelação da lei positiva,<br />

são provas de que Deus ainda quer tratar com o<br />

homem. Se bem que Deus precisa tratar com o homem<br />

em sua ira do ponto de vista da lei, o oferecimento da lei<br />

é claramente um indício de concessão da parte de Deus.<br />

Deus conhece o pecado do homem, e no entanto ainda<br />

quer tratar com êle. BonhoeHer nos ciiria que "o mandamento<br />

de Deus é a permissão de viver como homem diante<br />

de Deus". 34 Deus ainda nos concede· uma oportunida-<br />

31 Martín Luthel', D. Martin Lltther's Werke (\Veímar: Hermann<br />

Bi.ihlau's Nachfolger, 1911), XL (í), 174, 3. Esta obra<br />

será citada como WA.<br />

32 Luther, WA XLII, 296, 22 f.<br />

33 Luther, WA XLII, 631, 36-42.<br />

31 Díetrích Bonhoeffel', Ethik (Stuttgart: Evangeliscl1e Buchgemeinde,<br />

1948). Zusammel1gestellt und herausgegeben von<br />

Eberhard Bethge. P. 218.


Fundamentos BíbJicos da Ética Cristã<br />

193<br />

de, e paro êsse tempo de graça nos dá a sua lei para<br />

governar a nossa conduta moral.<br />

Lutero também vê na lei revelada um gronde consô­<br />

10, porque por ela sabe que Deus ainda quer tratar conosco.<br />

Na sua angústia diante das exigências da lei e da<br />

sua situação de pecador, impossibilitado de cumprir a<br />

santa vontade de Deus, Lutero se agarra nas palavras "teu<br />

Deus" do primeiro mandamento, quando Deus diz "Eu sou<br />

o Senhor teu Deus".:;'i Êle reconheceu que esta era uma<br />

palavra de concessão da parte de Deus: apesar do pecado<br />

Deus ainda quer tratar com o homem, Deus ainda se<br />

considero o Deus do pecador. Lutero sabia· que esta pa~<br />

lavra era dirigidaao povo do concêrto do Velho Testamento<br />

é hão aos gentios. Mas como a lei revelada era para<br />

êle drhesma lei natural, Lutero reconhece que a lei revelada<br />

também é revelada ao gentio. Porisso se incluiu entre<br />

aqueles aos. quais Deus diz "Eu sou o Senhor teu<br />

Deus". ~"<br />

O "teu Deus" é uma palavra. de concessão da parte<br />

de Deus, porque Deus quer ser o Deus do pecador, apes.ar<br />

de Deus ter criado ° homem santo e apenas para asantidade,<br />

Sua vontade inicial foi que o homem tivesse absoluta<br />

santidade, e agora Deus diz ao pecador condenado<br />

à morte ainda as palavras "Eu sou o Senhor teu Deus",<br />

Desta forma a lei "é a permissão de vivermos como: homens<br />

diante de Deus", como diz BonhoeÍfer.<br />

No entaríto isto apenas é parte da concessão, a parte<br />

que fala do tempo da graça em que Deus ainda quer tratar<br />

com os homens. A outra parte da concessão é a palavra<br />

de ordem para o homem pecador em que Deus afirma<br />

que a lei continua em seu vigotcom todo o seu rigor.<br />

Sea primeira parte é· uma mensagem de arrior e consôlo,<br />

a segunda parte é lei em tôda a sua frieza, sua maldição,<br />

seu terror, porque Deus nesta lei continua a exigir absoluta<br />

santidade do homem que não pode ser santo.<br />

O pecado desvirtuou de tal forma a lei natural no ho~<br />

mem, que Deus decidiu revelar novamente a lei ao seu<br />

povo do concêrto. 37 Quando Deus falou ao povo de Israel<br />

lhes deu não sàmente a Lei Moro}, mas também as<br />

Leis Ceremonial e Judicial. De acôrdo com Cl 2.16,17 as<br />

duas últimas leis foram abolidas, mas de acôrdo com Mt<br />

35 Martin Luther, Dr. Martin Luther's Siimmtliche Schríften.<br />

Editado por Joh. Georg Walch. (St. Louis: Concordia Publishing<br />

House, 1894), lIl, 1041. Esta obra será citada como<br />

W2 - Cf. Éx 20.2.<br />

36 Luther, Wz, li, 1039.<br />

37 Bohlmann, op. cit., p. 731 (Cf. FC SD II, 9; FC SD V, 22;<br />

LC lI, 67; Ap. IV, 7).


194 Fundamentos Bfblicos da l!:tica Cristã<br />

5.17,18 a Lei Moral foi confirmada por Jesus para Iodos<br />

os homens e para Iodos os tempos, visto que a lei moral<br />

se identifica com a lei natural dada por Deus na criação.<br />

A lei moral revelada é a mesma lei natural com a diferença<br />

de que agora Deus estabelece a sua lei tendo em vista<br />

a pecaminosidade do homem, quando na criação lhe expressou<br />

a sua vontade tendo em vista a santidade do homem.<br />

:\8<br />

A lei moral, no entanto, não pode ser identificada simplesmente<br />

com o decálogo como dado em :t;x 20 e Dt 5,<br />

porque encontramos elementos da lei ceremonial nesta<br />

enumeração de mandamentos (e. g., o sábado no terceiro<br />

mandamento em comparação com CI 2.16,17). A lei moral<br />

é entendida no seu sentido completo quando vista sob<br />

a luz da obra de Cristo.<br />

Lei, no seu sentido estrito, é a doutrina divina que nos<br />

ensina o que é correto e agradável a Deus, e que condena<br />

tudo o que é pecaminoso e contrário à vontade de<br />

Deus. 29 Embora a lei seja expressa e clara, o homem não<br />

é capaz de reconhecer a verdadeira natureza do seu pecado,<br />

nem é capaz de saber quais são as verdadeiras<br />

boas obras morais, quando unicamente conhece a lei. O<br />

véu de Moisés (2 Co 3. 13-16) cobre a inteligência do homem<br />

que, julgando entender a vontade divina, produz<br />

apenas obras que levam ou à hipocrisia ou ao desespêro.<br />

A razão humana está encoberta pelo pecado para não<br />

entender a lei de Deus em tôda a sua extensão. Além<br />

de não poder conhecer a lei perfeitamente, o homem está:<br />

incapacitado pelo pecado de agir corretamente do ponto<br />

de vista moral. A compreensão cO""'etada lei sàmente pode<br />

ser dada por Cristo, e a capacidade de agir moralmente<br />

bem vem sàmente da regeneração espiritual tornada<br />

possível pela obra de Cristo.<br />

Por essa razão é correto dizer que "Cristo toma a lei<br />

em suas próprias mãos e a explica espiritualmente" .'" De<br />

acôrdo com a explicação que Jesus dá em seu sermão do<br />

monte a lei não pode ser cumprida simplesmente pelo<br />

atendimento exterior dos mandamentos e das proibições<br />

dadas no decálogo. A omissão de algo negativo ainda<br />

não é garantia da pureza da ação positiva. Essa era a<br />

teoria do farisaismo. A lei como vontade de Deus ao homem<br />

exige, antes da proibição do pecado, a açãoposi-<br />

38 Thielicke, op. cit., H/I, 191 (648 ff.).<br />

39 Book ot OoncQrd, Fórmula Concórdia, Epftome V, 3.<br />

40 [bid., V, 8. - Mt 5.21-48; Rm 7.14.


Fundamentos<br />

Bíblicos da li:tica Cristã<br />

195<br />

tiva. H Esta é a sua verdadeira finalidade. Porisso Jesus<br />

ensina que a lei precisa ser vista e cumprida de acôrdo<br />

com a lei do amor. O amor de que Jesus fala não é um<br />

sentimento que se resume em omissões, nem se satisfaz<br />

em receber dos outros, mas envolve a totalidade do homem<br />

e se completa na boa ação destinada ao próximo e<br />

oferecida a Deus.<br />

Jesus não está ensinando um nôvo mandamento no<br />

seu sentido absoluto, mas apenas retirando o "véu de<br />

Moisés" da razão empanada do homem, pois que o amor<br />

sempre fôra o resumo da lei de Deus, como vemos da<br />

comparação de Mt 22.37-39 e Lc 10.27, com Dt 6.5 e Mq<br />

6.8. Com o duplo sumário da lei (amor a Deus, e amor<br />

ao próximo) Cristo "descobriu " os mandamentos, tirando<br />

o véu que cobria o coração dos homens, e mostrou-nos que<br />

a lei de Deus. se extende a todos os desejos e ações do<br />

homem, a tódos os seus pensamentos, palavras e obras.<br />

O coraçâo por inteiro, com tôdas as suas manifestaçoes<br />

exteriores, está sob a exigência da perfeita obediência, do<br />

verdadeiro temor de Deus, do verdadeiro amor a Deus, e<br />

do serviço e amor ao próximo. 42 Por essa razão Lutero<br />

iniciou as explicações de todos os mandamentos no seu<br />

Catecismo Menor com as palavras "Devemos temer e amar<br />

a Deus", e apresentou os aspectos negativo e positivo de<br />

cada mandamento 4;; à luz do Sermão do Monte (Mt 5-7)<br />

e do duplo mandamento do amor.<br />

Paradoxamente esta "lei do amor" cria no homem natural<br />

apenas ira, desespêro e ódio quando isolada da proclamação<br />

do evangelho de Jesus Cristo. :t:ste evangelho<br />

de Cristo é a mensagem do perdão e não sàmente o conhecimento<br />

da vinda de Cristo, porque a própria proclamação<br />

da paixão e morte de Cristo pode ser feita sob o<br />

ponto de vista da lei, - constituindo-se assim em "obra<br />

alheia" de Cristo, •• ~ pois revela a ira de Deus pelo pecado<br />

do homem, e assim "leva o homem para dentro da<br />

lei" de tal forma que agora vê duas causas: as grandes<br />

COlIsasque Deus exige na lei, e a sua impossibilidade de<br />

cumprí-las. Se de um lado o homem chega a reconhecer<br />

que é incapaz de cumprir o que Deus exige, de outro lado<br />

cria no homem também ódio contra o Deus que lhe<br />

41 Heinz Bluhm, "Luther's View of Man in His Early German<br />

Writings", Goncordia Theological Monthly, XXXIV (Oct. 1963),<br />

p. 587.<br />

42 Harry G. Coiner, "Law and Gospel iu Christian Education",<br />

Goncordia Theological Monthly, XXXV (Nov. 1964), p. 622.<br />

43 Book of Goncord, Catecismo Menor, I, 2.4.6.8.10.12.14.16.18.20.<br />

44 Ibid., Fórmula Concórdia, Epítome V, 9.10. - Is 28.21. Luther,<br />

WA XV,p. 228.


196 Fundamentos Eíblicos da Etica Cristã<br />

faz as exigências que não pode cumprir. No entanto a<br />

função primordial da lei não é criar no homem a repulsa<br />

de Deus, mas criar no homem q convicção de sua situação<br />

perdida diante de sua incapacidade de cumprir a lei,<br />

e, desta forma, prepará-Io paro o evangelho, paro que, desesperado<br />

de si mesmo, oceite o perdão que Deus lhe oferece.<br />

40 O "usus proprius legis" é condenar os homens em<br />

seus pecados (lex semper accusat), 46 e desta forma preparar·<br />

os· coroçoes para a mensagem do perdão.<br />

Os dogmáticos falom de um emprêgo quádruplo da lei<br />

divina, cada um dos quais aplicável também aos cristãos.<br />

A lei poe em xeque a carne corrompida 90 cristão eo<br />

constrange à disciplina externa (usus politicus), revela-lhe<br />

o pecado e dêle o convence (usus elenchticus), e desta<br />

forma o conduz como um aio a Cristo (usus paedagogicus),<br />

bem como lhe dá uma segura norma de vida (usus didacticUS).47<br />

Em outras Circunstâncias se falo apenas em três<br />

usos da lei, 48 unindo os usos "elenchticus" e "paedagogkus"<br />

para constituir o segundo uso da lei. Em ambas as<br />

classificações fica claro que Deus revelou a sua santa von~<br />

tade ao homem dentro de uma situação de compromisso.<br />

O homem perdeu a sua santidade e mereceu ser ignorado<br />

e condenado por Deus. Deus o condena, mas lhe oferece<br />

um prazo de graça, um prazo em que lhe reconhece a pecaminosidade<br />

e lhe dá ordens e. preceitos para governá-Io<br />

dentro desta pecaminosidade.<br />

Esta lei não pode salvar o homem da retribuição, da<br />

ira de Deus, mas pode acordá-Io para reconhecer a sua<br />

impossibilidade de viver uma vida moral de acôrdo com<br />

a lei de Deus. Por outro lado pode provar-lhe a necessidade<br />

de uma outra concessão da parte de Deus, o evangelho,<br />

porque o homem sempre esbarra· na imanência de<br />

seu ciclo moral: o dever está acima das capacidades de<br />

cumprimento. Somente a transcendência divina pode libertá-Io<br />

dessa escravidão do pecado.<br />

Apesar disso a lei consegue controlar de certa forma<br />

6 convívio harmonioso dos homens sôbre a terra, porque<br />

ou o homem deixa de pecar por temor do castigo de Deus,<br />

ou o homem transforma a lei de Deus num ideal do qual<br />

se quer aproximar, ou o homem, no caso do cristão, cumpre<br />

a lei por amor de Deus. De outro lado a lei, fazendo<br />

45 Schultz, op. cit., p. 593.<br />

C. F. VV.\'Valther, Die rechte Unterscheidung von Geset.zund<br />

Evangelium (St. Louís: Concordía Publishing House, 1946),<br />

p.227.<br />

46 Elert, The Christian Ethos, p. 64-67.<br />

47 Mueller, op. cit., Ir, 158-159.<br />

48 Book of Concord, Fónnula Concórdia, Epítome VI, 1.


Fundamentos Bib1iéosda Ética Cristã<br />

197<br />

o homem reconhecer o seu mal, pode levó-lo ao desespêro,<br />

bem como ao ódio e desprêzo a Deus.4" No entanto o<br />

verdadeiro objetivo da lei é servir, pela acusação, de aio<br />

para levar a Cristo, Isto sucede apenas quando a proclamação<br />

da lei é seguida da proclamação do evangelho,<br />

que é a segunda concessão de Deus em relação ao homem<br />

pecador. Uma vez que o evangelho realizou sua ação regeneradora<br />

no homem a mesma lei que serve de norma<br />

moral ao descrente por temor do castigo serve de norma<br />

moral ao cristão por amor de Deus, porque o cristão foi<br />

remido pelo Filho de Deus precisamente para que se exercitasse<br />

dia e noite nesta' mesma lei (SI 119. 1) , 50 tornandose<br />

servo (doulos) de Deus em favor do próximo (1 Co<br />

7.22;2 Co 4,5).<br />

2. O evangelho como c{)ncessão da parte de Deus<br />

Tornamo-nos culpados da lei de Deus. Pelo reconhecimento<br />

desta culpa aceitamos a lei como boa e vólida<br />

para nós, aPesar de não podermos cumpri-Ia. A lei exige<br />

de nós uma perfeição de conduta que não podemos alcançar.<br />

Esta perfeição não pode ser aceita apenas como ideal<br />

do qual podemos aproximar-nos mais ou menos, mas es~<br />

ta perfeição é absoluta e. deve ser satisfeita integralmente,<br />

O reconhecimento desta impossibilidade não é fator positivo<br />

para o ethos humano, porque apenas cria uma crise<br />

no homem. O valor ético desta crise se afirma apenas<br />

quando ela é vencida de modo correto, quando o homem<br />

encontra a solução para o imposse de seu arbítrio escTOvizodo.<br />

A. solução pode ser openos extra-humana. Ela lhe<br />

vem tão somente de Deus,. que lhe oferece gratuitamente<br />

uma nova concessão, a concessão da moral do perdão<br />

através do evangelho de Jesus Cristo. 51<br />

A solução de .Deus é maravilhosa: o que Êle exige<br />

na sua lei Deus oferece e dó ao homem no seu evangelho.<br />

52 Envia seu Filho Jesus Cristo para tomar o lugar dos<br />

homens e como seu substituto cumprir a sua santa lei.<br />

Jesus tornou-se homem, tomou os pecados dos homens sóbre<br />

si mesmo, para que os homens pudessem ser santos.<br />

A maldição da lei Jesus tomou sóbre si quando morreu<br />

pelos pecadores na cruz. Cristo tornou-se "o pecador", para<br />

que os homens pudessem ser santos. Cristo nos salvou<br />

não somente do pecado, da morte, e do diaboi que dominavam<br />

a nossa vida, mas salvou-rios da própria lei de<br />

49 Althaus, op. cit., p. 50.<br />

50 Book of Goncord, FC Ep.<br />

51 AlUmus, op. cit., p. 50-51.<br />

52 Schlink, op. cit., p. 110.<br />

VI, 2.


