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IGREJA LUTERANA - Seminário Concórdia

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<strong>IGREJA</strong> <strong>LUTERANA</strong><br />

Revista Semestral de Teologia<br />

1<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 1 8/4/2010 18:42:07


Igreja Luterana<br />

SEMINÁRIO<br />

CONCÓRDIA<br />

Diretor<br />

Gerson Luis Linden<br />

Professores<br />

Acir Raymann, Anselmo Ernesto Graff, Clóvis Jair Prunzel, Gerson Luis Linden,<br />

Leopoldo Heimann, Paulo Gerhard Pietzsch, Paulo Proske Weirich, Paulo Wille<br />

Buss, Raul Blum, Vilson Scholz<br />

Professores Eméritos<br />

Donaldo Schüler, Paulo F. Flor<br />

Norberto Heine<br />

<strong>IGREJA</strong> <strong>LUTERANA</strong><br />

ISSN 0103-779X<br />

Revista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela Faculdade de<br />

Teologia do Seminário Concórdia, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB),<br />

São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.<br />

Conselho Editorial<br />

Paulo Wille Buss (Editor), Paulo Proske Weirich (Editor Homilético), Acir Raymann.<br />

Assistência Administrativa<br />

Nara Coelho do Rosário<br />

A Revista Igreja Luterana está indexada em Bibliografia Bíblica Latino-Americana<br />

e Old Testament Abstracts.<br />

Os originais dos artigos serão devolvidos quando acompanhados de envelope com<br />

endereço e selado.<br />

Solicita-se permuta<br />

We request exchange<br />

Wir erbitten Austausch<br />

Correspondência<br />

Revista Igreja Luterana<br />

Seminário Concórdia<br />

Caixa Postal 202<br />

93001-970 – São Leopoldo/RS<br />

Telefone: (0xx)51 3592 9035<br />

e-mail: revista@seminarioconcordia.com.br<br />

www.seminarioconcordia.com.br<br />

2<br />

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Índice<br />

ARTIGOS<br />

PENSAR COMO CRISTÃO 5<br />

Adolf Köberle - Tradução Vilson Scholz<br />

3º simpósio internacional de lutero 11<br />

Paulo Wille Buss<br />

O QUE É MÚSICA SACRA OU HINO SACRO? 13<br />

Raul Blum<br />

MISSÃO URBANA E A <strong>IGREJA</strong> DE ANTIOQUIA EM ATOS 27<br />

Paulo Samuel Albrecht - Acir Raymann<br />

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS 51<br />

DEVOCIONAL<br />

CRUZ: CAMINHO DE CRISTO E DOS CRISTÃOS 164<br />

Anselmo Graff<br />

Igreja Luterana<br />

Volume 68 – Novembro de 2009 – Número 2<br />

3<br />

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Artigos<br />

PENSAR COMO CRISTÃO<br />

Adolf Köberle*<br />

Emil Brunner disse certa vez que não nos compete apenas viver como<br />

cristãos, mas também pensar como cristãos. É mais fácil dizer o que é<br />

viver como cristão: é ser servo de Cristo, amar o próximo e lutar contra<br />

o caos que quer se instaurar na nossa própria vida. E a igreja evangélica<br />

tem primado pelo fomento de qualidades como veracidade, fidelidade e<br />

eficiência na vocação. Mais difícil é dizer o que é pensar como cristão. Isto<br />

poderia ser entendido como saber valorizar o fato de se ter recebido do<br />

criador a racionalidade e a razão, que não apenas nos coloca acima das<br />

demais criaturas, mas permite, na vida cristã, fazer uso do senso crítico.<br />

Em questões ligadas à natureza e à história, o cristão não se deixará<br />

levar por toda e qualquer solicitação de entusiastas, sejam eles do tipo<br />

político, sejam de ordem religiosa. Nas questões da vida diária, o cristão<br />

sabe valer-se da sadia razão humana, ou seja, não espera por iluminação<br />

espiritual especial do alto para cada decisão que tiver de tomar. Mas isto<br />

não esgota o problema relacionado com este “pensar como cristão”.<br />

Pensar como cristão, isto deveria significar antes de tudo o seguinte:<br />

entrego a Deus não apenas a minha vontade, mas também a minha atividade<br />

intelectual. A palavra da verdade, que o Senhor de tudo proferiu no Logos<br />

encarnado, através de profetas e apóstolos, deve se tornar o critério para<br />

o conhecimento da verdade, a compreensão de Deus, do mundo e do ser<br />

humano, de morte e vida, de tempo e eternidade. Trata-se da concretização<br />

daquilo que o NT quer dizer com a afirmação de que Jesus Cristo tornou-se<br />

da parte de Deus não apenas justiça, santidade e redenção, mas também<br />

sabedoria. Tanto em 1 Coríntios como em Colossenses, Paulo contrapõe ao<br />

conhecimento filosófico que se orienta pelos rudimentos do mundo uma<br />

outra sabedoria, para a qual a norma passou a ser a revelação de Deus em<br />

Jesus Cristo, o Senhor crucificado e ressurreto. A Igreja Oriental acolheu<br />

este aspecto da mensagem cristã primitiva (começando com Clemente e<br />

Orígenes, passando por João Damasceno e chegando aos grandes filósofos<br />

religiosos russos dos séculos 19 e 20) na forma de um ensino da sabedoria<br />

de Cristo. Também a Igreja Católica sempre esteve convencida de que ao<br />

credere (crer) segue um intelligere (pensar) e lá se formou o conceito de<br />

uma visão de mundo católica. Aqui podem ser citados Agostinho e Anselmo,<br />

Tomás de Aquino e outros. Isto significa que tanto a Igreja Oriental quanto<br />

a Católica incluem em seus pressupostos a possibilidade de um pensar<br />

cristão, que é, então, colocado em prática.<br />

*Texto de Adolf Köberle, intitulado “Christliches Denken”, publicado na revista Quatember de<br />

1961, p. 61-67. Tradução de Vilson Scholz.<br />

5<br />

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Igreja Luterana<br />

Como estão as coisas no protestantismo? Lutero deu alto valor à ratio<br />

ou razão em questões deste mundo (in rebus civilibus). Ele também sabia<br />

do obscurecimento da razão, levando-o a denominá-la de “prostituta<br />

razão”. Mas o Reformador também sempre de novo fez a seguinte afirmação:<br />

Affert gratia novum judicium omnium rerum. (Sob o ponto de vista<br />

da graça, tudo tem um aspecto diferente.) Se é possível falar sobre uma<br />

restauração da imagem de Deus na pessoa regenerada, então nossos pensamentos<br />

também são levados cativos à obediência de Cristo. E, no século<br />

19, tanto o luterano August Vilmar quanto o reformado Abraham Kuyper<br />

levaram a sério a afirmação de que, também no âmbito do conhecimento<br />

científico, “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria”.<br />

Apesar disto, pode-se constatar que, no âmbito do protestantismo, pouco<br />

foi feito com vistas a atingir o alvo de pensar como cristão. Os grandes<br />

feitos ficaram como que restritos ao âmbito da formação da mentalidade<br />

e do caráter. Um catedrático católico (filósofo, médico, jurista ou pedagogo)<br />

está preparado a moldar sua área de especialização à luz do espírito<br />

católico; em contrapartida, o evangélico em geral acha que não é nem<br />

possível, tampouco necessário, assumir uma conscientização evangélica<br />

em sua pesquisa. No coração a gente é cristão. Os filhos são batizados, a<br />

contribuição para a igreja está em dia, o matrimônio é considerado digno<br />

de honra, vai-se ao culto, mas na cabeça a gente segue os pontos de vista<br />

de um famoso mestre da universidade ou, então, a gente acompanha o<br />

modismo da hora, seja ele naturalista, panteísta ou evolucionista.<br />

E, diante do fato de que não se visualizou mais nenhuma tarefa no<br />

sentido de pensar a partir da perspectiva da fé, e porque se esteve pronto<br />

a abrir mão de pensar ou, então, a pensar de forma desvinculada da fé,<br />

outras visões de mundo puderam se instalar com sucesso, ocupando o<br />

terreno abandonado. Aí entram a visão de história de Hegel (século 19),<br />

o racismo dos nazistas e o comunismo marxista. Por mais distintos que<br />

sejam, estes sistemas têm em comum o fato de submeterem todos os<br />

âmbitos da realidade à sua forma de pensamento: as escolas e o direito, a<br />

compreensão da natureza e da história, a formação das artes e da cultura.<br />

Quando uma ideologia destas se instala, ao menos uma coisa acontece:<br />

o ser humano é poupado de sempre de novo optar entre esta ou aquela<br />

explicação da realidade. Em cada cômodo da casa existe o domínio do<br />

mesmo espírito, do mesmo ponto de vista, da mesma organização.<br />

Em contraste com isto, quão dignos de pena são nossos filhos, mesmo<br />

quando frequentam uma “escola comunitária cristã”. Afora a devoção matinal<br />

e o esporádico culto escolar, não recebem uma orientação cristã definida<br />

em sua forma de pensar. A manhã de aulas pode transcorrer assim: das<br />

8 às 9 leciona um físico que ficou parado no tempo de Ernst Haeckel. Na<br />

aula seguinte, faz-se história na visão biológica de Oswald Spengler. Às 10<br />

6<br />

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PENSAR COMO CRISTÃO<br />

horas é possível que entre na sala um pastor pietista. Às 11 horas, tem<br />

educação física, ministrada por uma professora que se orienta pela cultura<br />

do corpo dos gregos. O professor de alemão segue este ou aquele linguista.<br />

Assim, numa manhã as crianças passam por todo o mercado das mundivisões.<br />

Mesmo que não consigam entender com clareza qual é o sistema<br />

que está por trás daquilo que lhes está sendo “empurrado”, elas percebem<br />

que existe uma pluralidade e pontos de vista contrários que as levam à<br />

insegurança. Não admira que muitos pais optem pela escola pública, onde<br />

ao menos tudo é apresentado do ponto de vista da antroposofia. À luz disto<br />

fica a pergunta: Não seria possível explicar e formatar o todo da realidade<br />

do mundo a partir da fé evangélica? Por que só o Kremlin, o Vaticano e o<br />

Goetheanum podem apresentar uma visão de mundo universal, ao passo<br />

que na Igreja Evangélica fica mais ou menos aos cuidados do acaso que<br />

orientação de pensamento a gente vai seguir? A gente evita o conceito<br />

“mundivisão evangélica”, pois cheira a um sistema pronto que, por razões<br />

que ainda serão apresentadas, não nos podemos permitir. Karl Heim e seu<br />

discípulo Otto Dilschneider preferiram falar em “Mundivisão da Fé”, que é<br />

melhor, pois evita o mal entendido daquilo que está pronto e é estático.<br />

Vamos tentar colocar alguns marcos que são essenciais para esta tarefa<br />

do pensar como cristão. É preciso levar em conta que o ser humano<br />

afastado de Deus não apenas é mau, mas também erra em seus juízos<br />

e avaliações. “O pecado sempre tem esse poder de obscurecer o entendimento”<br />

(Adolf Schlatter). Todos sabemos que o ódio obscurece nossos<br />

juízos e a falta de amor nos torna cegos e injustos. Por isso, é preciso<br />

contar com a possibilidade de que dogmas científicos, vistos como alcançados<br />

de forma objetiva e, assim, tidos por confiáveis, podem ser fruto<br />

de observação e/ou conclusão equivocada. A isto se deve acrescentar<br />

que, a partir da revolução francesa, o pensamento ocidental se afastou<br />

cada vez mais do sol de verdade do evangelho. A superbia, que dispensa<br />

Deus, não é um bom ponto de partida para a pesquisa científica. Por isto,<br />

há uma profunda mudança na forma de pensar da pessoa que chega à<br />

fé. A fé, que é uma postura de confiança pessoal em Deus, que ganhou o<br />

meu coração em Jesus Cristo, se torna fundamento e diretriz, não apenas<br />

de todo o conhecimento de Deus, mas das compreensões humanas e da<br />

explicação do mundo.<br />

Como a fé se faz de sempre renovadas decisões no encontro diante de<br />

Deus, este intelligere ex fide e post fidem nunca pode assumir a forma de<br />

um sistema pronto. É, ao contrário, uma constante luta por conhecimento<br />

melhor e mais completo daquilo que Deus nos deu e de que ele nos encarregou,<br />

neste mundo. Nisto a visão de mundo da fé se distingue de todo<br />

tipo de gnose. Para a gnose, não há um “ainda não” (limite escatológico).<br />

Na iluminação, o gnóstico já tem tudo. Não conhece a humilitas, que diz:<br />

7<br />

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Igreja Luterana<br />

Conhecemos em parte. Todavia, por mais que a fé seja uma “sabedoria<br />

no pó” (como disse, entre outros, Bengel), ela se distingue claramente<br />

do ceticismo. A fé está disposta a permitir um autêntico relacionamento<br />

entre oração e pensamento, não no sentido superficial, como se a oração<br />

nos dispensasse de pensar, mas como promessa de que o Espírito de Deus<br />

pode nos guiar a toda a verdade, se pedirmos a ajuda do alto.<br />

A pergunta decisiva é: com que se parece tal fides quaerens intellectum<br />

(fé que procura entender) na prática e quem a torna realidade ou efetua?<br />

Esta tarefa de ativar o pensamento a partir da fé não deve de jeito nenhum<br />

se restringir às instituições de ensino teológicas, tampouco limitar-se a<br />

um repensar e expandir do dogma cristão. Por mais que tenha havido<br />

uma liderança dos teólogos neste campo, seria fatal se o pensamento a<br />

partir da fé se detivesse na fronteira da teologia e deixasse a explicação<br />

e formatação dos demais domínios da realidade do mundo entregues a<br />

sistemas estranhos ao cristianismo e até contrários a ele. Muito antes, é<br />

preciso fazer a tentativa de entrar também nos domínios não teológicos<br />

a partir da fé evangélica, em trabalho intelectual responsável.<br />

O teólogo sozinho não está à altura desta empreitada. Falta-lhe, em<br />

primeiro lugar, a formação ampla para tanto. Por outro, corre o risco de<br />

aparecer como alguém que quer impor um sistema teocrático ou clerical<br />

em nome de sua confissão. Isto não encontra eco em outras faculdades.<br />

Essa tarefa só poderá ser realizada por pessoas que são altamente competentes<br />

em suas áreas mas que ao mesmo tempo em sua vida tiveram<br />

um tão forte e poderoso encontro com o evangelho que não podem senão<br />

submeter, não apenas a sua vida, mas também a sua vocação, ao senhorio<br />

de Cristo. O papel do teólogo será o de acompanhar e dar apoio,<br />

procurando ver se aquele é de fato o evangelho, etc.<br />

Com certeza, há uma diferença, na consecução deste alvo, entre ciências<br />

naturais e ciências humanas. A soma dos ângulos do triângulo continua<br />

180 graus e o teorema de Pitágoras não muda só porque o matemático se<br />

tornou cristão. As descobertas da física e da química, os achados da anatomia<br />

e da fisiologia não são afetados pelo fato de um pesquisador ser ateu,<br />

outro cristão. Mas no momento em que deixamos o domínio das ciências<br />

exatas e entramos em áreas que têm a ver com a personalidade, será da<br />

máxima importância se me identifico com o marxismo ou a antroposofia,<br />

o cristianismo católico ou evangélico. Há uma diferença astronômica entre<br />

interpretar a história de modo materialista, determinada pelos dados<br />

da natureza, e entendê-la como “o desafio a decisões responsáveis em<br />

diferentes momentos históricos”. No primeiro caso, o decurso da história<br />

está obrigatoriamente determinado; no segundo, posso e devo agir historicamente<br />

e não preciso cair em desespero fatalista. Há uma grande<br />

diferença entre entender a questão judaica de forma racial e biológica,<br />

8<br />

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PENSAR COMO CRISTÃO<br />

na esteira de H. St. Chamberlain e Alfred Rosenberg, ou se permito que<br />

Romanos 9-11 me forneça a chave para decifrar este povo tão misterioso<br />

e sua caminhada tão sofrida ao longo dos séculos. Posso conceber as doenças<br />

apenas sob a perspectiva médica ou das ciências naturais, chegando<br />

necessariamente a um tratamento localizado de sintomas. Mas, no caso da<br />

doença, posso ter diante dos olhos o ser humano em sua totalidade, vendo<br />

como sofre sob conflitos de culpa, golpes do destino e falta de sentido em<br />

sua existência e me empenharei em ajudá-lo em seu todo, tanto em suas<br />

necessidades de ordem física quanto de ordem espiritual. A jurisprudência<br />

moderna conhece uma formulação positivista e uma fomulação metafísica<br />

do direito. Fará diferença se o ponto de vista do jurista for determinado por<br />

um ou por outro. Também a arte não é jamais uma questão meramente<br />

estética. Claro, há muitos artistas que querem ficar longe da discussão<br />

em torno do valor. O que vale, argumenta-se, é se a peça foi bem feita ou<br />

não, independentemente de seu valor ético. Nem por isso o artista escapa<br />

do fato de sempre estar a serviço de uma força espiritual, seja ela santa,<br />

nobre, ou comum e destrutiva. É totalmente impossível desvincular a<br />

tarefa da formação acadêmica das marcas da sua visão de mundo. Basta<br />

examinar os livros de texto ou livros escolares de uma escola marxista,<br />

uma escola de convento e uma escola antroposófica: em cada página se<br />

percebe qual o espírito que está por trás de tudo, na história mundial, na<br />

história da literatura e na história da cultura! Será que apenas a escola<br />

evangélica deveria abrir mão de ter sua própria cara?<br />

Hoje se ouve muitas vezes e sempre de novo a queixa de que a mentalidade<br />

cristã não aparece na vida pública. Esta é uma grande necessidade,<br />

mas há um problema bem maior no fato de termos banido a realidade<br />

do Deus vivo do âmbito das ciências. Nosso pensar passou a ser feito<br />

longe de Deus e de forma estranha a Deus, e não devemos nos admirar<br />

que isso tenha levado a sintomas de profunda enfermidade espiritual em<br />

nossos dias.<br />

O pensar a partir da fé fica subordinado à theologia crucis (“teologia<br />

da cruz”). Não há nada mais tolo do que supor que, numa atitude típica<br />

de orgulho gnóstico, se possa promover uma theologia gloriae (“teologia<br />

da glória”). O pensar na fé está consciente da fragmentariedade de seus<br />

esforços. Nunca está concluído, mas permanece em movimento rumo ao<br />

alvo final, que alegres aguardamos, na esperança. A visão de Deus e, com<br />

isto, a percepção plena de todos os seus caminhos e obras estão reservados<br />

ao ser humano da ressurreição, no novo mundo de Deus. E mesmo<br />

assim, a fé não pode senão pedir, já neste mundo, um olhar iluminado de<br />

entendimento. Tal meta-noética não passa de antegosto de bens futuros.<br />

Mas como poderíamos ter certeza do que é vindouro, se não recebermos<br />

já agora, na fé, o início de sua concretização?<br />

9<br />

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10<br />

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3º siMPÓSIO INTERNACIONAL DE LUTERO<br />

O Seminário Concórdia promoveu o 3º Simpósio Internacional de Lutero<br />

nos dias 7 a 10 de julho de 2009. O simpósio iniciou com um culto<br />

cuja mensagem foi proferida pelo Presidente da IELB, Dr. Paulo Moisés<br />

Nerbas. O tema do simpósio, “Lutero e o culto cristão: o que acontece<br />

quando Deus e homem se encontram no culto?” foi analisado em quatro<br />

palestras e em debates em grupos e em plenário. O Dr. Robert Rosin, do<br />

Concordia Seminary de Saint Louis, discorreu sobre “A teologia do culto:<br />

O que é e o que não é culto cristão para Lutero”. O Rev. Albérico Baeske,<br />

pastor aposentado da IECLB, palestrou sobre “A pregação no culto”. O<br />

Rev. Prof. Ms. Clóvis Gedrat, pastor da IELB, falou sobre “Liturgia, música e<br />

hinos em Lutero.” O Dr. Claus Schwambach, diretor da Faculdade Luterana<br />

de Teologia de São Bento, SC, da IECLB, apresentou o tópico “Formas de<br />

culto em Lutero.” Os pastores da IELB, Breno Thomé e Fernando Ellwanger<br />

Garske apresentaram uma reação às palestras na última sessão do encontro.<br />

Devoções no início de cada dia de atividades foram dirigidas pelos<br />

pastores Arnildo Schneider, Wilmar Meister e Dr. Acir Raymann.<br />

O 3º Simpósio Internacional de Lutero integra e deu início a uma<br />

série de programações previstas pelo Seminário Concórdia na contagem<br />

regressiva para a celebração dos 500 Anos de Reforma Luterana em 2017.<br />

Ao mesmo tempo, o simpósio marcou a etapa final na unificação dos<br />

Seminários da IELB visto que, com sua realização, todos os programas<br />

anteriormente desenvolvidos pela Escola Superior de Teologia de São Paulo<br />

estão agora sendo promovidos pelo Seminário Concórdia de São Leopoldo.<br />

Os dois primeiros simpósios, realizados em 1996 e 1999 em São Paulo,<br />

tiveram como temas, respectivamente: “Lutero e o ministério pastoral” e<br />

“Comunhão e separação no altar do Senhor”. O livro reunindo os textos<br />

do 2º Simpósio foi oficialmente lançado pela Editora Concórdia na sessão<br />

de encerramento do 3º Simpósio.<br />

Desde o início, foram estabelecidos dois objetivos principais para os<br />

simpósios de Lutero:<br />

1. Fomentar o estudo da teologia de Lutero<br />

1.1. Incentivar pastores e teólogos brasileiros e latino-americanos a<br />

lerem e pesquisarem as obras de Lutero;<br />

1.2. Criar um fórum onde a pesquisa em Lutero possa ser compartilhada<br />

e debatida;<br />

1.3. Manter vínculos com faculdades de teologia e outras instituições<br />

que se dedicam ao estudo da teologia de Lutero, convidando seus pesquisadores<br />

para apresentarem suas pesquisas no simpósio.<br />

11<br />

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Igreja Luterana<br />

2. Divulgar a teologia de Lutero<br />

2.1. Aprofundar o conhecimento da teologia de Lutero entre o povo<br />

luterano e evangélico do Brasil e da América Latina;<br />

2.2. Tornar Lutero e sua teologia conhecidos por um público brasileiro<br />

e latino-americano mais amplo, além do círculo das igrejas luteranas e<br />

evangélicas;<br />

2.3. Estimular a publicação de pesquisas em torno de Lutero.<br />

O 3º Simpósio Internacional de Lutero, ao enfocar o culto cristão,<br />

ocupou-se de um tema muito próximo de cada cristão. Cultos acontecem<br />

toda a semana, ou todo o domingo. Acontecem de uma ou de outra maneira.<br />

Podem ser simples rotina irrefletida ou podem ser celebrações bem<br />

conscientes, bem pensadas e elaboradas.<br />

É possível suscitar muitas indagações relativas ao culto. Por exemplo:<br />

qual é sua importância no contexto das atividades do pastor e da congregação?<br />

Quanto tempo pode/deve ser despendido em sua preparação?<br />

Que outras atividades do pastor competem em importância com o culto?<br />

E, conduzindo a reflexão para o campo teológico, se pergunta: O que<br />

acontece, realmente, no culto? Certamente, espera-se que ali aconteça um<br />

encontro entre Deus e o homem. Mas, como se dá esse encontro? Quem<br />

vai ao encontro de quem? Em outras palavras, o culto é primordialmente<br />

um evento antropocêntrico ou teocêntrico?<br />

Algumas épocas da história da igreja refletiram sobre tais questões<br />

mais do que outras. Uma dessas épocas foi a da Reforma. Quando Lutero<br />

redescobriu o Evangelho da justificação do pecador por causa de Cristo<br />

e de sua expiação vicária, esta descoberta se refletiu necessariamente<br />

também sobre o culto e a maneira como este é compreendido e celebrado.<br />

Por essa razão, os 101 participantes do simpósio tomaram as ponderações<br />

e propostas de Lutero como seu ponto de partida na reflexão sobre o culto<br />

cristão e seu significado para os cristãos de todos os tempos.<br />

Paulo Wille Buss<br />

Coordenador do Simpósio<br />

12<br />

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O QUE É MÚSICA SACRA OU HINO SACRO?<br />

1. Introdução<br />

Raul Blum*<br />

“O SENHOR está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra”<br />

(Hb 2.20). Este versículo nos faz refletir sobre a nossa participação no<br />

culto. Ele nos faz lembrar de que no culto Deus nos fala e nós ouvimos.<br />

Deus revelou-se a nós em sua palavra e é nesta palavra que Deus nos vai<br />

moldar e fazer seus discípulos. E Jesus nos garantiu: “Onde dois ou três<br />

estiverem reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18.20).<br />

Jesus está conosco em sua palavra. É sua palavra que vai nos orientar<br />

em tudo aquilo que fizermos, inclusive no culto. Nós não podemos cultuar<br />

como nós queremos ou inventamos; nós precisamos cultuar assim como<br />

Deus quer que ele seja cultuado.<br />

E Deus quer o nosso louvor; ele mesmo nos conduz a isso. Paulo<br />

nos estimula para o louvor quando escreve: “Habite ricamente em vós a<br />

palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a<br />

sabedoria, louvando a Deus com salmos, e hinos, e cânticos espirituais,<br />

com gratidão, em vosso coração. E tudo o que fizerdes, seja em palavra,<br />

seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a<br />

Deus Pai” (Cl 3.16-17). Tudo o que fizermos precisa ser feito em nome<br />

do Senhor Jesus.<br />

Nosso assunto é “O que é música sacra ou hino sacro?”. A música sacra<br />

ou hino sacro também precisa ser feita “em nome do Senhor Jesus”.<br />

Vamos, então, examinar este assunto.<br />

2. O surgimento dos hinos<br />

“E, tendo cantado um hino, saíram para o monte das Oliveiras” (Mt<br />

26.30). No dia da instituição da Santa Ceia, Jesus e seus discípulos<br />

cantaram um hino. Era um salmo do Antigo Testamento. Ainda era uma<br />

cerimônia da Páscoa do Antigo Testamento.<br />

À música herdada do Antigo Testamento, aqueles salmos que o povo<br />

sabia cantar, a igreja cristã começou a acrescentar novos hinos. Podemos<br />

perceber que o apóstolo Paulo incentiva o surgimento de novas canções<br />

* Raul Blum é professor de música no Seminário Concórdia de São Leopoldo/RS. Palestra<br />

proferida no 4º Encontro de Músicos no Seminário Concórdia de São Leopoldo/RS, em 26 de<br />

setembro de 2009.<br />

13<br />

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Igreja Luterana<br />

quando estimula os colossenses a louvar a Deus com “salmos, hinos e<br />

cânticos espirituais” (Cl 3.16). Salmos, sem dúvida, são aqueles do Antigo<br />

Testamento e, talvez, também aqueles cânticos registrados nos primeiros<br />

dois capítulos de Lucas. Mas, “hinos e cânticos espirituais” nos levam a<br />

pensar em novas composições.<br />

Durante a Idade Média, com o avanço do império romano, a igreja<br />

também se alastrou rapidamente. A igreja cristã antiga cantava nos cultos.<br />

Mas, a partir do século IV, quando o cristianismo se tornou a religião<br />

oficial do império, o canto congregacional foi gradualmente diminuído.<br />

Grandes catedrais eram construídas com dinheiro do estado e cantores<br />

profissionais, os clérigos, eram cada vez mais utilizados para dar beleza<br />

ao desempenho do culto. Surgiu a Schola Cantorum, que preparava músicos<br />

profissionais para os cultos. O papa Gregório (Gregório I, papa de<br />

590-610 ou Gregório II, papa de 669-731) introduziu o canto gregoriano<br />

como o único canto a ser cantado nos cultos, que é muito complexo para<br />

a congregação cantar.<br />

O canto gregoriano era somente a uma voz; mesmo o coro cantava em<br />

uníssono. Após o século X, surgem composições a mais vozes, o organum,<br />

o conductus e, depois, o motetus. No entanto, são composições para coros<br />

e solistas treinados. O povo assiste ao culto; não tem condições de cantar<br />

junto, pois tudo precisa ser treinado. Além disso, a liturgia também era<br />

cantada numa complexidade que o povo não conseguia entoar.<br />

Com o surgimento da Reforma no século XVI, a situação do canto congregacional<br />

volta a ser semelhante à igreja antiga: o canto congregacional<br />

ressurge. E, junto com o canto congregacional, a composição de hinos<br />

na língua do povo. Lutero compõe hinos e pede colaboração de outros<br />

compositores e poetas. Calvino restringe o canto congregacional ao canto<br />

uníssono de salmos metrificados. Mas ambos os reformadores deixam<br />

o povo cantar. E isto fez grande diferença na participação do povo nos<br />

cultos. O povo agora se sentia parte da ação litúrgica na igreja. Zwínglio<br />

é exceção na Reforma, pois proíbe instrumentos no culto e, finalmente,<br />

também proíbe até o canto congregacional.<br />

3. Paradigmas de louvor em Lutero 1<br />

Para Lutero, a música é acima de tudo criação e dom de Deus. No seu<br />

escrito Symphoniae iucundae, que ele dirige a Jorge Rhau, escreve: “Eu<br />

certamente gostaria de exaltar a música de todo o meu coração como o<br />

1<br />

Lutero não tem um escrito específico sobre os paradigmas de louvor que ele teria usado. Carl<br />

Schalk, em seu livro Luther on Music: paradigms of praise, faz uma apanhado das referências<br />

de Lutero à música e estabelece os cinco paradigmas de louvor que ele encontrou em Lutero<br />

e que são citados neste artigo.<br />

14<br />

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O QUE É MÚSICA SACRA OU HINO SACRO?<br />

dom excelente de Deus que é e recomendá-la a todos”. 2 Naquelas chamadas<br />

Conversas de mesa, Lutero enfatiza a necessidade de se ensinar<br />

este dom de Deus à juventude.<br />

A música é um dom destacado de Deus o mais próximo da<br />

teologia. Eu não gostaria de desistir do meu superficial conhecimento<br />

de música nem por um grande motivo. E à juventude<br />

deveria ser ensinada esta arte; pois ela faz pessoas excelentes<br />

e habilitadas. 3<br />

Outro paradigma de louvor para Lutero é a música como proclamação<br />

e louvor. O dom de Deus não tem um fim em si mesmo. Ele precisa servir<br />

para o louvor e a glória do Criador, especialmente para a proclamação<br />

de sua palavra. Em carta dirigida ao músico católico Ludvig Senfl, Lutero<br />

enfatiza que a música é singular para a proclamação do evangelho:<br />

Esta é a razão por que os profetas não fizeram uso de nenhuma<br />

arte exceto música; quando expuseram sua teologia, eles não<br />

a fizeram como geometria, nem como aritmética, nem como<br />

astronomia, mas como música, de maneira que eles seguraram<br />

teologia e música firmemente conectadas, e proclamaram a<br />

verdade através de Salmos e canções. 4<br />

Lutero queria conservar todas as tradições que não conflitassem com<br />

os ensinos bíblicos. Por isso manteve a estrutura da liturgia histórica e<br />

utilizou também a música como canto litúrgico. A diferença que Lutero<br />

promoveu no culto ou missa, é que o povo passou a cantar também a<br />

liturgia, além dos hinos. Conserva-se a liturgia tradicional, reformada nos<br />

erros doutrinários e dando participação ativa no canto do povo. Lutero<br />

entendia que o culto todo, inclusive os hinos, fazem parte da liturgia. Para<br />

que o povo pudesse participar com mais fluência na liturgia, versificou o<br />

Credo e o Sanctus, transformando-os em hinos.<br />

Outro paradigma de louvor para Lutero é a música como o canto dos<br />

sacerdotes reais. O canto congregacional é consequência natural do sacerdócio<br />

real de todos os crentes. No sermão de dedicação da Igreja do<br />

Castelo de Torgau, Lutero afirmou:<br />

Pois quando eu prego, quando nós nos reunimos como uma congregação,<br />

isto não é minha palavra ou meu fazer; mas é feito em<br />

2<br />

LW 53:321<br />

3<br />

PLASS, Ewald M. What Luther Says, p. 979.<br />

4<br />

LW 53:323-24.<br />

15<br />

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Igreja Luterana<br />

favor de todos vocês e em favor de toda a igreja... Assim também<br />

todos eles oram e cantam e dão graças em conjunto; aqui não<br />

há nada que alguém tenha ou faça por si mesmo somente; mas<br />

o que cada um tem também pertence ao outro. 5<br />

As consequências de entregar novamente ao povo a prática do sacerdócio<br />

de todos os crentes foram que a Bíblia e a liturgia foram dadas ao<br />

povo; os cantos de Lutero, muitos deles adaptados do canto gregoriano,<br />

facilitaram o canto congregacional; também o coro da congregação fez<br />

parte da assembleia do culto.<br />

Finalmente, mais um paradigma de louvor em Lutero é a música como<br />

um sinal de continuidade com toda a igreja. No seu escrito Recebendo<br />

ambas as espécies no sacramento, Lutero comentou: “Que a antiga prática<br />

continue. Que a missa seja celebrada com vestimentas consagradas, com<br />

cantos e todas as cerimônias usuais em latim, reconhecendo o fato que<br />

estes são meros fatores externos que não prejudicam as consciências dos<br />

homens”. 6 Lutero não abandonou a herança musical da igreja. Conservou<br />

a tradição possível, sem descuidar da criação de novos hinos. Para Lutero,<br />

aceitar a tradição é estar ligado aos cristãos de outros tempos e lugares e<br />

estar lembrado de que a igreja é única, santa, católica e apostólica, enfim,<br />

que a igreja é a comunhão dos santos. Assim, no seu escrito Tratado sobre<br />

as últimas palavras de Davi, Lutero escreve:<br />

Santo Ambrósio compôs muitos hinos da igreja. Eles são chamados<br />

hinos da igreja porque a igreja os aceitou e os canta simplesmente<br />

como se a igreja os tivesse escrito e como se eles fossem os cantos<br />

da igreja. Por isso, não é costume dizer “Assim canta Ambrósio,<br />

Sedúlio”, mas “Assim canta a Igreja Cristã”. Porque estes são agora<br />

os cantos da igreja, que Ambrósio, Sedúlio, etc. cantam com a<br />

igreja e a igreja com eles. Quando eles morrem, a igreja sobrevive<br />

a eles e prossegue em cantar suas canções. 7<br />

Lutero e seus colaboradores musicais trabalharam dentro destes paradigmas<br />

de louvor. Utilizaram a música como um dom de Deus para a proclamação<br />

do evangelho, louvor de Deus, participação do povo na liturgia,<br />

instrução do povo e fizeram da música um sinal de continuidade da igreja.<br />

A doutrina restaurada foi incutida nas mentes e nos corações do povo.<br />

5<br />

LW 51:343.<br />

6<br />

LW 36:254.<br />

7<br />

LW 15:274.<br />

16<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 16 8/4/2010 18:42:07


O QUE É MÚSICA SACRA OU HINO SACRO?<br />

4. Aplicações dos paradigmas de louvor de Lutero<br />

Se os pensamentos de Lutero sobre os paradigmas de louvor têm<br />

apenas aplicação histórica para a sua época, então é apenas um interesse<br />

histórico. No entanto, se seus pensamentos são úteis em si, então eles<br />

valem para todas as épocas. Façamos uma breve análise.<br />

Poderíamos dizer com Lutero hoje que o paradigma fundamental do<br />

louvor cristão é a música como criação e dom de Deus? É claro que a<br />

música tem servido como meio de louvor a Deus e ensino cristão durante<br />

séculos. No entanto, a música sempre foi e sempre será um dom de Deus,<br />

mesmo que alguns não reconheçam isso. “Toda boa dádiva e todo dom<br />

perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode<br />

existir variação ou sombra de mudança” (Tg 1.17).<br />

Para Lutero, a música é meio para a “viva voz do evangelho”, ou seja,<br />

utilizar a música como proclamação e louvor. Portanto, o texto de hinos<br />

e músicas religiosas é de grande importância. Os textos precisam conter<br />

lei e evangelho, ou seja, a condenação dos pecados e a solução de nossa<br />

vida pecaminosa em Cristo. O que se prega no púlpito precisa ser confirmado<br />

naquilo que se canta. Johann Sebastian Bach fez isto com a sua<br />

obra. Suas cantatas, paixões e oratórios expõem a palavra de Deus. No<br />

final das obras sempre escrevia soli Deo gloria (somente a Deus a glória),<br />

reconhecendo a música como dádiva de Deus. Usando a música como<br />

proclamação da palavra de Deus, estamos louvando a Deus, reconhecendo<br />

que ele é a fonte de todo bem. Os salmos estão repletos de louvor a Deus<br />

e o apóstolo Paulo recomenda: “instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente<br />

em toda a sabedoria louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos<br />

espirituais” (Cl 3.16).<br />

Utilizar a música como canto litúrgico é colocá-la em sintonia com o<br />

ano litúrgico e com o lecionário, ou seja, com os assuntos do dia da igreja<br />

e de acordo com as leituras do dia. A música que está enquadrada com<br />

o assunto do dia ajuda a proclamar e enfatizar a palavra que está sendo<br />

anunciada dentro do tema do dia ou da época em que se está sendo<br />

oficiado o culto.<br />

A música como canto dos sacerdotes reais foi uma das grandes conquistas<br />

da Reforma, algo que a igreja havia deixado de lado por um milênio.<br />

O povo precisa participar da liturgia e do culto como um todo. O crente<br />

na congregação não é mero espectador. Aí a cultura local, os costumes<br />

locais podem ser utilizados. O povo precisa participar segundo seus dons<br />

e segundo suas habilidades musicais. Colocar instrumentos que o povo<br />

saiba tocar ou possa aprender, cantar músicas que o povo possa cantar<br />

ou possa aprender sem esquecer a cultura local. A música e o canto são<br />

da congregação e não de um grupo apenas.<br />

17<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 17 8/4/2010 18:42:07


Igreja Luterana<br />

Finalmente, Lutero nos faz ver também nos dias atuais que precisamos<br />

utilizar a música como sinal de continuidade com toda a igreja. Lutero<br />

utilizou música do passado e do presente. Somos parte da igreja universal<br />

e a música composta em tempos passados e utilizada hoje representa isso<br />

vivamente. Mas a utilização de músicas antigas não despreza o presente,<br />

aquilo que se faz agora. É a continuidade da existência da igreja: olhamos<br />

para frente, examinamos nossos problemas e solução para agora e para o<br />

futuro e o expressamos em nossos hinos e nas nossas músicas atuais.<br />

5. Orientações para análise<br />

de hino cristão ou música cristã<br />

As orientações que seguem foram criadas pela Comissão de Culto da<br />

The Lutheran Church - Missouri Synod (LCMS) dos Estados Unidos. 8 O<br />

material publicado pela Comissão de Culto serve para analisar o conteúdo<br />

de hinos e também orienta sobre a música adequada para canto congregacional.<br />

Consequentemente, este material pode nos auxiliar também<br />

nas criações de nossos hinos e músicas atuais que estão surgindo em<br />

nossa igreja.<br />

5.1 Considerações sobre o texto<br />

Um hino ou outra composição sacra não vai conter cada assunto da<br />

doutrina cristã. Cada texto vai ter sua ênfase doutrinária: batismo, santa<br />

ceia, justificação pela fé, santificação, fim dos tempos. No entanto, mesmo<br />

que um texto não possa dizer tudo, ele precisa dizer algo sobre Deus e a<br />

fé cristã. Cuidado especial precisa haver para que um texto não diga algo<br />

que é contra a palavra de Deus.<br />

Examinemos as sugestões para análise de textos de hinos apresentados<br />

pela Comissão de Culto da LCMS. São questões diagnósticas que nos<br />

podem ajudar a avaliar o texto seguindo critérios doutrinários.<br />

Considere este exemplo ao revisar o hino “Em Jesus amigo temos”:<br />

O texto apresenta<br />

Jesus como o<br />

Salvador que morreu<br />

pelos pecadores?<br />

__X_______________<br />

Ou é a figura de Jesus<br />

meramente como um<br />

companheiro, amigo<br />

ou modelo?<br />

n/a<br />

Quanto mais o texto seja descrito de acordo com a questão da direita,<br />

tanto menos atenção aquele texto pode demandar. É importante lembrar<br />

8<br />

COMISSION ON WORSHIP, Text, Music, Context; a resource for reviewing worship materials.<br />