198 Fundamentos Bíblícos da l!:tica Cristã<br />

Deus que, apesar de ser uma concessão da parte de Deus,<br />

nos acusava sem cessar. 53<br />

Em Jesus Cristo Deus levou ao fim sua atitude de compromisso<br />

que iniciou com a transmissão da lei. Deus ain~<br />

da quis tratar com o pecador. Tratou com o homem de<br />

maneira extraordinária quando seu próprio filho assumiu<br />

todo o passivo moral dos homens, proporcionando ao mesmo<br />

tempo um ativo moral à disposição dos homens. A<br />

participação do crédito moral adquirido por Cristo no entanto<br />

não é automática: ela é sempre pessoal e individual,<br />

sem contudo depender da atitude ou de qualquer mérito<br />

da parte do homem. Outra vez é pura dádiva de Deus,<br />

quando o Espírito Santo, pelos meios da graça, nos regenera,<br />

isto é, nos dá a fé, e pela fé o perdão e umo: nova<br />

vida espiritual na qual agora podemos começar a cumprir<br />

a lei.<br />

:t:stes dois aspectos, do perdão e da nova vida moral,<br />

são conhecidos na dogmática como "justificação" e "santificação".<br />

A dádiva fundamental é a regeneração. A Te;<br />

generação deve ser olhada sob dois pontos de vista. De<br />

um lado do ponto de vista da ação de Deus, que é total<br />

e perfeita, e do outro lado do ponto de vista da reação<br />

do homem, que é parcial e imperfeita.<br />

Regeneração é a reafirmação positiva do direito de<br />

Deus sôbre o homem. Na regeneração há uma nova tomada<br />

de contato de Deus com o homem. Esta tomada de<br />

contato é a ação graciosa do Espírito Santo no homem<br />

através dos meios da graça, Palavra e Sacramentos. Por<br />

êsses meios o Espírito Santo oferece a concessão de Deus<br />

preparada em Cristo Jesus, e neste oferecimento cria a fé,<br />

isto é, personaliza o dom gratuito de Deus e torna oho~<br />

mem participante dos bens adquiridos por Cristo. Em vis"<br />

ta desta "tomada de posse" no homem Deus já não o vê<br />

como pecador, mas lhe atribui os méritos de Cristo, declarando-o<br />

santo e justó. É esta a moral do perdão, em que<br />

Deus justifica o ímpio. Quando dizemos que estajustificação<br />

(Rm 5.1) é um ato jurídico de Deus, é claro que<br />

não se trata de um ato como em uso perante o fôro humano,<br />

onde se justifica o justo, mas é um ato jurídico "sui<br />

generis", pelo qual Deus justifica o ímpio.54 Deus perdoa,<br />

isto é, Deus declara justo o homem em vista da obra salvadora<br />

de Cristo, que foi condenado pelos êrros do homem.<br />

Deus declara justo o homem não em vista de uma<br />

modificação na atitude do homem, mas unicamente em<br />

vista da obra de Cristo. Mesmo a fé, que é a tomada de<br />

53 Schultz, op. cit., p. 595.<br />

54 ::Mueller, op. cit., II, p. 55-56.


Fundámentos Bíblicos da1i:tica' Cristã<br />

posse da parte de Deus na qual Deus nos justifica, nao<br />

é mérito do homem, mas puramente dom de Deus. '" Esta<br />

justificação é totaL porque Cristo satisfez totalmente as<br />

exigências da lei de Deus. 'f' Porisso o cristão é considerado<br />

santo aos olhos de Deus (2 Co 1.1; Ef 1.1; Fp 1.1;<br />

Cl 1.2).<br />

Paul Althaus vê no perdão um triplo sentido ético.<br />

1 o perdão confirma a validade do mandamento de Deus,<br />

a sentença da lei, e portanto a nossa culpa e condenação<br />

diante de Deus. O perdão não elimina ci passado de nossa<br />

.vida pecaminosa, nem as consequências terrenos do<br />

pecado, nem a dor causada pelo pecado, antes leVITO<br />

homem a reconhecê-Ias ainda melhor. Desta forma a consoiência<br />

aceita a necessidade e validade do perdão pela fé.<br />

2. O perdão é ao mesmo tempo o fim da lei, porque nos<br />

prova a concessão da parte de Deus: que Deus não nos<br />

rejeita como servos inúteis, mas continua acanhar em nós,<br />

aceita o nosso serviço, apesar de manchado e imperfeito,<br />

por causa da comunhão que Cristo estabeleceu conosco<br />

pela fé. 3. O recebimento do perdão, isto é, a posse dos<br />

frutos da obra de Jesus Cristo na comunhão com Deus pe­<br />

Ia fé, renova o homem completamente, porque cria no cristão<br />

um nôvo homem, um nôvo sujeito moral, que quer viver<br />

diante de Deus em justiça e santidade. Em lugar da<br />

servidão surge a liberdade. O perdão nos leva à humildade<br />

e ao amor. .')7<br />

A ação de Deus não se resume apenas numa declaração<br />

a respeito dÓ homem em vista da obra de Cristo<br />

(o perdão), mas se extende na regeneração progressiva<br />

do homem, pela qual o homem se modifica e se torna<br />

capaz de uma reação positiva do ponto de vista moral.<br />

Na realidade se trata de um processo que lembra a criação,<br />

porque a Escritura fala de "regeneração" (Tt 3.5; 1<br />

Pe 1.3,23; To 1 13; 3.5; 1 To 3.9; Tg 1.18; 1 Co 4.15;<br />

GI 4.19), um nascer de nôvo (To 3.3). Diz que "somos<br />

feitura dêle, criados em Cristo Jesus" (EI 2.10), que somos<br />

"nova criatura" (2 Co 5.17), que fomos ressuscitados<br />

com Cristo (EI 2.5,6; Cl 2.13), Deus res:cbeleco no :0­<br />

generado em parte a imagem divina (Ef 4,24; CI 310)<br />

e torna assim o homem capaz de decidir-se a lavar da<br />

lei de Deus.<br />

Não diz a Escritura que a nossa carne corrompida<br />

deixou de existir, mas que foi imposto ao "velho homem"<br />

55 Martim C. Warth, The Exegetical Basis for the Early Lutheran<br />

Doctrine of BaptismaZ Regeneration (St. Louis: Concordia<br />

.8eminary S.T.M. Thesis, 1966), p. 6,13,132.<br />

56 Bool:. of Concord, FC Ep IIT, 7.<br />

57 Althaus, op. cit., p. 51.


200 Fundamentos Biblicos da lttica Cristã<br />

um "nôvo homem" (Ef 4.22-24; Cl 3.9,10), O velho homem<br />

impera em nós por natureza, dominando completamente<br />

antes da regeneração. Com a regeneração foi criado<br />

nôvo homem em nós que é destinado por Deus a manter<br />

a supremacia sôbre o velho homem de tal forma que<br />

o homem regenerado pode decidir-se por e viver uma vida<br />

moral de acôrdo com o critério de Deus.<br />

Deus transformou o "servum arbitrium" num "arbitrium<br />

liberatum" pela regeneração.;'s O homem pode agora<br />

cumprir a vontade de Deus, porque a sua vontade cor~<br />

rompida é transformada numa vontade iluminada pela<br />

fé 5U e dirigida pelo Espírito Santo. Com base em Tt 3.5<br />

Lutera diz que "naquêles que foram batizados (e desta<br />

forma regenerados) surge uma nova luz e uma nova chama;<br />

novas e devotas emoções formam-se, a saber temor<br />

e confiança em Deus e esperança; e uma nova vontade<br />

emerge. u no Desta forma o dom da fé não é algo passivo,<br />

mas algo que modifica nossas emoções e nossa vontade,<br />

cria uma nova chama e luz, e cria temor, confiança e esperança<br />

em Deus. No entanto, embora o homem tenha<br />

que tomar as decisões e viver a nova vida moral, ainda<br />

é o Espírito Santo que lhe dá o poder para tomar estas<br />

decisões.<br />

Esta vida moral ainda será uma vida de emergência<br />

e imperfeita, visto que a inclinação para o mal não desaparece<br />

do homem renascido durante a sua vida neste<br />

mundo. Embora o cristão tenha o "arbitrium liberatum",<br />

libertado na fé e dirigido pelo Espírito Santo, o cristão<br />

não está livre da corrupção natural que se manifesta ainda<br />

em pecados e ofensas contra a lei de Deus. O homem<br />

regenerado também não consegue viver uma vida moral<br />

sem êrro, mas êle tem agora uma certa capacidade para<br />

agir dentro do padrão moral de Deus. Ainda é uma ética<br />

do perdão, uma moral de emergência, mas é uma moral<br />

positiva concedida pela ação do Espírito Santo no cristão,<br />

é a concessão da liberdade para cumprir a lei, é o<br />

oferecimento de uma nova possibilidade.<br />

C. A ÉTICA CRISTÃ COIlIO ÉTICA DE EMERGÊNCIA<br />

O fator dominante da ética cristã é a fé. Pela fé entendemos<br />

que somos justi!íco;dos e temos perdão dos êrros<br />

do passado. Pela fé somos nova criatura que é livre da<br />

58 Schlink,op.oit., p. 109.·<br />

59 vVartl1; op.· cit.) p. 89-90.<br />

60 Martin Luther, "Lectures on Galatians, 1535", Lldher's Works.<br />

Editado por Jaroslav Pelikane Helmuth T. Lehmann. (St.<br />

Louis: Concordia Publishing House, 1963), XXVI,p. 352-353.


Fundamentos<br />

Bíblicos da l1:tica Cristã<br />

201<br />

lei, mas vive uma vida guiada pelo Espírito Santo. Pela<br />

fé compreendemos que nossa nova vida moral é falha por<br />

causa do velho homem, que não é vencido completamente<br />

nesta vida. Pela fé sabemos que podemos viver apenas<br />

uma vida moral de emergência, uma vida moral de peregrinação<br />

no caminho para a vida eterna. A ética cristã<br />

é uma ética de emergência porque é uma ética para uma<br />

vid.a entre o ser e o tornar-se.


202 Fundamentos Bíblicos' da liJtíca Cristã<br />

separados, e nunca podem ser identificados. Desta forma<br />

não deveria haver pregação da lei sem a pregação do<br />

evangelho, e não deveria haver pregação do evangelho<br />

sem a pregação da lei, mas que um deveria completar o<br />

outro. Não é para Bonhoeffer assim que a lei é para o<br />

mundo, e o evangelho para a comunidade, mas lei e evangelho<br />

são ambos para o mundo e a comunidade. 04<br />

Teólogos modernos gostam de falar em indicativo e<br />

imperativo na ética, entendendo por imperativo o conjunto<br />

de ordens dadas ao cristão em sua condição de regenerado,<br />

e por indicativo o conjunto de ações de Deus em<br />

favor do cristão. Gf, lndicativo nesse caso sempre seria e­<br />

vangelho, a mensagem da obra redentora de Deus. Mas<br />

imperativo teria duas interpretações, porque no sentido<br />

usado, por exemplo, por Thielicke pode ser tanto evangelho<br />

como lei. O "imperativo éV(L'1gélico" não é uma ordem<br />

de lei, mas um convite da graça de Deus, apenasexpresso<br />

de modo mais enérgico, no sentido de levar o homem<br />

a aceitar o oferecimento do perdão e da salvação.<br />

Mesmo que o "imperativo evangélico" exija a fé, fica claro<br />

que esta fé não é n-:mhuma realização humana, mas<br />

uma ação e um dom de Deus Espírito Santo. M Em última<br />

análise se trata, portanto, de um convite para deixar o<br />

Espírito agir em nossos corações e assim transformar a<br />

nossa vida. Onde o Espírito age ali também produz no<br />

homem as boas obras. O cristão faz as boas obras em<br />

virtude de sua situação de cristão, de regenerado. Parisso<br />

não é necessário intervir um segundo imperativo, um<br />

imperativo da lei, para fazer surgir as boas obras morais<br />

do cristão, porque nada conseguiria realizar. A vida moral,<br />

as boas obras, surgem Dor neressidade intrínseca,como<br />

decorrência norme!! da regeneraçào, por causa da ação<br />

do Espírito Santo no sujeito moral.<br />

Por ocasião da discussão desta relação entre o Espírito<br />

e a boa obra Thielicke lembra uma ilustração de Lu~<br />

tera. Êsse disse que Deus nos cobriu com o manto da justiça<br />

divina quando nos regenerou pelo batismo, mas que<br />

os nossos pés ainda apareciam debaixo dêsse manto, e<br />

que O diabo sentia uma grande satisfação em morder nessas<br />

extremidades nuas que apareciam, Disse Lutera que<br />

quando isso acontecia não deveríamos dar um vigóroso<br />

pontapé no demônio, mas recolher os pés mais debaixo<br />

do manto e deixar dessa forma Deus nos proteger. 01<br />

64 . Bonhoeffer, op. cit., p. 279.<br />

65 Althaus, op. cit .., p. 53. - Thielicke. op. cit., I, p. 112 ff •<br />

66 Mueller, op. cit ... n, p. 153.<br />

67 Thielicke, op. cit., I, p. 115 (324).


Fundamentos Biblicos dat:ti.ca Cristã<br />

203<br />

a segundo tipo de imperativo de que Thielicke fala<br />

é puramente lei, porque é o imperativo dos. "proibitivos"<br />

que são dirigidos contra a natureza corrompida do regenerado.<br />

(;8 a poder para obedecer a êsses proibitivos procede,<br />

no entanto, da mesma fonte que realiza o impera'·<br />

tivo evangélico: a ação do Espírito Santo no cristão. Não<br />

há possibilidade de cumprir a lei de Deus senão pela fé,<br />

e assim mesmo apenas imperfeitamente.<br />

A esta altura há que separar claramente entre lei e<br />

evangelho, o que Lutero chama a maior arte do cristão.<br />

a cristão foi regenerado por Deus pelo evangelho, mas<br />

esta regeneração não está ainda completada no sentido<br />

da ação moral do homem. Permanece no homem a natureza<br />

corrompida que está em luta contra o nôvo homem<br />

criado pela fé. Esta situação permanece até à morte do<br />

cristão. Não podemos falar, portanto, do cristão apenas<br />

como regenerado, nem tampouco apenas como pecador.<br />

a cristão tem em si duas "leis", como diz o apóstolo Paulo<br />

em Rm 7.23: a "lei" da natureza regenerada, e a "lei"<br />

da natureza corrompida. A primeira é identificada com<br />

"espírito", a segunda com "carne". E no entanto o cristão<br />

noo tem uma dupla personalidade, mas uma personalidade<br />

em transformaçoo em que o estado original é alienaçoo<br />

de Deus, e a transformação iniciou a partir da regeneração.<br />

A ação do Espírito Santo em nós torna-nos<br />

"espirituais", dando-nos a capacidade de produzir "frutos<br />

do espíritO", que são as boas obras morais. E no entanto<br />

estas boas obras nunca são perfeitas, porque produzidas<br />

pelo Eu do cristão, que é ao mesmo tempo também "carne",<br />

natureza corrompida. O cristão nunca deixa de ser<br />

nesta vida "gimul iustus et peccator", ao mesmo tempo<br />

santo e pecador. Assim também as suas obras nunca serão<br />

perfeitas neste mundo, mas sempre santas, quando vistas<br />

do ponto de vista do perdão de Deus, e pecado, quando<br />

vistas do ponto de vista da natureza corrompida. Em<br />

vista dessa situação o cristão precisa contlnuamente de lei<br />

e evangelho. a evangelho lhe fornece os meios para viver<br />

uma vida moral santificada, enquanto que a lei lhe<br />

mostra qual é a verdadeira vida moral que agrada a Deus.<br />

a evangelho lhe fornece os meios, as condições, enquanto<br />

que a lei lhe fornece os objetivos, a finalidade.<br />

Devemos ainda precisar mais as funções de lei e evangelho<br />

porao cristão, umd vez do ponto de vista como regenerado,<br />

outra vez do ponto de vista como pecador. Parece<br />

claro que como pecadOr o cristão precisa ouvir a lei<br />

em todo seu rigor, visto que o velho homem em nós não<br />

68 Ibid., I, p. 117 (332).


204 Fundamentos Bíblicos da ltticaCristã<br />

atende ao chamamento do evangelho, mas precisa ser o­<br />

brigado por ameaças de castigo divino a seguir a orientação<br />

do Espírito (1 Co 9.27; Rm 6.12; G16.14; Sl1l9.1;<br />

Hb 13_21)_69 Parece claro que como regenerado o cristão<br />

vive do evangelho, pois esta é a causa de sua nova<br />

vida espiritual. O que no entanto parece difícil de compreender,<br />

e que é motivo de constante discussão teológica,<br />

é a função da lei para o cristão como regenerado, o que<br />

vamos a seguir examinar.<br />

2. Lei e Liberdade<br />

Quando se afirma a validade da lei na vida do regenerado,<br />

com facilidade se pode exigir o cumprimento da<br />

lei como condição da graça de Deus, e assim descambar<br />

para um nomismo injustificado. De outro lado, negando<br />

a validade da lei, baseado no princípio de que o cristão<br />

é livre da lei, com facilidade se aceita um antinomismo<br />

que quer uma vida moral baseada apenas na atividade<br />

do Espírito no regenerado e medida pelo amor. 70<br />

O ponto de vista de que pela vida moral baseada na<br />

lei podemos nos tomar merecedores de graça. da parte de<br />

Deus é vencido por um exame de consciência, em que descobrimos<br />

que apenas somos devedores de Deus_ Além disso<br />

o apóstolo Paulo nos afirma muito claramente de que<br />

não há graça por merecimento, mas que tudo é dom gratuito<br />

de Deus (Rm 3.28; Gl 2.16). O nomismo que põe<br />

as exigências da lei como condições da aceitação de<br />

Deus,71 e que define o próprio evangelho como "a proclamação<br />

dos térmos à base dos quais Deus está disposto<br />

a salvar os pecadores, e demonstração do dever dos homens<br />

caídos em relação àquêle plano", 72 é preciso rejeitar<br />

por ser contrário à doutrina da Escritura. Da mesma<br />

forma temos que rejeitar a doutrina que afirma que o homem<br />

que conhece a lei a pratica, porque a lei não tem<br />

o poder de convencer o homem a fazer a vontade de Deus,<br />

se nem ao menos tem o poder de convencer o homem da<br />

total gravidade do seu pecado. Somente libertado por<br />

Cristo da acusação da lei pelo perdão e regenerado o homem<br />

consegue cumprir a lei parcialmente. Portanto o no-<br />

69 Book of Concord, FCEp VI, 3.<br />

70 "Do Situations Determine<br />

(March 1966), p. 3.<br />

Ethics", Lutheran Witness,LXXXV<br />

71 W. Kessler, "Die literarische, historische und theologische Problematik<br />

des Dekalogs" (Vetus Testamentum 7, 1957, p. 1-16),<br />

Christliche Ethik (Ein Quellenheft), editado por Heinz-Horst<br />

Schrey (GOttingen: Vandenhoeck & Rupprecht, 1961), p. 7.<br />

72 Mueller, op. cit., li, p. 163.


Fundamentos<br />

Bíblicos da !!:tica Cristã<br />

205<br />

mismo tanto de Uma espécie, como de outra, precisa ser<br />

rejeitado.<br />

De outro lado o antinomismo também não pode ser<br />

aceito, mesmo que o cristão seja livre da lei. Se de um<br />

lado é correto dizer que Cristo nos salvou não somente<br />

do p.ecado, da morte, e do diabo, mas também da própria<br />

lei de Deus, 73 - porque posso apelar para o perdão<br />

no evangelho quando a lei me acusa, - de outro lado<br />

precisamos concordar com Bonhoeffer quando afirma que<br />

a obediência livre do cristão é possível apenas dentro dos<br />

limites da lei de Deus. 7 .• O cristão está realmente livre<br />

da maldição e da coerção da lei, mas não está porisso<br />

sem lei. Pelo contrário "o cristão foi redimido pelo Filho<br />

de Deus precisamente para exercitar-se dia e noite na lei".<br />

Da mesma forma também os nossos primeiros pais antes<br />

da queda não viveram sem lei, porque a lei de Deus lhes<br />

foi escrita no coração quando foram criados segundo a<br />

imagem de Deus. Por causa da natureza corrompida, que<br />

mesmo o cristão renascido ainda tem, é necessário que a<br />

lei de Deus constantemente ilumine o caminho do cristão<br />

para que não pratique atos inventados e escolhidos por<br />

critério próprio em seu serviço a Deus. As obras feitas de<br />

acôrdo com a lei de Deus são consideradas "obras da lei"<br />

somente quando feitas por coerção da lei e sob ameaça<br />

do castigo e da ira de Deus. "Frutos do espírito" são aquelas<br />

obras que o Espírito de Deus, que está nos crentes, realiza<br />

através dos renascidos, e que os renascidos realizam<br />

em virtude de seu renas cimento tão espontâneamente como<br />

se não conhecessem nenhum mandamento, nenhuma<br />

recompensa. Nesse sentido os filhos de Deus vivem na<br />

lei e andam segundo a lei de Deus. Paulo chama êsse viver<br />

dos cristãos um viver segundo a lei de Cristo ou segundo<br />

a lei da mente (Rm 7.23; 8.2, 14). Desta forma os<br />

filhos de Deus não estão debaixo da lei, mas sob a graça,<br />

Porisso tanto para o penitente como para o impenitente,<br />

para o regenerado como para o não regenerado a lei é<br />

e permanece uma e a mesma lei, a saber, a vontade imutável<br />

de Deus. A diferença quanto à obediência está exclusivamente<br />

com o homem, porque o não regenerado,<br />

como também o regenerado de acôrdo com a carne, faz<br />

o que lhe é exigido pela lei sob coerção e involuntàriamente.<br />

Mas o crente, sem coerção e com um espírito voluntário,<br />

faz, na medida em que é renascido, o que nenhuma<br />

ameaça da lei poderia jamais conseguir obrigá-lo a<br />

fazer. 75<br />

73 Sçhultz, op.cit., p. 595.<br />

74 Bonhoffer,op. cit., p. 256.<br />

75 Book of Goncord, FC Ep VI, 2-7.


206 Fundamentos Bíblicos da Ética Cl'istá<br />

o cristão vive portanto uma vida moralde acôrdo<br />

com a lei não porque a lei o exija, mas porque é nova<br />

criatura, é regenerado e guiado pelo Espírito Santo, e vive<br />

do perdão e da justiÍicação pela fé em Cristo. O cristão é<br />

livre da lei, porque cumpre a lei não porque a lei o exige,<br />

mas porque o Espírito o impele. A diferença é portanto<br />

de causa, não de objetivo. Quanto à causa é livre da lei,<br />

quanto aos objetivos se guia pela lei.<br />

O resumo da ética cristã se encontra em Ef 2 10, on"<br />

de o apóstolo diz que "somos feitura dêle, criados em Cristo<br />

Jesus para boas obras, asquais Deus de antemão pre-,<br />

parou para que andássemos nelas". Deus .Espírito Santo<br />

nos gerou de nôvo, fêz-nos novas criaturas com uma finalidade<br />

para nossa vida neste mundo: de fazermos boas<br />

obras. Estas boas obras, no entanto, são também preparadas<br />

por Deus. Primeiro Deus trabalhou por nós, então<br />

em nós, e agora por intermédio de nós. 76 Se bem que<br />

nós fazemos a boa obra e temos que decidir e agir, o poder<br />

para essa decisão e ação vem de .Deus mesmo. Deus<br />

nos toma capazes de fazer as obras morais que êle exige<br />

em sua lei. Porisso as boas obras, embora sejam nossas,<br />

não nos podem ser creditadas. Elas são "preparadas de<br />

antemão" por Deus. Nós apenas devemos "andar nelas".<br />

A glória portanto é apenas de Deus. Por essa razão diz<br />

Jesus que, vendo as nossas boas obras, os homens devem<br />

"glorificar ao nosso Pai que está. nos céus" (Mt5.16).<br />

Com isso está identificado também o objetivo de nossa<br />

vida moral no mundo: ela deve ser um testemunho da<br />

obra de Deus em nós. Porisso deve de um lado apontar<br />

para a graça e o amor de Deus, e de outro lado deve ser<br />

um veículo nas mãos de Deus para fazer a sua obra no<br />

mundo. Nós estamos no mundo para o serviço aos outros,<br />

para pormos a nossa vida à disposição de Deus de tal forma<br />

que por nosso intermédio se cumpra a vontade de<br />

Deus neste mundo. Somos servos (doulos) do Senhor (I<br />

Co 7.22; 2 Co 4.5).<br />

Em resumo, o cristão está livre da lei somente na medida<br />

em que êle se tomou nova criatura. Na medida em<br />

que ainda tem o velho homem êle continua sob a autoridade,<br />

a pressão, e a coerção da lei. 17<br />

3. Lei e Espírito<br />

Sempre de nôvo se verifica que os extremos se encontram.<br />

Karl Barth, com uma tradição essencialmente cal-<br />

76 E. K. Simpson (and F. F. Bruce), Commentary on the Epistles<br />

to the Ephesians (and the Colossians). (Grand Rapids, Mich.:<br />

'Vm. B. Eerdmans Publishing Co., 1965), p. 56.<br />

77 Reu, op. cit., p. 249.


Fundamentos Blblicosda .Ética Cristã<br />

207<br />

viriista que não escapa de uma orientação no sentido de<br />

dar uma relevância essencial à lei, expressa-se de uma<br />

forma que faz entender estar defendendo uma ética' sem<br />

lei; apenas baseada na orientação direta do Espírito Sane<br />

to.' Em primeiro lugar supõe a ação do Espírito Santo no<br />

coração daquêle que "é obediente aDeus", confirmando<br />

sÜa orientação básica, quando em segundo lugar diz que<br />

o Espírito Santo dirige e instrui o cristão "a cada tempo,<br />

em cada lugar, eem cada situação". 7' Assim o cristão,<br />

diante da multiplicidade de ocasiões, teria apenas uma<br />

Única possibilidade : .o sua regeneração em Cristo me.~<br />

diante o Espírito. 7[1 A ação do Espírito Santo no cristão<br />

em sua forma absoluta como Único oportunidade "a cada<br />

tempo, em cada lugar, e em cada situação" pressupõe<br />

uma preponderância do Espírito sôbre a lei, revelando deseto<br />

formo um antinomismo. Barth diz mesmo que a ins~<br />

trução do Espírito não pode ser "prêsa" o "nenhuma lei<br />

geral" ou "código escrito". Com isso defende uma liberdade<br />

total do cristão da lei: ignorando o negatividade do<br />

natureza corrompido que ainda permanece mesmo no renascído,<br />

e de outro lado idealiza a ação do Espírito Sane<br />

to no regenerado. Uma frase muito usada pelo teologia<br />

de nossos dias, que também é defendido por Barth, é que<br />

"o homem deve ser o que êle no realidade é".80 O que<br />

pretende dizer é que o renascido deve viver como renasdcio.<br />

É sem dÚvida um imperativo interesso-nte mas ideae<br />

listo-. Esquece que o reno-scido é 0-0 mesmo tempo to-me<br />

bêm pecador, "simul iustus et peccator", O ponto de vistados<br />

que querem que o homem seja o que êle é, está<br />

representado pelo perfeccionismo na ética cristã, o que<br />

dentro da realidade do cristão e de acôrdo com a revelação<br />

de Deus é impossíveL<br />

Quando, no entanto, usamos a frase do "ser o que é"<br />

à base do "simul iustus et peccator" chegamos exatamente<br />

à ética de emergência, do perdão, da lei e do evangelho.<br />

Thomas C. Oden compreendeu perfeitamente o espírito<br />

dessa tese quando explica porque posso agir com conliança<br />

como se minhas ações fôssor.r,corretamente ",orai:,<br />

quando sinto que "todo agir sàmente acontece em uma<br />

relação corporativa pecaminosa" e eu, o agente, sou um<br />

pecador. A resposta é clara. Sàmente no perdão posso<br />

agir "como se minhas ações fôssem justilicadas, quando<br />

78 Karl Barth, Church Dogmatics) editado por G. W. Bromiley e<br />

T, F. Torrance (Edinburgh: T. e T. Clark, 1958), IV, 2, p. 373.<br />

79 Thomas C. Oden, "1st die Forderung Gottes zweideutig",<br />

Zeitschrift für Evangelische Ethik, V (Novembro 1961), Heft<br />

6, p. 330.<br />

80 Barth, op. cit.) IV, 2, p. 364-365.


2D8 Fundamentos Bíblicos da li:tica Cristã<br />

na realidade são ambíguas". A mensagem do perdão dos<br />

pecados exige e permite que o homem aja em situações<br />

moralmente ambíguas, apesar de saber que o seu agir<br />

não possa ser moralmente perfeito. "O perdão de Deus<br />

porém é perfeito." Deus não julga de acôrdo com nossas<br />

imperfeições, mas de acôrdo com nosso Mediador e Salvador<br />

Jesus Cristo. Esta ação humana não se fundamenta<br />

na ilusão de que nossa vontade é a vontade de Deus, mas<br />

no reconhecimento de que o homem "est simul peccator et<br />

iustus", e que êle pode e deve agir justificado, mesmo em<br />

atos pecaminosos. Nesse sentido Lutera diz em comentário<br />

a Melanchthon: "pecca fortiter". Diante da veracidade<br />

das promessas de Deus temos um nôvo fundamento para<br />

a ação moral no meio da ambigüidade humana, e eliminamos<br />

o perfeccionismo sem contudo perder o esfôrço moral<br />

em direção da perfeição. SI<br />

Nesse sentido também Althaus utiliza a frase do "ser<br />

o que é" um pouco modiíicada. Diz que os imperativos<br />

se baseiam totalmente nos indicativos do nôvo ser, a presença<br />

do Espírito Santo, e lembra o cristão que êle "seja<br />

concretamente o que êle fundamentalmente é". Se Quando<br />

diz "fundamentalmente", Althaus reconhece que é fundamental<br />

no cristão ser renascido, embora continue condicionado<br />

pelo velho homem. Porisso pode dizer que os<br />

imperativos já não são lei, mas evangelho, são imperativos<br />

da graça, chamamento para dentro da vida de filhos<br />

de Deus. Não são exigências morais que ainda deveriam<br />

ser juntadas ao evangelho, mas um chamamento<br />

"à posse concreta da liberdade que nos é dada na comunhão<br />

com Deus". No entanto "são lei, sentença de morte,<br />

na medida em que ainda somos velho homem"! S:j Segundo<br />

Althaus a nova liberdade no Espírito, a nova vida tornada<br />

realidade pela ação do Espírito Santo, é base e poder<br />

do ethos cristão. "A nossa luta se realiza no campo<br />

da vitória já alcançada na comunhão com Cristo." M Nesse<br />

sentido e apenas nesse sentido somos livres da lei e<br />

guiados pelo Espírito Santo.<br />

A direção do Espírito Santo está intimamente ligada<br />

com a revelação de Deus nas Sagradas Escrituras. Porisso<br />

Lutera afirma que não há boas obras além daquelas<br />

que Deus ordenou na sua Palavra, como não há pecado<br />

além daquele que Deus proibiu na sua Palavra. Quem<br />

pois quer saber quais são as boas obras e praticá-Ias precisa<br />

verificar isto no mandamento de Deus. 85 A liberdade<br />

cristã da lei (Em 3. 31), segundo a qual somos justifica-<br />

81 Oden, 01J. cit., p. 338.<br />

82/83/84 Althaus, op. cit., p. 56.<br />

85 Martin Luther, "Sermon von den guten Werken", 1'172, X, 1300..


Fundamentos Bíblicos da Ética Cristã<br />

209<br />

dos pela fé sem as obras da lei, não anula a lei, antes a<br />

estabelece e torna base de tôda ordem moral no mundo"<br />

r. M. Reu diz que quando Cristo veio nos livrar da lei não<br />

veio para abolir a lei e os profetas, mas para cumprí-Ios,<br />

Porisso o cristão está livre da lei enquanto é nova criatura,<br />

mas está sob a autoridade, a pressão, e a coerção<br />

da lei enquanto velho homem, fr;<br />

A negação da validade da lei para o cristão está geralmente<br />

ligada com a negação da Palcrvra e dos Sacramentos<br />

como meios da graça. Onde a Palavra não é aceita<br />

como meio do ação do Espírito Santo paro o regeneração,<br />

ali também é dodo 00 Espírito Santo outonomio paro<br />

suo oção em relação às boos obros morais no homem.<br />

Assim Thomos C. Oden critico Rudolf Bultmann por declaror<br />

que "coda momer1Íomostro 00 homem com plena clareza<br />

o que é moralmente bom". Assim o homem saberio<br />

como agir, não por causa de uma onálise raciono], nem<br />

de educação ou experiêncios feitos, mos por um "conhecimento<br />

morol" procedente da vivêncio do "ogoro". A situação<br />

presente mostrario o que é umO oção morolmente<br />

boo. Sômente a situação ensinaria, S7 Tal "moral de situação<br />

do momento" espera que a "decisão" venha da<br />

ação direta do Espírito Santo no homem, como também<br />

O.Cullmann expõe em sua análise do ato moral, que êle<br />

claramente classifica como "decisão do momento", 88 Cullmann<br />

argumenta, dizendo que o cristianismo primitivo não<br />

estabeleceu novos mandomentos éticos, mos que "em cada<br />

momento atual a decisão ética é tomada dentro de<br />

uma situação concreta". Para Cullmann o "mandamento<br />

do momento", do "kairos", está sob a direta orientação do<br />

Espírito Santo. Mesmo sem a lei, sem a Palavra, o Espírito<br />

Santo nos daria em cada ""kairos" a capacidade de<br />

decidirmos corretamente. SP<br />

'Esta é a chamada "ética de situação" que quer impor-se<br />

para mediar entre o nomismo e o antinomismo.90<br />

Paul Althaus caracteriza muito bem esta nova ética, classificando-a<br />

como ética de entusiasmo, ou espiritualismo, ,>1<br />

Segundo Althaus não podemos perder de vista três fatôres<br />

importantes na ética cristã: a realidade da natureza<br />

do homem e da história, o ouvir claro da Palavra de Deus,<br />

e a decisão da consciência guiada pelo Espírito Santo.!l2<br />

86 Reu, op. eU., p. 249.<br />

87 Oden, op. c-it., p. 325.<br />

88 Oscar Cullmann, Ohrist and Time (London: SeM press Ltd.,<br />

1962), p. 228. Tradução de Floyd V. Filson.<br />

89 Ibid., p. 225.<br />

90 Ltttheran Witness, LXXXV (March 1966), p. 51.<br />

91 Althaus, op. cit., p. 40.<br />

92 Althaus, op. cit., p. 39-40.


210 FundámentosBíblicos da Étíca Cristã<br />

Ninguém desconhece a dificuldade de decisão no mOmento<br />

ético. Se é verdade que Deus claramente ordenou certas<br />

ações como morais, claramente condenou outras ações<br />

como imorais, e claramente concedeu liberdade de escolha<br />

em relação a um terceiro grupo de ações, isto não quer<br />

dizer que a decisão no momento seja fácil. Há uma série<br />

de fatôres que interferem na decisão, porque, apesar da<br />

univocidade da lei de Deus, o momento nos apresenta uma<br />

multiplicidadede soluções possíveis, que muitas vêzes se<br />

nos afiguram contraditórias. Walter Künneth chama a atenção<br />

para o fato da diferença entre a "estrutura geral. de<br />

ordem válida em nossa existência" e os casos de exceção<br />

e de limite. Segundo Künneth êstes últimos não podem ser<br />

decididos de maneira "nomístico-legal", mas devem ser<br />

resolvidos à base da decisão pessoal pela consciência<br />

orientada pelos "princípios permanentes do ethos cristão". 93<br />

Êstes "princípios perma.l1entes"não poderiam ser a nossa situação<br />

ambígua na qual encontramos a "lei de Cristo" e<br />

a "lei da carne" se opondo em nós. Nesta situação ambígua<br />

mesmo a legítima presença do Espírito Santo poderia<br />

ser confundida com soluções racionais e emocionais de nossa<br />

própria lavra. Apesar de termos que tomar em conta<br />

os três fatôres fundamentais de nosso ato moral: a natureza,<br />

a revelação, e o Espírito, é necessário reafirmar que<br />

a única base sólida, os "princípios permanentes -do ethos<br />

cristão" precisam ser ditados pela Revelação.<br />

4. Lei e Amor<br />

Thomas C. Oden critica Reinhold Niebuhr por não concordar<br />

com a ética do perdão e achar que o cristianismo<br />

se perde num simples. determinismo 8 numa falta de responsabilidade<br />

quando o cristão toma a graça de Deus como<br />

última saída de suas complicações, de seus desejos,<br />

seus pecados, e sua hipocrisia, em vez de ser tomada por<br />

fonte de poder para atacar estas complicações. 'H Está em<br />

si correto o ponto de vista de Niebuhr, porque a moral<br />

cristã não admite um esconder-se atrás da mensagem do<br />

perdão para viver uma vida imoral, mas exige uma vida<br />

moral de ação decidida em acôrdo .com a lei de Deus.<br />

Sem dúvida o evangelho, a mensagem do perdão, é causa<br />

de nossa ação moral, não uma desculpa para nossos êrros.<br />

Mas parece que Niebuhr tem em vista uma moralidade<br />

dHerente, uma moralidade .que se aproxima perigosamente<br />

da chamada "nova moralidade:', a moralidade do "amor".<br />

93<br />

94<br />

Walter KÜllneth, "Christliche Moral - heute", Zeitwende<br />

Die n6U6 Fnrche, XXXVII (Fev. 1966), n') 2, p. 80.<br />

Oden, op. cit., p. 333.