18<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 18 8/4/2010 18:42:07


O QUE É MÚSICA SACRA OU HINO SACRO?<br />

que tal taxação é mais uma arte do que ciência. Além disso, nem todas<br />

as questões se aplicarão a cada texto específico; em tais casos a caixa<br />

“n/a” (não aplicável) pode ser marcada.<br />

5.1.1 Este texto confessa o Deus triúno?<br />

Está claro que o texto é<br />

dirigido ou fala do Deus<br />

triúno?<br />

|___________________|<br />

Ou a<br />

identidade<br />

dirigida a Deus<br />

está sendo<br />

deixada vaga e<br />

incerta?<br />

n/a<br />

O texto dá evidência<br />

da relação das três<br />

pessoas e especialmente<br />

do papel do Filho em<br />

revelar a vontade<br />

graciosa do Pai?<br />

|___________________|<br />

Ou é<br />

mencionada<br />

apenas uma<br />

pessoa da<br />

Trindade com<br />

a exclusão das<br />

outras?<br />

n/a<br />

O texto dá evidência que<br />

nosso conhecimento de<br />

Deus é revelado através<br />

de sua Palavra?<br />

|___________________|<br />

Ou ele sugere<br />

que o Deus<br />

Triúno pode<br />

ser conhecido<br />

à parte de sua<br />

Palavra?<br />

n/a<br />

5.1.2 Este texto aborda a questão do pecado e a nossa condição pecaminosa?<br />

A realidade do pecado<br />

e suas consequências<br />

mortais são expressas<br />

adequadamente?<br />

|___________________|<br />

Ou é<br />

nossa total<br />

impotência<br />

ignorada ou<br />

subestimada?<br />

n/a<br />

19<br />

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Igreja Luterana<br />

O texto expressa nossa<br />

total inabilidade de crer<br />

em Cristo ou vir a ele?<br />

|___________________|<br />

Ou é alguma<br />

habilidade<br />

concernente<br />

à nossa<br />

conversão<br />

atribuída a<br />

nós, sugerindo<br />

talvez que<br />

somos capazes<br />

de nos decidir<br />

a seguir<br />

Jesus?<br />

n/a<br />

5.1.3 Este texto proclama o perdão dos pecados em Cristo Jesus?<br />

O texto apresenta Jesus<br />

como o Salvador que<br />

morreu pelos pecadores?<br />

|___________________|<br />

Ou é a figura<br />

de Jesus<br />

meramente<br />

aquela de<br />

companheiro,<br />

amigo ou<br />

modelo?<br />

n/a<br />

O texto proclama<br />

claramente que somos<br />

justificados diante de<br />

Deus somente pelo amor<br />

de Cristo?<br />

|___________________|<br />

Ou está<br />

este “artigo<br />

principal”<br />

ausente ou<br />

de alguma<br />

maneira feito<br />

irrelevante ou<br />

incerto?<br />

n/a<br />

O evangelho é<br />

apresentado em<br />

imaginação concreta,<br />

recorrendo ao<br />

testemunho bíblico?<br />

|___________________|<br />

Ou é o<br />

evangelho<br />

apresentado<br />

em termos<br />

abstratos,<br />

como “amor”,<br />

“alegria” ou<br />

“paz” – sem<br />

nenhuma<br />

conexão<br />

concreta ao<br />

perdão dos<br />

pecados em<br />

Jesus Cristo?<br />

n/a<br />

20<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 20 8/4/2010 18:42:08


O QUE É MÚSICA SACRA OU HINO SACRO?<br />

O texto apresenta<br />

boas obras como uma<br />

resposta ao evangelho?<br />

|___________________|<br />

Ou são nossas<br />

boas obras<br />

vistas como<br />

fins em si<br />

mesmas com<br />

a impressão<br />

dada que<br />

por elas<br />

merecemos<br />

salvação?<br />

n/a<br />

5.1.4 Este texto confessa a obra de Deus através dos meios da graça<br />

dentro da igreja?<br />

O texto confessa a<br />

atividade continuada do<br />

Deus triúno na sua igreja<br />

através da Palavra e<br />

Sacramento?<br />

|__________________|<br />

Ou não há<br />

direção dada a<br />

como estamos<br />

conectados<br />

através da<br />

Palavra e<br />

Sacramento<br />

com os dons de<br />

Deus de perdão<br />

e vida?<br />

n/a<br />

5.1.5 Este texto proclama apropriadamente e distingue entre a Lei e<br />

o Evangelho?<br />

É a Lei proclamada como<br />

o que Deus requer de<br />

todos os seres humanos,<br />

e como algo que nos é<br />

impossível observar?<br />

|_________________|<br />

Ou é a Lei<br />

completamente<br />

omitida, ou<br />

apresentada de<br />

tal maneira a nos<br />

fazer pensar que<br />

podemos, em<br />

parte, observá-la?<br />

n/a<br />

Cristo é proclamado<br />

como tendo observado<br />

a Lei perfeitamente para<br />

nós?<br />

|_________________|<br />

Ou é ele<br />

apresentado como<br />

um exemplo que<br />

devemos seguir?<br />

n/a<br />

21<br />

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Igreja Luterana<br />

O texto enfoca os atos<br />

salvíficos de Deus?<br />

|_________________|<br />

Ou é o foco<br />

em mim:<br />

meus desejos,<br />

necessidades e<br />

carências?<br />

n/a<br />

O Evangelho está<br />

fundamentado na<br />

encarnação, crucificação<br />

e ressurreição de Jesus?<br />

|_________________|<br />

Ou ele transmite<br />

meramente um<br />

vago senso de<br />

esperança?<br />

n/a<br />

Mais uma vez é necessário lembrar que a tarefa de revisar textos de<br />

hinos e canções é mais uma arte do que ciência. Por esta razão nenhuma<br />

tentativa foi feita aqui para designar um valor quantitativo para cada texto.<br />

Também é importante compreender que muito poucos hinos vão satisfazer<br />

todos estes critérios. O valor de revisar hinos textos com base nestas questões<br />

é que eles dão aos planejadores de culto uma série de instrumentos<br />

com os quais possam provar a força ou a fraqueza de um texto.<br />

6. Considerações sobre a música<br />

Para Lutero, a música estava secundada apenas pela teologia. Desde<br />

seu início, a Igreja Luterana sempre reconheceu a música como um dom<br />

criado por Deus – um dom que é bom e que deve ser recebido com ações<br />

de graças (1Tm 4.4-5), visto que a música serve como um veículo para<br />

a proclamação do evangelho. Precisamos ter em mente que a música<br />

não é neutra. Ela pode ter associações com contextos particulares e com<br />

épocas específicas. E, para uma melodia congregacional, é preciso ter<br />

em mente que ela seja “cantável” pelo cantor mediano, aquele que não<br />

tem preparo específico. Isto não quer dizer que uma melodia precisa ser<br />

fácil ao extremo, mas que uma melodia possa, com algum ensaio, ser<br />

cantada pela maioria.<br />

Examinemos, então, as sugestões para uma melodia congregacional<br />

dadas pela Comissão de Culto da LCMS.<br />

22<br />

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O QUE É MÚSICA SACRA OU HINO SACRO?<br />

6.1 É a melodia adequada para canto corporativo?<br />

A melodia pode<br />

ser cantada<br />

confortavelmente por<br />

uma congregação, seja<br />

grande ou pequena?<br />

|_________________|<br />

Ou ela é<br />

solística no<br />

estilo, exigindo<br />

flexibilidade na<br />

execução que<br />

somente um<br />

solista pode dar?<br />

n/a<br />

A melodia é durável?<br />

Ela é interessante o<br />

suficiente para suportar<br />

uso repetido?<br />

|_________________|<br />

Ou ela é tão<br />

simples no<br />

estilo que a<br />

congregação não<br />

encontra desafio<br />

constante nela?<br />

n/a<br />

6.2 É a melodia cuidadosamente trabalhada para auxiliar no canto?<br />

A melodia ajustase<br />

confortavelmente<br />

na extensão da voz<br />

comum?<br />

|_________________|<br />

Ou ela contém<br />

preponderância<br />

de notas muito<br />

agudas ou muito<br />

graves?<br />

n/a<br />

A melodia exibe um<br />

balanço cuidadoso de<br />

intervalos de segunda e<br />

saltos?<br />

|_________________|<br />

Ou ela contém<br />

saltos difíceis<br />

que deixam a<br />

congregação<br />

surpreender-se<br />

com qual nota<br />

virá depois?<br />

n/a<br />

A melodia usa repetição<br />

de frases de uma<br />

maneira que ajuda o<br />

ensino sem, todavia,<br />

tornar-se enfadonha ou<br />

tediosa?<br />

|_________________|<br />

Ou ela consiste<br />

de constante<br />

material novo<br />

que a torna difícil<br />

de aprender?<br />

n/a<br />

23<br />

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Igreja Luterana<br />

A melodia usa sincopas<br />

de uma maneira que<br />

pareça natural e ajustese<br />

bem com o texto?<br />

|_________________|<br />

Ou as sincopas<br />

são usadas como<br />

uma ferramenta<br />

estilística<br />

com pouca<br />

consideração<br />

com o texto ou<br />

com a habilidade<br />

da congregação<br />

de cantá-la?<br />

n/a<br />

A melodia é capaz de<br />

permanecer por si só e<br />

assim encorajar forte<br />

canto congregacional?<br />

|_________________|<br />

Ou ela é tão<br />

dependente do<br />

acompanhamento<br />

que sem ele a<br />

melodia carece<br />

de caráter e<br />

interesse?<br />

n/a<br />

6.3 A melodia suporta o texto?<br />

A melodia reflete o<br />

texto em termos de<br />

temperamento e estilo?<br />

|_________________|<br />

Ou ela apresenta<br />

um forte<br />

contraste com<br />

o texto (isto é,<br />

uma linha jovial<br />

anexada a um<br />

texto de lamento<br />

ou súplica)?<br />

n/a<br />

As palavras e a<br />

melodia ajustam-se<br />

naturalmente?<br />

|_________________|<br />

Ou há<br />

irregularidades<br />

que resultam em<br />

confusão silábica<br />

de uma estrofe à<br />

seguinte ou um<br />

acento artificial<br />

do texto para<br />

ajustar-se à<br />

música?<br />

n/a<br />

A melodia é notável sem<br />

obscurecer o texto?<br />

|_________________|<br />

Ou ela domina o<br />

texto a tal ponto<br />

que é a melodia<br />

e não o texto que<br />

é lembrado?<br />

n/a<br />

24<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 24 8/4/2010 18:42:08


O QUE É MÚSICA SACRA OU HINO SACRO?<br />

É a melodia capaz de<br />

carregar a palavra de<br />

Deus de uma maneira<br />

digna?<br />

|_________________|<br />

Ou a melodia<br />

torna o<br />

texto trivial,<br />

roubando-o da<br />

dignidade que<br />

é inerente a<br />

qualquer texto<br />

que proclama<br />

Cristo e seus<br />

benefícios?<br />

n/a<br />

Sem dúvida, estamos lidando aqui com elementos subjetivos sobre os<br />

quais pode haver discussões. No entanto, quando se trata de canto congregacional,<br />

o fato objetivo é que a congregação possa tomar parte ativa, cantando<br />

naturalmente sem a necessidade de ter alguém para “puxar” o canto<br />

com um microfone. Quando o canto é destinado a um solista, as orientações<br />

musicais acima para o canto congregacional não se aplicam necessariamente.<br />

Um solista é treinado e pode ser exigido mais em seu desempenho do canto<br />

do que a congregação. No entanto, as orientações doutrinárias para o texto<br />

precisam ser consideradas para qualquer tipo de música cristã.<br />

7. Conclusão<br />

Nossa tarefa como músicos cristãos é abençoada: lidamos com uma<br />

criação e dom de Deus. Por isso mesmo nossa tarefa como músicos cristãos<br />

é de grande responsabilidade: precisamos transmitir aquilo que Deus<br />

quer que transmitamos: a sua palavra. E é nesta tensão que precisamos<br />

trabalhar: Deus nos deu o dom da música e este dom precisa ser usado<br />

com responsabilidade: para Deus, o melhor. Para tanto, precisamos de<br />

constante aperfeiçoamento musical e doutrinário para que possamos utilizar<br />

da melhor maneira possível nosso dom e para que possamos também<br />

transmitir a palavra de Deus com precisão e pureza de doutrina.<br />

No culto não somos apresentadores de espetáculo; somos condutores<br />

da proclamação da palavra e do louvor a Deus. E a apresentação do<br />

louvor a Deus é de toda a congregação. Portanto, sejamos organistas,<br />

tecladistas, guitarristas ou bateristas, o volume de nossos instrumentos<br />

não pode sufocar o canto congregacional.<br />

Neste encontro de músicos estamos procurando resposta para a indagação:<br />

“Qual é o papel da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB)<br />

para a música cristã do século XXI?” Jamais, em toda a história da música<br />

sacra, foram produzidas tantas canções novas como em nossos dias.<br />

Isto é um dom de Deus. No entanto, é um dom que precisa ser utilizado<br />

adequadamente. Existem muitos textos que não expressam a fé cristã<br />

25<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 25 8/4/2010 18:42:08


Igreja Luterana<br />

corretamente e que põem méritos na pessoa em vez de colocá-los em<br />

Deus. Precisamos saber fazer uma seleção dos textos que usamos para<br />

transmitirmos realmente aquilo que Deus quer que transmitamos.<br />

Portanto, temos uma importante tarefa a cumprir. O principal é que o<br />

texto que criarmos seja a expressão, interpretação e aplicação da palavra<br />

de Deus para nós hoje. Não podemos divagar, imaginar e criar fantasias<br />

em nossas letras. Precisamos expressar a pura palavra de Deus, a doutrina<br />

correta da fé cristã em linguagem atual. “Qual é o papel da IELB para a<br />

música cristã no século XXI?” Não resta dúvida: cabe a nós interpretarmos<br />

os nossos dias, nossas ansiedades e necessidade para com Deus e para<br />

com o próximo e expressar isto em nossas músicas com doutrina correta<br />

e aplicação adequada, segundo a perspectiva da revelação de Deus em<br />

sua palavra.<br />

O papel da IELB para a música cristã no século XXI está na resposta<br />

ao significado de música sacra ou hino sacro. Um hino sacro é aquele que<br />

transmite a palavra de Deus, fundamentado na Escritura, com clareza de<br />

Lei e Evangelho, sem divagações pessoais que contradigam a iniciativa de<br />

Deus em nos oferecer gratuitamente a salvação. O texto de um hino ou<br />

de qualquer obra sacra é que transmite este conteúdo e a música é que<br />

conduz este texto na arte que é uma criação e dom do próprio Deus.<br />

Deus nos conduza neste sentido.<br />

Referências<br />

BÍBLIA DE ESTUDO ALMEIDA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil,<br />

1999.<br />

BLUM, Raul. Lutero e Seus Escritos em Forma de Poemas e Hinos. In:<br />

Lutero, o Escritor. Fórum Ulbra de Teologia – volume 3. Canoas: Editora<br />

da ULBRA, 2006, p. 67-115.<br />

COMISSION ON WORSHIP. Text, Music, Context: a resource for reviewing<br />

worship materials. Saint Louis: The Lutheran Church - Missouri Synod,<br />

2004.<br />

DREHER, Martin N. Lutero e a música. In: Martinho Lutero: obras selecionadas,<br />

v. 7. São Leopoldo/Porto Alegre: Editora Sinodal/Concórdia Editora,<br />

2000, p.473-484.<br />

HINÁRIO LUTERANO – 17 ed. Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Porto<br />

Alegre: Concórdia, 2007.<br />

LIEMOHN, Edwin. The Singing Church. Ohio: The Watburg Press, 1959.<br />

SCHALK, Carl F. Luther on Music: paradigms of praise. Saint Louis: Concordia<br />

Publishing House, 1988.<br />

WESTERMEYER, Paul. Te Deum: the church and music. Minneapolis: Fortress<br />

Press, 1998.<br />

26<br />

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MISSÃO URBANA E A<br />

<strong>IGREJA</strong> DE ANTIOQUIA EM ATOS<br />

Paulo Samuel Albrecht<br />

Acir Raymann*<br />

Deus sempre buscou o ser humano para estar do seu lado. Foi assim<br />

com Adão e Eva depois da queda (Gn 3.15) e será assim até a volta de<br />

Cristo. Deus incansavelmente vai atrás dos seus filhos, oferecendo a sua<br />

graça e amor, que se tornaram manifestos na plenitude do tempo em<br />

Jesus Cristo (Gl 4.4). Por isso é duvidoso que se possa falar da missão<br />

como obra da Igreja; o mais acertado seria falar que missão é obra de<br />

Deus, bem como o fundamento da própria existência da Igreja. É Deus<br />

quem vai atrás do seu povo e o busca, motivando aqueles que são seus<br />

a também ir em busca de outros 1 .<br />

Tendo isto em mente se quer aqui analisar o trabalho missionário e<br />

a congregação cristã na cidade de Antioquia da Síria, um dos mais importantes<br />

centros urbanos do Império Romano. A análise se baseará em<br />

dois textos do livro de Atos dos Apóstolos: 11.19-30 e 13.1-3. Visto não<br />

haver muitas controvérsias e variantes para os textos aqui analisados,<br />

optou-se por não se fazer uma comparação de traduções, mas oferecer-se<br />

uma tradução própria com notas explicativas sobre aspectos gramáticos,<br />

históricos e contextuais do texto. Além disso, na segunda parte, busca-se<br />

fazer uma análise do texto, baseando-se em palavras-chave do mesmo,<br />

as quais revelam a atividade missionária e congregacional daquela igreja,<br />

procurando relacioná-las com as atividades e realidades do mundo e da<br />

igreja hoje.<br />

O MUNDO ROMANO: SEUS<br />

OBSTÁCULOS E OPORTUNIDADES<br />

O mundo romano do primeiro século depois de Cristo apresentava<br />

uma realidade complexa e o evangelho encontrou o seu caminho, aproveitando<br />

os incentivos e tentando vencer os obstáculos que este império<br />

apresentava aos primeiros cristãos. Entre os incentivos estavam: a) a pax<br />

romana, aliada a um sistema de estradas invejável à época e ao constante<br />

*Paulo Albrecht é pastor no Rio de Janeiro, RJ.<br />

Acir Raymann é professor de Exegese no Seminário Concórdia, em São Leopoldo, RS e no curso<br />

de Teologia da Ulbra, Canoas, RS.<br />

1<br />

Obra clássica que trata deste assunto é VICEDOM, Georg. Missão como obra de Deus. São<br />

Leopoldo: Sinodal, 1996.<br />

27<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 27 8/4/2010 18:42:08


Igreja Luterana<br />

deslocamento de tropas, especialmente para as regiões mais instáveis,<br />

que estavam sob controle direto do imperador; b) a língua grega, que<br />

era a língua comum do império, aliada à cultura helênica, as quais apresentavam<br />

um vocabulário teológico e filosófico desenvolvido; c) religiões<br />

gregas, que cada vez mais desiludiam o povo com o politeísmo pagão e<br />

que não aliviavam o senso de pecado do povo; d) a religião judaica, da<br />

qual o cristianismo emprestou diversas práticas, como o apego às Escrituras,<br />

padrões éticos elevados e conversão, que desfrutava o status de<br />

religião lícita no império; além disso, judeus e suas sinagogas estavam<br />

espalhados por todo o império. 2<br />

Os obstáculos que se interpunham à pregação do evangelho dos cristãos<br />

do Novo Testamento podem ser divididos em obstáculos colocados<br />

pela: a) religião judaica: pessoas sem formação erudita e formal pregando<br />

o Evangelho, até para sacerdotes e rabinos; a pregação de um Messias<br />

crucificado; e a Igreja como um grupo dentro do judaísmo com crenças<br />

que iam contra as doutrinas deste – heresia que devia ser expulsa; b)<br />

cultura greco-romana: o cristianismo era considerado uma superstitio e<br />

não uma religio licita; tinha padrões éticos muito altos; quanto a questões<br />

intelectuais, defendia a revelação particular de Deus em Jesus Cristo e<br />

proclamava a morte na cruz como algo que dava sentido para o universo,<br />

além de ser uma doutrina nova, o que não era muito do agrado dos cidadãos<br />

romanos. Associado a tudo isto ainda estava a inferioridade cultural<br />

dos cristãos, visto serem eles no começo, em sua maioria, provenientes<br />

de classes mais baixas da sociedade.<br />

As províncias romanas estavam sob o controle dos procônsules e só<br />

eles podiam executar a pena capital, não aceitando, contudo, denúncias<br />

anônimas. Além disso, durante as primeiras décadas havia certa confusão<br />

entre judaísmo e cristianismo, especialmente para os de fora. Os cristãos<br />

também sofriam sob três pesadas acusações: ateísmo, pois não adoravam<br />

os deuses pagãos; incesto, visto se reunirem em lugares particulares,<br />

tratarem-se por irmãos e terem a prática do ósculo santo; e canibalismo,<br />

por falarem que na Ceia comiam o corpo de Cristo. A tudo isso se adicione<br />

o fato de se recusarem a adorar a César e o caldeirão do Império Romano<br />

do primeiro século está prestes a ferver. 3<br />

Os desafios para os primeiros cristãos foram muito grandes. Michael<br />

Green, por isso, defende que foi em Antioquia que o cristianismo saiu<br />

do seu casulo judeu. Ela era uma espécie de microcosmo da antiguidade<br />

romana do primeiro século, pois gozava de quase todas as vantagens,<br />

possuía quase todos os mesmos problemas e perseguia os mais variados<br />

2<br />

GREEN, Michael. Evangelização na igreja primitiva. 2ª ed. São Paulo: Edições Vida Nova,<br />

1989. p. 11-30.<br />

3<br />

GREEN, Michael. Evangelização na igreja primitiva. 2ª ed. São Paulo: Edições Vida Nova,<br />

1989. p. 31-54.<br />

28<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 28 8/4/2010 18:42:08


Missão urbana e a igreja de antioquia em atos<br />

interesses humanos que a fé cristã teria que enfrentar. 4<br />

Se Roger Greenway está certo, poder-se-ia dizer que a Igreja de Cristo<br />

aqui no Brasil tem conexões com Antioquia e é devedora daquela igreja:<br />

Entender Antioquia é crucial para uma percepção bíblica de missão<br />

urbana, porque lá se estabeleceram modelos que definiram<br />

o curso da história da missão e mudaram o mapa religioso do<br />

mundo. [...] A igreja de Antioquia, ao comissionar e enviar os<br />

primeiros missionários para o mundo não-evangelizado, tornouse<br />

a mãe de todas as igrejas gentias. 5<br />

A Igreja de Antioquia em Atos 11.19-30 e 13.1-3<br />

Atos 11.19-30<br />

19 Agora, então 6 , os que foram dispersos 7 pela tribulação 8 , a qual<br />

ocorreu por causa de 9 Estevão, foram até a Fenícia e Chipre e Antioquia,<br />

a ninguém falando a palavra, exceto 10 somente a Judeus. 20 Porém alguns<br />

deles eram homens de Chipre e Cirene, os quais vindo para Antioquia<br />

4<br />

Ibidem, p. 139.<br />

5<br />

GREENWAY, Roger; MONSMA, Timothy. Cities: Mission’s New Frontier. 2a ed. Grand Rapids:<br />

Baker Books, 2000. p. 54.<br />

6<br />

Estas palavras dão a entender que este trecho é algo que não faz parte da narrativa principal,<br />

que acaba no versículo 18, com Pedro defendendo-se diante dos judeus por causa de seu<br />

ministério entre os gentios, e é retomada no primeiro versículo do capítulo doze, onde Herodes<br />

persegue a igreja de Jerusalém. Este trecho parece preparar o leitor para a grande virada de<br />

rumo do livro no capítulo 13, onde Paulo e Barnabé são escolhidos para levar o evangelho<br />

aos gentios. Newman e Nida apontam para o fato de que aquilo que vai ser contado neste<br />

trecho ocorre simultaneamente ao que acontece entre 8.5 – 11.18. (NEWMAN, Barclay M.;<br />

NIDA, Eugene A. A Translator’s Handbook on the Acts of the Apostles. Londres: United Bible<br />

Societies, 1972. p. 226)<br />

7<br />

Particípio, aoristo, passivo, nominativo, plural. de diaspei,rw espalhar, dispersar. Os discípulos<br />

não partiram porque quiseram ou por zelo missionário, mas foram obrigados a tal pela<br />

perseguição ue se instaurou após o assassinato de Estevão.<br />

8<br />

Qli/yij tribulação, perseguição. Louw e Nida traduzem como “dificuldade envolvendo sofrimento<br />

direto” e traduzem a primeira parte do versículo como “portanto aqueles que foram<br />

espalhados como resultado da dificuldade e do sofrimento que aconteceu no tempo de (da<br />

morte de) Estevão”. (LOUW, Johannes P.; NIDA, Eugene A. Greek-English Lexicon of the New<br />

Testament: Based on Semantic Domains. Vol. 1 (Introduction and Domains). New York: United<br />

Bible Societies, 1989. p. 243.<br />

9<br />

evpi. esta preposição pode ser traduzida de diversas maneiras, mas aqui parece indicar razão,<br />

causa, motivo. Cf. Ibidem, p. 781. Por causa de seu testemunho diante do Sinédrio (Atos 7 e<br />

8) ele foi assassinado e, provavelmente depois disso, seguiu-se uma perseguição aos demais<br />

cristãos de Jerusalém. Assim, a perseguição foi “por causa de” Estevão, mesmo que indiretamente.<br />

10<br />

eiv mh. exceto. Cf. DANKER, Frederik W. A Greek-English Lexicon of the New Testament and other<br />

Early Christian Literature. 3a ed. Baseado em Bauer, Walter Grieschich-deutsches Wörterbuch zu<br />

den Schriften des Neuen Testaments und der frühchristlichen Literatur. 6a ed. Editado por Kurt<br />

Aland e Barbara Aland, com Viktor Reichmann e edições prévias em inglês de W.F. Arndt, F.W.<br />

Gingrich e F.W. Danker. Chicago: The University of Chicago Press, 2000. p. 278.<br />

29<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 29 8/4/2010 18:42:08


Igreja Luterana<br />

começaram a falar 11 também para os Helenistas 12 , proclamando o Senhor<br />

Jesus. 21 E a mão do Senhor era com eles e assim muito [grande era] o<br />

número, que crendo, converteu-se ao Senhor. 22 E a palavra foi ouvida<br />

pelos ouvidos da igreja que está em Jerusalém com respeito a estas coisas<br />

e enviaram 13 Barnabé para ir até Antioquia 23 o qual chegando e vendo a<br />

graça de Deus, alegrou-se e exortava 14 a todos a permanecer no Senhor<br />

com propósito de coração, 24 porque era um homem bom e cheio do<br />

Espírito Santo e fé e uma considerável multidão foi acrescida ao Senhor.<br />

25 E ele partiu para Tarso para procurar Saulo. 26 E achando voltou para<br />

Antioquia. E aconteceu que eles reuniram-se 15 um ano inteiro na igreja e<br />

ensinavam 16 considerável multidão, assim pela primeira vez chamaram 17<br />

em Antioquia os discípulos “cristãos”.<br />

27 E naqueles dias 18 chegaram de Jerusalém profetas a Antioquia.<br />

28 E levantando-se um deles, seu nome Ágabo, comunicava 19 através do<br />

Espírito [que] uma grande fome prestes a acontecer 20 estaria sobre todo<br />

o mundo 21 , a qual aconteceu sob Cláudio. 29 E dos irmãos, assim como<br />

11<br />

O verbo lale,w está aqui no imperfeito (evla,loun). O imperfeito pode ser traduzido de diversas<br />

formas, uma delas sendo com o sentido de começar a fazer alguma coisa (Cf. VOELZ,<br />

James. Fundamental Greek Grammar. 2a ed. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1993.<br />

p. 70). Visto que no versículo 19 os que foram espalhados pela perseguição não falavam a<br />

Palavra aos gentios, e neste os de Cirene e Chipre o fazem, é natural traduzir o imperfeito<br />

aqui por “começaram a falar”. Lenski também é favorável a tal tradução (cf. LENSKI, R. C.<br />

H. The Interpretation of the Acts of the Apostles. Minneapolis: Augsburg Publishing House,<br />

1961. p. 449-450.<br />

12<br />

O termo ~Ellhnista.j é usado parar referir-se a judeus de fala grega e não gentios! (Cf.<br />

DANKER, Frederik W., op. cit., p. 319). Lenski, entretanto, argumenta que é impossível neste<br />

contexto entender esse termo desta maneira, mas que aqui o autor está se referindo a gregos<br />

gentios e o termo correto deveria ser {Ellhnaj (cf. LENSKI, op. cit., p. 449).<br />

13<br />

evxaposte,llw pode ser traduzido como enviar, mas carrega um sentido de enviar em uma<br />

missão oficial (cf. DANKER, op. cit., p. 345-6). Barnabé era um representante autorizado e<br />

legítimo da igreja de Jerusalém, carregava consigo a autoridade daquela igreja (SMITH, Robert<br />

H. Concordia Commentary: Acts. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1970. 182).<br />

14<br />

Imperfeito, indicativo, ativo, 3ª singular de parakale,w = exortar. Lenski defende que este<br />

imperfeito indica que essa exortação de Barnabé era contínua (Cf. LENSKI, op. cit., p. 454).<br />

15<br />

O verbo suna,gw esta aqui no infinitivo passivo, mas transmite mais a idéia reflexiva, isto é,<br />

eles “reuniam-se (uns com os outros)” (Cf. DANKER., op. cit., p. 962).<br />

16<br />

O verbo dida,skw está aqui no infinitivo aoristo. O aoristo no grego enfatiza a ação em si<br />

mesma. Aqui é o ensinar. Contudo fica impossível traduzir como no infinitivo em português.<br />

Uma tradução mais adequada parece ser como um imperfeito, isto é, uma ação contínua que<br />

se realizava durante aquele ano.<br />

17<br />

O verbo crhmati,zw também está no infinitivo aoristo. Os três infinitivos aoristos deste versículo,<br />

de acordo com Lenski, “são aoristos históricos com o simples objetivo de relatar os fatos”<br />

(cf. LENSKI, op. cit., Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1961. p. 457).<br />

18<br />

Ou seja, por aquela época em que Paulo e Barnabé estavam ensinando na igreja.<br />

19<br />

Imperfeito, indicativo, ativo, 3ª singular de shmai,nw = contar, comunicar, indicar, sugerir,<br />

significar (DANKER, op. cit., p. 920).<br />

20<br />

Infinitivo futuro de eivmi,. A fome estava prestes a “ser”, isto é, prestes a ocorrer.<br />

21<br />

Provavelmente o autor está se referindo ao Império Romano. Essa interpretação parece<br />

ser a melhor especialmente porque o autor menciona que tal fome ocorreu sob o imperador<br />

30<br />

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Missão urbana e a igreja de antioquia em atos<br />

se tinha algo, determinaram, cada um deles enviar auxílio 22 aos irmãos<br />

que moravam na Judéia 23 , 30 o que fizeram enviando para os presbíteros<br />

através da mão de Barnabé e Saulo.<br />

Atos 13.1-3<br />

1 Estavam em Antioquia, de acordo com aqueles que estavam [na]<br />

igreja 24 , profetas e mestres, a saber: Barnabé e Simeão, que é chamado<br />

Negro, e Lúcio, o Cireneu, Menaém, amigo íntimo de Herodes, o Tetrarca,<br />

e Saulo. 2 Enquanto eles adoravam 25 o Senhor e jejuavam 26 , disse o<br />

Espírito Santo: “Separem-me 27 Barbabé e Saulo para o trabalho ao qual<br />

os chamei 28 .” 3 Então jejuando 29 e orando 30 e impondo 31 as mãos os despediram.<br />

Cláudio (cf. NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A. A Translator’s Handbook on the Acts of the<br />

Apostles. Londres: United Bible Societies, 1972. p. 229).<br />

22<br />

eivj diakoni,an pe,myai. A preposição demonstra propósito e o objeto direto é colocado<br />

antes do verbo.<br />

23<br />

O grego desse versículo é considerado difícil. Contudo, Lenski aponta que mesmo assim ele<br />

transmite dois pontos muito importantes sobre o auxílio enviado por Antioquia: 1) eles determinaram<br />

como um corpo, o verbo está no plural (w[risan); 2) cada um deu sua contribuição de<br />

acordo com o que tinha; o verbo está no singular (euvporei/to,). Cf. LENSKI, op. cit., Minneapolis:<br />

Augsburg Publishing House, 1961. p. 461.<br />

24<br />

BRUCE, F. F. The Acts of the Apostles. Grand Rapids: Eerdmans, 1984. p. 252 e NEWMAN,<br />

Barclay M.; NIDA, Eugene A. A Translator’s Handbook on the Acts of the Apostles. Londres:<br />

United Bible Societies, 1972. p. 244 “na igreja local”.<br />

25<br />

Particípio, genitivo de leitourge,w. O verbo utilizado sugere que eles estavam em um momento<br />

de culto. O verbo é utilizado no chamado genitivo absoluto, no qual o sujeito também<br />

se encontra no genitivo. Essa construção serve para introduzir uma ação que está ocorrendo<br />

simultaneamente a outra e que tem caráter secundário no contexto (cf. James VOELZ, op. cit.,<br />

p. 149-152). O que é destacado aqui não é o adorar e o jejuar deles ou as pessoas deles, mas<br />

a ênfase está no Espírito Santo e no que ele disse.<br />

26<br />

Particípio, genitivo absoluto de nhsteu,w = jejuar. Vide explicação na nota 25.<br />

27<br />

Imperativo, aoristo, ativo, plural de avfori,zw = separar, colocar de lado. O imperativo é<br />

seguido pela partícula dh,, que é rara e transmite um sentido de urgência. Ela enfatiza o imperativo<br />

e não tem um correspondente em português, por isso é deixada sem tradução. Talvez<br />

poderíamos traduzir como “Separem-me agora” (Cf. LENSKI, op. cit., p. 495).<br />

28<br />

Perfeito, médio, indicativo de proskale,w = chamar, chamar para seu serviço. De acordo<br />

com Voelz, o perfeito tem o seu foco no resultado e por isso ele diz dos verbos no perfeito:<br />

“O seu foco está na situação atual, a situação presente de uma ação passada. É importante<br />

notar que as formas do “perfeito” não dizem que uma ação passada ainda está acontecendo”<br />

(VOELZ, op. cit., p. 168 e 172).<br />

29<br />

Particípio, aoristo, ativo, nominativo, plural, masculino de nhsteu,w = jejuar.<br />

30<br />

Particípio, aoristo, médio/passivo, nominativo, plural, masculino de proseu,comai = orar.<br />

31<br />

Particípio, aoristo, ativo, nominativo, masculino, plural de evpiti,qhmi = colocar sobre, impor.<br />

“A imposição de mãos aqui expressa a comunhão com os dois e o reconhecimento da chamada<br />

divina (Bruce)” (RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave Linguística do Novo Testamento<br />

Grego. São Paulo: Vida Nova, 2003, p. 214.)<br />

31<br />

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Igreja Luterana<br />

O CONTEXTO DA PERÍCOPE<br />

Para se entender esta perícope, é necessário que se volte até o capítulo<br />

8, que narra o que sucedeu após o assassinato de Estêvão pelas autoridades<br />

judaicas. No versículo 5 narra-se que uma perseguição aconteceu<br />

contra os crentes e obrigou-os a fugir para diferentes regiões. O texto de<br />

Atos 11.19 retoma aquele momento e relata o que aconteceu aos crentes<br />

de outro ponto de vista. De 8.5 até 11.18 narra-se a perseguição chefiada<br />

por Paulo à Igreja, depois a sua conversão e o ministério de Pedro entre<br />

os gentios. Em Atos 11.19 se introduz o que estava acontecendo na região<br />

da Síria, mais especificamente em Antioquia, e como o evangelho estava<br />

fazendo o seu caminho tanto entre os judeus quanto especialmente entre<br />

os gentios. O capítulo 12 é um interlúdio na narrativa da igreja de Antioquia,<br />

que é retomada no capítulo 13, com a escolha de Barnabé e Saulo<br />

para a obra que o Espírito Santo os chamara e suas posteriores atividades<br />

como missionários daquela igreja local. Assim, Paulo parte em suas três<br />

viagens missionárias, contudo sempre surgiram dificuldades (13.4-14.28;<br />

15.36-20.38). Uma das maiores delas foi resolvida no Concílio de Jerusalém<br />

(15.1-35).<br />

O TEXTO<br />

O texto se conecta diretamente com a morte de Estevão e a posterior<br />

perseguição que se seguiu. As palavras oi` me.n ou=n remetem a Atos 8.4, onde<br />

se menciona a dispersão dos discípulos 32 . Similar construção se acha em 9.31,<br />

onde se introduz a experiência que Pedro teve entre gentios. A tribulação<br />

(qli/yij) se refere à perseguição (diwgmo.j) mencionada em 8.1 33 . Johannes<br />

Rottmann sugere que eles foram “semeados” pela perseguição. Isso faz<br />

parte da expansão do Evangelho 34 . Esses judeus seguidores de Cristo foram<br />

obrigados a deixar Jerusalém e foram até Chipre, Fenícia e Antioquia. Chipre<br />

é uma ilha a oeste da Palestina, com uma população judaica considerável. O<br />

próprio Barnabé vem a ser de lá (At 4.36). Fenícia era uma estreita faixa de<br />

terra com 24 quilômetros de largura e 192 quilômetros de comprimento ao<br />

norte da Galiléia que abrangia as cidades de Tiro e Sidom.<br />

A cidade de Antioquia era um grande centro comercial da época e<br />

era a terceira maior cidade do império, ficando somente atrás de Roma e<br />

Alexandria. A sua população era estimada em torno de meio milhão de pes-<br />

32<br />

NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A. A Translator’s Handbook on the Acts of the Apostles.<br />

Londres: United Bible Societies, 1972. p. 226.<br />

33<br />

BRUCE, op. cit., 1984. p. 235.<br />

34<br />

ROTTMANN, Johannes; SCHOLZ, Vilson. Atos dos Apóstolos: Atos 6.1 – 17.15. V. 2. Porto<br />

Alegre: Concórdia, 1997. p. 68.<br />

32<br />

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Missão urbana e a igreja de antioquia em atos<br />

soas 35 . Os judeus que foram para estas localidades anunciavam a “palavra”,<br />

isto é, a mensagem do evangelho somente a judeus. Lenski ressalta que<br />

isso não aconteceu somente por causa de uma dificuldade linguística que<br />

poderia ter ocorrido entre judeus da Palestina, de fala aramaica, e judeus<br />

helenistas e/ou gentios, de fala grega. A língua grega era conhecida por<br />

todos e mesmo Pedro, um pescador da Galiléia, a falava 36 .<br />

Contudo, alguns judeus de Chipre e Cirene foram até Antioquia e anunciaram<br />

a mensagem para os Helenistas. Os comentaristas não concordam<br />

que este termo Helenistas (E~Ellhnista.j) refira-se a judeus helenistas,<br />

como usado anteriormente no livro de Atos (6.1; 9.29). Defendem que<br />

o termo certo seja {Ellhnaj (gregos), tendo em vista o contexto da<br />

passagem: no versículo 19 só falavam a judeus (VIoudai,oij), já no 20<br />

começam a fazer uma coisa nova (reparar no verbo no imperfeito com a<br />

idéia de começar alguma coisa), falar para um grupo diferente de pessoas.<br />

Não faria sentido este grupo de pessoas serem judeus helenistas,<br />

sendo que os próprios discípulos que vieram de Chipre e Cirene o eram 37 .<br />

Ainda para sustentar tal interpretação, não anunciavam Jesus, o Cristo,<br />

mas sim Jesus, o Senhor (to.n ku,rion VIhsou/n). Falar do Messias para<br />

não judeus não teria muito sentido, assim como não falar que Jesus era<br />

o Cristo, caso estes fossem judeus helenistas, seria uma falha enorme no<br />

comunicar o evangelho 38 . Ainda é dito que a mão do Senhor estava com<br />

eles e muitos se converteram. A expressão “mão do Senhor” (hwhy-dy) é<br />

muito comum no Antigo Testamento e refere-se ao seu poder 39 . A mão<br />

do Senhor busca e protege os seus.<br />

A Igreja em Jerusalém ficou sabendo do progresso do evangelho em<br />

Antioquia e resolveu comissionar Barnabé para ir até lá. É importante<br />

reparar que Barnabé foi enviado oficialmente (evxaposte,llw) pela igreja<br />

de Jerusalém, enquanto que os judeus que desceram até Antioquia no<br />

capítulo 15 e provocaram dissensão não o foram. Mais interessante ainda<br />

é notar o resultado disso. Enquanto estes provocaram dissensão, Barnabé<br />

alegrou-se em ver a graça de Deus e exortou-os a permanecer firmes de<br />

coração no Senhor, sendo então muita gente adicionada ao número dos<br />

35<br />

LENSKI, op. cit., p. 1285. Comblin estima que a população judaica perfazia 10% da população<br />

de Antioquia. Assim, haveria mais judeus naquela cidade do que em Jerusalém! Cf. COMBLIN,<br />