Fundamentos<br />

Bíblicos da :€ticaCristã<br />

211<br />

Niebuhr parece desconhecer' o compromisso claro da lei de<br />

Deus ao apelar para a "lei do amor", a dupla lei do amor<br />

que Cristo repetiu no Nôvo Testamento. À base desta lei<br />

a ética cristã consistiria na "avaliação de interêsses". "O<br />

Com isso estaríamos no relativismo em ética, visto que o<br />

amor e o interêsse de um sempre será diferente do amor<br />

e interêsse do outro em questões morais.<br />

A lei do amor como fonte de decisões éticas é a volta<br />

ao hedonismo com tintas cristãs. A lei do amor é aplicada<br />

errôneamente quando é usada em substituição à lei<br />

divina. Se é verdade que o cumprimento da lei é o amor,<br />

não é possível dizer que o critério de um amor subjetivo<br />

substitua a lei de Deus. Não se trata, quando a Escritura<br />

fala da lei do amor, de um valor diferente da lei de Deus.<br />

As duas leis se identificam. Quem cumpre a lei ama, e<br />

quem ama deve cumprir a lei de Deus. O amor cristão<br />

é sempre um amor ligado intrinsecamente à lei de Deus.<br />

John A. T, Robinson, por exemplo, inverte a ordem de<br />

valores éticos, quando aplica em sua "nova moralidade"<br />

uma lei de "amor" subjetivo. Em seu livro "Honest to God"<br />

denuncia a ética "antiquada" como o "equivalente ético<br />

do pensar supranaturalístico". Sabe que não está oferecendo<br />

nenhuma nova moralidade de fato, mas está repristinando<br />

a ética imanentista do racionalismo. Diz que "o<br />

desvio revolucionário no campo da ética do supranaturalismo<br />

para o naturalismo, da heteronomia para a autonomia<br />

já está em prática há muito tempo" e tem como pressuposição,<br />

em última análise, "a magnificente grandiosidade<br />

do ideal autônomo de Kant". Concorda que com o<br />

tempo submergiram todos os conceitos de valor objetivos<br />

e incondicionais, que Kant ainda defendia, "num lamaçal<br />

de relativismo e subjetivismo". 9() :t:ste último estágio a ética<br />

parece ter atingido quando Robinson afirma que não<br />

há para o cristão' "nenhuma decisão moral com embalagem<br />

pronta", porque' "homens são mais importantes que<br />

princípios". 97 A tese fundamental de Robinson é que a<br />

"nova" moral "é uma ética radical de situação, na qual<br />

nada está presCrito a não ser amor" .. Dentro dessa moral<br />

o homem se encontraria na procura de uma base moral<br />

para sustentar a vida moral individual e da sociedade, A<br />

ética de situação seria porisso uma ética de "engagement"<br />

e de descoberta, Porisso Robinson pode declarar que "não<br />

h6 nada que sejá de uma vez por tôdas errado", 96 Quando<br />

Joseph<br />

.<br />

fletcher<br />

0_0.-<br />

traduziu' Agostinho<br />

.<br />

(Dilige<br />

---<br />

.... ,<br />

et auod vis<br />

95 Ibid.) p. 334.<br />

96 Robínson, op. cit., p. 106, 113.<br />

97 Ibid.) p. 120.<br />

98 Ibid., p. 116, 118.


212 Fundamentos Bíblicos da lJtica Cristã<br />

!ac!) para "Ama, e o que então queres fazer faze", foi<br />

fácil o passo para a última conseqüência, de que "só o<br />

amor faz com que uma causa seja boa ou má". 99<br />

Walter Künneth diz que a causa dessa absoluta negação<br />

da lei de Deus é o fato de que Robinson faz de<br />

"Deus" apenas um nome, um título para a "profundidade<br />

da imanência". Esta destruição do conceito bíblico de Deus<br />

Robinson não pode evitar pela concessão de que "as afirmações<br />

a respeito de Deus são em última análise afirmações<br />

a respeito do amor - a respeito da causa e sentido<br />

das relações pessoais." 100 O "amor" de que Robinson fala<br />

não se identifica com o amor cristão, nem o "deus do<br />

amor" com o Deus da Revelação. Porisso Künneth está<br />

certo quando em sua crítica aos livros de Robinson ("Honest<br />

to God", e "Christlíche Moral heute") diz que a "provocação<br />

de nossa era" espera por uma resposta diferente daquela<br />

que a "nova moralidade" pode oferecer. ]01 A lei<br />

do amor cristão se identifica com a lei de Deus. Sàmente<br />

êste pode ser o sentido da afirmação de Paulo: "O cumprimento<br />

da lei é o amor" (Rm 13.10).<br />

Quando aceitamos a Bíblia como Palavra revelada de<br />

Deus e tomamos a sério a oposição e relação de lei e<br />

evangelho nela ensinados com meridiana clareza, não podemos<br />

senão concordar em que a ética cristã seja uma<br />

ética do perdão, porque o cristão é nesta vida sempre "simul<br />

iustus et peccator". A regeneração, quando olhada<br />

sob o ponto de vista da fé em Cristo, nos garante o perdão<br />

dos pecados, a justificação do pecador, que é declarado<br />

santo por Deus, e nos per:rn.ite desta forma viver em nossa<br />

ambigüidade como se fôssemos moralmente perfeitos.<br />

Olhada do ponto de vista da nossa vida moral, a regeneração<br />

nos modifica contlnuamente de tal forma que agora,<br />

sob a ação do Espírito Santo, podemos decidir-nos positivamente<br />

com vistas à vontade de Deus, e agir moralmente<br />

bem em relação a nós mesmos, ao nosso próximo, e à<br />

sociedade em que vivemos. No entanto o ethos cristão<br />

não é perfeito, porque a regeneração não elimina a natureza<br />

corrompida, porém apenas a modifica pela restauração<br />

da imagem divina. Por essa razão a ética cristã é<br />

uma ética de emergência: o cristão precisa ainda, - além<br />

do evangelho, que lhe dá, sustenta, e fortalece a nova vida<br />

espiritual, e assim é causa do ethos cristão, - a lei,<br />

99 Ibid., p. 119.<br />

100 Künneth, op. cit., p. 77.<br />

101 Ibid., p. 80.


Fundamentos Bíblicos da .I!lticaCristã<br />

213<br />

que lhe serve de contrôle da .natureza corrompida, e é a<br />

norma do ethos cristão. Embora a lei de Deus seja unívaca<br />

e clara, ela não oferece soluções explícitas para cada<br />

caso de exceção e limite nas situações complexas da<br />

vida humana, mas oferece urna norma geral precisa e final<br />

que rege e determina o ethos cristão. Esta norma geral<br />

precisa ser conhecida e aplicada nas situações do momento,<br />

que sempre são complexas na vida do cristão.<br />

Com a consciência orientada pela lei de Deus e guiada<br />

pelo Espírito Santo, o cristão deve decidir-se e agir,<br />

confortado com a certeza de que na sua ambigüidade<br />

êle pode e deve viver uma ética do perdão.<br />

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216 Nach dem Konzil<br />

NACH<br />

DEM<br />

1.<br />

KONZIL<br />

Prof. D. theol. Hermann Sasse *)<br />

Das grosse Konzu ist voruber. 1m Unterschied vom Ersten Vatikanum,<br />

das niemais zu £nde gefiihrt worden ist, sondern wegen der<br />

politischen Ereignisse in Italien auf unbestimmte Zeit vertagt werden<br />

musste, konnte das Zweite Vatikanische Konzil in der kritischsten Zeit<br />

der Weltgeschichte nach dreijahriger Dauer seine Arbeit zu Ende<br />

fUhren und in aller Form feierlich geschlossen werden. Mit diesem<br />

Konzil ist eine Epoche del' Kirehengeschichte zu Ende gegangen und<br />

hat eine neue begonnen, und nicht nur fUr den Romischen Katholizismus.<br />

Wenn je ein 'lorn Papst berufenesKonzil auf den vieldeutigen<br />

Namen "okumenisch" - man denke an den Titel "6kumenischer Patriarch"<br />

oder an die Bezeichnung "6kumenischer Rat der Kirchen"<br />

- Anspruch machen konnte, dann war es das Zweite Vatikanum.<br />

Irgendwie waren sie ja aIle dabei, die Orthocioxen unci die Anglikaner,<br />

die Lutheraner unci die Reformierten, die Methodisten, Kongregationalisten<br />

und die Evangelische Kirche in Deutschland, die Quaker und<br />

Unitarier, zwar nicht als Konzilsvater, aber doch ais hochgeehrte<br />

Gaste, als "getrennte Bruder", auf deren GefUhle man Rucksicht nahm<br />

und deren Meinung uber diese oder jene theologische Formulierung<br />

man gelegentlich in der Stille erforschte. Denn hinter diesem Konzil<br />

sahen seine fUhrenden Geister ein anderes, das Keiner der gegenwartig<br />

Iebenden Menschen erieben vlv.rde, ein kunftiges Konzil, auf<br />

dem die grosse Sehnsucht der gegenwartigen Christenheit der verschiedensten<br />

Konfessionen und Denominationen ihre Erfullung finden<br />

wurde in einer "Wiedervereinigten Kirche del' Zukunft". Insofern<br />

gehort dies Konzil nicht nur in die Geschichte der Romisch-Katholischen<br />

Kirche, sondern auch in die Geschichte der 6kumenischen Bewegung,<br />

die seit 50 Jahren durch die Christenheit geht. Mit dem Eintritt<br />

cier grossten del' christlichen Kirchen in die okumenische Bewegung<br />

- die nicht vervrechselt werden darE mit irgendeiner del' Organisationen,<br />

die sie sich geschaffen hat - ist diese Bewegung "katholisch"<br />

geworden und ist Rom "okumenisch" geworden, was sich<br />

schon in der 0bernahme der modernen Bedeutung 'Ion okumenisch<br />

a1s "aIle Konfessionen umrassend" ausdrv.ckt. Neben die beiden bisher<br />

bestehenden Programme einer okumenischen Einigung der Kirchen,<br />

"} Diese tiberaus klare und aus berufener Feder hervorgegangene Beurteilung<br />

des Vatikanum II erschien zuerst als "Briefe an lutherische Pastoren, Nr.<br />

59" in "Lutherische Blatter" (herausgegeben von Friedrich Wilhelm Hopf,<br />

Bleckmar), Nr. 87 (J\i8.rz 1966). Sie ist ebenfalls erschienen in dem Sammelband<br />

von Aufsatzen Hermann Sasses, del' den Titel "In Statu Confessioms"<br />

tragt. Eine Besprechung dieses im Lutherischen Verlag-shaus, Berlin<br />

und Hamburg, erschienenen bedeutungsvollen Buches erfolgt in del'<br />

nachsten NUIillTIcr diesel' Zeitschrift. - H. R.


Nach dem Konzil 217<br />

das pietistisch-enthusiastische und das anglikanische, ist nun aIs drittes<br />

das romisch-katholische getreten. Das erste geht auf den Pietismus<br />

des 18. Jahrhunderts zurück und hat in den protestantischen christlichen<br />

Jugendbewegungen sowie in der Weltmission des 19. und 20.<br />

Jahrhunderts seine Ausgestaltung erfahren: Die unsichtbare Einheit<br />

der Kinder Gottes in den verschiedenen Denominationen m u s s zur<br />

sichtbaren Einheit werden, wenn alle sich im Gebei, in der Arbeit<br />

für "das Reich Gottes" und in dem gemeinsamen Studium der Heiligen<br />

Schrift um das Wort Gottes sammeln. Dann m u s s der Heilige<br />

Geist das grosse Wunder tun und die Una Saneta sichtbar werden<br />

1ossen. Das anglikanische Programm, im Lambethquadrilateral van<br />

1888 definitiv formuliert, auf die anglikanischen Gedanken der Wiederherstellung<br />

der verlorenen Einheit der sichtbaren Kirche im 17.<br />

Jahrhundert zurückgehend und von a11enLambethkonferenzen bis 1958<br />

wiederholt, findet die Einheit in der Lehre der "alten ungeteilten Kirche"<br />

und im "historischen Episkapat" mit der aposto1ischen Sukzession.<br />

Diese beiden Programme haben im Weltrat der Kirchen und in den<br />

zahlreichen von ihm inspirierten oder gefOrderten Unionenunseres<br />

Jahrhunderts in den nationalen oder lokalen Unionskirchen, insbesonc<br />

dere auf den früheren Missionsfeldem, ihreVerwirklichung gefunden.<br />

Neben sie tritt nun das Programm Rams: Eine tiefe Emeuerung der<br />

Romisch-Katholischen Kirche, die einer Reformation gleichkommt, sol!<br />

die Heimkehr der getr8nnten Brüder des Ostens und des Westens<br />

moglich machen. Es ist nicht die Einigung als so1che, um die es auf<br />

dem Konzil ging,sondem deren Vorbereitung und Ermoglichung durch<br />

die Emeuerung der Kirche. Es ist dies Programm, das Rom in emer<br />

Zeit vorlegt, in der die vom Weltrat der Kirchen repréí:sentierte okumenische<br />

Bewegung in eine tiefe Krisis geraten ist. Diese Krisis besteht<br />

darin, dass sowohl das pietistisch-enthusiastische wie auch das anglikanische<br />

Programm sich aIs undurchführbar erwiesen haben, weil<br />

sie immer nur Z11 ortlich begrenzten Unionen, aber niemals zur Eini~<br />

gung der Christenheit aIs ga112erführen kÓnnen. Das wurdem dem<br />

Augenblick aHenbar, aIs Rom den Dialog mit den anderen Kirchen<br />

beginnen wollte. Der Weltrat kann über Fragen der Lehre nicht diskutieren.<br />

Er musste das selbst einsehen und nolens volens dendogmatischen<br />

Dialag den Konfessionskirchen und konfessione11en Weltbünden<br />

überlassen, deren okumenische Bedeutung damit von Genf<br />

anerkannt wurde: den Orthodoxen, den Anglikanem, Lutheranem,<br />

Reformierten, Methodisten, Kongregationalisten. Die vielen Unionskirchen<br />

Asiens und Afrikas müssen stumm bleiben, weil jede vou ihnen<br />

ja eine andere Lehrgrundlage hat. Auch die "Evangelische Kirche<br />

der Union" und die "Evangelische Kirche in Deutschland" konnen keme<br />

Gespréí:chspartner mit Ram im dogmatischen Dialag sem, es. sei derm,<br />

dass sie zu diesem Zweck die "itioin partes" vomehmen, d. h. sich<br />

in die alten Bekenntnisgruppen aufspalten. Sa stellt das Ókumenische<br />

Programm des Zweiten Vatikanums alle Kirchen der Christenheit vor<br />

ganz neue Fragen, die eine Antwort erheischen.


218 Nach dem Konzil<br />

2.<br />

Doch bevor wir darauf eingehen, wollen wir versuchen, die<br />

grosse Wandlung zu verstehen, die sich im Romischen Katholizismus<br />

dieses Jahrhunderts vollzogen hat. Was steht hinter der okumenischen<br />

Wandlung Der Protestant ist geneigt, jede derartige Wendung in<br />

der Romischen Kirche aus kirchlicher Machtpolitik zu erklCiren. Naturlich<br />

weiss jeder, dass in Rom auch Kirchenpolitik getrieben wird,<br />

und zwar in ganz grossem Stil und mit Erfolgen, die anderen Kirchen<br />

versagt bleiben. Denn Kirchenpolitik gibt es ti.berall, wo Menschen<br />

versuchen, dem Herrn Christus ein wenig nachzuhelfen bei der Regierung<br />

der Kirche. So war es doch wohl auch in der "Bekennenden<br />

Kirche" in Deutschland. Nein, wer die Entwicklung im modernen Katholizismus<br />

verstehen will, der muss wissen, dass es sich urn eine<br />

religiose, urn eine tief geistliche Bewegung handelt. Rom i s tau f<br />

dem Wege zu einer Reformation. Wie sie aussehen<br />

wird, welches die letzten Ergebnisse sein werden, das vermag kein<br />

Mensch zu sagen. Der leidenschaHliche Widerspruch, den die Erneuerungsbestrebungen<br />

der Konzilsmehrheit bei einem Mann '.'lie<br />

Kardinal Ottaviani fanden, erkki:rt sich aus der Befurchtung der Konservativen,<br />

dass die Reformation, auf die man hinsteuert, in Wirkhchkeit<br />

eine Revolution und letzten Endes die Zerstorung des Katholizismus<br />

bedeute. Es ist erstaunlich zu sehen, wie der riesige Korper der Katholischen<br />

Kirche, die grosste Kirche der Christenheit, dieses vermeintlich<br />

starre und jedenfalls konservativste Gebilde unter den christlichen<br />

Kirchen, in Bewegung geraten ist. Noch 'lor dreissig Janren<br />

konnte unter den Katholiken DeutschlaIlds nurvertraulich ubeT die<br />

Moglichkeit gesprochen werden, dass die Messe in der Volkssprache<br />

gehalten werden konne. Wenn man bedenkt, dass einst der Sieg<br />

der Reformation damit zusammenhing, dass die Menschen nun die<br />

Liturgie in der Muttersprache feiern durTtep, dann begreift man die<br />

Tragweite der liturgischen Reform durch das Konzil. Man begreift<br />

zugleich, was fUr ein Opfer die Kirche mit dem Aufgeben der lateinischen<br />

Messe gebracht hat. Denn diese Messe war trotz aller ihrer<br />

Grenzen doch immer noch eine der reifsten rru.chte des kirchlichen Altertums,<br />

eines der grossten liturgischen Kunstwerke, wenn man sieh<br />

einmal so ausdrucken will. Zwar wird sich das Lateinische in feierlichen<br />

Pontifikalamtern halten, aber wie lange wird es dauern, bis<br />

auch das aufh6rt oder nur so fortlebt, wie die wundervolle altspanische<br />

(mozzarabische) Liturgie noch heute in einer Seitenkapelle des<br />

Doms von Toledo ein kiimmerliches Dasein fristet. Jetzt versteht man<br />

die Wehmut, die aus dem Apostolischen Schreiben "Veterum Sapientia"<br />

'Ion Johannes XXIII. spricht, woer dazu ermahnt, die Pflege der<br />

Alten Sprachen nicht zu versaumen. Selbst vielen katholischen Laien<br />

war diese Reform zu weitgenend. Es ist in Melbourne und in Paris<br />

mid gewiss auch anderswo vorgekommen, dass der Priester auf sein<br />

"Der Herr sei mit euch" demonstrativ die Antwort bekam: "[tcum<br />

spiritu tuo." Aber das Opfer der Geschichte wird gebracht urn der


Nach demKonzH 219<br />

Zukunft der Kirehewillen, vor aUem in AfTikaund Asien. Was für<br />

einen Glauben an die MaeM des Heiligen Geistes!<br />

Diese geistliche Bewegung im Katholizismus ist eine Gegenbewegung.<br />

Man muss das Zweite Vatikanum auf dem Hintergrunde<br />

des Ersten sehen. Am 18. Juli 1870, am Tage vor dem Ausbrueh des<br />

deutsch-franzosischen Krieges, war das KonziI zur feierliehen Sitzung<br />

zusammengetreten. DamaIs genügte das reehte Quersehiff von St Peter<br />

ais KonziIsaula. Wahrend eines sehweren Gewitters, das stundenlang<br />

über Rom herniederging, fand die Abstímmung. statt über die<br />

"Erste Konstitution über die Kirche Christi" , welche die Lehre vom<br />

Primat des Papstes, seine volle bischofliche Jurisdiktionsgewalt über<br />

die gesamte Kirche und sein unfehlbares Lehramt enthielt. 533 Bi~<br />

sehéife stimmten mit PIacet, zwei mit Non placet, wahrend die Minderheit<br />

von etwas über 50 Bischofen mit Genehmigung des Papstes<br />

bereits abgereist war. Mit sehweren Herzen waren sie gegangen,<br />

nachdem aUe Versuche einer Verbesserung der Konstitution gescheitert<br />

waren. Einekleine Verbesserung in dem Sinne, dass der Papst sein<br />

Lehramt nicht ohne die Gesamtkirche ausüben kann, hatte genügt,<br />

um Einmütigkeit zm erreichen, Aber nun war die Lehre von der Vollgewalt<br />

des Papstes in einer untragbaren Schroffheit verk:ündet worden.<br />

Das war die Romische Kirche des 19. Jahrhunderts, die im Syllabus<br />

von 1864nicht nur den lrrlehren, sondem aueh den staatlichen InstitutiotJ.en<br />

der modernen Welt den unerbittlichen KampÍ angesagt hatte<br />

und' die nun die Gegenreformation vollendete und nieht nur jede Annaherung<br />

an die Kirchen der Reformation, sondem auch jede Einigung<br />

mitd€f Ostkirche unmoglich gemacht haIte. Am 20. September 1870<br />

'ATurde Rom von den italienlsçhen Truppen besetzt. Der Kirchenstaat<br />

wurde dem Konigreich Italien eingegliedert, dessen Hauptstadt Rom<br />

nun wurde, und der Papst lebte in seiner freiwilligen GeÍangensehaft<br />

1m Vatikan. Die katholisehe Kirche des Abendlandes war in das<br />

Ghetto gegangen.<br />

3.<br />

Den Papst aus seiner "Gefangensehaft im Vatikan", die Kirche<br />

aus dem Ghetto zu befreien und ihr die führende Rolle in der modernen<br />

Welt zu geben, die sie in vergangenen Jahrhunderten gehabt<br />

hatte, dasmusste das ZieI der NachfoIger von PiÜs IX. sein. Schon<br />

LeoXIII. begann dies Werk,aber es seheiterte am Ausbruch der<br />

modernistischen Kontroverse, weIehe die Kirche nur noeh tieÍer in<br />

die Reaktion Íührte. Der Modernismuswar in gewisser Weise eine<br />

Vorwegnahme dessen, was das Zweite Vatikanum hat erreichen wol­<br />

IEm,der Versuch eine:t Versohnung des Katholizismus mit der modernen'<br />

Welt, der katholisehen. Theologie mit dermodernen Wissenschaft.<br />

Er musste seheitern, weil die Zeit noch nicht reif Íür die Losung di e­<br />

ser schweren Aufgabe war. Das wurde klar, ais die führendenModemisten<br />

vor der Welt kapitulierten und das katholische Dogma mehr<br />

oder weniger aufgaben.DeiStreil, der dieXirehe bisin· ihTe· Grundfesten<br />

erschütterte und dem viele der bestertGeister zum Opfer fieIen,


220 Nach demKonzil<br />

darunter ein so untadeliger Kat..holik:wie der Wurzburger Apologet<br />

Hermann Schell, der 1897 mit seinem Buch "Der Katholizismus als<br />

Prinzip des Fortschritts" dem Katholizismus des 20. Jahrhunderts sein<br />

Programm geschrieben hatte, vertiefte die Kluft zwischen Kirche und<br />

moderner Welt so, dass die besten jungen Katholiken an der Zukunft<br />

ihrer Kirche verzweifelten. Prof. Paul Simon, der nach dem zweiten<br />

Weltkrieg als Domdekan von Paderborn starb, hat seinen Freunden<br />

und SchUlern oft die innere Lage der jungeren Generation im ersten<br />

Jahrzehnt dieses Jahrhunderts geschildert. Junge Akademiker aller<br />

Fakultaten kamen damals in Maria Laach zusammen und tauschten<br />

ihre Gedanken aus. Der aIte Abt, dem sie ihre innere Not schilderten,<br />

sagte, er verstehe sie nicht, aber unter seinen Monchen sei einer,<br />

der Verstandnis fUr sie habe. Das war Hdefons Herwegen, der dann<br />

spi:i:terselbst Abt wurde, der grosse Begrunder der modernen Liturgieforschung<br />

und der Liturgischen Bewegung im deutschen KathoUzismus.<br />

Er fuhrte diese Generation dorthin, wo das Herz der Kirche<br />

schlagt, zur Liturgie, zur "ecclesia orans". Viele der besten Theologen<br />

wandten sich von den Gebieten der Exegese und der Kirchengeschichte<br />

dem nicht so gefahrliehen Gebiet der Liturgieforsehung zu und erwarben<br />

dort die Fahigkeit echter historischer Forsehung, die dann<br />

spater aueh der Bibelforsehung zugute kommen sollte.. Die katholisehe<br />

Bibelforsehung selbs! behielt ihren grossen Fuhrer, den Dominikaner<br />

Lagrange, der ein Bibelinstitut in Jerusalem begrundet hatte.<br />

Die jungen Akademiker, van der Jugendbewegung unter der Fuhrung<br />

van Romano Guardini lief beeinflusst, fanden in der Liturgischen Bewegung<br />

die Kirehe, die sie suchten und liebten. Und die Liturgische<br />

Bewegung wiederum ftihrte zur Neuentdeekung der Bibel, die ja das<br />

grosste liturgisehe Bueh der Kirehe ist. Eine ahnliche Entwieklung<br />

vollzoq sieh im franzbsisehen Spraehgebiet. In Rom wurde die Ar~<br />

beit der 1901 erriehteten Bibelkommission und des 1909 gegriindeten<br />

Papstlichen Bibelinstituts nach dem Abflauen der modernistisehen<br />

Kontroverse nach dem Tode Pius' X. (1914) immer mehr in den Dienst<br />

der positiven Erforschung der Probleme der Heiligen Schrift gestellt,<br />

besonders seit im Jahre 1930 der deutsehe BibelforseherPater Augustin<br />

Bea,S. J., das Rektorat des Bibelinstituts ubernahm, das er neunzehn<br />

Jahre gefUhrt hat (vorher halte er an der Gregoriana und am<br />

Studium seines Ordens an der Gesu gelehrt). Der Hbhepunkt dieser<br />

Arbeit in Rom war die Enzyklika "Divino afflante Spiritu" van 1943,<br />

nach Leos XIII. "Providentissimus Deus" van 1893 und Benedikts XV.<br />

"Spiritus Paraelitus" zum Hieronymusjubilaum 1920 die dritte der<br />

grossen Kundgebungen zur Bibelfrage nach dem Ersten Vatikanum.<br />

Vergleieht man sie mit ihren Vorgangerinnen, so wird sofort ihre Bedeutung<br />

klar. In ihr hat Rom die historisch-kritische Methode der Erforsehung<br />

der Bibel rezipiert, ohne das Tridentiniseh-Vatikanisehe<br />

Dogma van der Inspiration der Schrift aufzugeben.<br />

4.<br />

Es ist kein Zufall, dass der Fuhrer der Bibelbewegung auch zum<br />

Vorkampfer der okumenisehen Sache in der Romischen Kirehe wur-


Naeh de.m Konzil 221<br />

de, Wie alle Wissenschaft, so ist auch die BibelwissenschaH intemotional<br />

und interkonfessione11. Aber Íür den dbutschen Jesuiten ste11t<br />

die Schriftforschung noch ein anderes Problem. "An der Heiligen<br />

Schr-iftsind einst unsere Vater auseinandergegangen, über der Heiligen<br />

Schrift werden wir wieder zusammenkommen." Die Liturgische<br />

Bewegung, die Bibelwegung und die bkumenische Bewegung gehoren<br />

zusammen. Auch in dieser Beziehung musste Rom aus dem Ghetto<br />

des Ersten Vatikanurris beÍreit werden. An deu ersten bkumenischen<br />

Bestrebungen nach dem ersten Weltkrieg war Rom in keíner Weise<br />

interessiert oder hbchstens insofem, aIs diese anzudeuten schienen,<br />

doss dievon Rom getrennten Christen sich nach der "Heimkehr zur<br />

Muiterkirche" sehnten. Die ergreifende Enzyklika des Ókumenischen<br />

Patriarchats von 1920, die im Hinblick auf die Katastrophe der Ostkirche<br />

die Bildung eines Bundes alIer christlichen Kirchen nach Analogie<br />

des Volkerbunds vorschlug, fand kein Echo in Rom. Dasselbe<br />

gilt von den Einladungen zur Weltkonferenz für Glauben und Kirchenverfassung<br />

und anderen okumenischen Kundgebungen des Westens.<br />

Rom warallenfalls an der Errichtung diplomatischer Beziehungen mit<br />

den Staaten interessiert, aber nicht an Verbindungen mit den Kirchen.<br />

Wenn einem der damaligen Berufsdiplomaten, Erzbischof Roncalli, in<br />

Bulgarien und in lstanbul das Herz für die Brüder der Ostkirche zu<br />

schlagen begann, so war das seine Privatsache undhatte mit seinem<br />

Dienst nichts zu tun, Das Politische rnusste ja auch eine Rolle spielen<br />

in den Jahren, indenen das unmogliche VerhO:ltnismit dem Kbnigreich<br />

Italien dringend eine Lbsung verlangte, die dann in den Lateranvertragen<br />

erreicht V/urde um den hohen Preis des Bündnisses mit dem<br />

Faschistischen StaaL Erst in den Krisen der dreissiger Jchre und in<br />

der Katastrophe des zweiten Weltkriegs wurde Rom reif für den ükumenischen<br />

Gedanken. Es ist kein Zufall, dass dies zuerst in den Landern<br />

geschah, wo die Opfer Hitlers aus allen Kirchen sich in den<br />

Konzentrationslagern kennenlernten und die Martyrer aller Bekenntnisse<br />

starben. Die Lander, die zu Schlachtfeldern des zweiten Weltkriegs<br />

wurden, sind die Heimat des bkumenischen Gedankens in der Katholischen<br />

Kirche: Deutschland, die Niederkmde, Belgien, Frankreich.<br />

Was ín der privaten Sphare begann, ereignete sich nun in den katholischen<br />

Kirchen dieser Lander und wurde langsam von Rom geduldet<br />

und übernommen. AIs nach dem Kriege die ersten offiziellen<br />

G-espéiche zwischen evangelischen und. katholischen Theologen unter<br />

bischoflicher Leitung in Deutschland stattfanden, da war eine der Be'-'<br />

dingungel1, dass kein gemeínsames Gebét gesprochen werden dürÍte.<br />

Selbst das Tischgebet sprach jeder still für sich. Eines Tageskonnte<br />

esder Dekan einer angesehenen katholischen Fakultat nicht langer<br />

aushalten und sprach das Tischgebet laut. DarauÍhin vmrde ihm von<br />

zustandiger Stelle gesagt, es sei mit dero ganzen Unternehmen vor_<br />

bei,wennclas noch einmal. geschehe:Kurz darauf wurde erlaubt, das<br />

VtÜerunser zu sprechen oder ein vonder Kirche genehmigtes Gebet.<br />

Eine tiefgehende Erorterung der Frage nach der ratio legis ckr die<br />

comm'..wicatio,in 'sacris verbietenden.Bestimmungen des Kirchenrechts


Nach dem Konzil<br />

istberei ts seit vielen Jahren im Gange: 1st das Verbot solchet Ge~<br />

il).einschaft mil Schismatikern unci Haretikern gottliches Gesetz ~ danD<br />

kann es nicht geanderJ werden~ oder is! es ein Gesetz, dasvon der<br />

Kirche gegeben worden ist undelso von· der Kirche geandertwerden<br />

kann Diese Erorterungen haben spezieIleBedeutung hir die Grenz~<br />

gebiete zwischen der Romischen Kirche und den Ostkirchen, Aber<br />

dariiber hinaus bereiten sie neue rechtliche Bestimmungen iiberdas<br />

Verhaltnis auch zu den Protestanten vor. Dahinter aber steht Einetiefe<br />

Wandlung in dEn Seelen. def katholischen Christen, dienicht mehr<br />

mit der alten naiven BEantVlOrtung der F1age zufrieden sind, was es<br />

bEdeutEt,dass es ausserhalb der Kirche kein Heil gibt.<br />

5.<br />

Dies ist die Kirche, deren Bischofe am 11. Oktober 1962 zm feierlichen<br />

Eroffnung des Konzils zusammentraten. Schon Pius XII. hatte<br />

an ein Konzil gedacht, auf demdie grossen, die Kirche tief bewegenden<br />

Fragen zum Austrag kornmten sollten. Es sind nicht nur die aUsseren<br />

Zeitverhaltnisse gewesen, die ihn van der Ausfiihrung des Plans<br />

abhielten. Dieser kluge Papst wusste, dass die Kirche in einer Krisis<br />

stand, vor Fragen, auf die niernand eine AnrNort wussle: AIlein schon<br />

das Regierungssystern der Kmie war den Aufgaben nicht mehr ge~<br />

waehsen, die der in allen Erdteilen wachsende Riesenorganismusmit<br />

der Mannigfaltigkeit der Probleme steIlte. Pius XII. wusste, dass nach<br />

seinem Tode aIles anders werden wiirde. Joha.Tlnes XXIII., als 'Obergangspapst<br />