José. Atos dos Apóstolos. V. 1, p. 1-12. Petrópolis, São Bernardo do Campo e São Leopoldo:<br />

Vozes, Imprensa Metodista e Sinodal, 1988. p. 203. Smith defende que havia uma população<br />

de 800.000 em Antioquia. Cf. SMITH, op. cit., p. 195.<br />

36<br />

LENSKI, op. cit., p. 448.<br />

37<br />

LENSKI, op. cit., p. 449; NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A. A Translator’s Handbook on<br />

the Acts of the Apostles. Londres: United Bible Societies. p. 226-7; ROTTMANN, J.; SCHOLZ,<br />

op. cit., p. 466-7. Para uma análise levando em conta os diferentes manuscritos e suas opções<br />

ver BRUCE, op. cit., p. 235-6.<br />

38<br />

BRUCE, op. cit., p. 236; NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A. A Translator’s Handbook on the<br />

Acts of the Apostles. Londres: United Bible Societies, 1972. p. 227; SMITH, op. cit., p. 181.<br />

39<br />

BRUCE, op. cit., p. 236.<br />

33<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 33 8/4/2010 18:42:08


Igreja Luterana<br />

discípulos. O curioso fato da Igreja de Jerusalém ter enviado Barnabé só<br />

pode ser explicado devido à ausência dos apóstolos de Jerusalém. Além<br />

disso, ele era cipriota, o que o ajudaria a se entender com os judeus que<br />

pregavam entre os gentios, visto parte deles também ser cipriota 40 .<br />

Há um jogo de palavras entre ver a graça (ca,rin) e alegrar-se (evca,rh)<br />

aqui. Ele se alegrou naquilo que era o motivo do sucesso do evangelho em<br />

Antioquia, a saber, a graça de Deus. O sucesso do evangelho não depende<br />

da capacidade humana, mas da graça de Deus. O filho da exortação<br />

faz o que lhe é próprio e exorta os crentes a permanecer no Senhor com<br />

propósito de coração. É surpreendente que um levita 41 exorte crentes para<br />

que façam apenas isso e não exorta à prática de nenhuma lei cerimonial<br />

ou observância da lei moral. Mais surpreendente é que depois, no capítulo<br />

15, homens que desceram da Judéia fizeram exatamente isso, sendo que<br />

um levita não o fez! Lucas explica porque isso era assim: “porque ele era<br />

um homem bom, cheio do Espírito Santo e fé” (v. 24). Barnabé é o único a<br />

ser chamado de bom em todo o livro de Atos 42 . Não há como não ser bom<br />

(avgaqo,j) tendo-se estes dois: fé em Jesus e o Espírito Santo, que leva o<br />

cristão a viver e testemunhar esta fé!<br />

Barnabé parte em busca de Saulo para que este o auxilie no trabalho<br />

em Antioquia. Tinha sido ele quem apresentara Saulo aos apóstolos em<br />

Jerusalém enquanto todos os demais não o quiseram fazer (At 9. 26-27).<br />

Provavelmente foi atrás dele por ser um profundo conhecedor das Escrituras,<br />

visto ter sido ensinado por Gamaliel (At 22.3) e o que aqueles cristãos<br />

gentios de Antioquia precisavam era de muita instrução na Palavra de Deus.<br />

Diante dos cristãos judeus, eles tinham a desvantagem de não conhecerem<br />

tão bem as Escrituras. Como W. Franzmann assinala, bastante instrução<br />

nas verdades das Escrituras era necessária em Antioquia, visto que muitos<br />

dos novos convertidos vinham de um ambiente pagão. Enquanto que<br />

os judeus convertidos tinham um bom conhecimento das Escrituras, os<br />

gregos pagãos não tinham nenhum. Nisso vemos que Paulo e Barnabé<br />

não estavam interessados em apenas adicionar números à congregação,<br />

mas queriam que os seus membros estivessem bem fundamentados na<br />

fé, para que pudessem permanecer fiéis ao seu Salvador e também para<br />

que testemunhassem dele para os outros. 43<br />

40<br />

LENSKI, op. cit., p. 452. Para ele, Barnabé foi a primeira opção da Igreja de Jerusalém logo<br />

depois dos apóstolos, já que estes estavam ausentes: “A Igreja não dirigia os apóstolos; os<br />

apóstolos sempre direcionavam a igreja, e a igreja sempre olhava para eles em busca de<br />

liderança para ela.” Também NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A. A Translator’s Handbook<br />

on the Acts of the Apostles. Londres: United Bible Societies, 1972. p. 227: “Barnabé agora<br />

compartilha do mesmo papel que Pedro e João tiveram em Samaria”.<br />

41<br />

Atos 4.36.<br />

42<br />

SMITH, op. cit., p. 182.<br />

43<br />

FRANZMANN, Werner H. Bible History Commentary: New Testament. Vol. 2. Milwaukee:<br />

WELS Board for Parish Education, 1989. p. 1287-8.<br />

34<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 34 8/4/2010 18:42:08


Missão urbana e a igreja de antioquia em atos<br />

Provavelmente o seu reunir e ensinar constantes chamaram a atenção<br />

das pessoas ao redor e serviram de testemunho, ao ponto de receberem<br />

um apelido: Cristiano,j. Há ainda a variante Crhstiano,j, que até é<br />

mencionada nos escritos de Tácito e parece ser derivada do termo crhsto,j,<br />

que significa gentil ou fácil 44 . O que é intrigante é a terminação latina<br />

desse termo. Smith sugere que este foi um título inventado por soldados<br />

romanos que lá viviam e que, ao formularem tal termo, valeram-se de<br />

sua língua materna 45 . Este termo só aparece mais duas vezes na Bíblia<br />

(At 26.28 e 1 Pe 4.16) e no livro de Atos nunca os próprios cristãos se<br />

tratavam por tal título. Vale também ressaltar que, além da comunidade<br />

original de Jerusalém, Antioquia é a primeira comunidade a ser assim<br />

chamada 46 . Isto parece indicar que o evangelho vai traçando o seu caminho<br />

entre os cristãos gentios, que são tratados com igualdade diante<br />

dos cristãos judeus.<br />

Depois disso são introduzidos na história profetas que vêm de Jerusalém,<br />

dos quais somente o nome de um é mencionado: Ágabo. Este<br />

mesmo personagem vem a ser mencionado novamente em At 21.10, ao<br />

profetizar a respeito do aprisionamento de Paulo. Em o Novo Testamento<br />

profetas não têm tanta proeminência quanto no Antigo. Lenski entende<br />

que eram “homens de menor importância, nós poderíamos chamá-los de<br />

mestres cristãos a quem o Espírito em certos momentos fazia comunicações<br />

diretas especiais de apenas pouca importância” 47 . É dito que ele<br />

comunicava a mensagem. O verbo está no imperfeito e carrega uma idéia<br />

de ação repetida e o próprio verbo traz a idéia de que ele utilizava alguma<br />

ação simbólica 48 .<br />

Aconteceram diversas fomes sob o reinado de Cláudio, que reinou<br />

de janeiro de 41 até outubro de 54, não atingindo de uma só vez todo o<br />

império. Na Palestina, a situação ficou difícil em torno de 46 49 . Em vista<br />

disto, os cristãos de Antioquia decidiram em conjunto que cada um individualmente<br />

ofertaria para auxílio dos cristãos em Jerusalém, um ato de<br />

amor para com a Igreja-mãe. O termo serviço (diakoni,a) nos faz lembrar<br />

Atos 6.1, onde esse auxílio aos irmãos era tão importante que os apóstolos<br />

necessitaram escolher sete auxiliares, entre eles Estevão que, indiretamente,<br />

foi responsável pela evangelização em Antioquia. Seu testemunho<br />

provocou a perseguição e levou cristãos de Jerusalém até Antioquia.<br />

44<br />

LENSKI, op. cit., p. 458; BRUCE, op. cit., p. 238. DANKER, op. cit., p. 1090.<br />

45<br />

SMITH, op. cit., p. 183<br />

46<br />

BRUCE, op. cit., p. 238.<br />

47<br />

LENSKI, op. cit., p. 459.<br />

48<br />

Ibidem, p. 460. Dessa forma ele comunicou a sua outra mensagem a Paulo em Atos 21.10,<br />

utilizando-se de um cinto.<br />

49<br />

Ibidem, p. 460. BRUCE, op. cit., p. 239: “não houve apenas uma fome que atingiu todo o<br />

Império sob Cláudio; o seu reino, porém, foi marcado por assiduae sterilitates”<br />

35<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 35 8/4/2010 18:42:08


Igreja Luterana<br />

Barnabé e Saulo foram encarregados de levar este auxílio a Jerusalém<br />

e o entregar aos presbíteros de lá. É a primeira menção a pessoas de tal<br />

cargo no Novo Testamento e é intrigante o fato de que os apóstolos não<br />

estão em Jerusalém. Provavelmente estavam em atividade missionária e<br />

deixaram anciãos tomando conta da congregação 50 .<br />

O capítulo 13 de Atos inicia uma nova seção do livro. Lucas, a partir<br />

daqui, não está mais tão interessado na divulgação do evangelho na Palestina,<br />

mas se volta para narrar a difusão do evangelho entre os gentios,<br />

através de Saulo e Barnabé, representantes legítimos da igreja de Antioquia<br />

da Síria 51 . No versículo 1, mais uma lista de nomes é dada, a saber, a dos<br />

cinco profetas e mestres de Antioquia 52 . Entre estes cinco estão Barnabé<br />

e Saulo, que são escolhidos pelo Espírito Santo para irem aos gentios 53 .<br />

Estão de volta a Antioquia depois da viagem de auxílio a Jerusalém, onde<br />

entregaram os donativos dos cristãos de Antioquia aos presbíteros de<br />

Jerusalém (cf. At 11.25). O versículo 2 diz que estavam adorando, o que<br />

muito provavelmente se refere a toda a igreja de Antioquia e não somente<br />

aos cinco mencionados no versículo 1 54 .<br />

Contudo, o mais interessante neste trecho é que é o Espírito Santo<br />

quem separa e chama aqueles quem lhe apraz. O autor não é específico<br />

à maneira como o Espírito Santo o faz. Pode ter sido por meio de uns dos<br />

profetas 55 . A Igreja de Antioquia reconhece tal decisão e no versículo 3<br />

três verbos resumem tudo o que fizeram: oraram, jejuaram e impuseram<br />

as mãos 56 ; então os despediram. Digno de nota é que mesmo sendo<br />

50<br />

NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A. A Translator’s Handbook on the Acts of the Apostles.<br />

Londres: United Bible Societies, 1972. p. 230. Lenski aponta que podemos chamá-los pastores<br />

e que por vezes os próprios apóstolos chamavam a si mesmos de anciãos (1 Pe 5.1; 2 Jo 1; 3<br />

Jo 1). Cf. LENSKI, op. cit., p. 462-3.<br />

51<br />

NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A. op. cit., p. 243; FRANZMANN, W., op. cit., p. 1300.<br />

52<br />

BRUCE, op. cit., p. 252 entende profetas e mestres como dois grupos distintos, bem como<br />

NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A., op. cit., p. 244. Lenski e Franzmann, contudo, defendem<br />

que não é necessário fazer uma distinção de dois grupos, mas que ambos os termos se<br />

referem a cada um deles. De acordo com LENSKI, op. cit., p. 492: “‘Profetas e mestres’, assim,<br />

significam o mesmo: homens que entendem profundamente a Palavra e que são, ao mesmo<br />

tempo, aptos para ensiná-la a outros.”<br />

53<br />

Dos outros três pouco se sabe. Simeão é chamado de Negro, e este título latino parece indicar<br />

que era originário da África. Entretanto, não parece certo identificá-lo com aquele que carregou<br />

a cruz de Cristo (Lc 23.26). Lúcio dificilmente pode ser identificado com aquele mencionado<br />

em Rm 16.21 e mais difícil ainda seria identificar ele como o próprio Lucas. Quanto a Menaém,<br />

ele foi criado junto com Herodes na corte, sendo assim de nobre estirpe. Cf. LENSKI, op. cit.,<br />

p. 492-3; BRUCE, op. cit., p. 252-3; NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A., op. cit., p. 244;<br />

SMITH, op. cit., p. 198.<br />

54<br />

LENSKI, op. cit., p. 494-5; BRUCE, op. cit., p. 253; NEWMAN, Barclay M; NIDA, Eugene A.,<br />

op. cit., p. 244; SMITH, op. cit., p. 198-9; FRANZMANN, W., op. cit., p. 1301.<br />

55<br />

LENSKI, op. cit., p. 495; SMITH, Robert H., op. cit., p. 198-9.<br />

56<br />

LENSKI, op. cit., p. 496 aponta que eles não foram ordenados ali. Eles já eram apóstolos e<br />

profetas. Com a imposição das mãos, eles foram separados à obra para a qual o Espírito os<br />

escolhera. CALVIN, John. Commentary upon the Acts of the Apostles. Vol. 1. Grand Rapids:<br />

Eerdmans Publishing Company, 1949. p. 503 defende que isto foi uma espécie de consagração<br />

36<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 36 8/4/2010 18:42:08


Missão urbana e a igreja de antioquia em atos<br />

Paulo e Barnabé missionários da Igreja de Antioquia, fato reconhecido<br />

pela imposição de mãos, não foi aquela igreja que os enviou, em última<br />

instância, mas o Espírito Santo. Ele chamou e ele envia. A igreja de Antioquia<br />

só pode reconhecer a decisão do Espírito e liberá-los para a obra<br />

para a qual ele chama 57 .<br />

Missão Urbana e a Igreja em Antioquia:<br />

possíveis caminhos para hoje<br />

Os textos de Atos 11.19-31 e 13.1-3 apresentam a ação missionária<br />

de uma igreja vigorosa. Isto se pode ver ao analisar-se o texto e reparar<br />

que as áreas de atuação dessa igreja estão bem desenvolvidas. O testemunho<br />

daqueles cristãos ajudou a trazer muitos membros para a igreja<br />

de Antioquia da Síria, primeiro judeus e depois gentios, estes através do<br />

testemunho dos que vieram de Chipre e Cirene. Essa igreja recebeu o<br />

reconhecimento da igreja de Jerusalém, que enviou Barnabé como seu representante<br />

oficial para conferir o que estava acontecendo lá. Barnabé, por<br />

sua vez, procurou edificar e fortalecer a congregação através de comunhão<br />

e de ensino. Neste empreendimento assessorou-se de Saulo, trazendo-o<br />

para Antioquia. Por um ano instruíram a igreja (At 11.26). Ao saberem da<br />

fome em Jerusalém, organizaram-se para enviar auxílio para os cristãos<br />

de lá. O serviço social daquela congregação estava funcionando.<br />

No começo do capítulo 13 informa-se que há mestres e profetas na<br />

igreja de Antioquia e, durante um momento de adoração junto com a<br />

congregação, o Espírito Santo comunica sua decisão à igreja. Não poderia<br />

ser outra a atitude da congregação do que enviar a Barnabé e Saulo para<br />

a missão. Assim, a igreja mista de Antioquia, formada pelo testemunho<br />

dado a judeus e gentios, envia seus representantes para a missão e se<br />

torna o “centro das operações missionárias da igreja cristã no primeiro<br />

século.” 58<br />

O testemunho daqueles que foram espalhados<br />

Em Atos 11.20 vemos que os que eram de Cirene e Chipre vieram a<br />

Antioquia “proclamando o senhor Jesus” (euvaggelizo,menoi to.n ku,rion<br />

para esta obra específica escolhida pelo Espírito. SMITH, op. cit., p. 199 advoga que, com a<br />

imposição das mãos, eles foram instituídos como “os representantes autorizados da igreja de<br />

Antioquia, bem como os emissários de Deus. No Judaísmo se dizia que a autoridade do emissário<br />

de um homem é a mesma que a do próprio homem, e Lucas viu evidentemente a igreja<br />

de Antioquia dessa forma expressando solidamente a sua própria preocupação e espírito em<br />

Barnabé e Saulo”.<br />

57<br />

LENSKI, op. cit., p. 494-6.<br />

58<br />

LÜDKE, Reinaldo. Barnabé: Estudo em At 11.19-31; 13.1-3 sob o tema “Barnabé, a formação<br />

de uma igreja missionária”. Vox Concordiana, v. 15, n. 1, 2000. p. 60.<br />

37<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 37 8/4/2010 18:42:08


Igreja Luterana<br />

VIhsou/n). O verbo aqui utilizado é bem específico e refere-se a “anunciar<br />

as boas novas, proclamar o evangelho”. 59 Ele aparece 72 vezes no Novo<br />

Testamento e 25 vezes em Lucas-Atos. 60 Michael Green ressalta que enquanto<br />

Marcos utiliza mais o substantivo neutro euvagge,lion, Lucas, no seu<br />

evangelho e em Atos, utiliza mais o verbo euaggeli,zomaii. O substantivo<br />

era mais facilmente entendido pelas pessoas do império, enquanto que o<br />

verbo tinha correlação com o hebraico, sendo apreendido com facilidade<br />

pelos judeus. 61 Duas coisas chamam a atenção aqui. Uma é o caráter laico<br />

das pessoas que vieram e proclamaram as boas novas da salvação. Não<br />

é dito que eram missionários enviados por alguém ou que tinham algum<br />

ofício em alguma igreja. 62 Eles eram simplesmente aqueles que foram<br />

espalhados por causa da perseguição que se seguiu à morte de Estêvão<br />

(At 11.19). O outro aspecto é que o testemunho deles ocorria num contexto<br />

de missão urbana. Antioquia, como dito acima, era a terceira maior<br />

cidade do Império Romano, e ponto de contato entre a civilização grega e<br />

a oriental, ponto de encontro das culturas grega, romana e judaica. 63<br />

A importância dos leigos na obra missionária de Antioquia é evidente<br />

nestas perícopes. Lüdke aponta para isso ao dizer que “Certamente a igreja<br />

de Antioquia foi fundada por um missionário desconhecido, provavelmente<br />

por um leigo. Várias igrejas dos primeiros séculos foram fundadas por<br />

cristãos, cujos nomes nunca foram registrados nos livros da história.” 64<br />

Tais cristãos que deram o seu testemunho em Antioquia muito provavelmente<br />

fizeram isso no seu dia a dia, nos lugares onde se encontravam.<br />

59<br />

BAUER, Walter et al. A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian<br />

Literature. Chicago: The University of Chicago Press, 2000. p. 402. LOUW, J. e NIDA, E..<br />

Greek-English Lexicon of the New Testament Based on Semantic Domains. 2a ed. Vol 1. New<br />

York: United Bible Societies, 1989. p. 412. Essas boas novas no Novo Testamento são uma<br />

referência específica à mensagem do evangelho sobre Jesus.<br />

60<br />

BECKER, U.. Evangelho, Evangelizar, Evangelista: euvagge,lion. In: BROWN, C.; COENEN,<br />

L.. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. 2a ed. Vol 1. São Paulo: Vida<br />

Nova, 2000. p. 760.<br />

61<br />

GREEN, Michael. Evangelização na Igreja Primitiva. 2ª ed. São Paulo: Edições Vida Nova,<br />

1989. p. 59-60, 64-65. O verbo euaggeli,zomaii é utilizado pela Septuaginta e é o correspondente<br />

para a raiz hebraica rfb, que significa “trazer boas notícias”, que é bastante utilizada<br />

por Isaías, como por exemplo em 40.9, 60.6 e 61.1 (cf. BROWN, F.; DRIVER, S; BRIGGS, C.<br />

The BROWN-DRIVER-BRIGGS Hebrew and English Lexicon. 9ª reimpressão, 2005. p. 142). Na<br />

Septuaginta, o termo é utilizado para “proclamar a vitória universal de Javé sobre o mundo, o<br />

Seu reino soberano.” (BROWN, C.; COENEN, L.. op.cit., p. 759).<br />

62<br />

GREEN, op. cit, p. 213-5. Trabalho evangelístico de leigos, tanto homens quanto mulheres.<br />

63<br />

Ibidem, p. 139. Ele ainda ressalta que escavações arqueológicas feitas pelo professor Downey<br />

comprovam o baixo padrão moral da cidade, através dos grandes mosaicos encontrados com<br />

seus muitos deuses e o seu comportamento moral lascivo. Assim, é possível ver Zeus e seus<br />

amores com as mulheres, orgias em honra a Baco. Um grupo de flores retrata o culto à Ísis.<br />

Até a influência estóica é sentida, vista em túmulos com pares de animais hostis, como o leão<br />

e o boi, juntos, tendo inscrito neles a palavra “amizade” e virtudes estóicas como a amerimnia<br />

(liberdade das preocupações) e megalopsychia (estar acima do destino).<br />

64<br />

LÜDKE, op. cit., p. 61.<br />

38<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 38 8/4/2010 18:42:09


Missão urbana e a igreja de antioquia em atos<br />

De acordo com o apóstolo Pedro, eles estavam em suas vocações quando<br />

deram o seu testemunho, cumprindo com sua função sacerdotal (1 Pe<br />

2.9-10). Richard Carter expõe que serviço na vocação cristã se expressa<br />

em 4 áreas: “Serviço ao próximo pode ser descrito em termos de quatro<br />

estruturas: lar, trabalho, comunidade e congregação.” 65 Pode parecer<br />

muito simples falar-se simplesmente de vocação. Contudo Carter protesta<br />

contra isso: “Há uma tentação, eu acho, de desconsiderar vocação.<br />

Isso só nos traz prejuízos. Desconsiderar vocação é, no mínimo, ignorar<br />

o fato de que é na vida comum, em nossos contatos com o próximo, que<br />

temos a oportunidade para o testemunho, para falar sobre a nossa fé de<br />

um jeito que Deus pode usar para salvar alguém. Mais ainda, vocação é<br />

uma confissão de nossa fé, a visão cristã do trabalho de Deus em todas<br />

as pessoas.” 66<br />

Em 1800, apenas cinco por cento da população mundial era urbana.<br />

Em 1900, este número aumentou para quatorze por cento. Em 1980, a<br />

população urbana constituía quarenta por cento da população mundial e<br />

em 2000 metade do mundo era urbano. Previsões apontam que em 2050<br />

setenta e nove por cento da população mundial será urbana e dois terços<br />

da população mundial viverão em áreas urbanas do Terceiro Mundo, onde<br />

a maioria da pobreza se concentra. 67 Assim, diferentemente do tempo<br />

do apóstolo Paulo, “hoje, missões urbanas têm se tornado um fim em si<br />

mesmo.” 68 Não se faz missões urbanas com o intuito de se alcançar os que<br />

vivem no interior, mas porque a cidade é esse organismo vivo que cada<br />

vez tem menos contato com a realidade interiorana.<br />

O mundo romano era basicamente cosmopolita e integrado. O sistema<br />

de rodovias ligava o império e eram tão boas que até hoje são utilizadas.<br />

Havia grandes cidades, como Roma, Alexandria, Antioquia, Éfeso e Atenas.<br />

Havia uma língua comum, comercial, o grego. O mar Mediterrâneo<br />

era dominado pelos romanos e viagens marítimas tornavam-se cada vez<br />

mais comuns e o comércio florescia 69 .<br />

A Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) começou neste país basicamente<br />

como uma igreja de imigrantes alemães 70 . Até hoje verificam-se<br />

65<br />

CARTER, Richard, What do the Simple Folk do: a Lutheran Doctrine of Vocation as Mission<br />

Work. Missio Apostolica, Saint Louis, v. 14, n. 1, maio 2006. p. 52.<br />

66<br />

Ibidem. p. 56.<br />

67<br />

GREENWAY, Roger; MONSMA, Timothy. Cities: Mission’s New Frontier. 2a ed. Grand Rapids:<br />

Baker Books, 2000. p. 67.<br />

68<br />

SCHULZ, Klaus Detlev. Propostas para a Ação em Missões Urbanas. Vox Concordiana, São<br />

Paulo, v. 16, n. 2, 2001, p. 74.<br />

69<br />

PUSKAS, Charles B. An Introduction to the New Testament. Peabody: Hendrickon, 1989.<br />

p. 28-9.<br />

70<br />

Steyer ressalta que, na verdade, o Sínodo de Missouri (atual The Lutheran Church-Missouri<br />

Synod) não enviou missionários para o Brasil, mas sim pastores para arrebanhar os luteranos<br />

dispersos pelo país (STEYER, Walter. Os imigrantes alemães no Rio Grande do Sul e o Lutera-<br />

39<br />

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Igreja Luterana<br />

resquícios dessa história. Lüdke critica esse aspecto ao dizer que a IELB não<br />

tem vivência nos grandes centros urbanos, visto que suas congregações<br />

nas cidades surgiram para reunir os migrantes provenientes da zona rural.<br />

Na verdade, o que aconteceu foi que a igreja da zona rural transportou-se<br />

para as cidades, especialmente nas regiões sul, sudeste e centro-oeste do<br />

Brasil. Por causa disso, não nos preocupamos muito em compreender as<br />

cidades, organizando-nos de tal forma a ficarmos, muitas vezes, alheios<br />

aos anseios, preocupações e necessidades dos centros urbanos. 71<br />

A edificação e o fortalecimento da igreja: comunhão e ensino<br />

A notícia do que estava acontecendo em Antioquia chegou até Jerusalém<br />

e a igreja daquela cidade mandou Barnabé como seu delegado<br />

para conferir tudo por lá. Barnabé alegrou-se muito com tudo o que viu e<br />

exortou a todos para que continuassem firmes na fé (At 11.22-24). Contudo,<br />

a reação de Barnabé não constituiu-se apenas de entusiasmo, mas<br />

ele logo procurou edificar aquela igreja por meio do ensinar (dida,skw) e<br />

do reunir-se em comunhão (suna,gw).<br />

Dida,skw é um verbo muito comum, tanto na Septuaginta quanto<br />

no Novo Testamento. Naquela aparece cerca de 100 vezes e geralmente<br />

traduz a raiz hebraica dml, mas às vezes também o hiphil de [dy e hry.<br />

Neste ela aparece 95 vezes, sendo 16 vezes em Atos. 72 Em muitos textos<br />

de Atos, também nos aqui estudados, “o fundo histórico destas passagens<br />

é a mensagem da salvação de após a ressurreição (cf. At 1:1; 4.18; 5.21;<br />

25, 28, 42; 11.26; 15.1, 35; 20.20), e é, portanto, a salvação conforme<br />

ela é entendida pela igreja de após a ressurreição, que forma a matéria de<br />

didasko em Atos.” 73 Suna,gw aparece na Septuaginta cerca de 350 vezes<br />

e refere-se a reunir, ajuntar frutos, animais, coisas ou pessoas. Traduz<br />

a raiz hebraica @sa e em poucas situações #bq. Em o Novo Testamento,<br />

o verbo suna,gw ocorre 59 vezes, sendo que, dessas, 11 vezes em Atos.<br />

Enquanto em outros livros (Mt, Lc, Jo,) pode referir-se a coisas e pessoas,<br />

em Atos refere-se somente a pessoas, especialmente à Igreja. 74<br />

Com certeza, por meio do ensino e comunhão foram formados líderes,<br />

como os mencionados no capítulo 13 do livro de Atos. Vale frisar também<br />

nismo. Porto Alegre: Singulart, 1999. p. 24). Ele também menciona que um dos requisitos para<br />

pedir filiação como Sínodo à igreja americana envolvia o uso exclusivo do alemão nas reuniões<br />

sinodais (p.112). Rehfeldt menciona também o caráter germânico do trabalho missionário da<br />

IELB no período entre 1900 e 1950 (REHFELDT, Mário. Um Grão de Mostarda: a História da<br />

Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Vol. 1. Porto Alegre: Concórdia, 2003. p. 173).<br />

71<br />

LÜDKE, op. cit., p. 25.<br />

72<br />

WEGENAST, K.. Ensinar, Instruir, Tradição, Educação, Disciplina: dida,skw. In: BROWN, C.;<br />

COENEN, L.. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Vol 1. São Paulo: Vida<br />

Nova, 2000. p. 634-5.<br />

73<br />

Ibidem, p. 638.<br />

74<br />

WEGENAST, op. cit., p. 2110-11.<br />

40<br />

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Missão urbana e a igreja de antioquia em atos<br />

que o ensino de Barnabé e Saulo durou um ano inteiro em Antioquia.<br />

Barnabé organizou a igreja de Antioquia e instruiu os seus convertidos,<br />

pois reconheceu que eles precisavam naquele momento de estímulo<br />

para permanecerem na fé, bem como instrução e orientação sobre o<br />

rumo que deviam tomar. Além disso, ele reconheceu sua incapacidade<br />

de instruir a todo o povo sozinho, por isso foi em busca de Saulo em<br />

Tarso, visto ser ele um jovem convertido do farisaísmo a quem o próprio<br />

Barnabé apresentara aos apóstolos em Jerusalém (At 9. 27). Esta atitude<br />

de Barnabé, de pedir a ajuda de Paulo para auxiliar na educação cristã<br />

dos novos convertidos, foi de grande importância para a consolidação<br />

da igreja de Antioquia. 75<br />

Herbert Hoefer assinala que a escolha de Paulo deu-se por ele ser uma<br />

pessoa confortável em lidar tanto com judeus quanto com gregos: “Barnabé<br />

sabia o que este trabalho requeria. Ele tinha visto isto em Saulo. Ele tinha<br />

visto Saulo habilmente defender a fé tanto diante de judeus quanto diante<br />

de gregos. Barnabé sabia que Saulo teria a credibilidade e persuasão que<br />

ele nunca teria. Ele sabia que estes novos convertidos precisavam ter<br />

alguém do meio deles mesmos em quem poderiam se espelhar. Somente<br />

então eles acreditariam que poderiam liderar e promover a sua própria<br />

igreja e a missão para o seu próprio povo.” 76<br />

Os profetas e mestres da igreja de Antioquia, mencionados nos primeiros<br />

versículos de Atos 13, chamam a atenção por sua heterogeneidade.<br />

Barnabé era um judeu levita da ilha de Chipre, que vendera um campo<br />

que possuía e doou o dinheiro aos apóstolos em Jerusalém (At 4.36-37).<br />

Simeão era chamado de Niger, palavra latina e que, muito provavelmente,<br />

o identificava pela cor de sua pele, mostrando que a igreja antiga não<br />

tinha problemas raciais em sua liderança. Lúcio era de Cirene, no norte da<br />

África, e talvez também fosse negro. Talvez tenha até sido um daqueles<br />

que veio de Cirene e que pregaram o evangelho aos gregos de Antioquia<br />

(At 11.20). Menaém havia sido criado junto com Herodes, o tetrarca, e<br />

por isso era um homem da nobreza, acostumado a viver em palácios e<br />

no meio do luxo. Por fim, Saulo era um judeu nascido em Tarso da Cilícia,<br />

era cidadão romano por direito de nascimento (At 22.25) e havia sido<br />

instruído de acordo com o farisaísmo por Gamaliel, em Jerusalém (At<br />

22.3; 26.5). Assim, a liderança de Antioquia era formada por pessoas de<br />

diferentes cores de pele, posições sociais, condições financeiras e background<br />

religioso.<br />

O mais importante era o fato que estava se formando liderança local<br />

naquela igreja. Os profetas muito provavelmente eram encarregados de<br />

75<br />

LÜDKE, op. cit. p. 63.<br />

76<br />

HOEFER, Herbert, Principles of Cross-Cultural/Ethnic Ministry: The Stories of Barnabas and<br />

Paul and the Jerusalem Council. Missio Apostolica, Saint Louis, v. 14, n. 2, Nov.2005. p. 143.<br />

41<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 41 8/4/2010 18:42:09


Igreja Luterana<br />

proclamar a mensagem de salvação de Deus aos que não eram cristãos,<br />

enquanto que os mestres eram responsáveis pela instrução daqueles<br />

que já eram cristãos, através do ensino das Escrituras e da vida cristã 77 .<br />

Segundo Roger Greenway, “Em Antioquia, Paulo e Barnabé investiram o<br />

seu talento e energia no desenvolvimento de líderes locais, e os versículos<br />

iniciais do capítulo 13 indicam que, com a bênção de Deus, a estratégia<br />

foi bem sucedida” 78 .<br />

Os cristãos de Antioquia, especialmente os gregos, eram conversos de<br />

pouco tempo e precisavam de instrução para evitar a volta à prática de<br />

religiões idólatras. 79 Para isto, num contexto urbano, “nenhuma estratégia<br />

urbana hoje pode esperar produzir algum fruto a não ser que inclua uma<br />

profunda instrução nas Escrituras, vida cristã e discipulado”. 80 “Quando a<br />

igreja falha no ensino, ela também falhará na evangelização. [...] Não se<br />

pode esperar que nenhuma estratégia urbana de evangelização produza<br />

muito fruto, a não ser que ela inclua um programa eficiente de ensino das<br />

Escrituras, que vai influenciar o modo de vida dos cristãos”. 81<br />

Essa influência no modo de vida cristão precisa ser sentida especialmente<br />

no que se refere à mordomia cristã. Cristãos precisam de instrução<br />

com relação a como viver sua vida cristã de fé em serviço aos semelhantes,<br />

utilizando da melhor maneira os seus dons. Trazendo isso para um contexto<br />

luterano, é pertinente a crítica que James Tino faz quanto à prática<br />

congregacional luterana:<br />

42<br />

Como luteranos, tenemos que mejorar nuestra manera de comunicar<br />

a nuestros miembros el privilegio y la bendición de utilizar<br />

nuestros dones en servicio al Señor. El pastor luterano en la ciudad<br />

tiene que dejar de iniciar programas que nadie va a continuar, y<br />

enfocar sus esfuerzos en capacitar a la feligresía para emplear sus<br />

dones en servicio a su Dios. De esta manera, la iglesia puede crecer<br />

más allá del alcance finito de un solo hombre, y desarrollarse a la<br />

medida del cuerpo entero de Cristo. 82<br />

O serviço da igreja: auxílio aos irmãos de Jerusalém<br />

Outros profetas, provavelmente um tanto diferentes daqueles mencionados<br />

no capítulo 13 de Atos, vieram de Jerusalém e um deles, chamado<br />

77<br />

LÜDKE, op. cit., p. 65.<br />

78<br />

GREENWAY, Roger; MONSMA, Timothy, op. cit., p. 62-3.<br />

79<br />

LÜDKE, op. cit., p. 62.<br />

80<br />

GREENWAY, Roger; MONSMA, Timothy. op. cit., p. 60.<br />

81<br />

LÜDKE, op. cit., p. 64.<br />

82<br />

TINO, James. Los Desafíos que la Ciudad le Plantea a la Misión. Vox Concordiana, São Paulo,<br />

v. 16, n. 2, 2001. p. 33.<br />

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Missão urbana e a igreja de antioquia em atos<br />

Ágabo, predisse que uma fome sobreviria a todo o Império Romano. Diante<br />

disso, os cristãos de Antioquia decidiram organizar-se e mandar auxílio<br />

(diakoni,a) para os irmãos da Judéia. 83 Tal auxílio foi enviado pela igreja<br />

através de Saulo e Barnabé, que o repassaram aos presbíteros (At 11.27-<br />

30). O capítulo 12, versículo 25, ajuda a esclarecer que tais presbíteros<br />

eram muito provavelmente os de Jerusalém, pois é dito que os enviados<br />

de Antioquia de lá regressaram após a sua missão.<br />

Diakoni,a aparece na Septuaginta somente em casos sem importância.<br />

O termo dia,konoj aparece, mas referindo-se a servos da corte ou verdugos.<br />

O verbo diakone,w nem aparece. 84 Em o Novo Testamento, diakoni,a<br />

ocorre 34 vezes e significa “serviço à mesa” e é usado em At 11.29 “para<br />

o serviço amoroso mediante o levantamento de uma coleta”. 85<br />

A atitude da congregação de Antioquia levanta um tema muito discutido<br />

em missões: Qual é a tarefa missionária da Igreja? Pregar o evangelho<br />

ou auxiliar no melhoramento das condições sociais de seus membros e<br />

pessoas ao seu redor? Greenway é franco o suficiente para dizer que “De<br />

certa forma, todas as organizações cristãs de auxílio e desenvolvimento<br />

que são atuantes no mundo hoje tem a sua origem na igreja de Antioquia”.<br />

E, mais adiante, ele esclarece o possível motivo para tal atitude: “Obviamente<br />

os seus mestres os instruíram no preceito do Antigo Testamento,<br />

que dizia que entre o povo de Deus deveria haver um compartilhar mútuo<br />

e auxílio durante a pobreza. Eles aceitaram o preceito como a Palavra<br />

contemporânea e imutável de Deus para eles (Dt 15)”. 86<br />

A acelerada e descontrolada urbanização que ocorreu em todo o mundo<br />

no século passado, e continua ocorrendo ainda hoje, serviu para colocar<br />

mais à mostra a pobreza que não era tão visível em uma realidade rural.<br />

87 Exemplos crassos são as favelas nos morros do Rio de Janeiro. Não<br />

há como escondê-las. Basta levantar os seus olhos para o horizonte que<br />

você as verá!<br />

Os problemas urbanos são diversos e complicados. Harvie Conn defende<br />

que as necessidades sócio-econômicas estão na raiz deles e por<br />

trás deles estão as pressões sobre a família, tais como a instabilidade<br />

83<br />

Diakoni,a pode trazer o sentido de serviço, ministério, provisão e contribuição, sendo que<br />

no contexto do capítulo 11 de Atos estes dois últimos são os mais prováveis. Conforme LOUW,<br />

Johannes P..; NIDA, Eugene A.. Greek-English Lexicon of the New Testament Based on Semantic<br />

Domains. 2a ed. Vol 1. New York: United Bible Societies, 1989. p. 462: “um procedimento para<br />

tomar cuidado das necessidades de pessoas – ‘provisão para tomar cuidado de, preparativos<br />

para sustentar” e p. 571: “dinheiro dado para ajudar alguém em necessidade – contribuição,<br />

ajuda, sustento”.<br />

84<br />

HESS, K. Servir, Diácono, Adoração: diakone,w. BROWN, C.; COENEN, L.. Dicionário Internacional<br />

de Teologia do Novo Testamento. Vol 1. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 2342.<br />

85<br />

Idem, p. 2343.<br />

86<br />

GREENWAY, R.; MONSMA, T., op. cit., p. 60-1.<br />

87<br />

CONN, Harvie. Urban Mission. In: PHILLIPS, James (ed.). Toward the 21st Century in Christian<br />