gewahlt, hatte den Mut, seinen KardinO:len den Ausweg<br />

vorzuschlagen - ein Konzil. Dieser Mann, in dem sich die praktische<br />

Lebensklugheit seiner bi:i:uerliehen Piemontesisehen. Ahnen mitdern<br />

Geschick des gelernten Diplomaten und einer tiefen, schlichten Frommigkeit<br />

verband, ein Mann, der sein Leben eigentlichhinter sieh hatte,<br />

konnte es sich leisten, ganz anders zu sein als sein grosser Vorganger.<br />

Er hatte nicht den Ehrgeiz, alles aIlein tun zu wollen wie Pius:<br />

Ein Konzil! Das heisst: Lasstdoch die Kirche selbst entscheiden, was<br />

aus ihr werden solI; der liebe Gott wird ihr schon helfen. Auch<br />

Johannes war Papst und konnte das bei Gelegenheit sehr deutlieh<br />

zeigen. Aber er war ein Mann, der schon an der Pforte der Ewigkeit<br />

stand, und so konnte er Dinge tun, die sonst ein Papst nieht tut. Er<br />

wusste, was not tat; das aggiornamento, das die Kirche endgiiltig<br />

aus dem Ghetto herausbringen sollte; die tiefe innere Erneuerung,<br />

die die Voraussetzung war fur eine neue Wirkung der Kirche auf die<br />

Welt, auf die Welt, auf die Schismatiker und Haretiker, die er zu<br />

"getrennten Briidern" promovierte, auf die der Kirehe Entfremdeten<br />

in Italien und anderswo, auf die Marxisten diesseits und jenseits der<br />

politis chen Vorhcinge, auf die Tuden, die Mohammedaner, die Angehorigen<br />

aller Religionen bis zurn Heidentum. Man hat es ihm nieht<br />

nur in Italien iibelgenommen, dass er auch in den Kommunisten die<br />

irrenden Bruder sah. Sein bei der Papstwahl angenommener Name<br />

des Apostels der Liebe enthielt schon sein ganzes Programm. In der


Naeh dem Konzil<br />

EroHnungsansprache steht schon das ganze Programm des Konzils.<br />

Er sprach von den Irrtümem, die die Kirche zu a11enZeiten bekampft<br />

undoftmit grosster Strenge verdammt hat. Heute aber zieht die Braut<br />

Christi es vor, mehr die Medizin der Barmherzigkeit zu gebrauchen<br />

aIs die der Strenge. Sie ist sich klar daruber, dass, was heute nbtig<br />

ist, nicht Verdammungen sind, sondem der ALllweis der Gültigkeit<br />

i,'lrer Lehre. Jo, er wogte on diesem Wendepunkt den nícht ungefahrliehen<br />

Sotz: "Die Substanz der alten Lehre des Gloübensdepositums<br />

ist ein Ding. Die"Weise, in der es dargelegt wird, ist ein anderes."<br />

Ein Konzil unter Pius XII. hatie den Stil des alten Vatikanums<br />

gehabt. Die Constitutio Prima De eeclesia Christiware durch eine<br />

Constitutio Secunda erganzt worden etwa im Sinne der Enzyklika<br />

"Mystiei Corporis", die a11gemeinaIs Vorlauferin eines Konzilsentseheids<br />

betrachtet wurde, aIs sie 1943 ersehien. Andere Lehren, die inzwisehen<br />

"Dogmenreile" erlangt hatten, was Karl Adam vor vielen Jahren<br />

von der Gnadenmittlerseholt Mariens sagte, waren leierlieh dogmatisiert<br />

und dem Dogma ein Canonangehangt worden,wie er den<br />

Mariendogmen von 1854 und 1950 folgt, in welchem jedem, der diese<br />

Lehre leugnet, nieht nur die ewige Hollenstrafe angedroht wird, sondem<br />

.dazu aueh noeh die irdisehen Kirchenstrafen. Das ist nun an~<br />

ders geworden. Kein"Dogma der Kirche ist zurückgenommen worden,<br />

keins kann widerrufen werden. Aber neue Dogmen werden nicht mehr<br />

produziert, wenigstens auf longe Zeit nieht. Das Konzil hot keine neue<br />

Lehre zum Dogma erhoben. Die grosse Konstitution über die Kirehe<br />

wird nicht als "Zweite" Konstitution bezeichn.et nicht aIs die Fortsetzung<br />

des Dogrnas von 1870, obv'lohl sie die wiehtigste Erganzung<br />

dazu ist. Es ist ein Dokument, das auf einer ganz anderen Ebene liegt.<br />

Es wird in dem Sehlusskapitel ungefahr alles gesagt, was man über<br />

die MuUer Gottes sagen kann, auch dies, warurn man sie Mittlerin<br />

aUer Gnaden nennt. Aber es wird nicht zum Dogma erklêi:rt. Das ist<br />

der neue Stil eines Konzils und seiner Ausserungen, der johanneische<br />

Stil sozusagen. Einer der Gründe für diesen Stilwandel liegt natürlich<br />

in der Tatsache, dass jedes neue Dogma ein weiteres Hindernis<br />

der Einigung aueh mit den Ostkirehen ist.<br />

Die Einführung dieser neuen Art des Konzils mit einer pastoralen,<br />

seelsorgerliehen Tendenz ist die eine grosse Tal Joha..'1.nesXXIII.<br />

Die andere ist die Art und Weise, wie er de:'1 Konz:1 é;'):ne [reiheit<br />

liess, den künftigen Weg der Kirche zu bestimmen. Gleieh in der Ersten<br />

Sitzungsperiode vereitelte der Papst eine Vergewaltigung des<br />

Konzils dureh die Kurie bei den Wahlen zu den Kommissionen. Schon<br />

dabei ste11tees sich heraus, wie start die "Fortschrittliehen" unter den<br />

Konzilsvatem waren. Sie waren die Mehrheit, wenn auch nicht die<br />

ZweidriUelmehrheit, die bei wichtigen Entscheidungen orÍorderlich<br />

war. So kom es zu dem viel erbrterten Vorgang bei der Beratung<br />

des von der Theologisehen Kommission dem Konzil vorgelegten Entwurfs<br />

emes Dokuments über die Quellen der OHenbarung. Die Abstimrnung<br />

ergab, dass die Mehrheit den Entwurf und seine Erorterung


224 Nach demo KonzU<br />

ablehnte. Aber es war keine Zweidrittelmehrheit. Das Konzil hatte<br />

sich festgefahren. Da griff der Papst ein, ordnete die Zuriickziehung<br />

des Dokuments an und setzte eine neue Kommission ein, in der beide<br />

Seiten unter ihren Lihrern, den Kardimilen Bea und Ottaviani vertreten<br />

waren, um ein neues Dokument auszuarbeiten. \Vir haben es<br />

unten kurz zu erortern. So sicherte der Papst der Konzilsmehrheit ihr<br />

Hecht unci ihre Freiheit zu und verhinderte eine Vergewaltigung der<br />

fortschrittlichen Mehrheit durch die Kurie. Yon nun an konnte das<br />

Konzi! seine Arbeit tun. Es war, bei Lichte besehen, die Minderheit<br />

des Ersten Vatikanums, die Nachfolger der Bisch6fe, die damals in<br />

tiefster innerer Not vor der verhangnisvollen Abstimmung des 18. Juli<br />

mit Erlaubnis des Papstes Rom verlassen hatten, die inzwischen zur<br />

Mehrheit in der Romiseh-Katholisehen Kirehe geworden war. Ihr Fiihrer<br />

war Kardinal Bea, der beim Beginn des Konzils im 81. Lebensjahr stand,<br />

der Lehrer so vieler der BisehOfe, die unter ihm an der Gregoriana<br />

und am Bibelinstitut studiert hatten, der grosse Bibeltheologe und<br />

Okumeniker, als soIcher auch der Iv1ann, der das Vertrauen der Nichtkatholiken<br />

besass wie kein anderer. Er behielt seine fUhrende Rolle;<br />

die er als Vertrauensmann zweier Papste besessen hatte, Pius XII.,<br />

dessen Beichtvater er viele Jahre gewesen ist, und Johannes XXIII.,<br />

als dieser am 31. Mai 1963, bevor die zweite "Session" beginnen konnte,<br />

von Gatt abberufen wurde, tief betrauert aueh ausserhalb der Kirche.<br />

Dieser Papst hatte, wie wohl kein anderer der neueren Geschichte,<br />

die Herzen der Mensehen gewonnen, ein Beweis, dass sein Programm<br />

irgendwie einem tiefen Verlangen der heutigen Menschheit entsprach.<br />

Er hatte seine historische Sendung erfiillt. In Kardinal Montini erhielt<br />

er einen Nachfolger, der als Paul VI. das durch den Tod des Papstes<br />

automatisch unterbrochene Konzil wiederaufnahm und nun zu Ende<br />

gefUhrt hat. Mit grosser Gewissenhaftigkeit und oft in schwerem inneren<br />

Ringen hat er den Weg ertasten mussen, den Johannes mit<br />

instinktiver Sieherheit zu finden schien. Ob dieser freilich seine Sicherheit<br />

behalten hatte, als im Lauf del' Jahre erst die ganze Fulle def<br />

Probleme und ihre ungeahnte Schwierigkeit siehtbar v1urde, ist eine<br />

andere Frage. Es ehrt den gegenwartigen Papst, der in seiner Intellektualitat<br />

und auch in seiner ausseren Ersdheinung an Pius XII.<br />

erinnert, dass er lieber eine Frage offen lasst, auf die er noeh nieht<br />

mit voller Sicherheit antv10rten kann, wie es in dem letzten Konzilsdokumentbei<br />

dem Problem der Methode der Geburtenkontrolle geschah,<br />

als dass er eine Antwort gibt, die die Welt von ihm erwartet,<br />

die er aber vielleicht spater nieht aufrechterhalten kann. Es sind nur<br />

die kleinen Geister, die immer alles schon wissen, auch in der Kirche.<br />

6.<br />

Als Papst Johannes XXIII. die Kardinale Bea undOttaviani in<br />

jener .Kommissionals Vorsitzende mit gleichen Rechten zusommenspannte,<br />

da tat er symbolischdas, was die Romisch-Katholische Kirche<br />

noch diesem Konzil zu tun hat. Die' beiden Richtungen, die in


Nach dem Konzil 225<br />

Bea und Ottaviani ihre' Verkéirperung fanden, gehéiren in der Kirche<br />

zusammen, wie sie auf dem Konzíl zusammengehéirten und wie auf<br />

demErsten Vatikanum Majoritat lmd Minoritat zusammen das Konzi1<br />

konstituierten. Wie mag Kardínal Bea, dieser vornehme Kirchenfürst<br />

und demütige· katholische Christ, unter den Taktlosigkeiten<br />

mancher getrennter Brüder und ihrer Journalisten gelitten haben, die<br />

L.>J. ihm entweder eine Art Protestanten sahen oder gar den Vorkampfer<br />

eines religiéisen Liberalismus, Und wie ist Ottaviani - nichtohne<br />

eigene Schuld,<br />

em Reaktionar,<br />

wie<br />

der<br />

er selbst zugibt -<br />

nichts mehr fürchtet<br />

missverstanden worden aIs<br />

aIs eine Reform der Kurie.<br />

Beide sind orthodoxe Katholiken, die fest auf dem Boden des Tridentmums<br />

und des Ersten Vatikanums stehen. Aber jeder ist von seiner<br />

Sorge bewegt. Die grosse Sorge des Kardina1s, dem einst die Leitung<br />

der katholischen Bibelforschung anvertraut war und der nun das Sekretariat<br />

für die Einheit der Christen und damit die éikumenische Arbeit<br />

der Réimisch-Katholischen Kirche leitet, ist die, dass die Kirche<br />

dié grosse Reformation versaumt, auf die sie zusteuert, und dass sie<br />

damit ihre Sendung in der modernen Welt versaumt und inein<br />

sch1immes Ghetto geh1. Die Sorge des Réimers Ottaviani - er stammt<br />

aus Trastever<br />

genOffiCium<br />

- ist die legitime<br />

die Bewahrung der<br />

Sorge des Mannes, dem im Heili­<br />

katholischen Lehre anvertraut war,<br />

dass die Reform der Kirchc nicht in einer Reformatíon, sondern in<br />

einer Revolution endet, in der die Lehrsubstanz des christlichen G1aubens<br />

verschwindet, wie sie in den meisten Kirchen, die sich auf dle<br />

Reformation des 16. Ja.hrhunderts gründen, verschwunden is1. 1m<br />

Jahre 1950 musste Pius XII. in "Humanigeneris" eine ernste Warnung<br />

gegen falsche Folgerungen aussprechen, die kalholische The010gen<br />

ausder Bibelenzyklika von 1943 gezogen hatten, insbesondere hinsiehtlieh<br />

der Lehre von der Transsubstantiation. 1m Jahre 1965, wêi:hrend<br />

des Konzils, erliess Paul VI. eine ahnliehe Warnung in "Mysterium<br />

lidei" Vlieder war es die Frage der Transsubstantiation; denn katholisehe<br />

.Theologen hatten unter dem Vorgeben, die Lehre von fa1schen<br />

philosophisehen Kategorien befreien zu wollen, die Realprêi:senz preisgegeben.<br />

1n solchen Debatten kündigt sieh die kommende grosse<br />

Aufgabe der Kirche<br />

die des Kirehenrechts<br />

an. Wenn<br />

die Gefahr<br />

schon die Reform der<br />

in sieh schliesst, dass<br />

Liturgie und<br />

die verschiedenebilden<br />

Gebiete<br />

werden,<br />

des kommenden Katholizismus zu selbstandigen<br />

die keine Kurie mehr zusammenhalten kann, was<br />

Ge­<br />

wird<br />

dann erst geschehen, wenn die thomistiseh-aristotelisehe Philosophie<br />

kein Einheitsband mehr bildet! Man wundert sichdarüber, mit weleher<br />

Selbstverstandlichkeit heute katholische The010gen davon 2prschen,<br />

dass man in Afrika oder in 1ndien' in anderen Kategorien denken<br />

werde und dass<br />

seheinen werde.<br />

das Glaubensgut<br />

Wir kennendas<br />

dort<br />

von<br />

in neuen Formulierungen er­<br />

der Protestantischen Weltmission.<br />

Wirwissen, was es heisst, das Nicdnum sei ein Produkt des<br />

griechisehen Geistes, ein westliches Bekenntnis, das man den Menschen<br />

Asiens nicht zumuten kéinne. Das bedeutet dann das Ende des christlichen<br />

G1aubens. Denn das Nicanum ist in Asien geschrieben, von


22C<br />

Nach clem Konzil<br />

Mensehen Vorderasiens und Agyptens in der Weltsprache von damals,<br />

die zufOllig grieehiseh war. Wir Abendlander haben esanehmen<br />

mussen, genauso wie wir die Sunden- und Gnadenlehre der<br />

Afrikanisehen Kirche ubernommen haben, die damals zufOllig lateinisch<br />

sprach. Denn diese Lehren gehoren nieht einer bestimmten Nation,<br />

Rasse oder Kultur an. Sie sind "secundum scripturas". Fast jeder<br />

Satzteil des Nieanums ist aus dem Neuen Testament genommen. \Vo<br />

diese Lehre preisgegeben wird, da endet die Kirche im Synkretismus.<br />

Das ist das Schicksal weiter Gebiete der Protestantischen Weltmission<br />

und der "Jungen Kirchen", die sie hervorgebracht hat. Soll es auch<br />

das Schicksal der katholischen Missionskirchen werden Wornit wol.,<br />

len wir denn die Einheit der Kirche bewahren, wenn nicht mit dem<br />

Worte Gottes<br />

Dies ist das Problem des Katholizismus der Zukunft. Er wird<br />

erkennen mussen, dass es gar kein anderes Einheitsband gibt, das<br />

die Kirehe auf die Dauer zusammenhalten tann. Es gibt keine Einheitsliturgie,<br />

die das bnnte, keine Einheitsphilosophie, auch nicht die<br />

philosophia perennis des Thomismus. Auch die Verfassung tut es noeh<br />

nieht. Das Konzil war gewiss eine wunder bare Erfa}lrung der Einheit<br />

des Katholizismus. Nie werden die Bischofe diese Erfahrung vergessen.<br />

Aber nun gehart es der Gesehiehte an. Aueh das Papsttum ist<br />

ja noeh nieht das Einheitsband, wie man 1870 meinte. Deswegen<br />

musste ja nun diese stille Reform durch die HinzufUgung des Kollegialitatsprinzips<br />

kommen, von dem noch niemand weiss, wie es sich<br />

gestalten wird. Das wirkliche grosse Einheitsband ist das Wort Gottes.<br />

Das beginnt der Katholizismus zu verstehen. Daher die grosse<br />

Wendung ZUT Schrift in der Liturgie, in der The010gie und im Leben<br />

der Glaubigen. Hier 1iegt die Verheissung der wirk1ichen Erneuerung<br />

der Kirche. Die Erfahrungen, die Rom dabei macht, fUhren es zu einer<br />

neuen Begegnung mit der Reformation. Daruber muss noch einiges<br />

gesag1 werden im Anschluss an die be;den Konstitutionen uber die<br />

"Gott1iche Offenbarung" ("Dei verburn" vom 18. November 19657 und<br />

ubeT "Die Kirche" ("Lumen gentium" vom 21. November 1964).<br />

7.<br />

Die Konstitution uber die Offenbarung ist das Ergebnis deT Debatie<br />

uber das von der Mehrheitdes Konzils verv/Orfene, vom Papst<br />

zuruckgezogene Dokument uber "Die Quellen der OHenbarung". Die<br />

dem Konzil vorgelegte Lehre war die seit Trient in der Kirche gebrauchliche:<br />

Schrift und Tradition sind die beiden Quellen der Offenbarung.<br />

Die neuere deutsche katholisehe Theo1ogie versuchte in grosser<br />

Einmutigkeit, dem Dekret von Trient eine neue Aus1egung zu geben:<br />

Es gibt nieht zVlei Quellen der Offenbarung, die gleichberechtigt nebeneinander<br />

stehen, Schrift und Tradition, sondern im Grunde nUT<br />

eine, die Heilige Schrift, die von der Kirche ausgelegt vtiTd. Diese<br />

Auslegung ist die Tradition. Historisch wmde das. damit begrundet,<br />

dass in Trient die Formel abgelehnt 'Norden sei, das Evangelium sei


Nach dem I{onzil 227<br />

entnolten teils (partim) in gescnriebenen Büchem und teils (partim)<br />

in ungeschriebenen Traditíonen. Die Ablehnung des partim-partim nat<br />

aber nicht den Sinn, den man inr unterscnob. Sie war notwendig,<br />

weil der Begriff der Traditionen (in Trient sprach man immer noch<br />

im Plural "Traditionen" ín der Weise der alteren Theologie) sehr viel~<br />

deutíg ist, da es ja nicnt nur dogmatische Traditionen gib1. Man<br />

hatte nie bestreiten sol1en, dass Trient zwei Quellen kennt: Das eine<br />

Eva.ngelium ist enthalten in geschriebenen Büchern und in ungescnriebenen<br />

Traditionen, die beide mit gleicher Pietêit a.nzunehmen sind.<br />

Obwohl man sagen kann, dass die meisten Lehren in Schrift und<br />

Traditíon stehen, so nêitte man nie sagen sol1en, es gebe keine Lehre<br />

der Tradition, die nícnt auch ín der Scnrift vorkomme. Die Leidenschaft,<br />

mit der die neuere Theologie sich Íür die Tneorie eingesetzt<br />

hat dass es nur eine Quelle gebe, néi:mlichdie Schrilt, erkléi:rtsich<br />

aus dem Bemühen, €line Brücke zu den Kirchen der Reformation z1.i<br />

schlagen und den grossen Gegensatz der Konfessionen, der in dem<br />

sola scriptura der Reformation lag, zu übenlinden. Das scnien aussichtsvo11zu<br />

seín, weil viele Protestanten das sola scriptura praktisch<br />

aufgegeben natten und sogar den Begriff der Tradition wieder entdeát<br />

zu haben meinten. Die ga.nze Debatte war kein Ruhmesblatt<br />

für die daran beteiligten Theologen, die katholiscnen wie die protestantiscnen<br />

und die immer unklaren Anglikaner.<br />

Wie lost das neue Dokument das Problem Unter Bestéi:tigung<br />

desTridentinums und des Ersten Vatikanums (der Constitutio "de<br />

Fida Cathohca") spricht der Text zundcnst über die gÓttliche OHenbarung<br />

eínscnliesslicn der natürlícnen ("dass Gott, a11er Dinge Ursprung<br />

und Ziel, mit dem dem natürlicnen Licht der menscnlicnen Ver~<br />

nunft aus den geschalfenen Dingen sicher erkannt vrerden kann" und<br />

"dass, was im Bereich des Gottlichen der menschlichen VernunÍt an<br />

und für sicn nicnt unzugdnglich ist, aucn in der gegenwdrtigen Lage<br />

dez Menschengescnlechts [also nach dem Fall] von allen leieht, mit<br />

sienerer Gewissheit und onne Beimiscnung von Irrtum erkannt werden<br />

kann"). Der lnhalt der gottlichen Offenbarung wird in der Kircne<br />

weitergegeben. Dabei wird die von den Aposteln und inren Schülem<br />

niedergeschriebene Offenbarung immer zusammen gesehen mit der<br />

mÜndlichen Weitergabe. Die Apostelhaben den Biscnofen ihr eigenes<br />

Lenramt übertragen. "Diese neilige Überlieferung also und die Hei~<br />

lige Sehrift beider Testamente sind gleichsam der Spiegel, in welchem<br />

die a.uf Erden pilgernde Kircne Gott anschaut ... , bis sie hinausgeführt<br />

wird, ihn von Angesicht zu Angesicht zu sehen so, wie er ist."<br />

Die ápostolische Predigt, die in den inspirierten Bü.chern in besonderer<br />

\Veise ausgesprocnen ist, muss bis ans Ende der Zeiten weitergegec<br />

benwerden. Gibt es Wahrheiten, die wir nicht aus der Scnrift, sondernnuraus<br />

der Überlieferung kennen Diese Frage wird nicht erortert<br />

J>Jurdie bekannte Feststellung wird gemacht, dass die Kirche aus der<br />

tjberlieferung weiss, welcne Bücher zum Kcmon gehoren. Von der in<br />

der Kircne weitergegebenen Überlieferung wird gesagt, dass sie unter<br />

dem :Beistand des. Heiligen .Geisies ein immer tieferes Versti:i:ndnis


228 Nach dem Konzil<br />

der Wahrheit gebe. "Die Ausspruche der heiligen Vaterbezeugendie<br />

lebenspendende Gegenwart dieser Dberlieferung. In ihr werden die<br />

heiligen Schriften selbst tie fer verstanden und standig wirksam gemacht.<br />

So ist Gatt, der einst gesprachen hat, ohne<br />

Unterlass mit der Braut seines geliebten Sohnes<br />

i m G e s pr a c h, und d e r H e i 1i 9 e G e i s t, dUTCh den die<br />

lebendige Stimme des Evangeliums in der Kirche und dmch diese<br />

in der Welt widerhallt, f u h r t die G 1 a ubi 9 e n e in in all e<br />

W a h r h e i t und bsst das Wort Christi in Dberfulle in ihnen wohnen."<br />

Wenn es saist, wenn Gatt nicht nm einmal gesprochen hat<br />

und immer wieder dmch dies sein einst gesprochenes, nun geschriebenes,<br />

aber aUzeit lebendiges Wort der Schrift und der schriftgemassen<br />

Predigt zu seiner Kirche redet, sandern wenn er daruber<br />

hinaus nach im standigen Gesprach mit der Braut seines Sohnes steht<br />

UU9 ihr dabei Dinge sagt, die nicht in der Schrift. stehen, oder jeder;1falls<br />

nicht ohne die Hilfe des kirchlichen Lehramts in ihr gefunden<br />

werden konnen, dann ist die "Dberlieferung" eine zweite Quelle<br />

der Lehre, auch wenn man sie noch so sehr mit der Schrift zlisqmmenschaut.<br />

"Darum kann auch die Kirche ihre Gewissheit uber alle<br />

Offenbarungsinhalte n i c h tau s d e r H e i Ii 9 enS c h r i f tal ­<br />

1e in schopfen. Beide, Schrift undDberlieferung, sind also mit gl.eicher<br />

Kindesgesinnung und Achtung anzunehmen und zu verehren."<br />

Damit ist die Entscheidung van Trient bestatigt. D ass 01 a<br />

s c rip t u r a d er Ref arm a t ion' b 1 e i b t v e r W 0 r fen, aUch<br />

wenn man, dem neuen Kanziliarstil folgend, das Anathemanicht mehr<br />

ausdrucklich ausspricht. "Die Gletscher sind geschmolzen, aber die<br />

Alpen sind geblieben" ,wie ein reformierter Theologe es richtig gesag!<br />

hat.<br />

8.<br />

.<br />

Dasselbe Blld bietet sich uns, wenn wir uns der Lehre von der<br />

Kirche zuwendenc Was fUr ein gewaltiger Unterschied besteht zwischen<br />

der "Dogmatischen Konstitution uber die Kirche" und' der Ersten<br />

Dogmatischen Konstitution uber die Kirche Christi von 1870.<br />

Auch hier sind Gletscher geschmolzen. Die kalte Dogmatik, die dem<br />

Dokument von 1870 den Stempel aufdruckte, ist einer warmen Orthodoxie<br />

gewichen, jener Orthodoxie, die wir van den griechischen Vatern<br />

wie dem heiligen Chrysostomos kennen, der die Haresie hasste<br />

und die Haretiker liebte, oder auch von den Vatern unserer eigenen<br />

Kirche wie Johann Gerhard. Die Sprache dieses Dokuments ist die<br />

pastorale Sprache des Hirtenbriefs und nicht die Sprache des R6rnischen<br />

Rechts. Ganze Kapitel lesen sichwie StUcke aus einer biblischen<br />

Theologie. Sie enthalten die Lehre der Bibel uber die Kirche<br />

oder versuchen es wenigstens, wahrend in der Ersten Konstitution die<br />

Bibel nur dazu da ist, urn die dicta probantia zu liefern, die drei beriihrnten<br />

Petrinischen Texte aus Matth. 16, Lukas 22 und Joh. 21.<br />

Da·das Konzil die Lehre vorn Primat und von der Unfehlbarkeit nicht


Nach dem Konzil 229<br />

revidieren kann, sondem sie im Gegenteil mit starken Worten vorbehaltlos<br />

bestatigen muss, kann das Neue, was die Dokument zu<br />

bringen hat, nur eine Erganzung der bisherigen Lehre sein. Sie kündigt<br />

sich bereits in der Formulierung des Eingangs an, der in allen<br />

Konstitutionen dieselbe ist. Die Dekrete von Trient beginnen mit den<br />

Worten: "Diese hochheilige Synode von Trient, im Heiligen Geiste<br />

rechtmassig versammelt unteI' dem Vorsitz der drei Legaten .,. beschliesst."<br />

Es ist das Konzil, das selbst spricht. Die beiden Konstitutionen<br />

des Ersten Vatikanums beginnen: "Wir, Pius, Diener der Diener<br />

Gottes, mit der Billigung des héligen Konzils (Sacro approbante<br />

Concilio .. )." Es ist der Papst, der hier redet in Ausübung seines<br />

Lehramts. Die Beschlüsse des Zweiten Vatikanums beginnen: "Paul,<br />

Bischof, Diener der Diener Gottes, zusammen mit den Vatem des Heiligen<br />

Konzils ... " In diesel' feierlichen Versammlung des Weltepiskopats<br />

ist Paul "Bischof", wie er denn auch die funkelnagelneue Tiara,<br />

die ihm die Mailé::i:nderzum Abschied geschenkt hatten, abgelegt und<br />

sogar zum Besten der Armen verkauft hat - sie wird wohl irgendwo<br />

in Amerika sein - und aIs Bischof von Rom mit der Mithra erscheint.<br />

"Zusammen mit den Vatem des Konzils", una cum, d. h. in wirklicher,<br />

tiefer Gemeinschaft, wie der Ausdruck im ersten Gebet des Messekanons<br />

gebraucht wird, wenn es heiss1, dass das Opfer dargebracht<br />

wird "für deine heilige katholische Kirche, der du Frieden schenken,<br />

die du behüten, einigen und regieren wollest auf dem ganzen Erdkreis.<br />

zusammen mit (una cum) deinem Diener unserem Papst und<br />

unserem Bischof .. "<br />

In diesel' Formulierung steckt die neue Lehre von der Kollegia1itat<br />

der Bischofe.Wie Petrus im Neuen Testament der Vorsitzende des<br />

Kollegiums der Zwolf ist und von diesem nicht zu trennen ist, so steht<br />

der Papst aIs der Nachfolger Petri innerhalb des Kollegiums der Bi·<br />

chofe aIs der NachfolgeT der AposteI und übt seine Gewalt "zusammen<br />

ínit" ihnen aus. Es wird beides betont, die altvatikanische Lehre,<br />

dass der Papst den vollen Jurisdiktionsprimat hat und dass seine<br />

Lehrentscheidungen "ex sese, non autem ex consensu ecclesiae" irreformabelseien,<br />

wie der Zusatz sagt, den man 1870 noch in letzter<br />

Stunde in das fertige Dekret eingefÜgt hat, und dass das Kollegium<br />

der Bischofe doch selbst an der Lehrgevwlt beteiligt sei: Die papstlichen<br />

Definitionen heissen, so sagt die nel1e Konstitution, "mit Recht<br />

aus sith und nicht erst auf Grund der Zustimmung der Kirche unverd:nderlich,<br />

da Eie ja unteI' dem Beistand des Heiligen Geistes vorgebracht<br />

sind, der ihm im heiligen Petrus verheissen wurde. Sie bedürfen<br />

daher keiner Bestatigung durch andere und dulden keine Berufung<br />

an eiTI anderes UrteiL In diesem Falle tragt namlich der romische<br />

Bischof seinen Spruch nicht aIs Privatperson VaI', sondem legt<br />

die katholische Glaubenslehre aus und schutzt sie in seiner Eigen­<br />

~(;hait alsoberster Lehrer der Gescimtkirche, demdas der Kirche selbst<br />

eigene Charisma der Unfehlbarkeit in einzigartiger Weise innewohnt.<br />

Die .d e T K i r c h e ver h e i s s e ne U n f e h 1b a r k e i t .w o h n t<br />

a u ch i m K o II e g iu m de r Bis c h o f e , w e D. n e s das


Nach dem Konzil<br />

o be r s t e L e h r a m t m i t de m N a c h f o 19 e r P et r i a us­<br />

Üb t."<br />

Erst wenn die Konzilsakten veroffentlieht sind, wird man sich<br />

em volles Bild machen konnen von den Diskussionen, die der Annahme<br />

der Lehre von der Kollegialiti::it vorausgegangen sind. Konservdtíve<br />

Theologen haben bestritten, dass sie dem Neuen Testament<br />

entnommen vrerden kbnne, aueh muss in einer Erkli::irung, die zu den<br />

Akten genommen 'Norden und bereits verbffentlicht worden i3t, zugégeben<br />

werden, dass es sieh nicht um ein Kollegium im strengen<br />

juristísehen Sinne handelt, \lreil ein solehes immer aus Gleichberechtigten<br />

.besteht, die ihre Gewalt au: den Vorsitzenden Übertrcrgen. Ein<br />

PeMer, der nieht nur ein SchonheitsÍehler ist, ist die Gleichsetzung des<br />

iIl derTat von dem Herrn selbst gestifteten Kreises der Zvrblf, deren<br />

Spreeher Petrus wtrr, mit den AposteIn. Paulus, der in Ror:: immer<br />

neben Petrus steht aIs Gründer der Romischen Kirche, hcrt nicht zu<br />

jenem Kreis gehort. Die grosse Debatte über dieFrage des Verhi::iltnisses<br />

von Pcrpst und Bischo:en 'Nird in erster Linie mit den Ostkirchen staUfínden.<br />

1st doch die Frage des Primcrts dcrs grosse Problem, das Rom<br />

und die Ostkirchen trennt.<br />

9.<br />

Wàs für die Kirchen der' Re!ormation im Mittelpunkt des Dialogs<br />

stehen muss, ist die Frage nacn den Grenzen der Kirche. Der schwerste<br />

Einwand, der auch von katholiseher Seite gegen die Enzyklika "Mystici<br />

Corporis"von 1943 vorgebracht wurde, war die uneingeschri::inkte<br />

1dentihkatíon der Una Saneta Catholica mit der RomisC:-:.-Y:atholischen<br />

Kircne. Glied der Kirche ais des Leibes Christi vrird maI} dmch die<br />

Taufe. Wer aber nach der Taufe Sehismatiker oder gar Hé:i:retiker<br />

wird, gehort nicht mehr zur Kirche Christí, was immer seine Beziehung<br />

zu ihr sein mago 1st das wirklieh so An der KlO:rung dieser Frage<br />

hat Kardinal Bea zusammen mit Papst Johannes XXIII. gearbeitet (vgl.<br />

die Aufsatzsammlung, die unter dem Titel "Die Einheit der Christen"<br />

seit 1963 in mehreren Soraehen erschienen ist), auscrehend von der<br />

Tatsache, dass ja nieht Jedes Sehisma oder jede Hi::ir~sie personliehe<br />

Schuld dessen ist, der ausserhalb der Romischen Kirche steht, weil<br />

er sie ererbt hat, 'Nas auch Pius XII. schon zugegeben hatte. So war<br />

es moglich, den Nichtkatholiken den TiteI "getrennte Brüder" oder<br />

auch den Brudernamen zu geben und von ihren Kirchen aIs kirchlichen<br />

Gemeinschalten "communitates ecclesiasticae" und im Palle<br />

der getrennten Orthodoxen Kirehen sogar von "eeclesiae" zu sprechen.<br />

Das Ergebnis, wie es die Konstitution über die Kirche in dem Kapitel<br />

über das Volk Gottes bietet, ist folgendes. "Jene werden der Gemeinschaft<br />

der Kirche voU eingegliedert ("ecclesiae societati i n c o r p o ­<br />

r a n t u r " ), die, im Besitze des Geistes Christi, ihre ganze Ordnung<br />

und alIe in ihr eingerichteten Heilsmittel (media salutis) annehmen,<br />

und in ihrem sichtbaren Verband mit Christus, der sie durchden<br />

Papst und die Bischéife leitet, verbunden sind, und dies durch die


Nach dem KonzU<br />

Bande des Glaubensbekenntnisses, der Sakramente und der kirchlichenLeitung<br />

und Gemeinschaft" (Par. 14, amtl. deutscher Text).<br />

A1so die Annahme des ganzen katholischen Glaubensgutes und die<br />

Unterordnung unteI den Papst sindnotwendig zur Gliedschaft in der<br />

Kirche. Von anderen Christen sagt der nêichste Paragraph: "Mli jenen,<br />

die durch dieTaufe des Christennamens teilhaft sind, den vollen<br />

Glauben aber nicht bekennenoder die Kommunioneinheit (unitatem<br />

communionis) unter dem Nachfolger Petri nicht wahren, weiss sich<br />

rue Kircheaus mehdachem Grunde verbunden (conjunctam) .. Viele<br />

namlich halten die Schrift aIs Glaubens- und Lebensnorm in Ehreni<br />

zeigen einen aufrichtigen re1igiosen Eifer, glauben in Liebe anGott,<br />

deh allméi:chtigen Vater, und an Christus, den Sohn Goites undErlOser,empfangen<br />