Mission. Grand Rapids: Eerdmans, 1993. p. 324.<br />

43<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 43 8/4/2010 18:42:09


Igreja Luterana<br />

crescente do matrimônio, as batalhas financeiras na cidade que dificultam<br />

os relacionamentos humanos, a mudança de papel das mulheres, que deixaram<br />

de ser donas de casa do interior para se tornarem co-provedoras<br />

do lar e as famílias dividindo o seu tempo entre a cidade e as suas raízes<br />

do interior. Além disso, há menos rendimentos para ajudar a sustentar a<br />

família em geral, conflitos entre pais e filhos, visto o sistema de valores<br />

rurais dos pais serem desafiados pelos urbanos adotados pelos filhos, e<br />

também por novos modelos de sociabilidade, baseados não na família,<br />

mas na profissão”. 88<br />

Diante disso, é válido o alerta: “É difícil imaginar estratégias de<br />

evangelização da igreja nas grandes cidades, hoje, que não incluam o<br />

serviço e a assistência significativa às pessoas, em suas mais diferentes<br />

necessidades.” 89 Tino bate na mesma tecla ao dizer: “Aunque debemos<br />

evitar la tendecia de sustituir la proclamación del Evangelio por programas<br />

sociales, la iglesia urbana tiene que estar pendiente de alguna manera<br />

de las necesidades materiales de la gente” 90 . Conn diz, citando a Oitava<br />

Consulta Teológica da Associação Teológica da Ásia, reunida em 1987,<br />

que se reconhece que o ministério nas cidades exige uma compreensão<br />

clara e inteligente das complexidades dos nossos contextos econômicos,<br />

ambientais, sociais e culturais. Por isso, é necessário o compromisso de se<br />

identificar tanto com as conveniências e benefícios da vida urbana, quanto<br />

com as suas tristezas e sofrimentos, sendo também necessário anunciar<br />

o evangelho de Jesus Cristo de uma forma acurada e relevante. O evangelho<br />

precisa alcançar as regiões pobres, esquecidas e marginalizadas da<br />

população urbana, assim como as ricas, poderosas e confortáveis. 91<br />

Assim, a igreja de Antioquia mostra que ouvir e praticar a Palavra<br />

andam juntos: “Na teologia e na estratégia missionária da igreja de Antioquia,<br />

bem como no ministério de Paulo, no decorrer do primeiro século,<br />

o ensino da palavra e as obras cristãs não estavam separadas, nem eram<br />

administradas separadamente, por diferentes agências. Estavam integradas,<br />

tanto na igreja como na missão apostólica.” 92<br />

A Igreja adora o seu Senhor e<br />

é orientada pelo Espírito na missão<br />

Nos primeiros versículos do capítulo 13, informa-se que a igreja de<br />

Antioquia estava adorando o Senhor quando o Espírito Santo lhes falou<br />

88<br />

Ibidem, p. 324-5.<br />

89<br />

LÜDKE, op. cit., p. 65.<br />

90<br />

TINO, op. cit. p. 23<br />

91<br />

CONN, op. cit., p. 328.<br />

92<br />

LÜDKE, op. cit., p. 64-5.<br />

44<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 44 8/4/2010 18:42:09


Missão urbana e a igreja de antioquia em atos<br />

para separarem Barnabé e Saulo para a obra missionária (At 13.2). O verbo<br />

leitourge,w transmite o sentido de render um serviço especial formal,<br />

servir, especialmente envolvendo responsabilidades cúlticas e rituais. 93<br />

Seria um tanto difícil de entender que os mestres e profetas estavam<br />

realizando atividades cúlticas (ou rituais) sozinhos, sem a participação da<br />

congregação. Na Septuaginta este verbo aparece cerca de 100 vezes e o<br />

substantivo leitourgi,a aparece cerca de 40, o primeiro representando<br />

a raiz verbal trvv e o segundo hd'Ab[]. Já em o Novo Testamento, o termo<br />

leitourge,w e seus derivados aparecem poucas vezes: leitourge,w (3<br />

vezes); leitourgi,a (6 vezes); leitourgo,j (5 vezes) e leitourgiko,j (1<br />

vez). 94 Além disso, o Novo Testamento parece emprestar o sentido do verbo<br />

da Septuaginta e não do uso clássico do grego: “O uso de leitourge,w em<br />

At 13.2, comparado com o uso da LXX, é algo completamente novo, mas é<br />

derivado deste. Aqui, o significado ritual é completamente espiritualizado<br />

e aplicado à adoração ao Senhor mediante a oração.” 95 .<br />

Além de adorar, eles também estavam jejuando (nhsteu,w), uma prática<br />

muito comum na igreja pós-neotestamentária.. Ainda, antes de liberarem<br />

Saulo e Barnabé para a obra missionária, a igreja orou (proseu,comaii) e<br />

impôs as mãos sobre eles, reconhecendo a decisão do Espírito Santo e<br />

conferindo-lhes a autoridade para a missão.<br />

Vê-se por estes textos de Atos que a igreja de Antioquia era uma<br />

igreja vibrante espiritualmente. No final, suas atividades diaconais e de<br />

ensino se deviam em grande parte ao vigor de sua vida espiritual, de sua<br />

adoração. Lüdke vai direto ao ponto ao destacar que havia equilíbrio na<br />

vida espiritual da igreja de Antioquia. O povo de Deus, escolhido para<br />

anunciar o evangelho, se distingue pela oração, comunhão e adoração e<br />

não há igreja que realize algo significativo na evangelização a não ser que<br />

seja vigorosa interna e espiritualmente. O vigor da igreja de Antioquia é<br />

visto no fato de ela ser a primeira igreja neo-testamentária a enviar missionários.<br />

Isto contrasta com a igreja de Jerusalém, onde as testemunhas<br />

foram espalhadas pela força da perseguição. Em Antioquia, os apóstolos<br />

foram enviados para a obra da evangelização (At 13.2). 96<br />

A obra missionária é atividade na qual a congregação local como um<br />

todo precisa se envolver. Claro que o cristão individualmente, no seu<br />

93<br />

DANKER, op. cit., p. 590-1. Louw e Nida esclarecem que de acordo com o uso geral do grego<br />

de leitourge,w e leitourgi,a trazem a idéia de um serviço prestado por um indivíduo, sem<br />

cobrar nada, em benefício do estado. Só que este sentido para estes termos não é encontrado<br />

no Novo Testamento e eles têm uma conotação religiosa menos específica do que latreu,w e<br />

latrei,a (Cf. LOUW, Johannes P.; NIDA, Eugene A., op. cit., p 533).<br />

94<br />

HESS, K. Servir, Diácono, Adoração: leitourge,w. BROWN, C.; COENEN, L. Dicionário Internacional<br />

de Teologia do Novo Testamento. Vol 1. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 2348-50.<br />

95<br />

HESS, op. cit., p. 2350.<br />

96<br />

LÜDKE, op. cit., p. 65-66.<br />

45<br />

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Igreja Luterana<br />

cotidiano, pode contribuir para a missão, através do seu testemunho, da<br />

sua vocação. Contudo, missão em um entendimento luterano abrange a<br />

congregação local como um todo. Schulz explana bem isto: “Para infundir<br />

e encorajar um caráter missionário distintivo próprio nosso, temos<br />

que desenvolver uma eclesiologia missionária que funcione concreta e<br />

contextualmente, e dê reconhecimento completo à congregação local<br />

visível. A congregação precisa ver-se a si mesma como instrumento<br />

divino na missão de Deus e não só como mera organização ou presença,<br />

mas como uma communio ou um organismo através do qual o Espírito<br />

Santo age.” 97 .<br />

Além disso, o centro das atividades de uma congregação é o culto,<br />

o momento de adoração. Maynard Dorow, missionário da The Lutheran<br />

Church-Missouri Synod na Coréia do Sul de 1958 até 1998, defende que<br />

em seus momentos de adoração a comunidade de crentes recebe bênçãos<br />

em duas direções, interna e externamente. Internamente porque os membros<br />

são edificados e fortalecidos na fé e externamente porque adoração<br />

move o povo de Deus à missão, unindo Sacramento à Palavra proclamada.<br />

E isto é tanto mais verdade no culto eucarístico. Assim ele pode afirmar<br />

que na Eucaristia todas as facetas da missão de Deus são expressas: o<br />

permanente amor de Deus pelo mundo que criou; a sua auto-identificação<br />

com o mundo caído pela encarnação; sua redenção do mundo por meio<br />

da morte e ressurreição de Cristo; o seu dom de nova vida por meio do<br />

Espírito Santo; sua promessa de uma nova criação no final dos tempos.<br />

Assim, a Eucaristia descortina e antecipa a unidade de Deus com toda a<br />

criação, o que vem a ser o objetivo da missão de Deus. 98<br />

Diante dessa realidade, a IELB também é conclamada a dar a sua<br />

contribuição missionária nas cidades: “Missões urbanas precisam ser<br />

holísticas. Portanto, a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) é desafiada,<br />

assim como muitas outras igrejas do mundo inteiro, a contribuir<br />

ativa e holisticamente em palavras e ações em prol do corpo e alma das<br />

pessoas que as cercam”. 99<br />

Contudo, na prática missionária é necessário que a identidade luterana<br />

transpareça, senão esta prática será simplesmente imitação do que outros<br />

grupos cristãos fazem. Missão feita por luteranos precisa carregar impressa<br />

em si a estampa luterana. Para tanto, Schulz aponta que é necessário<br />

seguir-se cinco princípios nesta atividade missionária para que ela seja, de<br />

fato, luterana: o biblismo dogmático, a doutrina da justificação, a primazia<br />

da Palavra, a encarnação e a presença real de Cristo e a correta distinção<br />

97<br />

SCHULZ, op. cit., p. 84 (grifo e itálico do autor).<br />

98<br />

DOROW, Maynard. Worship is Mission. Missio Apostolica, Saint Louis, v. 9, n.2, Nov. 2001.<br />

p. 78-83.<br />

99<br />

SCHULZ, op. cit., p. 74.<br />

46<br />

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Missão urbana e a igreja de antioquia em atos<br />

dos dois reinos. 100 E conclui dizendo: “É absolutamente imperativo para nós<br />

buscar e estabelecer uma fundação teológica para ação missionária que<br />

podemos chamar nossa própria. Fazendo assim, ultrapassaremos, por um<br />

lado, o secularismo do mundo ecumênico e, por outro lado, o entusiasmo<br />

espiritual. Se não pudermos manter esta clara caminhada, perderemos<br />

nossa contribuição às missões mundiais bem como a habilidade para trazer<br />

a herança luterana às almas no contexto urbano.” 101<br />

CONCLUSÃO<br />

A igreja cristã em Antioquia da Síria encontrava-se em um mundo<br />

bastante agitado cultural, religiosa e economicamente, embora ele desfrutasse<br />

de certa paz e tranquilidade ocasionadas pela pax romana. Com<br />

certeza, não era um mundo tão urbano quanto o que se apresenta no<br />

início do século XXI, mas já existiam muitas grandes cidades então, como<br />

Roma, Alexandria e Antioquia.<br />

Apesar de muitas similaridades, não se pode ser ingênuo e considerar a<br />

realidade daquele tempo igual à contemporânea. Exemplo disso é a língua<br />

comum. O grego era a língua comum daquele tempo, assim como de certa<br />

forma o inglês é hoje. Contudo, o grego era uma língua de subjugados,<br />

enquanto que o inglês é a língua de comércio imposta pelas grandes potências<br />

do mundo nos últimos três séculos. Assim, com certeza, o inglês<br />

traz consigo uma “bagagem” muito maior do que o grego trazia naquele<br />

tempo, representando dominação econômica, política, militar e cultural.<br />

Outro recente fator distinto é o incrível êxodo rural que ocorreu no século<br />

XX, especialmente na segunda metade do século. Cidades em todo o<br />

globo, especialmente no Terceiro Mundo, experimentaram um crescimento<br />

simplesmente absurdo. Ao mesmo tempo, Volker Stolle ressalta que Deus<br />

é um Deus que se identifica com pessoas em movimento e que cristãos,<br />

em última instância, são sempre estrangeiros onde quer que estejam.<br />

Deus chamou Abraão para que saísse de sua terra em uma jornada de<br />

fé. Deus guiou o seu povo, Israel, para fora do Egito, pelo deserto, até a<br />

Terra Prometida. Jesus não se apresentou aos discípulos como um ponto<br />

estático, mas disse ‘Eu sou o caminho’ por meio do qual se chega ao Pai<br />

(Jo 14.6). Cristo enviou os seus apóstolos por todo o mundo (Mt 28. 18-<br />

20; Mc 16.15). A carta aos Hebreus descreve os cristãos como o povo de<br />

Deus em sua jornada para o descanso eterno prometido e, antes que este<br />

alvo seja alcançado, os cristãos vivem como estrangeiros em uma terra<br />

estranha. Dessa forma, a grande comissão permanece sempre atual. 102<br />

100<br />

Para ver a discussão completa sobre estes princípios, veja SCHULZ, op. cit., p. 78-81.<br />

101<br />

SCHULZ, op. cit., p. 81.<br />

102<br />

STOLLE,Volker. How Lutherans Have Done Mission: a Historical Survey. Missio Apostolica,<br />

47<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 47 8/4/2010 18:42:09


Igreja Luterana<br />

A igreja de Antioquia era vigorosa porque era bem estruturada e equilibrada.<br />

Assim podia crescer em meio a uma sociedade um tanto caótica e<br />

que impunha inúmeras dificuldades à fé cristã. Ela apresentava suas cinco<br />

“áreas de ação” bem desenvolvidas. O testemunho era algo constante.<br />

Foi ele que formou a igreja, através da pregação a judeus e a gentios. Foi<br />

algo tão vivo e poderoso que foi capaz de derrubar as barreiras religiosas<br />

entre ambos. A comunhão e o ensino, sob a liderança de Barnabé, que<br />

se assessorou de Saulo, foram importantíssimos para instruir e edificar<br />

aquela congregação no único fundamento, Jesus Cristo. Quando irmãos<br />

de longe, mais especificamente da igreja-mãe em Jerusalém, estavam<br />

em dificuldades eles não vacilaram, mas prontamente organizaram-se e<br />

enviaram auxílio (diakoni,a) para os irmãos na fé. Por fim, talvez no centro<br />

de tudo, eles valorizavam a adoração. Era uma igreja que estava em<br />

contato com Deus e que queria ouvir o que Ele tinha a dizer e o Espírito<br />

Santo chamou dois deles para a obra missionária que Ele tinha preparado<br />

para eles.<br />

A Igreja Cristã continua pregando Jesus Cristo às pessoas e cada vez<br />

mais precisa se conscientizar de que é imprescindível ministrar às pessoas<br />

onde elas estão, preferencialmente de uma forma holística. O lugar<br />

onde elas estão, cada vez mais, é a cidade. Importa que cristãos sempre<br />

estejam atentos e busquem novas formas de ministrar às pessoas, sem<br />

deixar de lado as antigas, comprovadas pelos séculos.<br />

Gilberto da Silva ressalta a importância da vocação no testemunho<br />

cristão, especialmente comparando as realidades do século XX e do século<br />

I, dizendo que o crescimento da igreja devia-se, primariamente, à propaganda<br />

boca a boca, através do impacto do indivíduo nos seus arredores,<br />

nos ambientes onde viviam, fossem escravos, negociantes, donas de casa<br />

ou políticos. Contudo, se esquece de enfatizar onde a vocação é ensinada,<br />

nutrida e estimulada, ou seja, dentro da congregação de crentes. 103<br />

A Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) sempre valorizou a excelência<br />

na educação teológica dos seus pastores e na instrução de seus<br />

novos membros. Ao mesmo tempo, sempre se teve uma valorização do<br />

culto congregacional, da Palavra proclamada e dos sacramentos. Nos últimos<br />

anos, inclusive, a maioria das congregações têm adotado a prática<br />

de se ter a Santa Ceia em todos os cultos.<br />

Por outro lado, no testemunho, de certa forma, fica-se devendo um<br />

pouco. Às vezes parece que luteranos estão satisfeitos com o fato de que<br />

eles já fazem parte do povo de Deus. Não se nota a urgência em pregar<br />

as Boas Novas da salvação às pessoas que estão se perdendo. Estratégias<br />

v. 13, n. 2, nov. 2005. p. 114.<br />

103<br />

SILVA, Gilberto da. The Lutheran Church as a Church of Mission against the Background of<br />

the Priesthood of all Believers. Missio Apostolica, v. 14, n. 1, Maio 2006. p. 27<br />

48<br />

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Missão urbana e a igreja de antioquia em atos<br />

missionárias sempre são olhadas com certa desconfiança e números e<br />

estatísticas olhadas com certo receio. Também quanto à comunhão, há<br />

pontos a melhorar, especialmente porque a IELB ainda não é uma igreja<br />

urbana, mas tem “importado” diversos usos e práticas do interior para a<br />

cidade. Na área de serviço social e diaconia se tem feito bastante, mas é<br />

possível fazer ainda muito mais. 104<br />

Felizmente, há uma conscientização cada vez maior para o fato de que<br />

missão não é atividade somente do pastor. O pastor é o servo da Palavra<br />

e não de pessoas. Missão é obra de Deus confiada a todos da congregação.<br />

Quem sabe a crescente urbanização do mundo, com seus desafios<br />

e oportunidades, seja percebida por mais e mais crentes luteranos que,<br />

chamados e motivados pelo Espírito Santo, possam engajar-se na Missão<br />

de Deus, especialmente nas cidades.<br />

Com certeza, com a liderança do Senhor da Igreja e o conselho do<br />

Espírito Santo, a IELB proclamará a mensagem de Jesus Cristo para muitas<br />

pessoas ainda, especialmente nas cidades. Assim como a Igreja de Antioquia<br />

foi guiada em todas as suas atividades e empregou o melhor que<br />

tinha nelas, nossas congregações esforçam-se para disponibilizar o melhor<br />

para o trabalho do Senhor. Assim, a tarefa congregacional se centrará na<br />

proclamação daquele a quem Deus Pai deu toda a autoridade no céu e<br />

na terra (Mt 28.18-20), e diante de quem todo o joelho se dobrará (Fp 2.<br />

9-11), através da proclamação do evangelho de acordo com as Escrituras<br />

e as Confissões Luteranas 105 .<br />

104<br />

A IELB possui a Associação das Entidades de Assistência Social da IELB (AESI) que reúne<br />

diversas entidades de assistência social. Exemplos são a Associação Amiga dos Meninos (AME),<br />

de Esteio/RS; Centro Comunitário Dorcas, de Toledo/PR; Serviço Médico Educacional de Atendimento<br />

e Reabilitação (SEMEAR), de Porto Alegre/RS; Instituto Santíssima Trindade, de Gramado/<br />

RS. Para ver a lista completa, acesse: http://www.ielb.org.br/old/somos/aesi.htm<br />

105<br />

STOLLE, op. cit., p. 116.<br />

49<br />

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Auxílios homiléticos<br />

Trienal C<br />

Primeiro Domingo No Advento<br />

CONTEXTO MAIOR<br />

O ministério profético de Jeremias começou em 626 a.C. e terminou<br />

depois de 586 a.C. Segundo uma tradição judaica, o profeta teria sido<br />

morto no Egito por apedrejamento (Hb 11.37).<br />

Fim trágico, vida e ministério complicado. Jeremias viveu num período<br />

muito turbulento para muitas nações, inclusive Judá, o povo de Deus.<br />

O grande evento político e de suma importância ocorreu em 605 a.C.,<br />

quando Nabucodonosor derrotou os egípcios em Carquemis (Jr 46.2).<br />

Babilônia conseguiu abrir as portas para avançar livremente, até sobre<br />

Jerusalém (Dn 1.1-2), levando os primeiros cativos. A propósito, cativeiro<br />

anunciado pelo profeta Jeremias (Jr 22.24-30).<br />

Em 598-597 a.C. houve um segundo ataque de Nabucodonosor a<br />

Jerusalém e mais exilados foram feitos e levados à Babilônia (Jr 24.1). A<br />

queda definitiva aconteceu em 586 a.C. (Jr 38.28; 2 Rs 25.8-17).<br />

A PREGAÇÃO DE JEREMIAS<br />

29 de novembro de 2009<br />

Jeremias 33.14-16<br />

No “olho desse furacão”, coube a Jeremias a missão de lembrar o povo<br />

de Judá que tudo isto tinha a ver também com eles (Jr 13.24-27). Havia<br />

um tsunami político e de interesses internacionais pressionando a história,<br />

mas a missão do profeta, em princípio, tinha um foco mais restrito:<br />

chamar o povo de volta ao Senhor.<br />

Sua mensagem consistia em denunciar o pecado do povo de Deus (Jr<br />

2.13; 7.8-10; 16.10-13; 22.9; 32.29) e apelar para que este povo, que<br />

tinha dado as costas para o Senhor (Jr 2.8; 3.14,22), voltasse e olhasse<br />

outra vez para o lugar certo (Jr 3.15; 30.3). Apesar da deprimente descrição<br />

do povo de Deus (Jr 4.22; 5.28; 10.14, 21), há luzes de salvação no<br />

fim do túnel e proclamadas através do profeta (Jr 3.15; 30.3). Resumindo,<br />

Jeremias estava cumprindo sua missão de arrancar, destruir, exterminar<br />

e demolir, mas também para construir e plantar (Jr 1.10).<br />

51<br />

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Igreja Luterana<br />

CONTEXTO IMEDIATO<br />

A missão para Jeremias estava clara: demolir e construir. Porém, o<br />

cenário não era nem dos mais atraentes nem favoráveis. Por causa do<br />

pecado, o juízo de Deus foi dolorido para Israel e também para o profeta.<br />

Apesar de ter recebido a garantia e a certeza da companhia de Deus (Jr<br />

1.8,18; 15.20), ele fraquejou (Jr 8.18-22; 12.1-4; 20.14-18) e apelou<br />

em oração à misericórdia de Deus (Jr 32.16-25). Na resposta do Senhor<br />

aparentemente não havia muita esperança. Ele listou razões de sobra para<br />

manter o juízo sobre a casa de Israel (Jr 32.26-30). Deus abriu a ferida e<br />

a fez arder ao expor toda a gravidade da situação. Havia uma lista muito<br />

grande de transgressões.<br />

Mas, quando Deus abre o ferimento, Ele o faz com a intenção de<br />

curá-lo. A cura é por sua misericórdia e graça. Talvez poderíamos dizer,<br />

considerando de maneira especial a situação deplorável do povo de Deus<br />

na época, com o apóstolo Paulo: “onde proliferou o pecado, superabundou<br />

a graça” (Rm 5.20b).<br />

Essa disposição graciosa de restauração e perdão perpassa o texto<br />

de Jeremias desde o capítulo 30.1, até 33.26, o que faz com que alguns<br />

chamem essa parte de “Livro da Consolação”. Tudo bem. Jerusalém será<br />

restaurada, voltará a paz e a segurança. A ira do Senhor realmente não<br />

passa de um momento (Salmo 30.5) e suas promessas de retorno do<br />

exílio foram cumpridas (Jr 31.23-25).<br />

Mas tem mais. A palavra do Senhor tem um alcance além desse horizonte.<br />

Suas promessas têm cores messiânicas e que se aplicam ao povo<br />

pecador, mas amado por Deus, do século XXI.<br />

O TEXTO – JEREMIAS 33.14-16<br />

Há um paralelo muito próximo dessa passagem em Jeremias 23.5-6.<br />

Lá, o foco está mais em Cristo, como um broto que executará o juízo e a<br />

justiça na terra. É necessário que estes dois termos sejam entendidos como<br />

sinônimos de salvação. O texto completa afirmando de que Cristo será a<br />

nossa justiça. Aqui, o nome de Jesus “Senhor Justiça Nossa” é passado<br />

para o instrumento de Deus na continuação da proclamação da salvação.<br />

Inicialmente foi Jerusalém. Agora é a igreja que “carrega” como corpo de<br />

Cristo o seu próprio nome e é denominada de “Senhor, Justiça Nossa”.<br />

O Senhor quer despertar o povo para o cumprimento de sua “boa palavra”<br />

para Israel e Judá. A promessa não é só para o retorno dos exilados<br />

(Jr 29.10), mas é a boa, melhor e última palavra de Deus à humanidade,<br />

seu Filho Jesus (Hb 1.1-2).<br />

Jeremias anunciou o salvador da linha davídica e que preencherá as<br />

52<br />

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Primeiro Domingo No Advento<br />

expectativas do povo de Deus. Salvador que executará juízo e justiça.<br />

A própria sequência do texto já mostra que estas palavras se referem à<br />

salvação, mas é importante ressaltá-las, considerando o sentido muitas<br />

vezes negativo que elas podem fazer para a maioria das pessoas (Salmo<br />

71.2).<br />

Embora essa profecia não seja explicitamente citada no Novo Testamento,<br />

a confissão é de que de fato Jesus Cristo é o ungido de Deus<br />

através do qual a justiça de Deus (salvação) foi executada e revelada em<br />

toda a sua plenitude (Mt 3.15; Rm 5.18-21; 1 Co 1.30) e que a Igreja de<br />

Cristo é portadora.<br />

CONSIDERAÇÃO HOMILÉTICA<br />

Uma das marcas do período de Advento, por causa da iminente entrada<br />

no mês de dezembro, é a intensa correria gerada pela proximidade<br />

do Natal. É natural e por si só não deveria ser motivo para se condenar<br />

toda essa mobilização. Mas ei! Está chegando o dia em que celebramos o<br />

cumprimento da “boa palavra do Senhor” também em nossas vidas.<br />

E Deus nos chama hoje a andar no seu caminho (Salmo 25.1-10).<br />

Caminho de arrependimento e confiança nele. Deus começa a construir<br />

seu relacionamento com os cristãos pelo Evangelho, seja pela pregação ou<br />

através do Batismo. E como fruto desta atividade salvadora de Cristo em<br />

suas vidas, ele exibirá responsavelmente os frutos da justiça de Cristo.<br />

O que dá sentido e valoriza realmente toda a agitação que se faz para<br />

comemorar mais um Natal, é olhar para o Salvador. Ao esperar o dia de<br />

Jesus Cristo, oramos com ações de graça para que o Senhor nos faça<br />

crescer no amor de uns para com os outros e na santidade de vida diante<br />

de Deus (1 Ts 3.9-13).<br />

Jesus Cristo também nos convida a vigiar em todo o tempo (Lc 21.25-<br />

36) para não sermos pegos desprevenidos e assim não celebrarmos essa<br />

época tão bonita sem o real sentido de sua existência. O convite de Cristo<br />

não visa meramente e somente à condenação eterna, mas para sermos<br />

animados e encorajados a desfrutar já agora dos benefícios de Cristo, em<br />

espírito de alegria e gratidão nas horas boas, em confiança e coragem<br />

nos tempos difíceis.<br />

Anselmo Ernesto Graff<br />

São Leopoldo/RS<br />

agraff@uol.com.br<br />

53<br />

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Igreja Luterana<br />

Segundo Domingo no Advento<br />

06 de dezembro de 2009<br />

Sl 66.1-12; Ml 3.1-7b; Fp 1.2-11; Lc 3.1-14(15-20)<br />

Malaquias anuncia a vinda do Senhor<br />

Advento significa a espera daquele que “há de vir”. E Malaquias dá<br />

sinais da vinda do Senhor ao seu povo. Ele descreve que um mensageiro<br />

iria preparar o caminho. No entanto, Malaquias detecta uma moléstia<br />

entre seu povo: a indignidade de receber seu Senhor. Pergunta o profeta:<br />

Quem pode suportar o dia de sua vinda? Quem poderá subsistir quando<br />

ele aparecer? Porque ele é como fogo do ourives (v.2). A moléstia é a<br />

condição do orgulho humano e esta característica do Senhor (como fogo<br />

do ourives) será para purificar os filhos de Levi como ouro e prata. Junto<br />

com a vinda do Senhor há um pronunciamento de juízo contra os feiticeiros,<br />

adúlteros, os que juram falsamente, os defraudadores, os opressores<br />

do órfão e da viúva e os que torcem o direito do estrangeiro e os que não<br />

temem. Essa atitude de Deus revela sua imutabilidade: apesar de Deus<br />

sempre ser misericordioso, seu povo não guardava os estatutos. Deus<br />

convida o povo a tornar a Ele, mas o povo pergunta: “Em que havemos<br />

de tornar?” v.7. Por isso Malaquias acusa os erros que desvirtuavam a<br />

imagem do Deus de amor e de aliança com seu povo.<br />

CONTEXTO DE MALAQUIAS<br />

Malaquias pode significar meu mensageiro e não um nome próprio. A<br />

referência em 3.1 meu mensageiro denota alguém abrindo o caminho para<br />

o advento – vinda do Senhor. Malaquias é a melhor janela para examinar<br />

as necessidades espirituais de seu povo. Na época reinava um ceticismo,<br />

desrespeito aos mandamentos (por isso a conotação Anjo da Aliança,<br />

visto a aliança feita com os pais pelos mandamentos estar rompida).<br />

Portanto, Malaquias pode ser um porta-voz da nova aliança, já que é<br />

o evangelho/boa mensagem/notícia. Essa nova aliança está no sangue<br />

de Cristo. As moléstias apontadas na perícope são como “uma ponta de<br />

iceberg”, visto que nessa época havia hostilidade do povo, questionavam<br />

o amor do SENHOR na eleição do povo de Israel, não respeitavam Seu<br />

nome, negligenciavam a oferta e eram arrogantes em relação a Deus,<br />

visto que achavam sair impunes os injustos e os tementes a Deus não<br />

teriam seus benefícios. Por isso, diz Lutero, Malaquias denuncia os sacerdotes<br />

por ensinarem a palavra de Deus de maneira infiel e abusando<br />

54<br />

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Segundo Domingo no Advento<br />

de seu ministério, não punindo os que sacrificavam animais defeituosos.<br />

“Chamado ao arrependimento” pode ser o tema de Malaquias para receber<br />

o que há de vir. Para Lutero, Malaquias 3.1 refere-se à vinda de João<br />

Batista, como Jesus afirma em Mt 11.10. Recebemos o Salvador somente<br />

em arrependimento, como João abriu o caminho dizendo em Mc 1.15:<br />

“Arrependei-vos e crede no evangelho”!<br />

O advento, em Malaquias, pode ser entendido como sendo em dois<br />

estágios: o primeiro com o advento em Cristo, que chamou pecadores,<br />

excluídos e marginalizados. O segundo estágio é o segundo advento<br />

em que de fato os opressores que oprimem em nome de Deus serão<br />

castigados. Embora isso não apareça em Malaquias, o primeiro advento<br />

mostra isso! (LASOR, p. 449-457 – LUTERO, M. Obras Selecionadas V. 8.<br />

p.110-112).<br />

TEMA A SER EXPLORADO: A VINDA DO SENHOR<br />

CHAMA AO ARREPENDIMENTO<br />

Em sua música “A Canção do Senhor da Guerra”, Renato Russo afirma<br />

aos que vão ao combate: “Lembre-se que Deus está ao lado de quem vai<br />

vencer”. Quando autoridades sociais (mão esquerda) e as autoridades religiosas<br />

(a serviço da mão direita de Deus) deixam transparecer que Deus<br />

está ao lado de quem tem mais poder, Deus precisa quebrar o orgulho<br />

humano, pois Deus quer atrair os pecadores, doentes, excluídos e aflitos<br />

que foram excluídos da “seleção natural” do homem. Assim foi com o ministério<br />

de Jesus, dirigido aos humildes de espírito, aos que choram, aos<br />

mansos, aos sedentos e famintos de justiça, aos misericordiosos, limpos<br />

de coração e pacificadores, perseguidos.<br />

Muitas vezes, dentro de nossas próprias igrejas, as pessoas vão à Santa<br />

Ceia como sendo resultado de um prêmio de uma vida sem pecado. Quando<br />

pessoas que caíram voltam à igreja, recebem dos “premiados” julgamento<br />

e condenação, afinal, Santa Ceia é para quem oferta e conseguiu “não<br />

pecar”. Quando a igreja torna-se uma estrutura que vive em torno de si<br />

mesma, começa a olhar os excluídos com certo preconceito, visto estes não<br />

entrarem no sistema estrutural. Oprime-se mais o oprimido e acalenta-se<br />

o que “compra” o favor de Deus com oferta e uma vida de aparências.<br />

Quando se transforma a igreja em empresa, cobrando dos ministros resultados<br />

meramente estruturais, esquece-se do evangelho como perdão<br />

incondicional, para a condição da estrutura à qual ele serve!<br />

Este texto aponta para a mais dura lei. No entanto, é uma lei pedagógica<br />

a serviço de um Deus de inclusão ao arrependido e quebrantado<br />

de coração. Torna-se evangelho à medida que Deus vai ao encontro dos<br />

“excluídos”, pois Deus não é um Deus de elite, mas o Deus dos arrepen-<br />

55<br />

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Igreja Luterana<br />

didos que encontram em Jesus o perdão de todos os pecados!<br />

A realidade brasileira de um “reino de Deus estrutural” está presente<br />

em todas as denominações, desde as tradicionais até os neopentecostais<br />

que relacionam a oferta proporcional à bênção de Deus, enquanto que,<br />

muitas vezes, o arrependimento pelos pecados é ignorado pelo orgulho, e<br />

pelo mesmo orgulho os sedentos pelo evangelho passam a ser indignos.<br />

Sendo assim, a proposta é a seguinte:<br />

VIVENDO O ADVENTO EM ARREPENDIMENTO<br />

1. Malaquias chama o povo ao arrependimento por seu orgulho<br />

em relação a Deus e o desprezo em relação ao próximo<br />

1.1 Arrependimentos quanto à situação pessoal: Quem pode suportar<br />

o dia da vinda? Quem poderá subsistir? Quem permanecerá diante do<br />

fogo do Senhor?<br />

1.2 A incredulidade no âmbito social: juízo para os feiticeiros, os adúlteros,<br />

os caluniadores, os fraudadores, o opressor.<br />

1.3 Este quadro social era a imagem da “igreja” – imagem de Deus<br />

revelada aos oprimidos<br />

2. O anjo da nova aliança<br />

2.1 Na nova aliança há uma boa notícia<br />

2.2 Na nova aliança há um Deus a favor do pobre e oprimido<br />

2.3 Na nova Aliança há arrependimento, perdão e nova vida em Cristo<br />

que trouxe Evangelho = Boa Nova anunciada por Malaquias.<br />

OBRAS CONSULTADAS<br />

LASOR, William S.; HUBBARD, Davi A.; BUSH, Frederic W. Introdução<br />

ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1999.<br />

LUTERO, Martinho. Interpretação bíblica - Princípios. Obras selecionadas<br />

Vol. VIII. São Leopoldo: Sinodal, Porto Alegre: Concórdia, 2003.<br />

Rafael Wilske<br />

Dois Irmãos/RS<br />

rafaelconcordia@pop.com.br<br />

56<br />

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Terceiro Domingo no Advento<br />

INTRODUÇÃO<br />

Alegrai-vos sempre no SENHOR<br />

Alegria – esta é a palavra-chave da perícope. Todas as colocações do<br />

apóstolo giram em torno da alegria, alegria que o povo de Deus vive em<br />

Jesus Cristo. Alegrai-vos! Alegrai-vos sempre! Alegrai-vos no Senhor Jesus!<br />

Esta é a mensagem central de Paulo em nosso texto.<br />

A alegria que Paulo recomenda aos cristãos de Filipos precisa ser enfocada<br />

em três contextos e perspectivas diferentes:<br />

- no contexto dos cristãos da igreja de Filipos;<br />

- no contexto dos cristãos da igreja no advento de Cristo de hoje;<br />

- no contexto da aplicação individual dos cristãos de nossos dias.<br />

CONTEXTO<br />

13 de dezembro de 2009<br />

Filipenses 4.4-7<br />

1. De ontem<br />

a) A Epístola aos Filipenses é conhecida como “a Carta da Alegria” e<br />

como “a mais pessoal” de todas as epístolas de Paulo. Embora a alegria do<br />

povo de Deus em Cristo seja o assunto principal de Filipenses, o apóstolo<br />

ainda aborda outras questões de relevância para os “cristãos alegres em<br />

Cristo” como estas: gratidão pela ajuda recebida na cadeia; o glorioso hino<br />

sobre o estado de humilhação e exaltação de Jesus Cristo; o cuidado com<br />

as doutrinas dos falsos mestres na igreja; as bênçãos da oração contínua;<br />

importância de Jesus Cristo ser anunciado ao mundo todo.<br />

Obs.: Antes de elaborar o sermão, é aconselhável o pregador ler toda<br />

a Epístola. O sermão será bem mais rico.<br />

b) Filipos, cidade da província romana da Macedônia (hoje: norte da<br />

Grécia), tem um grande valor histórico para a igreja cristã: nesta cidade<br />

foi fundada a 1ª igreja da Europa. É o mesmo Paulo da Epístola (acompanhado<br />

por Silas, Timóteo e, talvez, Lucas) que, pela primeira vez, pregou<br />

o evangelho de Cristo no continente europeu. O 1º culto aconteceu num<br />

“lugar de oração”. E a 1ª pessoa convertida ao Salvador na Europa é uma<br />

senhora chamada Lídia (At 16.11-18; 20.1-6).<br />

c) Paulo escreveu a Epístola aos Filipenses algemado numa cadeia<br />

pública, que pode ser em Roma ou Cesaréia. Paulo, o maior pregador de<br />

57<br />

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Igreja Luterana<br />

Cristo, é um prisioneiro, considerado um criminoso, e está aguardando<br />

a sua sentença de morte. E neste difícil contexto existencial acontece o<br />

mais surpreendente: Paulo “se sente feliz e cheio de alegria no Senhor” e<br />

escreve a “Carta da Alegria” e diz aos cristãos de jovem igreja: “Alegraivos!<br />

Alegrai-vos sempre! Alegrai-vos no Senhor!”<br />

Conhecendo e compreendendo este difícil contexto de ontem, toda a<br />

mensagem sobre a alegria cristã terá um novo valor, um novo sentido, um<br />

novo sabor! O pregador precisa considerar e valorizar este fundo histórico<br />

ao anunciar seu sermão.<br />

2. De hoje<br />

a) A perícope é para o período do ano eclesiástico chamado Advento<br />

– o 3º domingo. Advento significa vinda, chegada, espera de algo que<br />

está para acontecer. Aqui, no Advento, espera-se a dupla vinda de Jesus<br />

Cristo: no Natal, a 1ª vinda como Salvador do mundo; no Juízo Final, a<br />

2ª e última vinda, como Juiz para julgar o mundo.<br />

b) A igreja antiga classificava o tempo de advento como tempus clausum,<br />

isto é, tempo de reclusão, de penitência, de confissão de pecados,<br />

de arrependimento. Por quê? Porque só quando o cristão reconhece e<br />

se arrepende de seus pecados é que ele pode se alegrar com a vinda do<br />

Jesus Salvador e do Jesus Juiz.<br />

c) A mensagem sobre a “alegria no Senhor Jesus Cristo”, que Paulo<br />

pregou e recomendou aos cristãos da igreja de Filipos, é tão válida e atual<br />

para o povo de Deus de hoje como o foi para o povo de Deus de ontem.<br />

d) O contexto de ontem foi complexo e difícil para o pregador/escritor<br />

e para os ouvintes/leitores. O contexto de hoje é semelhante, apesar de<br />

enfoques e ênfases diferentes, isto é, complexo e difícil. Estas dificuldades<br />

de hoje o pregador conhece ou precisa considerar ao falar sobre a alegria<br />

dos cristãos.<br />

e) As colocações sobre o contexto do “alegrai-vos!” foram longas,<br />

porque são contextos difíceis, complexos e significativos para entender<br />

bem Fp 4.4-7. O contexto foi muito difícil, mas o texto da perícope e a<br />

disposição da mensagem sobre o “alegrai-vos sempre no Senhor” são<br />

simples, claros e fáceis para entender e anunciar.<br />

Por isso, apenas algumas observações sobre o texto e a disposição.<br />

TEXTO<br />

O texto de Fp 4.4-7 é simples e de fácil compreensão e pregação.<br />

Xairete – “alegrai-vos!” É uma recomendação, um pedido, um imperativo<br />

divino. Alegrar, regozijar, exultar, vibrar, jubilar, entusiasmar. É “estar<br />

feliz de todo o teu coração, toda a tua alma, todo teu entendimento, toda<br />

58<br />

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Terceiro Domingo no Advento<br />

tua força”. É uma vida interior que se manifesta no modo de ser e viver<br />

como cristão. É tão importante que o apóstolo repete: alegrai-vos! Paulo<br />

fala muito nesta Carta sobre a satisfação, a felicidade, o contentamento e<br />

a alegria dele e do povo de Deus: “oro com alegria; por isso estou alegre;<br />

terem alegria que vem da fé; completai a minha alegria; ficarei contente<br />

e me alegrarei com vocês; vocês devem ficar contentes e se alegrar<br />

comigo; vocês sintam a alegria; recebam Epafrodito com toda a alegria;<br />

irmãos, sejam alegres por estarem unidos com o Senhor; alegrai-vos<br />

sempre no Senhor; vocês são minha alegria; aprendi a viver contente<br />

em toda e qualquer situação”. Alegria, do início ao fim de Filipenses. O<br />

pregador deve explorar, enfatizar e aplicar esta mensagem aos ouvintes,<br />

lembrando estas citações:<br />

En Kúrio – “No Senhor, em o Senhor, unidos com o Senhor”. Logo,<br />

não é qualquer alegria. Só o cristão tem esta alegria, pois só o cristão<br />

“tem o Senhor, está no Senhor, está unido com o Senhor”. Este é o<br />

segredo da alegria cristã: é causada e motivada pelo Senhor. Tem pouco<br />

ou nada a ver com o riso, sorriso ou gargalhada. É mais profundo.<br />

O Senhor é o Salvador Jesus Cristo.<br />

Pantote – “Sempre”. Não só de vez em quando. É uma ação contínua,<br />

ao longo da vida. Em todos os momentos, circunstâncias e lugares<br />

(cf. 4.11). Difícil? Sim! Mas “no Senhor”, o cristão está sempre alegre:<br />

em horas de vibração e nas horas do “vale da sombra da morte”. É uma<br />

bênção especial que o Senhor Jesus confere aos redimidos.<br />

Eggus – “Perto”. Há duas interpretações sobre “o perto” ou “próximo”:<br />

1) No sentido espacial/vertical – Cristo está perto e bem junto de nós; 2)<br />

no sentido temporal – o retorno de Cristo para o juízo final está perto, está<br />

próximo. Parece-nos que o segundo significado é mais correto: a volta de<br />

Cristo está próxima! Este “próximo” ou “perto” é entendido melhor diante<br />

de 2 Pe 3.8: “... para o Senhor, um dia é como mil anos e mil anos como<br />

um dia”. Contudo, “orai e vigiai” (Mc 14.38).<br />

Estes eram os principais destaques. As outras afirmações e recomendações<br />

sobre “a preocupação, a oração, a gratidão, a paz de Deus e em<br />

Deus, o coração, a prática na vida cristã, o modo de levar vida digna,<br />

correta, pura, agradável e decente”, o pregador pode incluir em seu sermão,<br />

se assim julgar oportuno.<br />

DISPOSIÇÃO – SUGESTÕES<br />

Introdução – sugestões: Sl 126 ou Sl 122 ou Tg 3.13 ou Lc 2.10.<br />

São textos e eventos que apontam para a alegria do povo de Deus.<br />

Tema – Alegrai-vos sempre no SENHOR (vv.4 e 7)<br />

59<br />

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Igreja Luterana<br />

Partes – (Por quê? As causas, razões, motivos. Como? As maneiras,<br />

modos, vida. Seis partes breves. Aproveitar texto e contexto.)<br />

1. (Por quê?) – Porque vocês foram feitos povo de Deus, creem no<br />

Salvador Jesus Cristo e estão unidos com o Senhor (1.1; 4.4)<br />

2. (Por quê?) – Porque o nome de vocês está escrito no Livro da Vida,<br />

que pertence a Deus (4.3)<br />

3. (Por quê?) – Porque o Senhor de vocês está perto/ ou virá logo (v.5)<br />

4. (Como?) – Como cristãos que são amáveis e agradecidos (vv. 5 e 6)<br />

5. (Como?) – Como cristãos que oram e louvam a Deus (vv. 6 e 7)<br />

6. (Como?) – Como cristãos que sabem estar guardados pelo Senhor<br />

Deus (v. 7)<br />

Conclusão – Sl 104.33 ou Lc 2.10 ou Jo 16.22,24 ou Fp 4.4 ou Hinário<br />

Luterano nº 220.<br />

Leopoldo Heimann<br />

São Leopoldo/RS<br />

secteologia@ulbra.br<br />

60<br />

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Quarto Domingo No Advento<br />

CONTEXTO<br />

20 de dezembro de 2009<br />

Miquéias 5.2-5a<br />

Miquéias foi um dos profetas do Século VIII a.C., contemporâneo de<br />

Isaías (Is 1.1), Oséias (Os 1.1) e Amós (Am 1.1). Natural de Moresete,<br />

povoado situado a uns 40 km a sudoeste de Jerusalém. Exerceu sua atividade<br />

em Judá, mas também endereçou suas proclamações a Israel, o<br />

Reino do Norte.<br />

Miquéias previu que Judá corria o mesmo perigo de sofrer o castigo que<br />

Israel sofrera em 722 a.C. Por isso fala contra os pecados do povo de Judá<br />

e de Israel. Judá será castigada por causa dos pecados das autoridades<br />

(3.1-4) e devido à corrupção dos profetas e sacerdotes (3.5-7,11). Por<br />

isso “Jerusalém se tornará em montões de ruínas, e o monte do templo,<br />

numa colina coberta de mato” (3.12).<br />

Na segunda parte do livro (4-6) Miquéias aponta um futuro glorioso.<br />

Depois do castigo por causa de pecados como a idolatria e feitiçaria (5.12-<br />

14) vem a salvação. Deus ama e perdoa seu povo. É a esperança de um<br />

tempo final (4.1) quando Judá e Israel andarão para sempre “em nome<br />

do SENHOR” (4.5). Deus vai enviar um rei que vai nascer em Belém e vai<br />

fazer com que o povo viva em segurança e paz (5.2-5a).<br />

A terceira parte do livro (6-7) é uma mensagem de julgamento e castigo,<br />

mas também de bênção e salvação. A restauração de Israel depende<br />

somente da iniciativa de Deus em conceder perdão e misericórdia. O livro<br />

conclui com uma oração pedindo a misericórdia de Deus.<br />

Lutero sobre Miquéias:<br />

“O profeta Miquéias viveu no tempo de Isaías. Miquéias (4.1-3) até usa<br />

as palavras de Isaías 2 (2-4), e assim se percebe que estes profetas que<br />

viveram no mesmo tempo pregaram quase a mesma palavra a respeito<br />

de Cristo como se eles tivessem consultado um ao outro neste assunto”.<br />

“Miquéias é um dos profetas aguçados que censura o povo severamente<br />

pela sua idolatria e constantemente refere-se à vinda de Cristo e<br />

de seu reino. Em certo sentido ele é singular entre os profetas, visto que<br />

ele aponta com certeza para Belém, denominando-a como a cidade onde<br />

Cristo haveria de nascer (5.2). Por esta razão ele foi célebre sob a Antiga<br />

Aliança, como Mateus sem dúvida mostra no capítulo 2(3-6)”.<br />

“Em resumo, ele denuncia, profetisa, prega, etc. Essencialmente, no<br />

entanto, seu propósito é que mesmo que Israel e Judá teriam que se<br />

61<br />

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Igreja Luterana<br />

fragmentar, Cristo, no entanto, viria e faria boas todas as coisas” (LW<br />

35:324s.).<br />

TEXTO<br />

V. 2: Em contraste com a horrível predição do versículo 1, Miquéias<br />

agora passa para uma nota positiva. Efrata é a região na qual Belém está<br />

localizada. Desta pequena cidade viria o rei que seria enviado pelo Pai.<br />

Este rei viria de uma família de muito tempo atrás, desde os tempos do<br />

rei Davi, já planejada desde a eternidade, servindo aos planos de Deus.<br />

Mesmo que Jesus também seja o Deus eterno, assim como o Pai e o Filho,<br />

segundo a sua natureza humana ele viria de Belém, sujeitando-se ao<br />

tempo e nascendo de uma descendência humana.<br />

V. 3: Israel não seria redimido pelo seu próprio poder. Por isso seria<br />

entregue aos seus inimigos por um tempo até que fossem libertos do<br />

cativeiro. Mas a libertação que inclua a libertação dos pecados seria concretizada<br />

na vinda do Messias. Provavelmente aqui as dores de parto se<br />

refiram ao nascimento do Messias que viria para juntar um povo vindo<br />

de várias nações para formar o verdadeiro Israel espiritual. A humilhação<br />

da casa de Davi e de Israel havia sido incluída no plano de Deus, mas o<br />

resultado final seria que o Messias, assim como seu ancestral Davi, viria<br />

da humilde cidade de Belém.<br />

V.4: O Messias iria apascentar e reinar na força e majestade de Deus,<br />

o Pai, sendo o pastor de seu povo (2.12), que se estenderia “até aos<br />

confins da terra”.<br />

V. 5: Jesus é a “nossa paz” (Ef 2.14; Is 9.6). Ele providencia a cura da<br />

dissensão fatal entre Deus e a humanidade e finda a “inimizade” através<br />

da cruz (Ef 2.16).<br />

APLICAÇÕES HOMILÉTICAS<br />

O alvo deste texto é que o Messias traz a verdadeira paz.<br />

A moléstia que o texto aponta é a infidelidade de Israel em abandonar<br />

a Deus e seguir deuses de povos vizinhos e suas feitiçarias. Todo pecado<br />

é um abandono de Deus, por isso todos nós também constantemente<br />

abandonamos a Deus.<br />

O meio para se livrar da moléstia o próprio Deus providenciou planejando<br />

a vinda do Messias prometido com o nascimento de Jesus em Belém.<br />

62<br />

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Quarto Domingo No Advento<br />

PROPOSTA HOMILÉTICA<br />

JESUS É A NOSSA PAZ<br />

I. Ele foi prometido desde os tempos antigos<br />

II. Nele Deus estabelece um grande povo vindo de todas as partes<br />

III. Diante de mais um Natal, ansiamos pela paz eterna.<br />

Raul Blum<br />

São Leopoldo/RS<br />

raulblum@yahoo.com.br<br />

63<br />

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Igreja Luterana<br />

Véspera de Natal<br />

Acaz é um rei prudente. Ele não aceita a palavra do profeta que lhe dissera:<br />

“Pede de Deus um sinal.” Acaz não pede sinal porque a seus próprios<br />

olhos isso soaria como provocação a Deus. Acaz não quer provocar Deus.<br />

Ele quer dar a impressão, ou ele mesmo pensa acreditar nisso, de que<br />

ele confia em Deus. Mas, ao mesmo tempo em que pretende ser alguém<br />

que confia em Deus, ele oferece aliança aos assírios que, na verdade, era<br />

uma aliança de submissão dele e de Israel ao povo assírio. Acaz pensa<br />

que confia em Deus. Mas essa confiança não inclui o agir com destemor<br />

e encarar o rei da Assíria. Ele confia em Deus o suficiente para dar culto<br />

e oferecer sacrifícios a Deus. Mas nas políticas de sustentação do povo,<br />

da economia e da autonomia como povo de Deus, aí Deus não lhe parece<br />

suficientemente presente e disposto a proteger a ele e seu povo.<br />

E o sinal que o profeta oferece parece confirmar que Deus não é suficiente<br />

para proteger o povo de Israel. O sinal é uma virgem e seu filho.<br />

Assim foi também em Jerusalém quando Jesus se apresentou. Ele não<br />

preencheu as expectativas que o povo tinha de um Messias, de um enviado<br />

de Deus. Ainda hoje as pessoas preferem cultuar as fantasias que fazem<br />

de Jesus do que confiar que perdão, paz e felicidade ao lado de Jesus<br />

possam preencher o vazio das esperanças que os homens cultivam. Ainda<br />

hoje muitos rendem louvor a Cristo nos templos e nas orações pessoais,<br />

entretanto na “vida prática” assumem estranhas alianças com as forças<br />

desse mundo.<br />

1 JOÃO 4. 7-16<br />

24 de dezembro de 2009<br />

Salmo 110.1-4; Isaías 7. 10-14; 1 João 4.7-16; Mateus 1.18-25<br />

Quando o apóstolo Paulo escreveu aos Coríntios: “O amor é o dom<br />

supremo”, certamente tinha bem vivo em mente a sua experiência do<br />

encontro com Jesus, às portas de Damasco. Sua insistência sobre o tema<br />

é marcante em cada uma das suas cartas. O Pai e o Filho são, ao mesmo<br />

tempo, juízo e redenção. Mas acima e além do juízo brilha sempre a redenção<br />

como o que identifica Deus. E João vai mais além, ou, em uma frase,<br />

ou, melhor, em uma palavra apresenta Deus: Deus é amor. Exatamente,<br />

como Paulo, ele vê na ação coordenada do Pai e do Filho, a manifestação<br />

da qualidade e da dimensão desse amor: “Nisso se manifestou o amor<br />

de Deus em nós: em haver Deus enviado seu Filho unigênito ao mundo.”<br />

64<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 64 8/4/2010 18:42:10


Véspera de Natal<br />

Nessa frase chama a atenção um detalhe interessante: o amor em nós se<br />

manifesta numa ação fora de nós, nessa ação coordenada do Pai através<br />

do Filho. Fruto dessa ação existe amor dentro de nós que nos faz sentir,<br />

ter uma emoção que nos aproxima das pessoas e nos faz sentir vivos.<br />

Essa vida se define a partir da ação revelada de Deus. Tudo aquilo que<br />

existe como nascendo e crescendo nesse amor é vida segundo a experiência<br />

desses apóstolos com a revelação do próprio Deus, Jesus Cristo.<br />

Essa identificação com o amor que Deus revela tem um aspecto ainda<br />

mais desafiante: esse sentimento de Deus em nós é vivo e ativo: ele busca<br />

estender-se permanentemente ao outro exatamente do modo como ele se<br />

fez sentir em nós. Isso define as pessoas como filhos de Deus (Jo 1.12).<br />

O que João, Paulo e todos os seguidores de Jesus sentiram, o que os<br />

tornou tão intensos e definitivos em suas manifestações? De alguma forma,<br />

serem convencidos do compromisso que Deus assume em assumir a<br />

pecaminosidade e a maldade da natureza humana e finalmente admitiram<br />

em si próprios a maldade viva como dominadora dos seus sentimentos<br />

naturais. Essa é a obra inicial que Deus precisa fazer: Convencer as pessoas<br />

do pecado. Somente Deus pode convencer alguém de que era necessário<br />

ser batizado para perdão dos pecados. Essa obra inicial o ser humano recusa<br />

a aceitar. Ao longo da vida, busca sempre de novo atribuir a si próprio<br />

a dignidade que lhe é dada todos os dias como presente de Deus.<br />

Portanto, o amor de Deus não se limita ao perdão dos pecados, mas<br />

efetivamente traduz as nossas mal formadas intenções de amor em amor<br />

realmente recebido por aqueles que intencionamos e tentamos amar. Crer<br />

que a educação e aperfeiçoamento dos nossos sentimentos também é obra<br />

de Deus na pessoa do Espírito Santo, essa é a fé que anima os filhos de<br />

Deus a prosseguir em suas tentativas de amar.<br />

A essa fé também pertence reconhecer que o amor que recebemos de<br />

tantas pessoas e de tantas maneiras diferentes é também obra do amor<br />

de Deus por nós. Não vemos Deus, diz João. O que vemos e sentimos é o<br />

amor de Deus através das mãos, dos olhos, da voz que expressam interesse<br />

pelo bem-estar daqueles que Deus aproxima de nós. Sentimentos<br />

são inevitáveis. Deus os desperta e aperfeiçoa. Podemos dizer que eles<br />

são espontâneos. Mas não são nossos. São vida que Deus sopra em nós<br />

na obra do Espírito Santo e que reconhecemos como sendo dele. O que<br />

podemos fazer? Louvar a Deus por ter-nos arrancado do indiferentismo<br />

egoísta denunciando a nossa natureza na cruz do Calvário e nos aceitando<br />

como somos e, finalmente, ensinando-nos a perceber a sua obra que ele<br />

realiza em nós e através de nós. Assim, o que antes era morto agora é<br />

vida.<br />

65<br />

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Igreja Luterana<br />

MATEUS 1.18-25<br />

Deus se faz criança por amor de cada pessoa que ele criou. Aliás, Deus<br />

nasce daqueles que ele criou. Não existe forma nem maneira de harmonizar<br />

esses fatos com a nossa maneira de ver e entender as coisas. Mesmo o<br />

mais cético ser humano para diante do quadro que está diante dos olhos.<br />

O que teria obrigado Deus a nascer da humanidade por ele criada?<br />

Talvez seja meramente uma impressão pessoal e, admito, talvez equivocada.<br />

Mas as celebrações de Natal a que tenho presenciado ultimamente,<br />

salvo algumas exceções, mais se parecem com qualquer espetáculo (show)<br />

que mais faz aparecer e dar visibilidade aos cantores com seus vocais e<br />

ritmos, com textos por vezes desconexos, do que induzir à contemplação<br />

do Natal que aconteceu em Belém. Nota-se nos pastores e suas equipes<br />

um esforço intenso de valorizar a data, torná-la marcante, mas José e<br />

Maria com o menino Jesus acabam por parecerem a mim naquele cenário<br />

figuras decorativas, personagens de ficção de um passado remoto.<br />

As próprias crianças que até há algum tempo tinham espaço central<br />

para expressar um certo jeito de ver o Natal, agora parece estar sendo<br />

espremidas para uma lateral para que atores e cantores e instrumentistas<br />

façam o papel central.<br />

O que provocou essa reflexão de cunho crítico? Um dos textos mais<br />

preciosos do Natal é o Cântico de Maria (Lc 1. 46-55). Ao contemplar o<br />

quadro natalino de Mateus, mais focado em José, vem à mente o olhar de<br />

Lutero sobre Maria no seu comentário sobre o Cântico de Maria*. Lutero<br />

sente nas palavras de Maria o reconhecimento da completa nulidade do<br />

ser humano diante da vida e diante de Deus. Nessa contemplação, Lutero<br />

se consola na contemplação de Maria diante da tremenda tarefa de<br />

comparecer diante das autoridades do Império em Worms onde lhe seria<br />

ordenado retratar-se da doutrina do Evangelho.<br />

Ao traduzir Pois contemplou a humildade da sua serva, Lutero prefere<br />

por na boca de Maria a palavra nulidade ou ser insignificante. O que Maria<br />

poderia oferecer a Deus para ter a dignidade de ser a mãe de Deus? Nada,<br />

é a resposta de Maria. Nada, é a resposta de Paulo em vários momentos<br />

das suas cartas. Lutero sente esse NADA diante de Worms. E isso lhe<br />

permite dar os passos naquela direção.<br />

Na verdade, como poderíamos testemunhar esse nada numa celebração<br />

em que queremos honrar Deus? Como podemos testemunhar ao mundo<br />

e a nós próprios para dentro das nossas igrejas e suas celebrações que,<br />

tal como Maria, temos de admitir que o nosso louvor é nada, mas que<br />

*Publicado em livrete na coleção “Lutero para Hoje” sob o título O Louvor de Maria (CIL, Concórdia<br />

e Sinodal, 1999. Também em Obras Selecionadas, vol. 6, pp. 20-78).<br />

66<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 66 8/4/2010 18:42:10


Véspera de Natal<br />

Deus contempla esse nada, nasce desse nada para que ele nos faça ser<br />

tudo que Deus tem para dar e oferecer ao nada? Como podemos fazer<br />

algo assim? Nunca saberemos fazê-lo. Não conseguiremos jamais anular<br />

a nossa pretensão de querermos ser algo de nós próprios diante das<br />

pessoas e do próprio Deus.<br />

Em razão disso, minha própria crítica ao louvor que se faz em algumas<br />

cenas do Presépio é também nada. O que sei eu do que se passa no coração<br />

de qualquer pessoa? O que sei eu do que significou para cada uma<br />

daquelas pessoas estarem ali tentando do seu jeito expressar gratidão<br />

e louvor a Deus? O mesmo Deus que prometeu receber e aceitar o mais<br />

indigno e imperfeito louvor por causa do amor que tem pela sua criatura<br />

revelado no Natal?<br />

A perplexidade e confusão de José, mas finalmente a sua singeleza<br />

em seguir os fatos tal como lhe foram apresentados, é talvez também<br />

a única maneira de estar diante da representação do presépio. Mas não<br />

somente isso. É também o que consola cada pessoa que precisa enfrentar<br />

as tarefas que Deus impõe a cada um. Pessoas como José, Paulo, Maria,<br />

Lutero, você, seus familiares, não precisamos de coragem. Os nossos<br />

olhos, como os deles, foram abertos por Deus, para vermos a ele no comando<br />

das forças desse mundo. José não tem coragem para enfrentar a<br />

opinião de uma aldeia. Com ele podemos aprender a ver Deus em cada<br />

fato e acontecimento das nossas vidas, os impedimentos, os desafios, os<br />

atrasos, as acelerações, os momentos felizes e encorajadores, como as<br />

tristezas, as fugas e as perdas. Não importa como eu me sinto diante das<br />

coisas e das pessoas. Importa saber se reconheço Deus no comando de<br />

tudo para o louvor e honra do seu nome.<br />

Aquela criança é Deus para resgatar pessoas que são nada e fazer de<br />

todos os Nada filhos de Deus. Porque muitos Nada ainda necessitam saber<br />

disso, se consolar nisso e viver.<br />

ORGANIZAÇÃO DO EVANGELHO PARA A PREGAÇÃO<br />

Como José, estamos diante dos fatos da vida<br />

Como José, nos esforçamos para ter uma saída<br />

Como José, aprendemos que os fatos são palavra de Deus<br />

Essa palavra nos consola e anima a viver.<br />

Paulo P. Weirich<br />

São Leopoldo/RS<br />

ppweirich@yahoo.com.br<br />

67<br />

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Igreja Luterana<br />

Dia de Natal<br />

1. TEXTO E CONTEXTO<br />

Entre os vv. 1 e 2, o apóstolo estabelece três contrastes: “outrora ...<br />

nestes últimos dias”, “aos pais ... nos [=para nós]”, “pelos profetas ... pelo<br />

Filho”. Há ainda um quarto contraste, ressaltado pelas formas verbais do<br />

verbo “falar”: “falado [Particípio Aoristo = situação ocorrida mais de uma<br />

vez] muitas vezes e de muitas maneiras ...; “falou” [Indicativo Aoristo =<br />

fato histórico, talvez ênfase no evento único].<br />

A expressão “nestes últimos dias”, ou “no fim destes dias” (evp v evsca,tou<br />

tw/n h`merw/n tou,twn) tem um tom escatológico. Trata-se de uma manifestação<br />

definitiva de Deus (é o que evoca o termo e;scaton). O próprio<br />

uso das formas verbais também leva a esta direção. No versículo 1, o<br />

verbo no Particípio parece indicar a situação como um todo, que resume<br />

o Antigo Testamento: Deus tendo falado através dos profetas. Este era o<br />

modo usual de Deus falar, tornando conhecida sua vontade e manifestando<br />

juízo e salvação. É importante notar que o verbo lale,w é muitas vezes<br />

usado como referência à proclamação dinâmica da mensagem de Deus.<br />

Ele pode referir-se ao contexto do culto (por exemplo, o verbo é usado<br />

mais de vinte vezes no capítulo 14 de 1 Coríntios).<br />

No v. 2, o verbo no Indicativo Aoristo chama a atenção para o caráter<br />

de evento único da ação descrita: Deus falou ... pelo Filho. A ênfase não<br />

está em Deus ter falado diversas vezes através do Filho, como se estivesse<br />

focalizando cada uma das pregações de Jesus. Mas a idéia é que em<br />

Jesus aconteceu de forma definitiva e única a manifestação proclamatória<br />

de Deus. Tudo o que veio antes, até mesmo pelo seu caráter contínuo e<br />

repetitivo – “muitas vezes e de muitas maneiras” – era preparatório para<br />

a grande manifestação de Deus. Por assim dizer, Jesus é o discurso final<br />

de Deus ao mundo. Nele Deus descortina de forma plena sua vontade,<br />

seu projeto, seu juízo e sua redenção.<br />

Há um pensamento de progresso na revelação de Deus entre as duas<br />

etapas referidas no texto. Mas este progresso não é do tipo “do menos<br />

para o mais importante”, ou “do menos verdadeiro para o mais verdadeiro”,<br />

pois é o mesmo Deus que está falando em ambas situações. Aliás, é<br />

significativo que Deus fale! Toda a fé cristã está fundamentada no fato de<br />

que Deus é e se revela! Ele não fica escondido, não deixa para a reflexão<br />

humana descobrir Sua natureza e Seus desígnios. Deus fala! E sua fala,<br />

68<br />

25 de dezembro de 2009<br />

Hebreus 1.1-6<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 68 8/4/2010 18:42:10


Dia de Natal<br />

ainda que inclua a proclamação do juízo sobre o pecado, tem como objetivo<br />

final proclamar redenção, vida, salvação.<br />

Que progresso está evidenciado na manifestação de Deus? É o “progresso”<br />

que vai da promessa para o cumprimento. Nos profetas é dada a<br />

promessa. Ela é verdadeira e eficaz, manifestada nas páginas do Antigo<br />

Testamento, pois é o único Deus que fala. No entanto, ela se cumpre tão<br />

somente quando da vinda em carne do Filho de Deus. Na encarnação Deus<br />

se deixa ver e ser conhecido na concretização da promessa, na realização<br />

do projeto de salvação. Em Cristo estão os definitivos “sim” e “amém” de<br />

Deus (2 Co 1.20).<br />

Voltamos novamente à expressão evp v evsca,tou tw/n h`merw/n tou,twn<br />

traduzida por “nestes últimos dias”. F. F. Bruce [The Epistle to the Hebrews,<br />

The New International Commentary on the New Testament, Eerdmans,<br />

1991] argumenta que por esta frase o autor não quer dizer apenas “recentemente”.<br />

Trata-se, segundo Bruce, da “tradução literal da expressão<br />

hebraica usada no Antigo Testamento para denotar a época quando as<br />

palavras dos profetas serão cumpridas e seu uso aqui significa que a vinda<br />

de Cristo ‘ao se cumprirem os tempos ... uma vez por todas’ (Hb 9.26)<br />

inaugurou aquele tempo de cumprimento.” (BRUCE, p. 46). A expressão<br />

evp v evsca,tou tw/n h`merw/n é usada pela Septuaginta literal ou ligeiramente<br />

modificada em textos como Gn 49.1; Nm 24.14; Dt 4.30; Is 2.2;<br />

Jr 23.20; Ez 38.16; Dn 10.14; Os 3.5; Mq 4.1. Neste sentido, o falar de<br />

Deus em Jesus configura-se num exemplo da escatologia inaugurada,<br />

ou seja, de que em Jesus, no seu ministério e na sua obra redentora, os<br />

fins dos tempos foram antecipados. Ele é o fato central da história e tudo<br />

o que ainda virá é fruto de sua obra neste mundo, realizada através da<br />

encarnação.<br />

O autor cita sete fatos a respeito de Jesus que acentuam sua grandeza,<br />

mostrando que nele de fato acontece a máxima revelação de Deus.<br />

Nestas sete observações Jesus é relacionado com Deus [“resplendor da<br />

glória”, “expressão exata do seu Ser”, “assentou-se à direita da Majestade,<br />

nas alturas”], com a criação [“herdeiro de todas as coisas”, “fez o<br />

universo”, “sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder”] e<br />

com a humanidade pecadora, através de seu caráter de sumo-sacerdote,<br />

que será uma das grandes ênfases de toda a Epístola [“fez a purificação<br />

dos pecados”]. O texto bíblico sugere que, por ocasião da celebração do<br />

nascimento de Jesus, se reflita a respeito da grandeza de Cristo a partir<br />

destas três perspectivas.<br />

2. APLICAÇÃO HOMILÉTICA<br />

Os profetas anunciaram a vinda de Jesus séculos antes dela acontecer.<br />

69<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 69 8/4/2010 18:42:10


Igreja Luterana<br />

Por esta mensagem as pessoas de sua época foram consoladas, amparadas<br />

e orientadas a olharem para o futuro com esperança, quando Deus<br />

romperia os céus e manifestaria sua presença (cf. Is 64.1). A mensagem<br />

profética – sempre lembrada com muita propriedade nos cultos e programas<br />

de Natal – é a primeira parte de uma bela moldura para o quadro deste<br />

dia. O versículo inicial do texto vem sublinhar o papel dos profetas.<br />

A segunda parte da moldura vem da manifestação dos anjos, enviados<br />

por Deus para celebrar a chegada de Seu glorioso Filho. Os versículos<br />

seguintes do texto do dia (4-6) – na verdade, até o final do capítulo 1,<br />

mostram um dos aspectos da superioridade de Cristo: Ele é maior [literalmente,<br />

“melhor” – krei,ttwn] do que os anjos. É significativo que anjos<br />

tiveram um papel muito importante por ocasião dos eventos anteriores<br />

e imediatamente posteriores ao nascimento de Jesus – no anúncio a Zacarias,<br />

a Maria, a José, aos pastores. No entanto, assim como os relatos<br />

de Mateus e Lucas já deixam claro, agora Hebreus o expressa, Jesus é<br />

maior (melhor) do que os anjos, sendo eles seus servos, atuando para a<br />

promoção de sua glória.<br />

Profetas e anjos são a moldura colocada por Deus para anunciar a mais<br />

grandiosa mensagem – a chegada do Salvador. Ele, Jesus, é a própria<br />

mensagem, a concretização da vontade do Pai para a humanidade e o<br />

falar definitivo, escatológico de Deus para o mundo. Em Cristo Deus fala,<br />

é reconhecido e realiza o projeto de salvação da humanidade.<br />

Estamos nos “últimos dias”, os dias entre a primeira e gloriosa vinda e<br />

a segunda e definitiva chegada de Jesus. O Natal vem mostrar mais uma<br />

vez que é tempo de celebrar a salvação que Jesus veio trazer, e que fora<br />

anunciada anteriormente pelos profetas e proclamada pelos anjos. Esta<br />

mensagem, encarnada em Jesus, é agora manifestada por todos os que<br />

têm o privilégio de reconhecer a Ele como a suprema manifestação de<br />

Deus, em seu amor e graça.<br />

Gerson L. Linden<br />

São Leopoldo/RS<br />

gerson.linden@gmail.com<br />

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Primeiro Domingo após Natal<br />

TEXTOS<br />

27 de dezembro de 2009<br />

Êxodo 13.1-3a,11-15; Salmo 111; Colossenses 3.12-17; Lucas 2.22-40<br />

O primeiro é do SENHOR ou Fazei tudo para o SENHOR<br />

Êxodo 13.1-3a, 11-15: É a memorável saída de Israel do Egito. Já<br />

tinha acontecido a instituição da Páscoa. Já ocorrera a morte de todos os<br />

primogênitos dos egípcios. E aí ocorreu o que nosso texto relata. Deus dá<br />

uma ordem: TODO O PRIMOGÊNITO É MEU, disse Deus. E tanto de homens<br />

como de animais. Ou seja: O primeiro é do SENHOR. Havia ainda um<br />

detalhe entre os primogênitos de animais: todos os machos seriam do<br />

SENHOR. Mas os primogênitos da jumenta poderiam ser substituídos por<br />

um cordeiro no sacrifício ou seriam mortos. Mas o grande detalhe estava no<br />

fato de que os primogênitos de “meus filhos deviam ser resgatados”, comprados<br />

de volta, substituídos por outra vítima no sacrifício ao Senhor.<br />

Salmo 111: Um salmo acróstico. No versículo 9 está o centro do Salmo:<br />

“Enviou ao seu povo a redenção; estabeleceu para sempre a sua<br />

aliança”. A aliança que Deus fez com Israel e com toda a humanidade<br />

resultou na redenção enviada no Menino e Primogênito da Manjedoura.<br />

Os que conhecem a aliança e a redenção louvam a Deus por seus grandes<br />

feitos. Estar na aliança da salvação resulta no “temor do Senhor”, ou<br />

seja, em grande respeito em amor ao Senhor. Por isso, é o princípio de<br />

toda a sabedoria.<br />

Lucas 2.22-40: O Evangelho nos conduz ao templo em Jerusalém. Ao<br />

oitavo dia Jesus foi circuncidado, mas ao 40º dia Ele foi apresentado no<br />

templo, como primogênito de José e Maria. E foi resgatado, conforme a<br />

Lei do Senhor em Êxodo 13. Por serem os pais de origem humilde, eles<br />

puderam oferecer um par de rolas ou dois pombinhos. Lucas, quando fala<br />

do “primogênito que abre a madre”, fala no original como “aquele que<br />

abre a madre santa”. A expressão adquire um sentido mais profundo e<br />

significativo quando vemos o valor que Deus atribui onde o filho é gestado<br />

e Deus lhe deu vida por seus pais.<br />

Neste Menino Primogênito, Simeão viu sua salvação e cantou o Nunc<br />

Dimittis de nossa liturgia de Santa Ceia.<br />

Colossenses 3.12-17: É o texto para a mensagem.<br />

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Igreja Luterana<br />

CONTEXTO<br />

A epístola aos Colossenses apresenta Jesus como o PRIMOGÊNITO de<br />

toda a criação e o PRIMOGÊNITO dentre os mortos (vv. 15 e 18), é a Cabeça<br />

da Igreja (v. 18), para ter a primazia em todas as coisas (v. 18), em<br />

quem habita corporalmente toda a plenitude da divindade, portanto como<br />

verdadeiro Deus e verdadeiro homem em uma só pessoa. Nele temos a<br />

verdadeira vida e com Ele seremos manifestados em glória.<br />

A seguir começa o texto propriamente dito. Observemos que Deus<br />

por Paulo fala numa metáfora do despir-se e vestir-se; do despojar-se e<br />

revestir-se. Do que deveriam os crentes despir-se? – Da velha natureza<br />

que consiste em prostituição, impureza , etc., detalhado nos versículos 5<br />

a 8 do capítulo 3. E do que revestir-se? – Do novo homem que é segundo<br />

a imagem daquele que o criou – 3.10,11. E as virtudes com as quais<br />

se vestir estão nos versículos 12 a 17 e também após estes versículos.<br />

Observe-se que estas virtudes que seguem são as próprias virtudes de<br />

Cristo. Vesti-las e praticá-las é fazer O MELHOR PARA O SENHOR, é FAZER<br />

PARA O SENHOR.<br />

Três títulos para os que vão vestir-se para Deus: eleitos, santos e<br />

amados.<br />

“Eleitos” – Rm 8.29-33; Ef 1.4; 1 Pe 1.2; “santos” – Rm 1.7; “amados”-<br />

Dt 4.37.<br />

A vestimenta, as virtudes a serem vestidas tornam a vida agradável.<br />

“[...] ternos afetos de misericórdia, bondade, humildade, mansidão<br />

e longanimidade”. Ternos afetos [...], isto é, segundo o modelo de Deus<br />

(Lc 6.36), recomendada (Rm 12.20) e gravada nos corações (Pv 3.3) e as<br />

seguintes são todas frutos do Espírito, da relação de Gl 5.22ss.<br />

As virtudes seguintes resolvem conflitos:<br />

“Suportai-vos [...] perdoai [...] o amor como vínculo da perfeição<br />

[...] a paz de Cristo como árbitro e sede agradecidos” – vv. 13-15. Esse<br />

perdão é possível quando o amor de Cristo está nos corações. Os homens<br />

fazem coisas que exigem perdão, até entre os crentes. O amor (ágape)<br />

como alvo da perfeição. O coração, o homem interior deve contar com um<br />

poder que regula toda a vida do crente. E esse poder é a paz de Cristo,<br />

que Ele conquistou na cruz.<br />

O versículo 16 exalta a fonte que fortalece as virtudes: a Palavra<br />

de Deus, seu ouvir, seu ensino. O ensino por palavras, música e exemplo.<br />

Mas o conteúdo deve ser a Palavra, a Escritura, a Bíblia. Habite em vós<br />

quer dizer como fixar residência, usar sempre e sempre a Escritura.<br />

O versículo 17 é uma declaração, um resumo da perícope do domingo<br />

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Primeiro Domingo após Natal<br />

e da vida do crente. Por isso o tema: Fazei tudo para o SENHOR ou O<br />

primeiro é do SENHOR.<br />

PROPOSTA HOMILÉTICA<br />

Considerando a relação entre todas as leituras e que elas serão lidas,<br />

oferecemos uma disposição com tema e tópicos para uma mensagem que<br />

pode ser mudada a critério de cada um.<br />

Introdução: Quem é Deus? No Catecismo Maior de Lutero no 1º<br />

Mandamento: “Deus é aquele de quem esperamos todo o bem, e em<br />

quem procuramos amparo em todas as angústias. Assim, ter um só Deus<br />

significa: confiar-se a Ele e crer nEle de todo o coração. Pv 3.9,10: “Honra<br />

ao Senhor .... primícias de toda a tua renda...”. “Fazei tudo o que Ele<br />

vos disser” (Jo 2.5). “Buscai em primeiro lugar o seu reino...” (Mt 6.33).<br />

Não tem outro Deus. ELE é exclusivo. Exclusiva e única deve ser nossa<br />

confiança nEle. Para Deus só serve o melhor. Por isso<br />

O PRIMEIRO É DO SENHOR ou FAZEI TUDO PARA O SENHOR<br />

1. Deus é isso para nós por causa da sua aliança e redenção que enviou:<br />

Sl 111.9; Gl 4.4,5. Resulta no temor (respeito em amor), que é o<br />

princípio de toda a sabedoria.<br />

2. Todo o primogênito é meu, disse Deus – Êx 13.2<br />

3. Ele também entregou o que tinha de melhor: o seu Primogênito –<br />

Lc 2.22-40<br />

4. Colossenses apresenta Jesus como Primogênito de toda a criação<br />

– Cl 1.15<br />

5. Também como Primogênito de entre os mortos – Cl 1.18<br />

6. Como Aquele em quem habita corporalmente toda a plenitude da<br />

Divindade – Cl 2.8,9<br />

7. Como Aquele que nos dá vida, nosso Salvador<br />

8. Os crentes se despem e se vestem ... com virtudes de Jesus: vv.<br />

12 a 15<br />

9. Com o que ensinam: ENSINAR, ENSINAR, ENSINAR A PALAVRA<br />

DO SENHOR – v. 16<br />

10. Para Ele FAZEI TUDO; O PRIMEIRO (o melhor) é do SENHOR – Cl<br />

2.17<br />

Conclusão: Dar a Deus o primeiro, fazer tudo para Ele dá à nossa<br />

vida sentido e grande prazer. E recebe o reconhecimento que Jesus deu<br />

à mulher que o ungiu: “Ela fez o que pôde” (Mc 14.8).<br />

Benjamim Jandt<br />

São Leopoldo/RS<br />

provedoriaseminario@ulbranet.com.br<br />

73<br />

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DIA DE ANO NOVO<br />

CIRCUNCISÃO E NOME DO SENHOR<br />

1. LEITURAS DO DIA<br />

1 de janeiro de 2010<br />

Números 6.22-27<br />

Salmo 8: Este salmo é um hino de louvor onde Davi expressa sua admiração<br />

à majestade do Senhor. Deus usa até os fracos (os seres humanos<br />

de modo geral – especialmente os pequeninos e crianças de peito – v.<br />

2) para derrubar os poderosos (vv.1-2); Davi também medita no fato de<br />

Deus ter confiado o domínio de sua criação ao homem (vv. 3-8) e conclui<br />

com tom de louvor e júbilo (v.9).<br />

Números 6.22-27: Fórmula da bênção divina também conhecida<br />

como “bênção araônica”. Pronunciada nos cultos pelos sacerdotes de Jerusalém<br />

(cf. Lv 9.22) e presente em nossas liturgias e cultos luteranos.<br />

O nome de Deus pronunciado três vezes é expressão semítica do favor<br />

divino, garantindo a Israel a presença de Deus que protege e vivifica. Tal<br />

bênção mostra que o povo pertence exclusivamente a Deus e que este o<br />

abençoa com a paz.<br />

Gálatas 3.23-29: A lei mostra que o mundo está em pecado, a fim de<br />

que as pessoas percebam que as obras não podem salvar e que somente<br />

Cristo pode fazê-lo. A lei ficou tomando conta de nós como um paidagogós*<br />

(literalmente guia de crianças) até que Cristo viesse para podermos<br />

ser aceitos por Deus por meio da fé.<br />

Lucas 2.21: Segundo a Lei de Moisés (Lv 12.3), todo menino deveria<br />

ser circuncidado uma semana depois de nascer. No mesmo dia de sua circuncisão,<br />

Jesus também recebe de maneira “oficial” seu nome, cumprindo<br />

a promessa do anjo Gabriel em Lc 1.31. O NOME que está sobre todos os<br />

nomes e pelo qual importa que sejamos salvos (At 4.12).<br />

*Este termo usado por Paulo e traduzido pela ARA como aio (guia, escravo) contrasta com o<br />

nosso atual termo para pedagogo, que se caracteriza como uma pessoa que ensina, educa,<br />

um professor ou instrutor em nossas escolas. No contexto social greco-romano o paidagogos<br />

caracterizava uma pessoa, geralmente escravo, cuja tarefa era conduzir um menino (dos 6 aos<br />