das Zeichender Taufe, wodurch sie mit Christus<br />

verbunden werden; jasie anerk:ennen und empfangen auch andere<br />

Sak:ramente in ihreneigenen Kirchen oder kirchlichen Gemeinschdften.<br />

Viele unter ihnen sindder Bischolswürde teilhaft, feiem die heilig8'<br />

Eucharistieund pflegen die Verehrung der junglrêiulichen Gottesmuiter.<br />

Dazu k:ommt die Gemeinschait im Gebet und anderen geistlichen<br />

Gütem; ja sogar eine wahre Verbindung im Heiligen Geiste,<br />

der seiner heiligenden Kraft wirksam ist und maJ1che von ihnen bis<br />

zurVergiessung des, Blutes, gei3téirkt hai. So erweckt der Geist in<br />

aUen Jürigem Christi,Sehnsucht, und ,Tat, dass aUe in der von Christus<br />

angeordnetenWeiseÍn der einen Herde unter deIl). einen Hirten geeint<br />

werderi. mogen."', Dasist deutlich genug, Zur Gliedschaft in.der Kirche<br />

,gehort die AnnahnÍ.e des gqnzen katholischen G1aubens,wie ihn<br />

die, Kqnzilsvéi:ter bei der Eroflnung jeder Session mit den Wartan der<br />

Professio Ttidentina bekennen, und die Gemeinschaft mit dem PapsL<br />

Das gilt auch von den Orthodoxen Kirchen, obwohl sie Kirchen ge~<br />

nannt. und ihre Bischofe und Priester sowie die Sakramente, die sie<br />

venralten, anerkannt werden. Denn nur au! diese, nicht etwa auf<br />

die Anglikaner beziehtsich die SteUe über Kirchen, Bischofe und<br />

Sakramente. Ane anderen sind nurmit der Kirche "verbunden" durch<br />

gewisse, Gemeinsamkeiten wie den Glauben an Goit und Christus ~<br />

dass man ihnen nicht einmal den Glauben an den Dreieinigen Gott<br />

zuschreibt,mag eine Antwort au! die "Basis" des Weltrats und die<br />

Debatie darüber in New Delhi sein. Man nennt sie nicht mehr Haretiker,<br />

obwohl sie es doch, dogmatisch gesehen, sind. Man hofft ouf<br />

die Wiedervereinigung mit den Getrennten. Absr dcn i·:;t nicLt einfach<br />

eine Heimkehr. Man, weiss, dass Rom einen Anteil der Schuld<br />

an der Trennung hat und dass die Romische Kirche ganz anders aussehen<br />

müsste, wenn die getrennten Brüder in ihr die eine wahre Kirche<br />

erk:ennensolIten. Aber an dem dogmatischen Urteil hat sich nichts<br />

geandert. Gletscher sind geschmo1zen, aber die Alpen sind geblieben.<br />

Diese Berge versetzt keine mensch1iche Macht. Das kann nur der Herr<br />

tun. Und er wird es tun, davon ist das Konzil überzeugt; denn er<br />

hat ja das Wort von der einen Herde und dem eir1en Hirten gesprochen.<br />

Er hat gebetet, "dass sie alIe eins seien". Dass dies Gebet sich in<br />

der sichtbaren Einigung der Christenheit mer auf Erden erfül1en muss,


232 Nach clero Konzil<br />

dasist· den romischen Christen ebenso selbstverstândlich wie den<br />

okumenisehen Enthusiasten auf der anderen Seite.Warum keiner der<br />

Kirchenvater und keiner der Reformatoren Joh. 17 so verstanden hat,<br />

danaeh wird niehtgefragt. Es besteht eine erstaunliehe Verwandtsehaft<br />

zwischen dem okumenisehen Enthusiasmus in Rom und in Genf<br />

trotz aller Unterschiede der Prograrnme. Rom und die Schwarmer sind<br />

sichimmer darin einig gewesen, dass das Reich Gottes eine sichtbare<br />

Realitat in dieser Welt sein muss, Luthers tiefe Erkenntnis, die er in<br />

seinem Zweifrontenkrieg gegen den Papst und die Schwarmer gewann,<br />

dass diese beiden Gegner innerlich zusammengehoren, bewahrt<br />

sich hier wieder. "Der Enthusiasmus stecket in Adam undsei·<br />

nenKindern vom Anfang bis zum Ende der Welt .. , und 1st aller<br />

Ketzerei, auch des Papsttums und Mahomets Ursprung, Kra!t und<br />

Macht." Der Enthusiasmus ist für ihn die Frommigkeit, die sich nieht<br />

rui! der Offenbarung der Sehrift zufrieden gilJt, sondern da..D.ebennoch<br />

eme zweite Quene der Viahrheit kennt, sei es 'das kirchliehe Lehramt<br />

oder eine innere Erfahrung, in welcher der Geist die Schriít auslegt<br />

10.<br />

\Vir lesen tn der Constitutio weiter. Dernaehste Paragroph spricht<br />

hoch von anderen, welche 8tn Verhaltnis zum Gottesvolk der Kirche<br />

hcibEm."Diejenigen endlich, die das Evangelium noc;h nicht angenommen<br />

haben, sind' auf das GottesvOlk in versehiedeneVl eise hingeordnet<br />

(ad Populum Dei ordinantur)." Es werdên zuÍ1achst a : e J ud e n.<br />

genannt. .. Die Bekehrung des alten Gottesvolkesgehort nun ..einmgl<br />

zu .jedem Chiliasmus, dem protestantisehen \Afie'dem rotnischen .. "Der<br />

Hei1swille umfasst aber auch dio, welche den Sehopfer anerkennen,<br />

untetihnen besonders die Mu se 1ma n e n , die sich zum Glauben<br />

Abrahams bekennen und mit uns deneinen Gott anbefen, den bdrm'­<br />

herzigen, der die Menschen am Jüngsten Tag riehten wird." Tun sie<br />

das wirklich Kann man das "Credo in unum Deum Patrem omnipo~<br />

tentem, faetorem coeli et tenae" so loslosen von "et in unum Domin.um<br />

Jesum Christum per quem omnia fada sunt" Kannman<br />

vom Gerieht· spreehen, ohne dessen zu gedenken; der da kommeÍ1<br />

wird zu richten die Lebendigen und die' Toten Die naehsten sirid<br />

d i e H e i d é n : "Aber auch den anderen, die in Sehatten und" Bi1­<br />

dern den unbekannten Gott suehen, ist dieser Gott nicht femê; de'r<br />

allen Leben und Atem und alles gibt und aIs Reiter aUe Menseheri<br />

heilmachen will." Aueh die Heiden künnen selia werden: "VIer namlic;n<br />

das Evangelium Christiund seine Kirche ohne Sehuld nieht ken6t;<br />

Gott aber aus ehrliehem Herzen sueht, seinen unter dem Ariruf dês<br />

Gevrissens erkannten \Villen unter dem Elnfluss der Gnade zu êrfüllen<br />

traehtet in der Tat, kann das ewige Heil erlangeri." AIs letzfe sihd<br />

zum VolkeGottes hingeordnet die Atheisten ; "Die gottlichEi)Vorsehurig<br />

verweigert auch denen das zum Heil Notwendige'nícht die OPITe<br />

Sehúld noeh nicht. zur ausdrück)iehenAnerkennung Gónes gekom~<br />

men.sind, jedoch, nichtohne dioEiHe der gottlii::hen Gnade;das reente


Nachdem Konzil 233<br />

Lebenzu erreiehen suchen. ·..Was sieh namlich an Gutem undW ahrem<br />

bei ihnen Ündet,vrird von der Kirehe aIs Vorbereitung für die<br />

Frohbotsehaft .und aIs Gabe dessen gesehé:i:tzt,der jeden Mensehen<br />

erle'mehtet, damit er sehliesslieh das Leben habe." Kann mandenn<br />

o h n e S eh ul d Gott nieht anerkennen, wenn, wie wir oben hórten,<br />

Gott aIs der Ursprung und das Ziel aIler Dinge mit dem natürlíchen<br />

Licht der Vemunftsicher erkannt werden kann Danngeht es weiter:<br />

"Vom Bosen geté:i:usehtwurden lreilich die Menschen,oft eitel in ihren<br />

Gedanken, vertausehten dieW ahrheit Gottes mit der Lüge und dienten<br />

der Schoplung mehr aIs dem Sehopfer oder sind, ohne Gott in<br />

dieser Welt lebend, der aussersten Verzweiflung ausgesetzt. Daher<br />

ist die Kirehe eifrig bestrebt, zur Ehre Gottes und zum Nutzendes<br />

Heils aIl dieser Menschen die Missionen zu fordem, eingedenk des<br />

Befehls des Herrn, der gesagt hat: 'Predigt das Evangelium der gan­<br />

Zen Sehoplung' (Markus 16,16)."<br />

11.<br />

Das qrasse Konzil ist zu Ende. Der Dialog beginnt. 80 wollel).<br />

wir ihn mit eíner Frage beginnen. Wenn diéser leuehtende Optimis~<br />

mus in der Beurteilung der Mensehen die Grundlagesein s6ll für das<br />

grosse Werk der Einigung nícht nur der Kirche,sondern der ganzen<br />

Menscheitin .der heiligen katholisehen Kirche, wo muss dieses Un~<br />

ternehmenenden Was das Konzil hier sagt, entsprieht genau dem,<br />

was wir in der heutígenkatholisehen Theologie lesen, bei Henri de<br />

Lubae und bei Hans .Küng und sogar bei Karl Rahner. Sie alle,die<br />

Juden undMohammedaner, die religiosen Heiden und sogar die anc<br />

sté:i:ndigenAtheisten sind der Kirche ja so nahe. Man braueht, sie gar<br />

rÜcht:q:tehr ZU;T Busse zu rufen, manbraueht nur den Dialog mit ihnen<br />

zu fÜhren. Es gibt Hei! aueh ausserhalb der Kirche. Konnen Heiden,<br />

die niehts vom Evangelium wissen, selig werden Hans Küng erortert<br />

qiese Frage in einem volkstümliehen Büehlein "Damit die Welt glaube" .<br />

.früher, so sagt er, meinte man, Ungetaufte würden veTdammt werden.<br />

Darum haben Franz Xavier und die anderen Missionare seiner Zeit<br />

die unsagbaren Mühen der damaligen Missionsarbeit Quf sieh· genommen,<br />

um diese Seelen zu retten. Spé:i:tersei man weitherziger<br />

geworden und habe gesagt: Wir wissen über das Schicksal der Ungetauften<br />

niehts. Die Sehrift sagt uns darüber nichts. Inzwisehen aber<br />

hat sich unser Wissen über die Grosse der Mensehheit, die Lange<br />

der mensehlíehen Gesehiehte, die vergleiehsweise ganz


234 Nach dem Konzil<br />

Man vergleiche damít die Lehre des Trídentinums von der Erbsünde.<br />

Diese wird, unter dem Einfluss der Reformation, so emst genommen,<br />

dass das Konzil in der Fünften Sessio lehren kann, dass<br />

alie Kinder Adams verloren sind, wenn nicht das Verdienst Christi<br />

sie reUel. Wie kommt aber diese Gnade zu uns Die Antwort lautet:<br />

per baptismum in forma ecclesiae rite collatum, durch die in der<br />

Fom der Kirche richtig vollzogene Taule. Vergleicht man damit die<br />

optimistische Beurteilung des Menschen im Ersten und Zweiten Vatikanum,<br />

dann kann man nur mit Schrecken feststellen, wie gering das<br />

Verstandnis der Sünde im modernen Katholizismus geworden ist.<br />

Man versteht nicht mehr die Sünde des jüdischen Volke3, das den<br />

Messias verwarL Man versteht nicht mehr die Sünde des Islam, der<br />

den Vülkern des Morgenlandes den Sünderheiland nahm. Man versteht<br />

nicht mehr die Sünde des Heidentums, die Sünde der Gottesleugnung<br />

im modernen Atheismus. Man versteht nicht mehr den Emst<br />

des Ersten Gebots. Und darum merkt man nicht das Heidentum, das<br />

in die Kirche v,ieder eingedrungen ist. Und man begreift nicht, dass<br />

jede Erneuerung der Kirche mil der Busse beginnen muss. Es gehor!<br />

zu dem Hoffnungsvollen an der Katholischen Kirche, wie sie auf dem<br />

Konzil in Erscheinung getreten ist, dass immer wieder der Ruf erklang:<br />

Auch wir müssen Busse tun. Dass man Unrecht eingestand. Das.,<br />

manches kraftige Wort gegen den Triumphalismus gesagt wurde, der<br />

immer die grosse Versuchung ciner grossen Kirche ist. Abar was<br />

noch fehlt, ist die g r os s e Busse der Kirche, ohne die es keineechte<br />

Reformation gibt. Das gilt von allen Kírchen, auch der unseren.<br />

Der Dialog hai begonnen und wird das Thema der kommenden<br />

Jahrzehnte sein. Es wird der Dialog sein zwischen getrennten Brüdern.<br />

In der Spannung zv,ischen dem Getrenntsein und der Bruderscha!t<br />

liegt das Geheimnis echter okumenischer Arbeit. In dieser Spannung<br />

haben wir unser Werk zu tun, jeder auf den anderen angewiesen, jeder<br />

des getrennten Bruders Hüter. Es kann uns Lutheranern nicht<br />

gleichgültig sein, was aus der Romischen Kírche wird. Es kann unseren<br />

getrennten katholischen Brüdern nicht gleichgültig sein, V-las<br />

crus der Lutherischen Kirche v,ird. Und so stehi es mit unserem Verhaltnis<br />

zu den Orthodoxen Kirchen des Ostens, die ja nun auch in<br />

unseren Landern leben. In diesem Sinne führen wir den Dialog. Die<br />

Antwort aber gibt der Herr.


Livros 235<br />

LIVROS<br />

w. Arndt: Dificuldades Bíblica.", tradução: Nestor Beck - Casa Publicadora<br />

Concórdia S. A. - Sulfite. 113 páginas. Cr$ 2. 000.<br />

A tradução dêste livrinho do DI'. W. ArnClt, antigo professor CIoSeminário<br />

Concórdia:de St. Louis, América do Norte, profundo conhecedor do grego<br />

do Nóvo Testamento e co-tradutor CIovolumoso dicionário grego de Bauer, é<br />

uma obra muito oportuna. Como nunca antes, a Bíblia está senCloatacada<br />

de todos os lados. Uns, até como líderes nas suas igrejas, alegam que há muF<br />

ta divergência entre os relatórios dos evangelistas Mateus, Marcos e Lucas,<br />

e que por isso ninguém poderia saber com certeza o que aconteceu Clurante a<br />

vida de Jesus na terra, que vida levava, que milagres operava e que pregações<br />

proferia.. Outros negam abertamente que Cristo tenha nascido duma virgem,<br />

porque a.s leis da natureza ensinam que virgens não dão à luz um filho. Ainda<br />

outros pensam que na história da ressurreição do nosso Salvador há muitas<br />

contradições e que por isso seria licito rejeitar a idéia do sepulcro vazio<br />

de Jesus.<br />

No Antigo Testamento os primeiros onze capítulos CIoGênesis, trechos<br />

do livro do :Éxodoe dos Juizes, os livros de Jó e Jonas são objeto da critica<br />

moderna. Afirmam que o livro da natureza, que não mente, contradiz muitas<br />

afirmações da história bíblica da criação do mundo, que a existência d~<br />

Adão e Eva é duvidosa, que muitos dados são exagerados e inexatos no livro<br />

dos Juizes, que Jó e Jonas não precisam ser pessoas históricas. Inventam-se<br />

nomes bonitos. Chamam, por exemplo, os dois últimos livros mencionaClosuma<br />

«na.l'1.'açãodidática>.'que, necessàriamente, não relata fatos históricos. Perguntam:<br />

Que diferença faz, se êstes livros não são classificados como l'clatos<br />

de fatos históricos, e, sim, como parábolas. A lição seria a mesma.<br />

EITl face desta situação geral afirmamos com tõda a nossa convieção<br />

pessoal que, se alguém nega um fato contado nas Escrituras Sagradas, e põe<br />

em dúvida todos os outros; se alguém não acredita na existência de Jó, não<br />

aceita como verídico o fato que êste santo dos tempos antigos realmente perdeu<br />

os filhos, todos os bens, a sua saúde e a compreensão da própria espõsa e que<br />

êle .discutiu com seus amigos, cujos nomes são mencionados, sôbre o porquê<br />

do sofrimento humano; se alguém acha que Jonas nunca pregou na cidade<br />

de Nlnive e que nunca teve lugar o arrependimento dos habitantes desta grande<br />

cidade, fatos narrados com tanta singeleza e claridade, como pode semelhante<br />

pessoa consolar-se nas angústias de sua alma com a satisfação vicária<br />

de Cristo através de sua paixão e morte A minha fé se baseia em fatos; se<br />

alguém derruba êstes fatos, destrói a fé e torna impossível a confiança na<br />

obra redentora de Jesus.<br />

Em vista destas atitudes, que reinam nas mais diversas igrejas, cano<br />

vénl, mais que isto, é absolutamente necessário reafirmar certos princípios de<br />

interpretação que se baseiam nas Escrituras Sagradas. Isto faz, de maneira<br />

maravilhosa, o livro do DI'. Arndt. Citemos algumas regras da interpretação<br />

biblica:<br />

1. Na Biblia não consta qualquer êrro, qualquer contraClição. Afirmamos<br />

isso, porque tôda Escritura foi inspirada por Deus (2 Tm 3.16). O Espírito<br />

Santo falou por intermédio dos santos escritores (Mt 4.14; At 4.25<br />

e outros). A Escritura não pode falhar numa Única palavra (Jo 10.35),<br />

nem no singular nem plural dum substantivo (Gl 3. 16).<br />

2. Contradições aparentes podem ser resolvidas por exegese sadia, e sendo,<br />

ao nosso ver, impossível a harmonizaçào de certas passagenfi, o crente<br />

terá paciência e esperará tranqüilamente a sua transferêneia para as<br />

.. ~V;:t'}:sõe$celestiais, or:de tudo lhe será clr.... rissimo C01l10 a luz meridiana~


236 Livros<br />

3. A Escritura interpreta a Escritura, o que quer dizer que ninguém tem<br />

o direito de interpretar qualquer palavra, frase e oração de maneira<br />

simbólica ou figurada, a não ser que a própria Biblia exija tal explicação.<br />

4. Passagens obscuras, que existem; devem ser .interpretadas à' hiz dás passagens<br />

claras. E é bom lembrar que o Antigo Testamento brilha rio'Nôvó<br />

Testamento.<br />

, ...<br />

Somos gratos ao colegá. Nestor Bec]{ pela tradução clara e fluente, e<br />

pedimos a Deus que abençoe ricamente esta obra, para que os leitores sejam<br />

inspirados .com nova reverência diante da Palavra de Deus e tenham)'irmada<br />

a sua fé e confiança na auto~'idá.dedivina das Escritur)ls SagradaS.<br />

Paul<br />

'W. S


índice<br />

237<br />

íNDICE<br />

pág.<br />

o dilema Herm


Livros a u xiIia r e sp ar a<br />

DEV.OÇÕES<br />

Para a família<br />

• Weggeleit zur Ewigkeit, H. Rottmann<br />

• Livro de devoções diárias, escrito pelo<br />

rev. L. HEIMANN especialmente<br />

para as devoções da família.<br />

• Devoções Concórdia, folhinha.<br />

Para os jovens<br />

• Luz para o teu· caminho, encadernado<br />

e bI'üChura..<br />

• Para a jornada<br />

• Pequeno Tesouro de orações<br />

Para as crianças<br />

• Grande livro das Narrações Biblicas<br />

• Horinhas com· Deus<br />

• A Biblia para crianças<br />

---<br />

ENC01\IENDAS<br />

Casa Publicadora<br />

Concórdia S.A.<br />

RUA SilO PEDRO N' 689 - CAIXA POSTAL, 916<br />

PôRTO ALEGRE - RIO GRANDE DO SUL

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