16 anos) para a escola e supervisioná-lo de modo geral. Não era professor.<br />

74<br />

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Dia de ano novo - circuncisão e nome dO SENHOR<br />

2. CONTEXTO<br />

Os primeiros dez capítulos do livro de Números cobrem cinquenta dias<br />

em que Moisés organizou Israel para a marcha de Sinai até a terra prometida.<br />

Esses dez capítulos iniciais mostram como os princípios de santidade<br />

de Levítico foram colocados em prática na organização da nação.<br />

Depois que o Tabernáculo fosse dedicado (Êx 40.1-33) e antes de Israel<br />

começar a peregrinação pelo deserto, Deus deu orientações para a vida<br />

do povo (Nm 1.1; 6.21). A graciosa atitude de Deus para com os israelitas<br />

seria expressa em uma fórmula que Arão usaria quando erguesse suas<br />

mãos sobre o povo (Lv 9.22). Os ecos desta bênção são encontrados em<br />

Sl 4.6; 67.1; 80.3,7,19; 119.135.<br />

A santidade do tabernáculo – aspecto esclarecido pela regulamentação<br />

detalhada de seu manuseio (caps 3-4) – deu origem à consideração<br />

de várias ordenanças ligadas à santidade e a separação como o exemplo<br />

clássico da lei dos nazireus no capítulo 6.<br />

A oração da bênção parece que está fora de contexto, imediatamente<br />

depois da lei dos nazireus, e antes das ofertas dos príncipes (capítulo 7),<br />

o que força o leitor a pensar por que ela foi colocada aqui. Sua introdução<br />

(v. 22) a liga com os regulamentos designados à purificação do acampamento<br />

israelita, e, portanto, para preparar o povo para o grande ato de<br />

adoração, a marcha em direção à terra prometida. A bênção que invoca<br />

a proteção de Deus sobre o povo vem em um momento muito apropriado.<br />

Também serve para mostrar que o objetivo permanente de Deus é<br />

abençoar todo o Seu povo, e não meramente aqueles que fazem o voto<br />

de nazireu. Enquanto que os nazireus geralmente faziam seus votos por<br />

um curto período de tempo, os sacerdotes estavam sempre ali, pronunciando<br />

esta bênção no fim dos trabalhos matutinos diários no templo, e<br />

mais tarde nas sinagogas. A proclamação desta oração pelos sacerdotes<br />

era uma garantia de que Deus de fato iria por o meu nome sobre os filhos<br />

de Israel (v. 27 ARA).<br />

3. TEXTO<br />

A oração é composta em forma poética, e é provavelmente um dos<br />

poemas mais antigos da Escritura. Segundo a gramática da língua portuguesa,<br />

não há necessidade de se repetir as palavras, neste caso o nome<br />

do Senhor, mas a repetição semítica enfatiza que o Senhor é a fonte de<br />

todos os benefícios de Israel, como o faz o versículo 27: e eu os abençoarei;<br />

“eu” é enfático em hebraico.<br />

À medida que as linhas da bênção se tornam mais longas, o seu conteúdo<br />

se torna mais rico, produzindo um crescendo que culmina na palavra<br />

paz (26). Cada linha (vv. 24-26) tem o Senhor como sujeito, e o Seu<br />

75<br />

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Igreja Luterana<br />

nome é seguido por dois verbos, o segundo dos quais expande a idéia do<br />

primeiro: abençoe, guarde; resplandece, tenha misericórdia; levante, dê<br />

a paz. Segundo P.D.Miller 1 , “A primeira cláusula de cada linha (invoca) o<br />

movimento de Deus em direção ao Seu povo, e a segunda cláusula, a Sua<br />

atividade em favor dele”. Deus abençoa as pessoas dando-lhes filhos, propriedades,<br />

terra, saúde e a Sua presença (Gn 17.16; 22.17ss.). O Salmo<br />

121, que aparentemente alude a Nm 6.24, explica nos versículos 7 e 8 o<br />

que significa ser guardado por Deus (de todo mal desta vida mortal).<br />

Faça resplandecer o seu rosto sobre ti (v.25). Esta metáfora,<br />

assemelhando Deus à luz, é característica da tipologia bíblica acerca de<br />

Deus (cf. Sl 31.16). Quando Deus sorri sobre o Seu povo, este pode estar<br />

certo de que ele terá misericórdia dele, isto é, Ele o libertará de todos<br />

os seus problemas. Ele responderá às suas orações e o salvará dos seus<br />

inimigos, doença e pecado (Sl 4.1; 6.2; 41.4; 51.1).<br />

Levante o seu rosto (v.26). Enquanto “resplandecer” refere-se<br />

ao aspecto benevolente de Deus, o levantar os olhos ou a face significa<br />

prestar atenção (Gn 43.29; Sl 4.6). Paz (shalôm em hebraico) significa<br />

mais do que ausência de guerra. Quer dizer bem estar, saúde, prosperidade<br />

e salvação. Ou seja, o total de todas as boas dádivas de Deus ao<br />

Seu povo.<br />

O Novo Testamento afirma que Jesus é Senhor, e que o Espírito<br />

Santo é Senhor (Rm 10.9; 2 Co 3.17). Em Jesus o significado pleno da<br />

paz é revelado inteiramente; Ele deu a paz e é a nossa paz (Jo 14.27 e<br />

Ef 2.14ss.). A dimensão deste novo pacto acrescenta uma profundidade<br />

adicional a uma oração que no seu contexto veterotestamentário já é<br />

extraordinariamente significativa.<br />

4. PROPOSTA HOMILÉTICA<br />

Viver sob as bênçãos de Deus é o desejo de todo mundo, especialmente<br />

em datas festivas. Ano novo é um período propício para desejar<br />

bênçãos de Deus para nossos familiares, amigos e irmãos na fé. Nada<br />

melhor do que começarmos o ano com as belíssimas palavras da bênção<br />

araônica. Nesta direção sugerimos os seguintes temas:<br />

Que o Senhor te abençoe e te guarde no novo ano<br />

1. Dando-lhe bênçãos materiais<br />

2. Principalmente as bênçãos espirituais<br />

Jesus - o Nome para o novo ano (Por quê?)<br />

1. Porque neste nome há poder<br />

2. Porque nEle teremos paz completa<br />

1<br />

MILLER, P.D. The Blessing of God: An Interpretation of Numbers 6:22-27, 1979, p. 243.<br />

76<br />

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Dia de ano novo - circuncisão e nome dO SENHOR<br />

Jesus, a fonte de todas as bênçãos<br />

1. Porque Ele é o único Deus (o que isso implica em nossa vida diária?)<br />

2. Porque Ele é o nosso Salvador<br />

Votos de bênçãos de Deus para você!<br />

1. Porque só Ele dá proteção<br />

2. Porque só nEle temos misericórdia<br />

3. Porque só nEle temos paz.<br />

Héber Guéter Fach<br />

São Paulo/SP<br />

heberfach@yahoo.com.br<br />

77<br />

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SEGUNDO Domingo após Natal<br />

CONTEXTO LITÚRGICO<br />

A epístola do domingo de hoje, escolhida para o segundo domingo após<br />

o Natal, ainda reflete toda a atmosfera natalina que nos mostra o grande<br />

amor e misericórdia do Deus Triúno em relação a seus filhos, que tanto os<br />

abençoou. Deus Pai os escolheu antes da fundação do mundo para serem<br />

seus filhos amados, através da redenção de seu Filho, Cristo Jesus, e fez<br />

nele convergir todas as coisas a fim de que obtivessem a sua herança no<br />

reino celestial, tendo sido selados com o Espírito Santo que se tornou o<br />

penhor desta sua herança, conservando-os na fé verdadeira.<br />

Os cristãos agraciados com tamanho benefício agora não podem deixar<br />

de louvar a Deus e ter o prazer em ouvir a sua palavra e andar em<br />

seus caminhos como o fez o salmista no Sl 119.97-104, quando exclama:<br />

“Quanto amo a tua lei! É a minha meditação todo o dia... os teus mandamentos<br />

me fazem mais sábios que os meus inimigos... de todo o mau<br />

caminho desvio os pés”.<br />

O jovem rei Salomão, na leitura do A.T., 1 Rs 3.4-15, que amava o Senhor,<br />

numa oração de noite, em sonhos, reconhece a grande benevolência<br />

divina e pede a Deus um coração compreensivo para julgar seu povo a<br />

fim de que prudentemente discirna entre o bem e o mal. E na leitura do<br />

Evangelho, Lc 2.40-52, o próprio Jesus mostra seu prazer de ficar na casa<br />

de seu Pai a fim de estar em permanente contato com a sua palavra e o<br />

último versículo nos informa de que crescia em sabedoria diante de Deus<br />

e dos homens. Todas as leituras do dia nos mostram o grande amor de<br />

Deus para com seus filhos e o prazer deles de permanecerem em contato<br />

com a sua palavra e de andarem em seus caminhos.<br />

CONTEXTO HISTÓRICO<br />

03 de janeiro de 2010<br />

Salmo 119.97-104; 1 Reis 3.4-15; Efésios 1.3-14; Lucas 2.40-52<br />

A epístola do domingo de hoje consta da abertura da carta de Paulo<br />

aos Efésios. Havia trabalhado na cidade de Éfeso principalmente na sua<br />

terceira viagem missionária. A cidade não era apenas a metrópole da<br />

província da Ásia, mas também culturalmente a mais importante, em<br />

que se destacava o famoso templo da deusa Diana, uma das sete maravilhas<br />

do mundo antigo. Era fonte não apenas da atração turística, mas<br />

também do lucro dos artífices de imagens sagradas, entre os quais se<br />

78<br />

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segundo Domingo após Natal<br />

destacava Demétrio, que até causou um tumulto contra Paulo porque a<br />

sua pregação evangelística diminuíra seus lucros substancialmente (cf.<br />

At 19. 23-40). Sendo a maioria dos convertidos de Paulo das camadas<br />

humildes, o apóstolo lhes desvenda a imagem gloriosa da igreja, a qual,<br />

segundo Stöckhardt, tem suas raízes na eternidade, no coração paterno<br />

de Deus, penetra com sua fronde de novo na eternidade junto ao trono<br />

de Deus e ramifica seus galhos em todas as ordens da criação através da<br />

história do desenvolvimento, e tudo isso em Cristo.<br />

O apóstolo tem a intenção de não apenas mostrar a glória da igreja,<br />

mas também a grandeza de seus membros que pela graça de um Deus<br />

bondoso e misericordioso são muito mais importantes que aqueles que<br />

são considerados grandes pelo mundo. Em lugar de ser inscrito no rol<br />

de homens famosos deste mundo, vale muito mais ser inscrito no livro<br />

da vida. Enquanto a glória do mundo passa, a glória da igreja dura para<br />

sempre e com ela seus membros. Salvos pela fé na graça de Deus, não<br />

pelas obras, são agora feitura de Deus, criados em Cristo Jesus para boas<br />

obras. As pessoas verdadeiramente ricas, possuidoras de tesouros imperecíveis,<br />

são aquelas que creem na salvação de um Deus misericordioso,<br />

que estabeleceu um plano de salvação para elas, segundo o beneplácito<br />

de sua vontade.<br />

TEXTO<br />

O texto inteiro é uma doxologia que glorifica a grandeza e majestade<br />

divinas. Está subdividido em três partes, dedicadas cada uma a uma<br />

pessoa da Trindade e cada parte termina com as palavras: “para louvor<br />

da glória de sua graça”, ou: “para louvor da sua glória”.<br />

V. 3: A primeira parte (vv. 3-6) é dedicada a Deus Pai. No v. 3, ele é<br />

bendito por ser o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo e por causa das abundantes<br />

bênçãos que tem derramado sobre nós. O apóstolo aqui se inclui<br />

no número dos crentes e assim se aproxima mais deles. Deus nos tem<br />

abençoado em Cristo, isto é, as bênçãos de Deus nos alcançam por intermédio<br />

de Cristo, por causa de sua obra redentora. Nas regiões celestiais,<br />

uma expressão apenas usada na Epístola aos Efésios cinco vezes, significa<br />

que essas bênçãos são celestiais em sua origem e que elas descem dos<br />

céus aos crentes em Jesus na terra.<br />

V. 4: As bênçãos foram derramadas sobre nós por causa da obra<br />

redentora de Cristo, mas a escolha teve lugar antes da fundação do<br />

mundo, quando Deus nos escolheu para sermos santos e irrepreensíveis<br />

perante ele, que são as características fundamentais da vida cristã. Essas<br />

características emanam da nossa fé. Todas as imperfeições dos cristãos,<br />

na presente vida, são cobertas pelos méritos perfeitos de Cristo. Outra<br />

79<br />

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Igreja Luterana<br />

característica fundamental que Paulo ainda acrescenta é o amor. A autenticidade<br />

da santidade e do caráter irrepreensível dos cristãos se dá a<br />

conhecer pelo amor agápe, aquele amor superior de compreensão e de<br />

um propósito correspondente, que ama o próximo mesmo se nele não<br />

existe nenhum motivo para isso e que ama a Deus porque ele nos amou<br />

primeiro. “Não tendes em vós o amor de Deus”, disse Jesus aos judeus<br />

incrédulos em Jo 5.42 (cf. 1 Coríntios 13).<br />

V. 5: Outro motivo pelo que Deus nos predestinou é para sermos seus<br />

filhos adotivos. Jesus é o Filho de Deus por natureza e nós somos filhos<br />

adotivos por designação e posição (Gl 4.5). Deus quis ter filhos na terra,<br />

aos quais pudesse aplicar todo o seu amor paterno e tudo isso ele fez<br />

não porque o merecessem, mas por causa do beneplácito de sua vontade.<br />

A palavra “beneplácito” foi também usada em Lc 2.14, onde os anjos<br />

cantaram: “... paz na terra aos homens de seu beneplácito”. Os cristãos<br />

devem tudo à boa vontade de Deus e, por isso, a primeira parte desta<br />

doxologia é encerrada com as palavras: “para louvor da glória de sua<br />

graça”. A palavra mais doce para o pecador em toda a Escritura é “graça”,<br />

que aqui é descrita na sua plenitude e que tem a sua fonte na eternidade<br />

e nos atos eternos de Deus. Essa graça ele nos concedeu gratuitamente<br />

no Amado, como Jesus é designado em vários lugares da Escritura (cf.<br />

Mt 3.17; 17.5; Cl 1.13).<br />

V. 7: No v. 7 inicia-se a segunda parte da doxologia dedicada à segunda<br />

pessoa da Trindade, a Jesus. As bênçãos da eleição da graça tornaram-se<br />

nossas graças à obra de Cristo, que pagou o nosso resgate pelo derramamento<br />

de seu sangue e assim nos obteve a remissão dos pecados,<br />

segundo a riqueza de sua graça. Mais uma vez a graça é mencionada e a<br />

sua abundância é enfatizada pela palavra ploutos, riqueza.<br />

V. 8: Essa graça ele nos deu com tanta fartura (NTLH) em termos de<br />

toda a sabedoria e entendimento (NTLH). Sabedoria é a substância do<br />

evangelho. É mais do que conhecimento. É o discernimento penetrante das<br />

realidades divinas. “Cristo se tornou para nós sabedoria ...” 1 Co 1.30). “A<br />

sabedoria, porém, lá do alto é ... plena de misericórdia e de bons frutos<br />

... “ (Tg 3.17). “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (Pv 9.10).<br />

Salomão demonstrou essa sabedoria em sua oração e Jesus crescia nela.<br />

Frónesis é traduzida pela RA por “prudência” e pela NTLH por “entendimento”.<br />

Essa última tradução talvez seja a melhor e reforça uma idéia<br />

que já está em sofía, sabedoria.<br />

Vv. 9-10: Mistério denota o grande plano de Deus para a salvação do<br />

homem e a restauração de todas as coisas, fatos que apenas podem ser<br />

conhecidos pela revelação de Deus. Esse plano Deus desvendou na sua<br />

palavra, que é de fazer convergir em Cristo todas as coisas na plenitude dos<br />

tempos, determinados por Deus, quando seu propósito redentor alcançaria<br />

80<br />

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segundo Domingo após Natal<br />

a sua plena medida com o envio de seu Filho (cf. Mc 1.15; Gl 4.4).<br />

V. 11: Nele também fomos feitos a sua herança, tendo sido predestinados<br />

segundo o propósito daquele que opera tudo eficazmente segundo<br />

o plano da sua vontade.<br />

V.12: A finalidade de tudo isso é para que vivamos para o louvor da sua<br />

glória. E o apóstolo termina a segunda parte de sua doxologia, dedicada<br />

a Jesus Cristo, com uma frase cujo sentido é bastante discutido: “nós, os<br />

que de antemão esperamos em Cristo”. Provavelmente o significado mais<br />

adequado consiste na referência àqueles judeus, que como o próprio Paulo,<br />

tornaram-se crentes em Jesus antes que o fizessem muitos gentios.<br />

V. 13: “Em quem também vós...” provavelmente se refere à maioria dos<br />

efésios, que tinham sido gentios. Começa aqui a parte doxologia dirigida à<br />

obra do Espírito Santo. Também todos os cristãos gentios, como os cristãos<br />

judeus a quem já se fez referência, depois de ouvirem a palavra da verdade<br />

e crerem nela, foram selados com o Espírito Santo da promessa. É o<br />

Espírito Santo o selo, a garantia, que preserva os crentes na fé verdadeira,<br />

como já Lutero afirmou na explicação do Terceiro Artigo.<br />

V.14: O v. 14 apresenta mais uma imagem à obra do Espírito Santo,<br />

arrabón, que foi traduzida por “penhor” pela RA e por “garantia” pela NTLH.<br />

Sua tradução literal, porém, é “primeira prestação”. Era um termo técnico<br />

usado em transações comerciais nos papiros. A nossa posse presente do<br />

Espírito Santo é apenas a primeira prestação e ainda não a nossa completa<br />

herança envolvida em nossa adoção. A doxologia se encerra aqui com o<br />

refrão usado pela terceira vez: “em louvor de sua glória”.<br />

PROPOSTA HOMILÉTICA<br />

Se quisermos aprofundar apenas uma parte do texto, poderemos escolher<br />

uma doutrina específica como, por exemplo, a eleição da graça, a<br />

redenção, ou a conservação na fé verdadeira. Mas seria também oportuno<br />

dar uma visão global de todo o texto em que poderíamos incluir todo o<br />

plano da salvação como, por exemplo:<br />

Louvemos o Deus Triúno por causa das bênçãos derramadas sobre<br />

nós<br />

1. pelo Pai<br />

2. pelo Filho<br />

3. pelo Espírito Santo.<br />

Paulo F. Flor<br />

Dois Irmãos/RS<br />

pfflor@terra.com.br<br />

81<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 81 8/4/2010 18:42:10


Igreja Luterana<br />

EPIFANIA<br />

CONTEXTO LITÚRGICO<br />

“Epifania” – a manifestação de Deus – é muito mais do que um dia<br />

na vida da igreja cristã. No seu sentido mais amplo é o que Deus sempre<br />

tem feito, a saber, fazendo-se conhecer e, pelos seus atos, fazendo-se<br />

ver. A criação é uma “epifania” de Deus porque os céus proclamam a<br />

sua glória. As visões que impulsionaram Abraão são epifanias. Yahweh<br />

falando a Moisés na sarça ardente, o êxodo do Egito, a aliança, o maná,<br />

a chegada à Terra Prometida – cada um destes episódios são de Deus.<br />

Até os profetas, ao se referir prolepticamente ao Messias, estão debaixo<br />

do guarda-chuva do conceito de epifania.<br />

A vida do “Verbo que se tornou carne e habitou entre nós” é uma<br />

epifania. A cruz, tanto quanto a manjedoura, é uma epifania. Deus deixa<br />

a nuvem da invisibilidade para se deixar conhecer e, em Cristo, se deixar<br />

ver. Em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade. Esta é a<br />

maneira de Deus, o nosso Deus, agir na medida em que deseja a salvação<br />

do mundo. Esta é a única forma que tem o ser humano de conhecer e ver<br />

Deus, ou seja, na pessoa de Cristo. Vale lembrar a palavra de Lutero: “Se<br />

alguém procurar Deus fora de Jesus Cristo, não o encontrará”.<br />

O evangelho de hoje é o ponto zero da Epifania na nomenclatura do<br />

ano eclesiástico. A epifania em Belém é paroquial, mas com os Magos do<br />

Oriente é global – eles representam o mundo gentio, de onde procedem.<br />

A relação da leitura do Antigo Testamento com o evangelho é, como na<br />

maioria das vezes, direta, complementar e, aqui, uma relação de profecia<br />

e cumprimento.<br />

TEXTO E COMENTÁRIO<br />

06 de janeiro de 2010<br />

Isaías 60.1-6<br />

V.1: O texto da LXX e da Vulgata acrescenta “Jerusalém” depois dos<br />

verbos “levanta-te, resplandece” (cf. NTLH). Embora tenhamos de preferir<br />

a leitura mais breve, as duas traduções já indicam a quem se referem os<br />

dois verbos iniciais. Estes verbos estão no imperativo feminino; Jerusalém<br />

é descrita como uma mulher. Tais verbos dão a entender que “ela está<br />

prostrada por terra, em vergonha e fraqueza, cercada por uma noite de<br />

miséria” (Ridderbos, Isaías, p. 483). O povo pecou, sim, mas Sião é agora<br />

chamada a levantar-se do seu estado de prostração e abraçar a glória que,<br />

82<br />

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Epifania<br />

por meio de Deus, é sua. Não se trata de uma libertação da Babilônia.<br />

Trata-se de uma libertação para a vida empoderada pelo Espírito de Deus<br />

(cf. 59.21) na qual a luz de Deus é refletida no povo de Deus. Como uma<br />

cidade que refulge aos primeiros raios do sol matutino, o povo de Deus<br />

“reflete” a luz. Como a lua reflete a luz do sol (xrz), o povo reflete uma<br />

beleza que lhe foi presenteada.<br />

O verbo “vir” (awb) descreve a vinda salvífica de Deus, frequente desde<br />

o cap. 40. Agora Deus está aqui, como o sol nascente após uma noite de<br />

tormentos. A “glória” (dAbK') de Deus não tem nada de majestático como<br />

por vezes se sugere, mas é a presença visível de Deus no meio do seu<br />

povo. Deus se revela na nuvem no tabernáculo e no templo. A glória de<br />

Deus é a sua santidade escondida. Na sua “glória” Deus se revela para<br />

que possamos reconhecê-lo e vê-lo. A glória que aparece nas campinas de<br />

Belém é a marca da graça de Deus cujo desejo é a salvação do seu povo.<br />

A “glória do SENHOR” é o evangelho por excelência. Cristo é a “glória do<br />

SENHOR” (cf. Jo 1.14-18) que “nasce” sobre o povo.<br />

V. 2 apresenta o contraste. A linguagem nos reporta ao Êxodo: na terra<br />

do Egito havia espessas trevas, mas na terra de Gósen havia grande luz<br />

(Êx 10.22-23). “As trevas”, com artigo, são específicas; “escuridão” é treva<br />

densa. A conclusão é inevitável: as trevas cobrem a terra, mas sobre vós<br />

(observe o adversativo “mas”) “alvorece” (xrz) Yahweh e sua glória.<br />

V. 3 apresenta o resultado. O termo é “gentios”, sem artigo; assim<br />

também “reis”. Não apenas o povo de Deus, mas multidões de gentios<br />

vêm de todas as partes para ver a glória do SENHOR. Nações deixarão<br />

de gravitar ao redor da escuridão da sua experiência com os ídolos para<br />

apreciar a luz do “alvorecer” (xr;z


Igreja Luterana<br />

foram levadas a exílio. Agora estão voltando. Os que vêm com eles são<br />

amigos, embora antes olhados como inimigos. A luz transforma! Aniquila<br />

as trevas. Ilumina as consciências. As nações trazem os filhos e as filhas. A<br />

imagem é de carinho e sensibilidade: as nações trazem as filhas nos braços<br />

(dc;, lado do corpo). Esta é uma visão hollywoodiana. Quando o coração<br />

do povo vir esta cena, esse coração arderá de felicidade tão grande como<br />

o fogo que arde numa fornalha (Gn 15.17; Êx 8.3 [TM 7.28]).<br />

Se nos v. 4 o destaque é para filhos e filhas, no v. 5 o enfoque é sobre<br />

os gentios e suas riquezas. Camelos e dromedários estão abarrotados.<br />

Isaías fala de um dia em que camelos, descansando de suas longas viagens,<br />

cobrem os espaços ao redor de Jerusalém, suas ruas e vielas. Indicação de<br />

paz e serenidade. Midiã e seu primogênito Efa aparecem em Gn 25 como<br />

descendentes de Abraão por meio de Quetura. Estes filhos de Abraão,<br />

embora distantes, não foram esquecidos. Eles se estabeleceram no golfo<br />

de Elat (o sogro de Moisés vem dessa região). Nessa região tinham hegemonia<br />

sobre o comércio que vinha do sul (Sebá), do norte (Damasco) e<br />

se estendia por todo o planalto da Transjordânia. O foco do seu comércio<br />

estava no ouro e no incenso. O motivo para as nações trazerem de suas<br />

riquezas é claro. Não se trata de ganhar favor por parte do povo de Deus,<br />

ou para reparar eventuais danos causados pelo exílio. Nem tampouco<br />

como reconhecimento de que Israel era uma grande nação ou de raça<br />

superior. Não! As nações trazem suas riquezas com o único objetivo de<br />

“proclamar os louvores do SENHOR”. O Deus, a quem Israel trocara por<br />

outros deuses, é revelado como o único Deus. Israel, tanto como as nações<br />

que se aproximam de Jerusalém atraídas pela Luz resplandecente, dará<br />

testemunho deste Deus. Por meio deste testemunho virá o único Salvador<br />

raiando como o primeiro sol da manhã no dia da criação.<br />

SUGESTÕES HOMILÉTICAS<br />

1. O Natal fala do Messias, diz respeito a Israel; Epifania fala da luz<br />

que se expande com força solar: ela diz respeito ao mundo.<br />

2. O impacto da Luz de Deus não pode ser minimizado na suas implicações<br />

sobre o mundo. Pelo plano de salvação de Deus, seu gracioso<br />

convite se estende a todas as nações, do mais simples ao mais importante.<br />

Apenas esta luz pode trazer perdão e vida aos que se encontram<br />

oprimidos pelas trevas do pecado e da morte. É neste tempo especial de<br />

Epifania que enfocamos Cristo como a luz do mundo sobre o povo de Deus<br />

e especialmente sobre os gentios.<br />

3. O impacto da luz traz naturalmente uma reação. As nações trazem<br />

o que têm de mais precioso para oferecer ao Rei recém nascido. Assim<br />

como os Magos do oriente, trazemos os nossos tesouros para oferecer<br />

84<br />

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Epifania<br />

Àquele que nos criou e nos redimiu. Por meio das nossas riquezas também<br />

servimos ao nosso Deus.<br />

4. A luz e a estrela eram de Deus. As nações, assim como os Magos,<br />

viram, reconheceram e vieram para adorar. Neles a epifania estava resplandecendo.<br />

Que todos nós possamos ter a mesma bênção cada vez que<br />

“empreendermos a jornada” para nos prostrar diante da manjedoura e<br />

do trono.<br />

Acir Raymann<br />

São Leopoldo/RS<br />

raymann@ulbranet.com.br<br />

85<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 85 8/4/2010 18:42:11


Igreja Luterana<br />

Primeiro Domingo após Epifania –<br />

Batismo dE NOSSO senhor<br />

1. TÍTULOS<br />

A nova vida em Cristo – NTLH.<br />

Livres do pecado para a graça – ARA.<br />

A nova vida – Lutero.<br />

2. CONTEXTUALIZAÇÃO<br />

Após dizer a seus leitores que todos somos justificados perante Deus<br />

pela fé, sem as obras da lei, Paulo fala agora dos frutos da fé. Ele afirma<br />

que a fé, bem assim a nova vida do filho de Deus, inicia no santo batismo.<br />

Pelo batismo o filho de Deus se torna participante de Cristo. Ele participa<br />

da morte, da ressurreição e da nova vida de Cristo para glória de Deus<br />

Pai. A graça de Deus nos conduz a deixar o pecado e a viver uma vida<br />

de santificação.<br />

Levando em conta o contexto litúrgico, é importante a lembrança de<br />

que somos herdeiros da graça de Deus mediante o batismo e que fomos<br />

chamados pelo nome (cf. Is 43.1-7) e que agora, como filhos e herdeiros<br />

de Deus, somos conclamados a louvar a Deus e anunciar a sua glória (Sl<br />

29), pois é o Senhor que dá força ao seu povo e o abençoa. O texto de<br />

Lucas 3.15-22 destaca o batismo de Cristo e a mensagem de que Ele nos<br />

batiza com seu Espírito Santo.<br />

3. CONTEÚDO DO TEXTO<br />

10 de janeiro de 2010<br />

Romanos 6.1-11<br />

O texto mostra com precisão que deixar de pecar não é uma atitude<br />

que procede da vontade humana, mas é um fruto da fé, produzido pelo<br />

poder de Deus Espírito Santo através da mensagem do evangelho.<br />

Vv. 1,2: “... será que devemos continuar vivendo no pecado para que<br />

a graça de Deus aumente ainda mais?” Há certa lógica nesta pergunta,<br />

porém seu conteúdo é frio, desprovido de amor, satânica, pois propõe<br />

explorar a bondade de Deus. A resposta do cristão, portanto, não pode<br />

ser outra: “É claro que não! Nós já morremos para o pecado!”<br />

Vv. 3,4: “... quando fomos batizados ... fomos sepultados com ele<br />

86<br />

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primeiro Domingo após Epifania - batismo DE NOSSO senhor<br />

... fomos ressuscitados com Cristo.” Pelo batismo somos participantes<br />

de Cristo. Participamos de sua morte, de sua ressurreição e de sua vida<br />

santa. O batismo nos reveste de Cristo, diz Paulo em Gl 3.27: “Assim se<br />

revestiram com as qualidades do próprio Cristo”.<br />

Vv.5-8: “... se já morremos com Cristo, cremos que também viveremos<br />

com ele”. Com estas duas verdades em mente, o apóstolo descreve “a<br />

realidade de nossa união com Cristo”.<br />

V. 5: Ele afirma que somos semelhantes a Cristo em sua morte e<br />

ressurreição.<br />

V. 6: Ele diz que somos semelhantes a Cristo porque nosso velho homem<br />

foi crucificado com ele.<br />

V. 8: Ele declara que somos semelhantes a Cristo porque morremos<br />

e ressuscitamos com ele.<br />

Vv. 9-11: “... A sua morte foi uma morte para o pecado ... E a vida que<br />

ele agora vive é uma vida para Deus!”. Esta é uma morte gloriosa e uma<br />

qualidade de vida bem especial. Jesus fala em Mateus 5.29,30 de alguém<br />

que arranca o olho, ou corta a mão por serem a causa de seu pecado. Aqui<br />

Paulo mostra que o poder para morrer para o pecado e de ressuscitar para<br />

uma nova vida procede unicamente de Cristo. Vida na qual o nosso corpo<br />

não é mais um “corpo do pecado”, mas corpo que agora é um “sacrifício<br />

vivo e agradável a Deus”. Sabedores de que a morte não tem mais poder<br />

sobre nós e de que Cristo nos dá vida verdadeira por graça, nossa resposta<br />

não pode ser outra do que esta: “considerar-nos vivos para Deus”.<br />

E assim, viver e praticar as obras daquele que nos chamou das trevas<br />

para sua maravilhosa luz.<br />

4. IMPLICAÇÕES DO TERMO “GRAÇA”<br />

O termo grego para graça é káris e implica não uma mentalidade<br />

desconhecida ou ignorada até então, mas sua ação que ocorre agora. A<br />

graça, ao contrário do que muitos pensam, não é uma desculpa para se<br />

continuar no erro, como se tudo o que fizermos de errado irá ser perdoado<br />

em algum momento. Mas a graça é a certeza de que apesar de errarmos<br />

podemos contar com o perdão divino.<br />

A questão da culpa que assola tantas pessoas é trabalhada quando<br />

compreendemos que somos passivos do perdão divino e por isso não precisamos<br />

viver continuamente o peso de nossas escolhas erradas. Quando<br />

falamos em graça de Deus é necessário compreender que o ato máximo<br />

da graça de Deus consiste no fato de que entregou Cristo à morte, e isso<br />

como sacrifício expiatório pelos pecados dos seres humanos.<br />

Pode-se dizer então que a káris é o ato de Deus, um presente para os<br />

seres humanos. A graça também é tudo aquilo que Deus concede ao ser<br />

87<br />

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Igreja Luterana<br />

humano para que ele desenvolva seus dons e ministérios. Paulo chama<br />

de káris o dom do apostolado a ele confiado que, ao mesmo tempo, é<br />

missão: Rm 1.5; 12.3. A prática do amor cristão também é chamada de<br />

káris, pois ela é uma dádiva de Deus: 2 Co 8.1; 2 Co 9.8. Os dons especiais<br />

que os cristãos recebem são chamados karismata (dons da graça):<br />

Rm 12.6; 1 Co 7.7.<br />

Outra questão importante é que, para Paulo, por trás de todo o processo<br />

de salvação está sempre a ação e iniciativa de Deus. Nenhuma<br />

outra palavra expressa sua teologia tão claramente sobre a questão da<br />

salvação como “graça”. A graça em Paulo resume o evento de Cristo,<br />

mas também a graça que relizou a irrupção vital na experiência humana<br />

individual, ou seja, aquilo que nos é dado. A graça também expressa a<br />

capacitação divina que continua através das habilitações e missões especiais.<br />

Em resumo, káris está ligada a agape (amor) no centro mesmo do<br />

evangelho de Paulo.<br />

Mas porque Paulo usa este termo? Uma possível explicação está no<br />

contexto veterotestamentário. Havia duas palavras que tratavam da questão<br />

da graça, e essas duas palavras denotavam ato generoso superior a<br />

um inferior: hen – graça, favor. Mais unilateral, podia referir-se apenas<br />

a uma situação específica e ser retirada unilateralmente. Hesed – favor<br />

gracioso, bondade amorosa, amor de aliança. A segunda palavra era mais<br />

relacional. No seu uso secular implicava grau de reciprocidade: quem recebia<br />

um ato de hesed respondia com um ato semelhante de hesed. Mas,<br />

no uso religioso, estava profundamente arraigado o reconhecimento de<br />

que a iniciativa de Deus era compromisso duradouro.<br />

Para Paulo, então, podemos dizer que a palavra káris denota a unilateralidade<br />

de hen e o compromisso duradouro de hesed. Outra forma de<br />

se explicar este termo por Paulo é através do uso do grego em sua época.<br />

Embora seja um termo comum no grego com uma larga faixa de sentidos<br />

(beleza, boa vontade para com, favor, gratidão por prazer em), káris não<br />

tinha conotação particularmente teológica ou religiosa.<br />

No contexto grego, o termo káris trata de benefício, dos benefícios de<br />

deuses ou de indivíduos para cidades ou instituições, káris como favor<br />

feito, e regularmente no plural karites, “favores” concedidos ou retribuídos.<br />

Neste contexto o termo deve ter sido familiar para Paulo e seus<br />

leitores, diariamente visível nas numerosas inscrições que adornavam<br />

qualquer cidade grega, comemorando ou homenageando benfeitores do<br />

passado. Quando os leitores de Paulo liam a palavra káris, geralmente a<br />

linguagem do benefício terá sido o contexto imediato de significado para<br />

a sua compreensão do termo.<br />

Com base nos significados acima, podemos dizer então que káris pode<br />

ser entendida das seguintes formas:<br />

88<br />

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primeiro Domingo após Epifania - batismo DE NOSSO senhor<br />

1. A graça de Deus é sempre um presente – oriunda da relação com hesed.<br />

Isso é visto numa característica do uso paulino dos termos dorea (presente)<br />

e dorean (de presente), estes usualmente ligados com o conceito de káris.<br />

2. A graça é vista como ação. É um conceito dinâmico para Paulo. Káris<br />

descreve a experiência dinâmica de ser coberto pela graça (2 Co 12.9).<br />

3. É vista também como benefícios concedidos, isto é, derivado do conceito<br />

de hen, que evidencia. Toda graça é expressão da ação divina.<br />

4. A graça é ação generosa e não merecida de Deus do começo ao fim.<br />

5. A graça gera graça. Ao recebermos a graça de Cristo, isso gera em<br />

nós atos de bondade e fraternidade (1 Co 12.7). A graça se manifesta de<br />

forma concreta quando isso é compartilhado com a comunidade. A graça<br />

gera um benefício para o bem comum.<br />

5. SUGESTÃO DE TEMA<br />

Pela graça de Deus estamos unidos com Cristo Jesus!<br />

1. Unidos em sua morte!<br />

2. Unidos em sua ressurreição!<br />

3. Unidos em sua nova vida para a glória do Pai.<br />

Paulo Gerhard Pietzsch<br />

São Leopoldo/RS<br />

pgpietzsch@yahoo.com.br<br />

89<br />

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Igreja Luterana<br />

Segundo Domingo após Epifania<br />

17 de janeiro de 2010<br />

Salmo 128; Isaías 62.1-5; 1 Coríntios 12.1-11; João 2.1-11<br />

1. Contexto<br />

O texto faz parte da terceira grande seção do livro de Isaías. O povo<br />

repatriado da Babilônia tem que lidar com problemas do dia-a-dia, desânimo,<br />

imoralidade, injustiça social. E a fidelidade de Deus continua sendo<br />

relembrada como fundamental para a salvação. O Deus que se manifesta é<br />

justo e amoroso, poderoso para transformar água em vinho, para derrotar<br />

impérios, indicar os pecados e mostrar-se como a única salvação.<br />

2. Texto e intertextualidade/propostas homiléticas<br />

A. O amor de Deus pelo povo<br />

Muitas autores traduzem !AYci ![;m;l. como “por amor de Sião” (Almeida,<br />

NTLH, Reina-Valera). Já a Septuaginta e a Vulgata preferem “por causa de”.<br />

Em ambos os casos fica claro que Sião, Jerusalém, ou seja, o povo, está<br />

sob o olhar gracioso de Yahweh e o profeta continua a falar da consolação<br />

divina (Is 61.1ss.). O cuidado de Deus tem sido revelado de geração em<br />

geração. A própria sequência das profecias destaca este cuidado em Lei<br />

e Evangelho. Seja sob a ameaça dos assírios, seja no cativeiro babilônico<br />

ou ainda na reconstrução da nação após a escravidão, Deus anuncia seu<br />

desejo de salvar e seu desejo de justiça. O amor de Deus se revela apesar<br />

de Sião, apesar dos pecados do povo e de sua idolatria. O pecado é<br />

ameaça constante de separação de (com) Deus. Em Is 59.2ss. o profeta<br />

relembra a injustiça humana, a podridão do coração afastado de Deus.<br />

E nessa situação o ser humano, a sociedade, não pode encontrar a paz,<br />

não só escatologicamente, mas na realidade presente. Aliás, como seu<br />

contemporâneo Amós, Isaías não deixa de enfatizar a justiça agora, o<br />

~Alv' futuro que traz paz hoje.<br />

Se a missão cristã de levar a justiça da fé a todos os seres humanos<br />

se fundamenta sobre a promessa javista feita a Abraão (Gn<br />

12.3) e sobre a escatologia profética do livro de Isaías (Is 2.1-4;<br />

25.6-8; 45.18-25; 60.1-22), devendo ela transformar essas esperanças<br />

em realidades presentes, então seu horizonte não só<br />

abrange o estabelecimento da fé entre os gentios (Rm 15.18),<br />

90<br />

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Segundo Domingo após Epifania<br />

mas também aquilo que no Antigo Testamento se esperava como<br />

bênção, paz, justiça e plenitude de vida (ver Rm 15.8-13). Tudo<br />

isso é antecipado na força do amor, que une, em uma só comunidade,<br />

fortes e fracos, servos e livres, judeus e gentios, gregos<br />

e bárbaros. (MOLTMANN, 2005, p.409)<br />

A justiça que Deus traz ao povo, a salvação, é e será vista por<br />

todos (cf. Is 58.11).<br />

b. Justiça e Salvação<br />

O profeta não se calará, não descansará até (d[;) que a salvação fique<br />

totalmente descoberta, sob a luz do dia. A consequência da justiça divina/salvação<br />

é a glória de Jerusalém. A voz do profeta se confunde com<br />

a voz de Deus desde 61.8 para atestar que a obra graciosa de Deus será<br />

executada. E os versículos 2 e 3 mostram os desdobramentos desta ação<br />

divina. As nações e reis não têm glória que se compare (conf. Rm 8.18).<br />

O cântico de Simeão (Lc 2.29-33), a partir de Isaías, aponta o Cristo como<br />

a salvação que é luz para todos. E o povo de Deus (gentios e judeus justificados<br />

– a Igreja) será uma coroa de glória (NTLH: bela coroa) na mão<br />

de Deus, ou seja, o próprio Deus sustenta e ergue a coroa.<br />

c. Casamento Perfeito<br />

Os versículos 4 e 5 apresentam a imagem do casamento, o que nos<br />

leva a Ap 19.7 e 21.2 onde o Cordeiro é apresentado como o noivo. A união<br />

entre o Cordeiro e Jerusalém é festejada como uma festa de casamento,<br />

um momento inigualável de alegria (cf. 61.10-11).<br />

A união com Deus traz uma mudança radical até da visão que temos<br />

de nós mesmos. Em Is 49.14 Sião acusa Deus de tê-lo desamparado e<br />

em 62.4 Deus mostra que seu amor por Jerusalém a faz querida, esposa<br />

amada (NTLH).<br />

Novamente percebemos o quanto nós somos indignos do amor perfeito<br />

de Deus. E nossa união com Ele, o estabelecimento de uma aliança de<br />

paz, a Igreja, só é possível por causa da justiça da fé, não a justiça das<br />

nossas obras ou méritos. Lutero, numa breve exposição de Is 62.2 de<br />

1532 relembra que “o artigo da justificação e da graça é o mais prazeroso,<br />

e ele sozinho faz de uma pessoa um teólogo e de um teólogo um juiz da<br />

terra e de todos os assuntos. Mas há poucos que o tem entendido bem e<br />

que o ensinam corretamente.”<br />

Note que a salvação e a justiça (v.1) aparecem sinonimicamente (justificando<br />

a NTLH que usa “vitória” ao invés de justiça). A sua justiça (Hq'd>cii)<br />

e a sua salvação (Ht'['WvywI) já são plenamente ensinadas e apontadas no<br />

servo sofredor em Is 53. Paulo (Rm 5.1,2; 3.26) faz a conexão entre a<br />

91<br />

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Igreja Luterana<br />

justificação e a paz e ainda visualiza a glória de Deus (cf. Rm 8.18ss.). E<br />

então cada cidadão de Jerusalém, cada justificado, é beneficiado com um<br />

novo nome, uma nova vida (Is 62.10,12).<br />

Com a justiça e a salvação que Deus traz, o povo e cada indivíduo<br />

não precisam temer ameaças ou vergonha. O profeta Isaías (“o Senhor<br />

salva”) nos relembra que o Deus glorioso agradou-se em nos salvar e por<br />

mais que pareçamos desolados aos olhos do mundo, desamparados diante<br />

do materialismo e hedonismo atuais, seremos coroa de glória na mão do<br />

Senhor, queridos por ele, em paz eterna.<br />

3. Sugestão de Tema<br />

Justiça e Salvação (e um casamento glorioso)<br />

1. A noiva infiel<br />

a. Do cativeiro ao retorno: histórias e injustiças.<br />

b. Das trevas para a luz: ainda imperfeitos (nós).<br />

2. O noivo perfeito<br />

a. Deus santo e justo: a tristeza e ira de um Deus perfeito<br />

b. Deus amoroso: a justiça e a salvação.<br />

c. O Messias veio!<br />

3. O casamento glorioso<br />

a. Justificados: em paz com Deus.<br />

b. Aguardando a festa final e já brilhando a glória de Deus.<br />

Fernando Henrique Huf<br />

CEL Redentor - São Paulo/SP<br />

fhhuf@uol.com.br<br />

92<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 92 8/4/2010 18:42:11


TeRCEIRO Domingo após Epifania<br />

24 de janeiro de 2010<br />

1 Coríntios 12.12-31a<br />

1. CONTEXTO HISTÓRICO E LITÚRGICO<br />

A primeira carta aos Coríntios é enviada para uma igreja que estava<br />

enfrentando muitos problemas, entre eles, confiar em outros deuses. A<br />

cidade possuía duas divindades locais, Poseidon, o deus do mar, e Afrodite,<br />

deusa do amor sexual. Paulo nesta carta quer alertá-los das falhas<br />

e assim tentar redirecioná-los.<br />

Corinto era uma das principais cidades comerciais do Império Romano.<br />

Sua localização fazia dela um centro natural de comércio e transporte,<br />

portanto muitas pessoas passavam por esta cidade.<br />

Neste texto, Paulo está falando sobre os dons espirituais. O uso dos<br />

dons espirituais era um dos temas que os Coríntios tinham pedido conselhos<br />

para o apóstolo. Muitos deles eram atraídos pelos dons mais espetaculares<br />

assim como também nos nossos dias muitas pessoas são atraídas pelos<br />

dons que “aparecem mais”.<br />

No que se refere ao contexto litúrgico, os textos falam da importância<br />

da Palavra de Deus. Na leitura do Antigo Testamento temos Esdras lendo<br />

a Palavra de Deus e as pessoas que o ouviram ficaram comovidas com o<br />

ouvir da Palavra.<br />

É importante destacar o que Jesus ensina no evangelho. Ele destaca<br />

através de exemplos que Deus não resolveu todos os problemas sociais dentro<br />

do povo de Israel, mas enviou, por exemplo, Elias a somente uma viúva<br />

de Sarepta. O que podemos entender disso em relação aos outros textos?<br />

Jesus quer mostrar que o mais importante é a fé em Jesus, que Ele não<br />

quer que nos vangloriemos por ter mais dons ou termos recebido de Deus<br />

mais do que os outros. Relacionando este texto com a Epístola, notamos a<br />

importância do dom do anúncio da Palavra de Deus e da importância do uso<br />

dos nossos dons para o bem de toda a Igreja. Nesta comparação podemos<br />

também destacar que na epístola o apóstolo coloca, entre os dons, os de<br />

apóstolo e profeta em primeiro lugar. Isso demonstra a grande importância<br />

do anúncio do Evangelho para edificação do Corpo de Cristo.<br />

2. ÊNFASES, EXPRESSÕES QUE SE DESTACAM, ANÁLISE<br />

V.12: O versículo 12 contém a partícula ga.r (pois) que relaciona este<br />

versículo com o contexto anterior. O contexto anterior fala da diversidade<br />

93<br />

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Igreja Luterana<br />

de dons, onde cada pessoa cristã recebe de Deus o seu dom. Mas estes<br />

são diversos. E isso é extremamente relevante quando agora o apóstolo<br />

fala do corpo com diversos membros. Pois assim como um corpo possui<br />

muitos membros, assim também a Igreja possui várias pessoas com dons<br />

diferentes.<br />

Paulo usa aqui a palavra sw/ma que significa “o corpo como um todo”.<br />

Ele usa esta imagem para ressaltar o aspecto da unidade. Ele mostra a<br />

realidade da unidade entre os membros em um só corpo. E esta unidade<br />

deve ser notada quando ele fala de Cristo como um só corpo. Quando ele<br />

fala do corpo de Cristo, ele destaca a natureza essencial da Igreja, a unidade<br />

sobre a cabeça do corpo, que é o próprio Cristo. Ele também ressalta<br />

as diferentes funções exercidas pelos diferentes membros do mesmo.<br />

Vv.13-16: “Em um só Espírito fomos batizados” – Outra vez mostra a<br />

unidade, mas agora ele destaca que ela está em torno do mesmo Espírito<br />

Santo, um único Espírito. E todos aqueles que são batizados em nome do<br />

Pai, do Filho e do Espírito Santo fazem parte de um só corpo. Aqui não<br />

importa qual a origem étnica (judeu ou grego), ou posição social (escravo<br />

ou livre); todos os que foram batizados fazem parte de um mesmo corpo.<br />

Essa referência parece ser uma resposta àqueles que estavam fazendo<br />

da Igreja uma grande divisão em diversos partidos (cf. 1 Co 1.12: Eu sou<br />

de Paulo, e eu, de Apolo, e eu de Cefas, e eu, de Cristo). Aqui podemos<br />

ressaltar um aspecto importante: é o batismo que nos faz membros do<br />

corpo de Cristo, da Igreja.<br />

V.17: O apóstolo mostra a importância de cada membro do corpo de<br />

Cristo. Não temos os mesmos dons e isso é muito bom. Se todos tivessem<br />

os mesmos dons, a Igreja seria o caos, assim como se o corpo somente fosse<br />

um membro não poderia realizar a maioria das suas funções vitais.<br />

V.18: Deus nos coloca onde Ele quer. É Ele quem nos dá os dons e<br />

devemos desempenhá-los onde Deus nos envia. Não devemos procurar<br />

por dons que não sejam os nossos, mas aceitar o dom que Deus nos deu<br />

e usá-lo.<br />

Vv.19-21: A Igreja precisa de todos os dons. Não podemos desprezálos,<br />

mas usar a todos. Assim como um corpo só funciona bem se todos<br />

os membros estão bem, assim também a Igreja precisa de todos para<br />

estar “saudável”.<br />

Vv.22-26: Todas as partes do corpo fazem suas atividades em conjunto.<br />

Assim também no corpo de Cristo todos estão unidos em um único<br />

objetivo. E se uma parte sofre, todas sofrem em conjunto.<br />

Vv.27-31a: Na Igreja há a necessidade de uma ordem, e Deus coloca<br />

um certo parâmetro para o seu bom funcionamento. Nesta ordem estão<br />

em primeiro lugar os apóstolos e profetas. Com isso ele quer ressaltar<br />

novamente a importância da centralidade no anúncio do Evangelho. Não<br />

94<br />

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Segundo Domingo após Epifania<br />

que os outros dons sejam menos importantes, mas eles provêm deste.<br />

O cristão deve buscar os melhores dons, isto é, aqueles que contribuem<br />

para o bem de todos.<br />

3. PARALELOS, PONTES, PONTOS DE CONTATO<br />

O texto da epístola vai na contramão do dia a dia em que vivemos.<br />

Estamos em um mundo que ressalta o bem estar pessoal. Denominações<br />

religiosas prometem resolver os problemas pessoais de cada indivíduo.<br />

Mas nós devemos buscar a unidade do corpo de Cristo, isto é, buscar o<br />

bem estar comum.<br />

Uma pergunta intrigante que devemos fazer após o estudo do texto:<br />

Estamos vivendo como corpo de Cristo? Estamos “sofrendo” ou nos importando<br />

quando algum membro do corpo de Cristo sofre?<br />

Todos os dons são impotantes. Todos nós temos de Deus um dom<br />

especial que deve ser usado para o bem do corpo.<br />

4. SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO<br />

Assunto: A unidade no corpo de Cristo<br />

Objetivo: Mostrar a importância da Palavra de Deus, que edifica todo<br />

o corpo.<br />

Tema: Buscai os melhores dons<br />

Desdobramentos:<br />

I. O que são dons? Qual o seu benefício? (Para Igreja e para mim).<br />

A busca por dons é um dos grandes objetivos de muitas pessoas. Mas<br />

diante disso devemos perguntar: Os dons que buscamos edificam o corpo<br />

de Cristo ou edificam somente a nós mesmos?<br />

II. A busca por dons que edificam somente a pessoa. Estamos<br />

cercados por pessoas que querem se vangloriar por terem melhores ou<br />

mais dons (ver também 1Co 14). Nós também muitas vezes caímos no<br />

erro de achar que somos melhores cristãos do que outros.<br />

III. Busquemos os melhores dons. Anunciar a Palavra de Deus é<br />

o melhor dom e cada dom é importante e precisa ser usado. Como um<br />

corpo precisa de todos seus membros, assim a Igreja precisa de todos os<br />

dons. Colocando-nos à disposição a serviço do Senhor com nossos dons<br />

podemos mostrar a Jesus e edificar a toda a Igreja, o corpo de Cristo.<br />

Clóvis Renato Leitzke Blank<br />

Itinga do Maranhão/MA<br />

clovisblank@yahoo.com.br<br />

95<br />

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Igreja Luterana<br />

Quarto Domingo após Epifania<br />

31 de janeiro de 2010<br />

Salmo 71.1-6(7-11); Jeremias 1.4-10 (17-19);<br />

1 Coríntios 12.31b-13.13; Lucas 4.31-44<br />

CONTEXTO (CENÁRIO LITÚRGICO, HISTÓRICO)<br />

Epifania e Antigo Testamento: É o momento de lembrar como Deus<br />

se mostra aos seus filhos: estamos no 4º. Domingo do período de Epifania.<br />

Quase um mês refletindo sobre as amostras grátis da glória divina.<br />

Quando Deus se manifesta e age, os homens reagem, respondem, atuam,<br />

vivem, amam de verdade. Deus nos cria com um propósito e atua inclusive<br />

antes da nossa vida: “Desde o ventre da minha mãe” (Salmo). “Antes<br />

de formá-lo no ventre, eu te escolhi. Antes de você nascer, eu o separei<br />

e o designei profeta às nações” (Jeremias). Esse ponto de partida, onde<br />

Deus trabalha em coisas que não vemos, permite que seus propósitos<br />

sejam cumpridos mais adiante. Ação divina, reação humana. “Tu és a<br />

minha esperança ... em ti está a minha confiança desde a juventude ...<br />

eu sempre te louvarei” (Salmo). Mesmo quando nos sentimos limitados,<br />

Deus nos diz: “Agora ponho em sua boca as minhas palavras” ... “Eu hoje<br />

dou a você autoridade sobre nações e reinos” (Jeremias). Precisamos<br />

ser lembrados que a capacidade sempre vem de Deus e ele atua onde e<br />

como quer.<br />

Epifania e Evangelho: Enquanto as pessoas buscam a fama (ser visto<br />

junto a famosos, aparecer em fotos e revistas, Big Brother, etc.), a fama<br />

de Jesus surgia sozinha. “Sua fama se espalhava por toda a região”. Sua<br />

missão, porém, não era ficar famoso, mas salvar a humanidade. As pessoas<br />

se concentravam mais nos milagres e resultados que no arrependimento e<br />

confiança no Filho de Deus. Por isso saiu para um lugar deserto dizendo:<br />

“É necessário que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também às<br />

outras cidades”. Epifania nos ajuda a ver um Deus grande e poderoso,<br />

mas parafraseando a Jesus: “nem só de sobrenatural vive o homem”.<br />

Deus atua também nas coisas simples da vida. Deus segue atuando. Nós<br />

reagimos com amor.<br />

ANALISANDO E APLICANDO – 1 CORÍNTIOS 13<br />

O apóstolo Paulo analisa os diferentes dons na comunidade de Corinto,<br />

comparando-os com um corpo humano (1 Coríntios 12). Todos são<br />

importantes e necessários. Cada um tem uma função. Mas não era o que<br />

96<br />

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quarto Domingo após Epifania<br />

pensavam os coríntios. Havia orgulho e discriminação quanto ao uso dos<br />

dons. Alguns até mostravam determinadas capacidades, mas não necessariamente<br />

eram respostas ao amor de Deus. Por isso, antes de entrar no<br />

capítulo do amor, como é tão conhecido o capítulo 13 da Primeira Carta<br />

de Paulo aos Coríntios, está a seguinte observação (válida também para<br />

nossa atualidade): “Passo agora a mostrar-lhes um caminho ainda mais<br />

excelente”. Mais que qualquer dom ou qualidade espiritual, precisamos<br />

do amor, do amor na prática.<br />

Alguns destaques que podem ser úteis:<br />

- Amor: Paulo escolhe a palavra grega ágape. Deixa de lado o termo<br />

eros, que significava um objeto desejável, adorado, especialmente para<br />

o amor entre o homem e a mulher (herdamos algumas palavras como<br />

erotismo, erótico). O termo mais utilizado para a reação de afeto, filia<br />

também é desprezado por Paulo (filosofia, filantropia). Ele prefere ágape,<br />

que é mais que afeição mútua, mas expressa a valorização altruísta no<br />

objeto amado. Ama não para receber algo em troca, mas porque tem<br />

vontade de amar. Assim é o amor de Cristo por nós: imerecido e não tem<br />

exigências de retorno.<br />

Falar em outras línguas dos homens era o máximo para aquele contexto<br />

(ver 1 Coríntios 12). Imaginem então falar a língua dos anjos. “Mas se não<br />

tiver amor” é a expressão que se repete por três vezes, mostrando que<br />

estes dons podem ser importantes quando são respostas do amor de Deus<br />

em Cristo. Outras línguas nada mais seriam que um ruído como de um<br />

sino, de um prato, de uma bateria que toca fora do ritmo. Na Grécia, que<br />

priorizava o conhecimento, que visitava os oráculos para saber o futuro e<br />

desvendar os mistérios da humanidade, saber que isso não é importante<br />

quando falta o amor (características dos fracos e ingênuos), era um golpe<br />

muito forte na cultura e formação dos habitantes de Corinto. Estes também<br />

estavam animados com as palavras de Jesus que prometiam poder<br />

mudar montanhas só com a força da fé e da oração. Agora Paulo diz que,<br />

sem amor, tamanha fé não serve para nada. Inclusive a solidariedade é<br />

questionada. Nem se trata da quantia que é doada, de quem é ajudado ou<br />

inclusive do extremo de entregar o corpo para ser queimado por alguma<br />

causa: se não tiver amor, de nada serve.<br />

Então, o que realmente é o AMOR? Paulo não utiliza seu academicismo<br />

para aprofundar a definição de amor, mas prefere relacionar o amor<br />

adequado com suas características. Na teoria, amar é fácil. Na prática, é<br />

um interessante desafio. Amor que é paciente e não olha no relógio. Que<br />

é bondoso porque sim, independente do que o outro tenha me feito ou vai<br />

deixar de fazer. Amor, que na relação com outras pessoas, mantém uma<br />

característica de humildade total: todos os outros são mais importantes e<br />

necessitam de ajuda. Amor que respeita e não é agressivo nem autoritário.<br />

97<br />

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Igreja Luterana<br />

Amor que nunca pode ser vingativo. Amor que tenha compromisso sempre<br />

com a verdade e não se esconde quando a crise ou a injustiça aparece.<br />

Transitoriedade: antes de oferecer uma conclusão, Paulo abre uma janela<br />

para mostrar a pequenez do homem em relação ao Criador. Agora tudo<br />

é provisório, passageiro, instável. Para esses momentos de turbulência,<br />

precisamos do mais importante: o amor que sofre, aguenta, confia, espera<br />

pela superação das dificuldades. Isso um dia deixará de existir. Será outra<br />

dimensão. Agora recebemos como que um reflexo da luz mais importante.<br />

Depois, na presença gloriosa de Deus, estaremos cara a cara com o Criador.<br />

Agora reagindo como crianças ingênuas, depois como adultos maduros<br />

na companhia daquele que é especialista em amar e, por amor, nos leva<br />

de volta ao Paraíso. Agora como num espelho opaco, depois com toda a<br />

nitidez, desfrutando do que Deus preparou aos seus filhos.<br />

SUGESTÕES HOMILÉTICAS<br />

Introdução: Muito mais que aparências, é preciso ver o coração. Saint<br />

Exupéry: O essencial é invisível aos olhos. Como julgamos as pessoas:<br />

pelo que são ou pelo que têm ...<br />

- Nossa realidade na sociedade: importância da aparência e da fama,<br />

dos resultados, do imediato. Os motivos são ignorados. Não interessa se<br />

é por amor ou não. Ação social pode ser uma boa maneira de acalmar a<br />

consciência, de dar ibope, de melhorar a fama.<br />

- A realidade de Jesus: veio para servir e dar sua vida em favor de<br />

muitos. A fama era resposta do povo, pois Jesus se preocupava com os<br />

mais humildes e necessitados. Fama: ajuda, mas também pode tirar o<br />

foco da missão principal que era salvar os homens.<br />

Conclusão: Nossa realidade na igreja: o mais importante são os<br />

resultados? Estamos preocupados com nossa fama? O desafio de Paulo,<br />

inspirado por Deus, ainda é válido: “Se não tiver amor ... não tem valor”.<br />

Como viver esse amor que é fiel, que perdoa, que é paciente numa sociedade<br />

tão antagônica? Esse é o desafio que Cristo nos apresenta.<br />

P.S.: Estimado colega:<br />

Que Deus te utilize para levar uma mensagem de vida e amor aos que<br />

te chamaram como pastor. Que o Espírito Santo trabalhe tua mensagem<br />

para que o amor deixe de estar na mente e passe a estar no motor da vida,<br />

em cada coração. Desde Montevidéu, no Uruguai, um forte abraço.<br />

Christian Hoffmann<br />

Montevidéu/Uruguai<br />

luterana@adinet.com.uy<br />

98<br />

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Quinto Domingo após Epifania<br />

07 de fevereiro de 2010<br />

A. CONTEXTO<br />

Isaías 6.1-8(9-13)<br />

- Uzias começou a reinar sobre Judá, o reino do Sul, provavelmente<br />

em 791 a.C. Era, então, um jovem de dezesseis anos. Também era conhecido<br />

como Azarias (2 Reis 15.1). Ele reinou 52 anos (morreu em cerca<br />

de 740 a.C).<br />

- Diante de Deus, Uzias começou bem seu reinado, com reformas, e<br />

terminou mal, leproso, e excluído da casa do Senhor por causa de seu<br />

orgulho. Com a sua morte, indicada no texto de Isaías, a nação entrou<br />

em crise.<br />

- É nesse contexto que acontece a visão e o chamado de Isaías. Após<br />

a morte de Uzias, ele está no templo quando um cenário fantástico é<br />

construído para que ouvisse a voz de Deus e o chamamento para uma<br />

missão em nome dele.<br />

B. TEXTO<br />

- O texto é desenvolvido no contexto de uma visão. Na Bíblia, as visões<br />

costumam conter elementos sobrenaturais e figurados.<br />

- Isaías vê o Senhor em seu trono, vestido de vestes imponentes.<br />

Serafins (seres celestiais somente mencionados em Isaías) voam ao redor<br />

dele. Obviamente, a intenção da narrativa é também demonstrar a<br />

grandiosidade, o poder de Deus.<br />

- A mesma intenção aparece no trishagion dos serafins – a tríplice<br />

repetição do termo “santo” como referência a Deus. A tríplice repetição<br />

passou a fazer parte do culto cristão e é uma das marcas do Cristianismo.<br />

Alguns intérpretes também sugerem que é uma referência à Trindade.<br />

- Diante da imponência da cena e da presença de Deus, Isaías se sentiu<br />

impotente e temeroso. Seu brado foi “ai de mim! Estou perdido!” (v.5). Ele<br />

mesmo explica o contraste diante do qual se encontrava: era um homem<br />

de “lábios impuros”, que vive no “meio de um povo de impuros lábios” – e<br />

viu o Santo, o Senhor dos Exércitos (v. 6).<br />

- Mas bastou o poder de Deus tocar a boca de Isaías para que os seus<br />

pecados fossem perdoados e ele estivesse pronto para a missão diante<br />

do povo de Deus (vv. 6,7).<br />

- O versículo 8 concentra a essência do chamamento. De um lado,<br />

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Igreja Luterana<br />

está a pergunta (digamos retórica) de Deus: “A quem enviarei, e quem há<br />

de ir por nós?”. De outro lado está a resposta positiva de Isaías: “Eis-me<br />

aqui, envia-me a mim”.<br />

- Os versículos 9-13, optativos para a leitura da perícope, concentram<br />

questionamentos de Isaías e orientações de Deus acerca da tarefa<br />

profética.<br />

C. SERMÃO – COMENTÁRIOS<br />

- O texto de Isaías oferece várias ideias que podem ser utilizadas em<br />

um sermão. Todavia, é evidente que o foco é o chamado de Isaías para<br />

ser mensageiro de Deus diante do povo.<br />

- O contexto do chamado de Isaías pode incorporar elementos importantes<br />

do ensino bíblico e que podem resultar em um ou mais sermões: a)<br />

O poder de Deus; b) O pecado humano (no caso, individual e coletivo); c)<br />

O perdão de Deus; d) O chamado propriamente dito como mensageiro.<br />

- A presença dos três “santos” sugere uma conexão com a estrutura<br />

litúrgica básica da Igreja Cristã.<br />

- O tema do chamado para ser mensageiro de Deus é evidente nos<br />

textos do dia, particularmente no Evangelho, Lucas 5.1-11.<br />

- A pecaminosidade humana é o foco da ação de Deus. Ele quer a salvação<br />

dos seres humanos. Essa é a sua natureza, a sua obra permanente.<br />

Essa é a missão dos seus mensageiros de todos os tempos, de acordo com<br />

a manifestação peculiar que o pecado toma no momento histórico.<br />

- Deus usa agentes humanos. Se, de um lado, isso pode parecer assustador,<br />

diante do contraste existente entre o Criador e a criatura, de<br />

outro lado é consolador. Mostra o interesse de Deus pelas suas criaturas<br />

e que quer envolvê-las em seu projeto de restauração.<br />

- O perdão de Deus é vital para o exercício profético. É ele quem chama<br />

e quem capacita. Hoje, ele o faz em nome e por causa de Jesus.<br />

- O chamado de Deus à fé em Jesus é um chamado ao serviço cristão,<br />

que se manifesta concretamente de diversas maneiras no dia a dia. A<br />

“denúncia profética” é uma delas. O cristão precisa ser lembrado e orientado<br />

a “ouvir” a voz de Deus e responder a ela criativamente.<br />

D. SERMÃO – IDEIAS<br />

Os comentários acima indicam um rumo para um desenvolvimento<br />

padrão do sermão. A seguir, algumas ideias de como agregar elementos<br />

que podem levar a novas perspectivas e promover a interação entre o<br />

pregador e o ouvinte. Note que certas interferências precisam de preparação<br />

prévia dos participantes.<br />

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quinto Domingo após Epifania<br />

- Abrir o sermão com uma rápida encenação da essência do diálogo<br />

do texto de Isaías. Os atores podem ser o pregador e um ouvinte, ou dois<br />

ou três ouvintes.<br />

- Após contextualizar o chamado de Isaías, o pregador pode solicitar<br />

a um ou dois ouvintes para que façam um exercício de imaginação sobre<br />

como um chamado divino espetacular poderia ocorrer hoje.<br />

- O relato de Lucas pode ser usado para encenar rapidamente outra<br />

forma de como o chamado divino pode ocorrer.<br />

- Na aplicação, o pregador pode solicitar a um ou dois ouvintes o que<br />

farão de concreto para responder ao chamado de Deus hoje.<br />

Dieter Joel Jagnow<br />

Ribeirão Preto/SP<br />

dieterjj@gmail.com<br />

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Último Domingo após Epifania -<br />

Transfiguração do Senhor<br />

1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES<br />

Por ser um texto, ou melhor, a descrição de um maravilhoso e especial<br />

acontecimento, que deixou os circunstantes extasiados, querendo muito<br />

“ficar ali porque era bom”, vale a pena reler e recordar a descrição da<br />

transfiguração no evangelho e reler e recordar também o texto do Antigo<br />

Testamento para esse domingo.<br />

Deuteronômio 34: “... assim, morreu ali Moisés, servo do Senhor<br />

... e ninguém sabe, até hoje, o lugar da sua sepultura. Nunca mais se<br />

levantou em Israel profeta algum como Moisés, com quem o Senhor tivesse<br />

tratado face a face”.<br />

Lucas 9: “... E aconteceu que, enquanto ele (Jesus) orava, a aparência<br />

do seu rosto se transfigurou e suas vestes resplandeceram de brancura. Eis<br />

que dois varões falavam com ele: Moisés e Elias, ... veio uma nuvem ... e<br />

dela veio uma voz, dizendo: Este é o meu Filho, o meu eleito; a ele ouvi.<br />

Depois daquela voz, achou-se Jesus sozinho. Eles calaram-se e, naqueles<br />

dias, a ninguém contaram coisa alguma do que tinham visto”.<br />

A partir disso, o passo seguinte é concluir e reconhecer que Jesus se<br />

assemelha a Moisés, porém, é superior na qualidade de apóstolo e sumo<br />

sacerdote. Cristo é o cumprimento do que Moisés apontava e previu. Cristo<br />

não aponta para outro senão para si mesmo.<br />

2. TEXTO<br />

V. 1: “Por isso, santos irmãos, que participais da vocação celestial...”.<br />

O autor, sem dúvida, deseja nessas alturas enfatizar o estabelecido no<br />

início da epístola: o fato de que Deus diz sua palavra final e salvadora a<br />

respeito de seu Filho Jesus Cristo. Por isso os leitores são encorajados<br />

pelo definitivo nome de: santos irmãos. Todos cristãos são santos, santificados,<br />

consagrados a Deus em virtude da fé que foi acesa, iniciada em<br />

seus corações. Através do chamado de Deus pelo Evangelho, eles têm<br />

assegurada a participação em todas bênçãos e tesouros celestiais.<br />

Vv. 2,3: “... Jesus, todavia, tem sido...”. A qualificação especial de<br />

Jesus para seu importante ofício eram e são sua fidelidade “àquele que o<br />

constituiu” na qual nós e todos fiéis podemos nos agarrar e crer. Moisés<br />

102<br />

14 de fevereiro de 2010<br />

Hebreus 3.1-6<br />

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ÚLTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIA - TRANSFIGURAÇÃO<br />

também o fora “em toda a casa de Deus”, na congregação dos crentes do<br />

Antigo Testamento. Porém, pode-se concluir que o texto indica não poder<br />

comparar-se verdadeiramente a fidelidade de Moisés com a de Jesus.<br />

V. 4: “Pois toda casa é estabelecida por alguém, mas aquele que estabeleceu<br />

todas as coisas é Deus”. Quem constrói, estabelece, equipa a<br />

“casa de Deus”, ou seja, a Igreja em toda sua plenitude é Jesus Cristo. Ele<br />

é, por assim dizer, o construtor da estrutura da Igreja. Deus, de qualquer<br />

modo, é o autor e criador de todas as coisas e, por conseguinte, Jesus,<br />

como Deus, merecedor de muito mais honra que Moisés.<br />

Vv. 5, 6: “E Moisés era fiel ... como servo ... Cristo, porém, como<br />

Filho, em sua casa; a qual casa somos nós, se guardarmos firme, até ao<br />

fim, a ousadia e a exaltação da esperança”. Moisés, como servo, era fiel<br />

em toda casa de Deus como testemunha das coisas que precisavam ser<br />

anunciadas e estavam por vir. Jesus Cristo, porém, era fiel como Filho,<br />

em sua casa que somos nós. A esperança dos crentes não é instável, nem<br />

incerta, nem se apóia em certa quantidade de sentimentos. Ela, porém,<br />

está apoiada, sustentada nas promessas poderosas e amorosas do Senhor.<br />

E é muito importante não esquecer que todas as promessas e bênçãos<br />

são prometidas e asseguradas a aqueles que estiverem abraçados e firmados<br />

na esperança prometida em Cristo e que a guardarem firme, com<br />

ousadia e exaltação.<br />

3. INDICATIVOS HOMILÉTICOS<br />

Também dizemos com Pedro, como “novas criaturas” que querem estar<br />

sempre junto dos irmãos e irmãs e, principalmente, do Senhor: Bom é<br />

estarmos aqui!<br />

- Moisés foi o mediador humano da antiga aliança. Foi servo do Senhor<br />

especial e sem paralelo.<br />

- Jesus é o mediador da nova aliança como Apóstolo e Sumo Sacerdote:<br />

como Deus, foi enviado para revelar Deus aos homens. Como Homem,<br />

tornou-se Sumo Sacerdote a fim de reconciliar os homens a Deus.<br />

- É necessário, por todas essas coisas, “guardarmos firme, até o fim,<br />

a ousadia e a exaltação da esperança”, ou seja, aberta confiança e exultante<br />

testemunho.<br />

Norberto Ernesto Heine<br />

Porto Alegre/RS<br />

norbertoeh@via-rs.net<br />

103<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 103 8/4/2010 18:42:11


Quarta-feira de Cinzas<br />

1. TEMÁTICA DAS LEITURAS<br />

Os textos do dia sinalizam que o legítimo arrependimento descarta<br />

rituais externos quando esta religiosidade transformou-se em ações vazias<br />

e simuladas. “O que tu queres é um coração sincero (...). Tu não queres<br />

que eu te ofereça sacrifícios; tu não gostas que animais sejam queimados<br />

como oferta para ti. Ó Deus, o meu sacrifício é um espírito humilde”<br />

(Salmo 51.6,16,17 - NTLH). É a confissão de um Davi que reconhece que<br />

os gestos do arrependimento não precisam de notoriedade. O profeta Joel<br />

segue no mesmo pensamento: “Em sinal de arrependimento, não rasguem<br />

as roupas, mas sim o coração” (Joel 2.13 - NTLH). O apóstolo Paulo, em<br />

meio à defesa do seu apostolado, exorta para que a graça de Deus não<br />

fique sem proveito, mas que reconheçam que o dia do arrependimento é o<br />

“agora” (2 Coríntios 6.1,2). Não deixar a graça sem proveito – em vão – é<br />

o resultado oculto da fé íntima que agarra oportunamente o Evangelho. E<br />

o Salvador, ao condenar o exibicionismo religioso dos fariseus, adverte:<br />

“Tenham cuidado de não praticarem os seus deveres religiosos em público<br />

a fim de não serem vistos pelos outros” (Mateus 6.1 - NTLH).<br />

2. QUARTA-FEIRA DE CINZAS<br />

17 de fevereiro de 2010<br />

Salmo 51.1-13 (14-19); Joel 2.12-19;<br />

2 Coríntios 5.20b-6.10; Mateus 6.1-6, 16-21<br />

As leituras, portanto, resgatam a tradição litúrgica do culto cristão, ao<br />

lembrar-se do ritual das cinzas. Enquanto o período mundano e exibicionista<br />

do Carnaval termina – e cinzas apontam para a brevidade das alegrias<br />

terrenas – começa o período da Quaresma em preparação à Páscoa, festa<br />

cristã onde as “cinzas e o pó” da morte transformam-se em ressurreição<br />

e numa festa que não termina. O costume de se colocar cinzas sobre a<br />

cabeça em sinal de arrependimento surge no Antigo Testamento. Em<br />

Neemias (9.1,2) lemos: “... o povo de Israel se reuniu para jejuar a fim<br />

de mostrar a sua tristeza pelos seus pecados (...). Em sinal de tristeza,<br />

vestiram roupas feitas de pano grosseiro e puseram terra na cabeça. Então<br />

se levantaram e começaram a confessar os pecados que eles e os seus<br />

antepassados haviam cometido”. Na igreja cristã a tradição da Quarta-Feira<br />

de Cinzas foi introduzida por Gregório, no final do século V.<br />

104<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 104 8/4/2010 18:42:11


Quarta-feira de cinzas<br />

3. TEXTOS EM DESTAQUE<br />

Salmo 51.6,19:<br />

ARA: “Eis que te comprazes na verdade no íntimo, e no recôndito me<br />

fazes conhecer a sabedoria (...). Então te agradarás dos sacrifícios de<br />

justiça” (ARA).<br />

NTLH: “O que tu queres é um coração sincero; enche o meu coração com<br />

a tua sabedoria (...). Então terás prazer em receber sacrifícios certos”.<br />

Joel 2.13:<br />

ARA: Rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos<br />

ao Senhor vosso Deus.<br />

NTLH: Em sinal de arrependimento, não rasguem as roupas, mas sim<br />

o coração. Voltem para o Senhor, nosso Deus...<br />

2 Coríntios 5.20; 6.1:<br />

ARA: Em nome de Cristo, pois rogamos que vos reconcilieis com Deus<br />

(...). Também vos exortamos a que não recebais em vão a graça de Deus<br />

...<br />

NTLH: Em nome de Cristo nós pedimos a vocês que deixem que Deus<br />

os transforme de inimigos em amigos dele (...) pedimos o seguinte: não<br />

deixem que fique sem proveito a graça de Deus ...<br />

Mateus 6.1:<br />

ARA: Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com<br />

o fim de serdes vistos por eles;<br />

NTLH: Tenham o cuidado de não praticarem os seus deveres religiosos<br />

em público a fim de serem vistos pelos outros.<br />

4. COMENTÁRIO<br />

Os textos apontam para a unidade temática, que “o arrependimento<br />

agradável a Deus está no coração”. E se é do coração que brota o pecado<br />

(“tenho sido pecador desde o dia em que fui concebido” – Sl 51.5), é fora<br />

dele que surge o poder para uma nova vida, ou seja, o poder da “sabedoria”.<br />

“Encher o coração” ou “fazer conhecer” (Sl 51) aponta para esta<br />

ação de fora para dentro. Paulo aponta para esta ação divina ao falar sobre<br />

reconciliação – a transformação de inimigos em amigos. A NTLH tem a<br />

melhor tradução de katallágete (2 Co 5.20) – imperativo passivo do aoristo<br />

segundo: “deixem que Deus os transforme de inimigos em amigos”. Na<br />

ARA deveria ser “sede reconciliados” e não “vos reconcilieis”. É uma ação<br />

ativa de Deus e passiva do ser humano (não sinergista).<br />

A história oculta dos pecados de Davi (2 Samuel 11.1-12.15) desagradou<br />

a Deus (Sl 51.4) enquanto que o arrependimento oculto, no íntimo, no<br />

coração sincero, agradou o Senhor (Sl 51.6). Uma atitude recomendada<br />

105<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 105 8/4/2010 18:42:11


Igreja Luterana<br />

pelo Salvador: “Mas você, quando orar, vá para o seu quarto, feche a porta<br />

e ore ao seu Pai, que não pode ser visto. E o seu Pai, que vê o que você<br />

faz em segredo, lhe dará a recompensa” (Mt 6.6). Diferentemente dos<br />

hipócritas que oram de pé nas sinagogas e esquinas, simulando arrependimento.<br />

Nos dois casos há recompensas que vêm do alto: condenação<br />

e salvação, juízo e perdão.<br />

A pregação do profeta Joel conclamando para que rasguem o coração<br />

no lugar das roupas surge em meio a uma situação de calamidade<br />

pública: praga de gafanhotos e seca que arrasaram a terra de Judá. O<br />

“voltar para Deus com todo o coração” (2.12) aponta para o verdadeiro<br />

arrependimento destituído da falsidade religiosa. A resposta de Deus a<br />

esta conversão é o seu grande amor, demonstrado também em bênçãos<br />

materiais (2.18,19).<br />

5. CONTEXTUALIZAÇÃO<br />

Segundo alguns historiadores, o Carnaval tem origens no Egito antigo.<br />

O sagrado boi Apis era levado em procissão até o rio Nilo, numa<br />

festa repleta com orgias e promiscuidades sexuais de gente fantasiada.<br />

A festa chegou a outros lugares pela globalização da época. Na Grécia<br />

tomou o nome de Dionisíaca, em honra ao deus do vinho Dionísio. Em<br />

Roma chamou-se Bacanal, em homenagem a Baco, deus do vinho. Mais<br />

tarde, quando o império romano converteu-se oficialmente ao cristianismo,<br />

estas tradições deixaram de ser promovidas pelo poder público. Mas na<br />

Idade Média voltaram com outro nome: carnevale - vocábulo italiano que<br />

provavelmente significa “adeus à carne”. Foi a maneira para compensar o<br />

jejum da Quaresma, os quarenta dias antes da Páscoa quando nenhuma<br />

manifestação de alegria era permitida.<br />

Dedicado ao Momo, deus da mitologia grega que representa a zombaria<br />

e o sarcasmo, o carnaval brasileiro transformou-se na maior festa popular<br />

do planeta. Por ser uma festa de origem pagã e com apelos imorais, a<br />

liberdade cristã nesta hora requer esclarecimento e orientação. As leituras<br />

do culto da Quarta-feira de Cinzas são oportunas para a reflexão da<br />

vida que agrada a Deus. Segundo a mitologia grega, Momo é um deus<br />

morto que foi expulso do Olimpo para ser na Terra o rei dos loucos. Os<br />

cristãos se alegram com o Deus que veio espontaneamente à Terra, não<br />

para zombar mas para ser zombado, foi morto mas foi também ressuscitado.<br />

Uma alegria expressa por Davi: “Dá-me novamente a alegria da<br />

tua salvação” (Sl 51.12).<br />

106<br />

Marcos Schmidt<br />

Novo Hamburgo/RS<br />

marsch@terra.com.br<br />

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Primeiro Domingo na Quaresma<br />

INTRODUÇÃO<br />

Além do texto bíblico em duas versões e suas notas de rodapé, comentários<br />

de J.A.Thompson, Leon L. Morris, Martin Franzmann, Gerhard Von<br />

Rad, para enriquecimento do sermão será muito útil a leitura da Dogmática<br />

Cristã de John Theodore Mueller – A Doutrina da Fé Salvadora. “Fé<br />

salvadora é, pois, sempre um ato do crente, embora seja operado pelo<br />

Espírito Santo” (Lutero).<br />

Está conosco uma verdade que não precisa adendos, complementos,<br />

emendas, então proclamemos a todos ousadamente na forma dos apóstolos,<br />

Atos 4.20: “…pois nós não podemos deixar de falar das coisas que<br />

vimos e ouvimos”. “Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, não<br />

tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta<br />

do seu caminho e viva” (Ezequiel 33.11). “Deus, nosso Salvador, … deseja<br />

que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da<br />

verdade (1Timóteo 2.3 e 4).<br />

TEXTOS<br />

21 de fevereiro de 2010<br />

Salmo 91.1-13; Deuteronômio 26.1-11;<br />

Romanos 10.8b-13; Lucas 4.1-13<br />

Salmo 91.1-13: Com uma linguagem cheia de imagens poéticas,<br />

este poema didático ou sapiencial convida a confiar em Deus. Uma grande<br />

verdade: tudo o que está em comunhão viva com Deus, está constantemente<br />

seguro sob sua proteção, e pode manter, a qualquer momento,<br />

uma serenidade santa, porque ele é o único refúgio seguro em todas as<br />

adversidades e perigos. Salmo 27.1-6. Todos os seres humanos deveriam<br />

aprender o caráter do cristão de habitar no esconderijo do Altíssimo e<br />

descansar à sombra do Onipotente. Os cristãos não só terão uma hospedagem,<br />

mas uma residência, debaixo da proteção de Deus; ele será para<br />

sempre o seu descanso e refúgio. Podemos aí estabelecer um paralelo<br />

com os textos 2 Coríntios 5.1-9 e Salmo 46.1.<br />

V. 2: “Meu refúgio; … em quem confio”. Outros fazem para si ídolos<br />

como seu refúgio, mas o salmista tem o Deus verdadeiro e vivo: qualquer<br />

outro é um refúgio falso – inexistente – ilusão. Ele é Deus e não homem,<br />

e então não há perigo de ser desapontado nele. A proteção oferecida ao<br />

seu povo ultrapassa a compreensão meramente humana.<br />

107<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 107 8/4/2010 18:42:11


Igreja Luterana<br />

O salmista ainda destaca a proteção angelical que aparece descrita<br />

em Hebreus 1.14: “Não são todos eles espíritos ministradores, enviados<br />

para serviço a favor dos que hão de herdar a salvação?”<br />

Deuteronômio 26.1-11: Este texto é uma liturgia para apresentação<br />

das primícias. A entrada na terra prometida ainda era algo futuro. Não<br />

é difícil imaginar Moisés preparando a nação de Israel para o culto. V.2:<br />

O que se tomava era uma amostra das primícias de todos os frutos do<br />

solo, que recolheres da tua terra. V.3: A declaração que aqui aparece é o<br />

reconhecimento de que o povo não entraria em uma terra qualquer, mas<br />

na própria terra que o Senhor (hw"hy>) prometera a seus ancestrais. Essa<br />

declaração era um reconhecimento de que a promessa de Deus se cumprira.<br />

Este ato de trazer as primícias é, acima de tudo, um ato de fé.<br />

O sacerdote deveria tomar das mãos do adorador o cesto das primícias<br />

e colocá-lo diante do altar do Senhor. Diferente do v.4, o v.10 parece<br />

sugerir que o cesto era entregue só no final da adoração. O mais razoável<br />

é pensar que a declaração era feita enquanto se apresentava a oferta.<br />

Von Rad 1 afirma que os versículos 5-9 são confissão histórica. Associa<br />

o nome de Deus a um ato histórico: Javé “que fez sair da terra do Egito”<br />

é certamente a forma de confissão mais antiga e mais divulgada de todas.<br />

Ele descreve os vv. 5-9 como o credo do Deuteronômio, com características<br />

de grande antiguidade. Este texto não é uma oração, pois lhe faltam a invocação<br />

e o pedido. É uma confissão do princípio ao fim. É uma celebração<br />

dos atos de Deus, o que é característica dominante de toda a vida religiosa<br />

de Israel. Na glorificação de Deus, Israel sempre é mais forte do que na<br />

reflexão teológica. Apesar da estilização que o distingue, apresentando-se<br />

como o discurso de Deus, o texto retrospectivo que resume a história em<br />

Josué 24.2ss. está intimamente ligado com Deuteronômio 26.5ss. Possui<br />

maior número de pormenores, mas se mantém exclusivamente na esfera<br />

dos fatos objetivos. Seu ponto de partida é também a época patriarcal e<br />

seu ponto de chegada é a entrada na Terra Prometida.<br />

Romanos 10.8b-13 2 : “A ação justificadora de Deus está aí, ao alcance<br />

do homem, na Palavra que chega até ele (“que pregamos”); o homem<br />

não precisa descobri-la ou inventá-la. Só precisa crer nela; é “palavra da<br />

fé”. Palavra que exige fé e a cria (cf. Romanos 1.17). Essa Palavra está<br />

perto dele, criando a fé em seu coração e provocando de seus lábios uma<br />

confissão.<br />

V.10: Na linguagem da Bíblia, “coração” abrange todo o homem interior,<br />

sua mente não menos que suas emoções e sua vontade. Confessa e é<br />

1<br />

VON RAD, Gerhard. Teologia do Antigo Testamento. Aste. p. 129 e 130.<br />

2<br />

FRANZMANN, Martin H. Carta aos Romanos. Concórdia.<br />

108<br />

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Primeiro domingo na quaresma<br />

salvo. Fé e confissão são dois aspectos da mesma realidade; constituem<br />

uma vida perante Deus sob a soberania de Jesus Cristo.<br />

V.11: Paulo cita novamente Isaías 28.16, tal como o fizera em Romanos<br />

9.33. Porém, há duas pequenas, mas significativas diferenças aqui.<br />

Uma é esta: no Antigo Testamento o objeto da fé é o Senhor, o Deus<br />

da aliança de Israel; aqui, em Paulo, “Senhor” deve significar o Senhor<br />

Jesus Cristo. Esta é uma das muitas ocasiões no Novo Testamento em que<br />

passagens do Antigo Testamento que se referem ao Senhor, o Deus de<br />

Israel, são aplicadas sem hesitação a Jesus (cf. Romanos 10.13). A outra<br />

diferença é esta: Paulo enfatiza a universalidade da promessa feita em<br />

Isaías; “aquele que” torna-se “todo aquele que”.<br />

V.12: Todo aquele que crê não será confundido. Todos, judeus e gentios,<br />

pecaram (Romanos 3.23); todos são justificados pela fé.<br />

V.13: A universalidade implícita na palavra de Isaías é expressa na<br />

palavra de Joel (Joel 2.32). Por intermédio de Joel, Deus prometera que,<br />

quando chegasse o “grande e terrível dia do Senhor”, todo aquele que<br />

invocasse o nome do Senhor seria salvo. Pedro repetira esta palavra de<br />

Joel em Pentecostes quando conclamou todo Israel a se arrepender e a<br />

invocar àquele que Deus fizera tanto Senhor como Cristo para sua libertação<br />

(Atos 2.21, 36, 40).<br />

Lucas 4.1-13: Que tipo de Messias Jesus haveria de ser? Deveria<br />

usar seus poderes para fins pessoais? Estabeleceria um reino de poder<br />

mais poderoso que o romano? Ou seria um operador de milagres espetaculares<br />

sem um fim de ser? Rejeitou todos estes conceitos pelo que são:<br />

tentações do diabo.<br />

“Para nós não é uma tentação transformar pedras em pães e pular<br />

do pináculo do templo”. 3 Mas, para Jesus, era. Ele não estava restrito às<br />

nossas limitações. Para refutar o tentador Jesus usou o Está Escrito. Tudo<br />

o que não concorda com o que Está Escrito (Bíblia) não procede de Deus.<br />

Acedendo ao que o Diabo lhe oferecia, não passaria de um obreiro social,<br />

provendo pão para si e para outros depois do deserto.<br />

Isto ensina que o homem deve interessar-se por coisas muito além<br />

de pão (João 4.34). Não é simplesmente um animal, vivendo meramente<br />

no nível das necessidades físicas.<br />

Deuteronômio 8.3, 6.13 e 6.16 foram as respostas claras que Jesus deu<br />

ao diabo. Estes capítulos se referem às experiências de Israel no deserto.<br />

Havia paralelos entre a experiência do povo antigo e sua experiência.<br />

Estava unido com o povo de Deus.<br />

Enfrentou as tentações do mesmo modo que nós devemos enfrentálas,<br />

com o uso da Escritura. O diabo acabara de tentar Jesus de todas<br />

3<br />

BARCLAY.<br />

109<br />

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Igreja Luterana<br />

as formas, mas Jesus não cedera. O diabo deixou Jesus até momento<br />

oportuno (v.13). Nesta vida, não há isenção da tentação. Não houve para<br />

Jesus, e não há para nós.<br />

APLICAÇÃO HOMILÉTICA<br />

Tema: Fé, confiança em Deus<br />

Muitas são as nuances daquilo que se costuma denominar fé. Mas,<br />

fé em seu sentido absoluto é único e preciso. Tem um alvo único (Deus<br />

Triúno); tem uma única forma de acontecer (ação de Deus); usa meios<br />

exclusivos (meios da graça); destina-se à glorificação de Deus e salvação<br />

do ser humano. Não gera confusão.<br />

Nota: Para uma apresentação mais precisa e preciosa da doutrina da<br />

fé, aprofundar o teor com o capítulo da Dogmática Cristã de John Theodore<br />

Mueller: A Doutrina da Fé Salvadora.<br />

I - A realidade da fé<br />

A. Não é utopia; ela é real e Deus usa meios para implantá-la nas<br />

pessoas: Palavra (pregada) e Sacramentos (ministrados).<br />

B. Entrou e está dentro do cristão e o transforma.<br />

C. Tem um alvo e objetivo<br />

Proezas da fé<br />

II - A fé age e reage<br />

A. Ação e reação da fé<br />

1. Com o coração se crê (na linguagem da Bíblia, “coração” abrange<br />

todo o homem interior, sua mente não menos que suas emoções e sua<br />

vontade).<br />

2. Com a boca se confessa (essa Palavra está perto, criando a fé em<br />

seu coração e provocando de seus lábios uma confissão).<br />

B. Fé cria a confissão verbal de Jesus (com a vida) para a salvação<br />

de outros.<br />

1. Não por força de Lei, de imposição. É um estado natural.<br />

- Uma árvore frutífera no devido tempo produz frutos, sem que isso<br />

lhe seja penoso.<br />

2. A Palavra é o próprio poder de Deus (Romanos 1.16).<br />

- É necessário seriedade e respeito no uso apropriado da Palavra.<br />

- Amar ao próximo é resultado da transformação que acontece.<br />

- Amar é um ato sacrificial.<br />

III - Acessibilidade da fé<br />

É imparcial e destinada a todos (v. 11).<br />

Não confunde (v.11).<br />

Salva (v.13).<br />

O que cristão pode fazer com a fé que tem? – Deixá-la frutificar! Ela<br />

110<br />

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Primeiro domingo na quaresma<br />

ensina que o homem deve interessar-se por coisas muito além de pão (João<br />

4.34). Os cristãos – aprendem pela fé – não só terão uma hospedagem,<br />

mas uma residência, debaixo da proteção de Deus; ele será para sempre<br />

o seu descanso e refúgio. Esta orientação tem como fonte segura e única<br />

a Escritura: Palavra revelada de Deus.<br />

Günter Martinho Pfluck<br />

Passo Fundo/RS<br />

revgunter@yahoo.ca<br />

111<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 111 8/4/2010 18:42:12


Igreja Luterana<br />

Segundo Domingo na Quaresma<br />

28 de fevereiro de 2010<br />

Salmo 4; Jeremias 26.8-15;Filipenses 3.17- 4.1;Lucas 13.31-35<br />

Salmo 4: o salmista expressa confiança no Senhor. É o Senhor quem<br />

separa para si o piedoso, o fiel (dysix'). É ele quem faz resplandecer a sua<br />

face sobre o seu povo (em Cristo, cf. Jo 1.14; 14.9). O piedoso é tal por<br />

depender da misericórdia (ds


segundo domingo na quaresma<br />

O TEXTO: JEREMIAS 26. 8-15<br />

Jeremias foi um profeta que viveu em tempos turbulentos de Israel,<br />

quando o reino de Judá sucumbiu diante dos babilônios. Seu ministério<br />

começou em torno de 626 a.C. e terminou algum tempo depois de 586<br />

a.C., isto é, pouco após a destruição da cidade e do templo, e aconteceu<br />

em Jerusalém. Jeremias é um profeta que anuncia julgamento sobre Judá<br />

e Jerusalém. Ele é contra o ritualismo e a vazia confiança que o povo colocava<br />

sobre o templo como inviolável por si só. É um crítico ferrenho do<br />

ex opere operato ensinado pelos líderes religiosos e vivido pelo povo.<br />

Nossa perícope narra o que se sucedeu após Jeremias ter entregue<br />

uma mensagem do Senhor na Casa do Senhor, o templo. É uma mensagem<br />

de destruição e castigo que visa trazer o povo ao arrependimento e<br />

fé no Senhor. Os profetas são proclamadores da ds


Igreja Luterana<br />

O problema do povo está em não darem ouvidos à “minha Torá” (ytir'AT),<br />

é a incredulidade do povo de Israel (mostrada em sua justificação ex opere<br />

operato). É o abandono da aliança feita pelo Senhor com o seu povo, lá<br />

no Sinai, quando Deus prometeu ser o Deus de Israel e este o seu povo.<br />

Nela, o mais importante era que o povo de Deus ouvisse a voz dele (cf.<br />

Jr 7. 22-26). Lutero, ao explicar o 1º mandamento, diz que “devemos<br />

temer e amar a Deus e confiar nele acima de todas as coisas”. Confiar em<br />

Deus é ouvir a sua Palavra e praticá-la. A confiança em práticas religiosas<br />

ou locais santos de nada adiantará. Tanto que, mais adiante, Jeremias<br />

enviará uma carta aos exilados da Babilônia dizendo que o seu futuro dependerá<br />

de viverem suas vidas lá (numa terra “pagã”), sem templo, mas<br />

em confiança no Senhor e em sua Palavra. (cf. cap. 29).<br />

Os seres humanos não são capazes de guardar a Torá do Senhor.<br />

Desprezo pela Palavra de Deus é visto em toda parte, por vezes também<br />

em nosso meio. Proliferam ao nosso redor mestres que, como Paulo disse,<br />

são inimigos da cruz de Cristo: pregam uma graça barata preocupados<br />

somente com o seu próprio ventre (umbigo) e voltada somente para coisas<br />

terrenas (leitura útil é Discipulado, de Bonhoeffer, e sua discussão sobre<br />

graça barata e graça preciosa).<br />

Em virtude dessa incapacidade, o Senhor mesmo escreverá a sua Torá,<br />

a sua Palavra nas mentes e nos corações de seu povo, conforme anuncia<br />

o próprio Jeremias (Jr 31.33). Ela será escrita em nossos corações por<br />

meio da fé naquele que a ouviu, cumpriu e seguiu fielmente, Jesus Cristo,<br />

pagando ele também pelo castigo que merecíamos por constantemente a<br />

desprezar. Para tanto era necessário (cf. Lc 9.22) ele ir para Jerusalém e,<br />

em três dias, morrer e ressuscitar. Por meio de sua morte e ressurreição,<br />

no terceiro dia, Jesus nos tornou filhos de Deus, cidadãos dos céus.<br />

Período de quaresma é época de chamada ao arrependimento. Chamar<br />

o povo a ouvir a voz do seu Senhor e relembrá-lo o quanto a sua<br />

infidelidade a Deus custou ao próprio Filho que ele enviou ao mundo. É<br />

época de enfatizar, sobretudo, que só podemos ser fiéis, piedosos (dysix'),<br />

cf. o Salmo 4, porque Deus age em sua bondade amorosa e fidelidade<br />

(ds


segundo domingo na quaresma<br />

ela ainda não se manifestou plenamente; para tanto aguardamos o seu<br />

retorno. Somos santos de Deus lutando contra a nossa natureza pecaminosa<br />

e as consequências do pecado em nossas vidas, relacionamentos,<br />

famílias, igreja e sociedade. Para tanto afogamos diariamente o velho<br />

homem para que ressurja novo homem que viva para justiça por meio da<br />

Palavra e do Sacramento.<br />

SUGESTÃO HOMILÉTICA<br />

Título: Ouça a Palavra do Senhor<br />

a) Que chama você em meio ao seu pecado<br />

b) Que o atrai para perto da cruz de Jesus<br />

c) Que faz com que você viva com confiança – já e ainda não.<br />

Paulo Albrecht<br />

Copacabana/RJ<br />

paulosamuelalbrecht@yahoo.com.br<br />

115<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 115 8/4/2010 18:42:12


Terceiro Domingo na Quaresma<br />

1. PERÍCOPE<br />

07 de março de 2010<br />

Salmo 85; Ezequiel 37.7-20; 1 Coríntios 10.1-13; Lucas 13.1-9<br />

Salmo 85: Introduz o tema do dia. É um pedido de perdão que o povo<br />

de Israel faz a Deus. Isto fica bem claro nas afirmações:<br />

- “Restabelece-nos, ó Deus da nossa salvação, e tira de sobre nós a<br />

tua ira” (v. 4);<br />

- “Porventura, não tornarás a vivificar-nos, para que em ti se regozije<br />

o teu povo?” (v. 6);<br />

- “Mostra-nos, Senhor, a tua misericórdia e concede-nos a tua salvação”<br />

(v. 7).<br />

Deixa claro que Deus perdoa os que, arrependidos, o buscam:<br />

- “Perdoaste a iniquidade de teu povo, encobriste os seus pecados”<br />

(v.2);<br />

- “Próxima está a salvação dos que o temem” (v. 9);<br />

- “Encontraram-se a graça e a verdade, a justiça e a paz se beijaram”<br />

(v. 10).<br />

Por último, mostra as consequências do perdão na vida dos filhos de<br />

Deus:<br />

- “A justiça irá adiante dele, cujas pegadas ele transforma em caminhos”<br />

(v.13).<br />

Ezequiel 33.7-20: Descreve como deve agir o verdadeiro atalaia, ou<br />

seja, deve anunciar o juízo ao pecador impenitente e o perdão ao pecador<br />

penitente. Os versículos 11 e 12 mostram o que Deus realmente deseja<br />

através do trabalho de seus servos: que o perverso se converta e viva,<br />

pois Deus não tem prazer na sua morte.<br />

1 Coríntios 10.1-13: Apresenta o exemplo negativo deixado pelos<br />

“pais” na época de Moisés. Eles foram ricamente agraciados por Deus,<br />

pois:<br />

- “estiveram sob a nuvem” (v.1 – Êx 13.21-22);<br />

- “passaram pelo mar” (v. 1 – Êx 14.22-29);<br />

- “comeram do manjar espiritual (v.3 – Êx 16.35);<br />

- “beberam da fonte espiritual” (v. 4 – Êx 17.6; Nm 20.11).<br />

116<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 116 8/4/2010 18:42:12


terceiro domingo na quaresma<br />

No entanto, eles tornaram barata a graça de Deus, que, como o apóstolo<br />

diz, em Cristo, a pedra, lhes foi concedida:<br />

- “cobiçaram as coisas más” (v. 6 – Nm 11.4);<br />

- foram idólatras (v.7 – Êx 32.6);<br />

- praticaram imoralidades (v. 8 – Nm 25.1-18);<br />

- colocaram Deus à prova (v. 9 – Nm 21.5,6);<br />

- murmuraram (v. 10 – Nm 16.41-49).<br />

Por causa disso:<br />

- “Deus não se agradou da maioria deles” (v. 5);<br />

- “ficaram prostrados no deserto” (v. 5);<br />

- “caíram, num só dia, vinte e três mil” (v. 8);<br />

- “pereceram pelas mordeduras das serpentes” (v.9);<br />

- “foram destruídos pelo exterminador” (v. 10).<br />

Paulo diz que todas estas coisas foram escritas na Bíblia “para nossa<br />

advertência” (v. 11) e, então, acrescenta: “Aquele, pois, que pensa estar<br />

em pé, veja que não caia” (v. 12). Mas ele também nos consola ao dizer<br />

que Deus não permite que sejamos tentados além das nossas forças e<br />

que Ele proverá o livramento para as nossas tentações (v. 13).<br />

Lucas 13.1-9: Jesus usa dois incidentes marcantes que ocorreram<br />

naqueles dias (a morte violenta de alguns galileus pela espada de Pilatos<br />

e a queda de uma torre em Siloé que matou 18 pessoas) para mostrar<br />

a necessidade de arrependimento (vv. 3 e 5). Em seguida, Jesus conta<br />

a parábola da figueira estéril, onde enfatiza a necessidade dos filhos de<br />

Deus produzirem os frutos dignos do arrependimento. Fica claro que é<br />

Deus quem capacita o pecador para tal.<br />

2. PROPOSTA HOMILÉTICA<br />

Introdução: Quando viajamos, vemos muitas cruzes na beira das estradas.<br />

Elas nos lembram de pessoas que morreram e, ao mesmo tempo,<br />

servem de alerta sobre os perigos que rondam aqueles locais.<br />

Tema: Exemplos que não devem ser seguidos<br />

- Dos que cobiçaram coisas más – 1 Co 10.6 – Nm 11.4;<br />

- Dos que praticaram a idolatria – 1 Co 10.7 – Êx 32.6;<br />

- Dos que praticaram a imoralidade – 1 Co 10.8 – Nm 25.1-18;<br />

- Dos que colocaram o Senhor à prova – 1 Co 10.9 – Nm 21.5-6;<br />

- Dos que murmuraram contra Deus e contra seus servos – 1 Co 10.10<br />

– Nm 16.41-49.<br />

117<br />

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Igreja Luterana<br />

- Estes tornaram barata a graça de Deus – 1 Co 10.1-4;<br />

- As consequências foram desastrosas;<br />

- Estes exemplos foram escritos “para advertência nossa” (1 Co 10.11).<br />

São como as cruzes no caminho ...<br />

- Paulo alerta: “Quem pensa estar em pé, veja que não caia” (1 Co<br />

10.12);<br />

- Jesus nos alerta sobre a necessidade de arrependimento e a produção<br />

de frutos dignos do arrependimento, mas também mostra que Deus pode<br />

e quer nos capacitar para isso (Lc 13.1-9);<br />

- Deus é fiel e não permite que sejamos tentados além das nossas<br />

forças. E, o que é melhor, proverá o livramento da tentação. Podemos<br />

confiar nEle! E isso Ele faz através de seu Filho, Jesus Cristo, que age<br />

poderosamente em nós através dos meios da graça.<br />

Conclusão: As cruzes à beira das estradas servem de alerta para<br />

tomarmos os cuidados necessários para evitarmos que também sejamos<br />

vítimas dos perigos que rondam nossas estradas. Na mensagem de hoje,<br />

Deus, que, movido pelo seu grande amor, não quer a condenação de nenhum<br />

pecador, nos advertiu para que não cometamos os erros que levaram<br />

muitos à perdição eterna. Confiemos em Cristo e permitamos que ele nos<br />

mantenha sempre em alerta! Amém.<br />

Geraldo Schüler<br />

Cacoal/RO<br />

gschuler@uol.com.br<br />

118<br />

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Quarto Domingo na Quaresma<br />

14 de março de 2010<br />

Isaías 12.1-6<br />

1. O SANTO DE ISRAEL ESTÁ ENTRE O POVO<br />

O Quarto Domingo na quaresma é tradicionalmente chamado de Laetare,<br />

que pode significar, “regozijai-vos”. O consolo aqui consiste no fato de que<br />

o Santo de Israel (Is 12.6), apesar de ter motivos para irar-se contra o seu<br />

povo, permanece entre ele, com sua palavra de perdão. Ele não abandona<br />

no pecado, pelo contrário, onde existe pecado, lá Ele quer estar presente,<br />

quer receber o pecador, quer comer com ele e quer dar por achado o que<br />

estava perdido. Isso dá motivo para alegria e agradecimento.<br />

A ênfase do capítulo 12 está nas obras de Yahweh e a razão da alegria<br />

é a presença do Santo de Israel, que é a salvação do povo.<br />

A expressão “naquele dia” nos faz perguntar pelo referente. O capítulo<br />

11 fala do rebento que sairá do tronco de Jessé, o qual julgará com justiça<br />

e estabelecerá uma nova ordem, segundo a qual “não se fará mal ou dano<br />

algum em todo o santo monte”. “Naquele dia” o restante do povo será resgatado,<br />

de um modo semelhante ao resgate do Egito, embora com muito<br />

maior intensidade. Ele resgatará o restante do povo da Assíria, do Egito,<br />

de Patros, da Etiópia, de Elão, de Sinar, de Hamate e das terras do mar. “...<br />

recolherá desde os quatro confins da terra”. Yahweh, “naquele dia”, destruirá<br />

totalmente o braço do mar do Egito, ferirá até mesmo o Eufrates, dividindo-o<br />

em sete canais, sendo que será possível atravessá-lo de sandálias. O caminho<br />

será plano como foi para Israel no dia em que saiu do Egito.<br />

A saída do Egito permanece viva na mente do povo de Israel de todos<br />

os tempos, de sorte que serve de exemplo e comprovação dos grandes<br />

feitos de Yahweh. Algumas expressões do cântico de Moisés e dos filhos<br />

de Israel de Êx 15 se repetem aqui em Isaías 12. O povo de Deus canta<br />

para agradecer pela salvação realizada e expressa assim a sua confissão:<br />

“O Senhor Deus é a minha força e o meu cântico; ele se tornou a minha<br />

salvação”.<br />

A oração em Is 12 é um agradecimento, a ira de Yahweh se retirou e<br />

agora Ele consola. O voltar atrás da ira é uma característica de Yahweh,<br />

como Paulo explica em 2 Co 5.16-21: “Aquele que não conheceu pecado,<br />

ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus”.<br />

A verdade é que essa obra, essa troca, esse voltar atrás é resultado do<br />

amor do Senhor pelo seu povo. O Pai que recebeu o filho, o qual estava<br />

119<br />

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Igreja Luterana<br />

morto e reviveu, estava perdido e foi achado, fez uma festa e o recebeu<br />

de braços abertos, consolando-o (Lc 15).<br />

Esta oração será feita “naquele dia”, quando sair do tronco de Jessé<br />

um rebento. Mateus ajuda a explicar esse “tempo” quando diz que “todas<br />

as gerações, desde Abraão até Davi (filho de Jessé), são quatorze; desde<br />

Davi até ao exílio na Babilônia (tempo de Isaías), catorze; e desde o<br />

exílio na Babilônia até Cristo, catorze”. A referência ao exílio na Babilônia<br />

parece ter um significado especial quando visto na perspectiva de Isaías,<br />

que em profecia destacou que “naquele dia”, ou seja, quando surgir esse<br />

“rebento”, nesse dia “Yahweh tornará a estender a mão para resgatar o<br />

restante do seu povo ...”. Nesse dia também haverá razão para agradecer,<br />

pois a ira do Senhor voltará atrás.<br />

A salvação é possível, porque grande é o Santo de Israel no meio do<br />

povo. Essa profecia se concretiza na presença de Jesus entre pecadores e<br />

publicanos (Lc 15). Jesus atraiu para si os pecadores, recebeu-os e comeu<br />

com eles. A parábola do Pai que recebe o Filho, depois deste sair de casa<br />

e gastar toda a herança, ilustra o amor de Yahweh pelo seu povo. Ele abre<br />

os braços e faz uma grande festa pelo “perdido que foi achado”.<br />

O povo de Israel olhava as coisas que estavam para acontecer “naquele<br />

dia”, quando o rebento de Jessé estabeleceria o seu reinado. Ele também<br />

olhava para trás, para a salvação vivida na saída do Egito. Yahweh fez o<br />

povo passar pelo mar Vermelho em terra seca e salvou o povo. Com alegria<br />

também o povo de Deus atual olha para trás, para a salvação conquistada<br />

por Cristo na cruz e aguarda a travessia do “mar vermelho” de suas vidas.<br />

Em todas as situações da vida do cristão, especialmente aquelas que o<br />

colocam diante da realidade da morte, a Palavra de Deus quer consolar<br />

com o fato de que o Santo de Israel está presente, ele é o “Deus conosco”<br />

e, especialmente, ele quer receber e andar com os perdidos.<br />

O objetivo da proclamação neste domingo é assegurar a todos que<br />

Yahweh está presente entre o seu povo, apesar dos pecados.<br />

2. PROPOSTA HOMILÉTICA<br />

Tema e desdobramentos:<br />

“O Santo de Israel está entre o povo”<br />

1. Apesar de ter motivos para a ira,<br />

2. Ele agora consola<br />

3. Onde existe pecado, ali o Senhor quer consolar, quer achar, quer<br />

salvar.<br />

120<br />

Clécio Leocir Schadech<br />

Corbélia/PR<br />

schadech@hotmail.com<br />

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Quinto Domingo na Quaresma<br />

1. CENÁRIO HISTÓRICO<br />

21 de março de 2010<br />

Filipenses 3.8-14<br />

A comunidade de Filipos foi a primeira fundada por Paulo na Europa<br />

(At 16.11-40 – 2ª viagem missionária 49-51 AD). A carta aos Filipenses<br />

foi escrita por Paulo da prisão em Roma entre 59-61 AD. Filipenses mostra<br />

Paulo como um crente, um missionário e um teólogo. Como alguém<br />

que acredita que a fé em Cristo lhe possibilita enfrentar com alegria toda<br />

e qualquer situação (Fp 4.13). A Epístola retrata um apóstolo preso que<br />

escreve para a uma igreja perseguida. E o verso chave de sua carta diz:<br />

“Eu me alegro! Vocês também se alegram?” Onde isto é possível senão<br />

onde a fé está e onde o Espírito Santo age?<br />

O tema da perfeição cristã é latente em Filipenses. É necessário que<br />

aquela Comunidade seja alertada e instruída a respeito disto. No capítulo<br />

3, Paulo alerta contra duas falsas ideias do que seria perfeição cristã: a<br />

ensinada pelos judeus legalistas (3.2-11), que baseavam a perfeição no<br />

cumprimento da lei, e a ensinada pelos libertinos inimigos da cruz de<br />

Cristo (3.17-21), que pervertiam a graça de Deus e a interpretavam conforme<br />

sua licenciosidade (antinomistas - conferir também Judas 4). Paulo<br />

era aquela pessoa que teria todos os motivos para se vangloriar na sua<br />

observância da lei e dos costumes judeus. Era um fariseu exemplar. Teria<br />

a moral necessária para ser legalista. Mas seu ensino é diferente. Contra<br />

estas duas heresias, Paulo retrata a si mesmo, aquele que está em Cristo,<br />

como verdadeiro exemplo da perfeição e maturidade cristã (3.15).<br />

2. CENÁRIO LITÚRGICO<br />

O Quinto Domingo na Quaresma é o último antes do Domingo de Ramos.<br />

A Igreja está sendo conduzida para aquela semana na qual meditará<br />

profundamente nos eventos decisivos da obra de Cristo para a salvação<br />

do mundo. Tempo de relembrar que Cristo não fez nada menos do que<br />

tudo o que era necessário. Não devemos ofuscar a obra do Salvador<br />

intrometendo nela nossas “bondades” e “perfeições”. A Igreja deve ser<br />

preparada a chegar à Semana Santa dizendo: “Nu me venho em ti vestir,<br />

só a graça te pedir”. O culto deve focar este “despir-se” para que livres<br />

de toda justiça própria possamos nos deliciar com aquela santa e perfeita<br />

justiça que vem de Deus, em Cristo.<br />

121<br />

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Igreja Luterana<br />

3. ANÁLISE DO TEXTO<br />

V. 8: Tudo como perda – Diante do conhecimento de Cristo, tudo<br />

o que o Apóstolo era, tinha e fazia, suas boas obras e reputação (ver<br />

versículos 4-6) é reconhecido como “perda” (zhmi,a). zhmi,a significa perder<br />

algo trazendo real prejuízo, algo valioso que não desejamos perder.<br />

Conhecimento de Cristo – Não apenas no sentido intelectual. Trata-se<br />

de um encontro pessoal com Cristo e uma associação a ele, tê-lo como<br />

o único Senhor, sendo encontrado nele, crendo nele. Conhecer a Cristo<br />

e ser conhecido por ele vem a ser a mesma coisa (1Co 8.2-3 ; 13.12 ;<br />

Gl 4.9). É inevitável a relação com o sacramento do Batismo. Refugo<br />

(sku,balon) – algo que agora se tornou detestável, totalmente sem valor.<br />

São as boas obras nas quais colocamos nossa confiança.<br />

V. 9: Justiça própria (evmh.n dikaiosu,nhn) X justiça que procede de<br />

Deus (qeou/ dikaiosu,nhn) – não é possível conciliar as duas (Rm 10.3).<br />

Se crermos que a justiça de Deus é um dom, aceitamos que a salvação foi<br />

completamente conquistada por Cristo (Mt 5.6 ; 6.33 ; Rm 1.17 ; 3.21-31<br />

; 1Co 1.30 ; 2Co 3.9 ; 5.21 ; 3.10-11). A justiça do cristão é alheia. Através<br />

da fé, nos é imputada a justiça de Alguém outro, de Cristo. Somente<br />

esta conta para a justificação.<br />

V. 10: Conhecer a Cristo – Como no v.8, este conhecimento não é<br />

meramente factual. Ele inclui a experiência do poder da ressurreição (Ef<br />

1.17-20), a comunhão nos sofrimentos de Cristo (At 9.16) e o estar unido<br />

com ele em sua morte (2Co 4.7-12 ; 12.9-10). Os crentes sempre estão<br />

unidos com Cristo em sua morte e ressurreição (Rm 6.2-13 ; Gl 2.20 ;<br />

5.24 ; 6.14 ; Ef 2.6 ; Cl 2.12-13 ; 3.1). No versículo 10, entretanto, Paulo<br />

fala sobre sua própria experiência do poder da ressurreição de Cristo e<br />

do sofrimento com e por ele, mesmo que isto venha a significar a sua<br />

própria morte.<br />

V. 11: “de algum modo” – não é uma indicação de dúvida ou incerteza,<br />

mas de intensa expectativa e envolvimento.<br />

Vv. 12-14: A vida cristã é como uma corrida. O apóstolo Paulo costuma<br />

usar imagens esportivas como comparação. Outras ocorrências:<br />

1Co 9.24-27 ; 1Tm 6.12 ; 2Tm 4.7-8 ; Mt 24.13 ; Hb 12.1. “Nesta vida,<br />

constantemente avançamos em direção ao alvo, sem, contudo, alcançálo.<br />

Pode parecer a um cristão que em outros tempos era mais piedoso e<br />

santo e conseguia vencer melhor o pecado. Isto até pode ter sido o caso,<br />

e sua presente condição pode ser devido a seu retrocesso espiritual. Mas<br />

a explicação correta de seu estado atual também pode ser esta: que ele<br />

agora vê com muito maior clareza que ser frágil ele é. Um jovem cristão<br />

pode pensar que seu coração naquele exato momento está totalmente<br />

puro, que ele abandonou o mundo e tem o céu em seu coração. Mas ele<br />

122<br />

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quinto domingo na quaresma<br />

não está consciente das bestas vorazes que estão à sua espera. Quando<br />

a doçura de sua infância espiritual cessar e as tribulações chegarem a ele,<br />

ele pensará não poder mais lutar contra o pecado assim como costumava<br />

fazer. A verdade é, no entanto, que ele está sendo atacado com muito maior<br />

violência do que antes e que ele está bem mais consciente de seus desejos<br />

e vontades pecaminosos.” (WALTHER, Carl. Lei e Evangelho, p.271).<br />

4. PROPOSTA HOMILÉTICA<br />

Moléstia: A natural autoconfiança do ser humano de que pode contribuir<br />

com sua salvação.<br />

Meio: A obra de Cristo é completa e total. Mesmo as melhores obras<br />

humanas são refugo diante dela. Cristo nos dá gratuitamente a “justiça<br />

que vem de Deus” abrindo a nós as portas dos céus.<br />

Objetivo: Confiar na justiça própria e na justiça que vem de Deus ao<br />

mesmo tempo é impossível. Elas são auto-excludentes. O grande objetivo<br />

é animar o povo de Deus a seguir sua vida “esquecendo das coisas<br />

que para trás ficam” (seus méritos próprios) e “seguindo para o alvo da<br />

soberana vocação em Cristo”, firmes na fé e na esperança daquilo que foi<br />

conquistado por Cristo apenas (unidos com Cristo na sua ressurreição).<br />

Tema: Esquecendo das coisas que para trás ficam, seguimos para o<br />

alvo!<br />

Esboço:<br />

I - Esquecendo das coisas que para trás ficam (Esquecendo =<br />

não colocando a confiança):<br />

- Não colocando a confiança naquilo que consideramos boas obras<br />

- Não colocando a confiança em nossos próprios méritos<br />

- Não julgando outros pela aparência<br />

- Não considerando cristãos apenas aqueles que preenchem determinados<br />

critérios de “santidade”<br />

II - Vivendo unidos com Cristo<br />

- Acolhidos por Deus (já no Batismo)<br />

- Recebendo suas dádivas (Absolvição e Santa Ceia)<br />

- Ensinados por ele (na Palavra)<br />

- Apegados em sua justiça (rejeitando todo orgulho)<br />

- Unidos em Comunidade (que compartilha a justiça de Cristo e que,<br />

portanto, não tem “melhores” e “piores”).<br />

III- Seguimos para o alvo<br />

- Amando como somos amados por Deus<br />

- Proclamando esta salvação<br />

- Meditando continuamente no grande amor de Deus, em Cristo.<br />

123<br />

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Igreja Luterana<br />

- Convite a celebrarmos a Semana Santa, despidos de nossas justiças<br />

e crendo sem reservas na suficiência da obra de Cristo por nós.<br />

5. BIBLIOGRAFIA UTILIZADA<br />

ROEHRS; FRANZMANN. Concórdia Self-Study Comentary.<br />

WALTHER, Carl. Lei e Evangelho.<br />

CONCÓRDIA SELF-STUDY BIBLE.<br />

Fernando E. Garske<br />

Pastor no Colégio Luterano Concórdia – São Leopoldo/RS<br />

pastorfernando@gmail.com<br />

124<br />

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DOMINGO DE RAMOS<br />

O DOMINGO<br />

28 de março de 2010<br />

João 12. 20-43<br />

Isso procede do Senhor<br />

Os textos desse domingo refletem a obra que Jesus tomou sobre si.<br />

Na palavra de Paulo aos Filipenses temos uma confissão que a igreja adotou<br />

que expressa o completo esvaziamento de Deus em Cristo. Deixou a<br />

majestade, assumiu a nossa humanidade e desceu até à morte de cruz<br />

onde as penas do inferno o afligiram. Todas as acusações que o diabo<br />

pode levantar, e efetivamente levanta contra nós, o atormentaram. Ele<br />

foi julgado e condenado com a nossa culpa. Não há como descrever o que<br />

aconteceu na sua morte de cruz. Abandonado por Deus, o diabo e suas<br />

forças certamente cantavam vitória.<br />

Pode parecer estranho dizer isso, mas é necessário que se diga: esse<br />

é o Cristo que pode nos consolar. Nossa natureza humana, assim como<br />

os próprios discípulos, não consegue ficar ao pé da cruz. O quadro é por<br />

demais dantesco. Pois a cruz, da qual extraímos o conteúdo do evangelho<br />

como na expressão daquele hino: “Foi por mim que tu morreste” é, ao<br />

mesmo tempo, a revelação e constatação da grandeza do meu pecado.<br />

Deus nos é tão gracioso que não nos obriga a vermos o quanto o pecado<br />

em nós é grande. Um segundo aspecto que revela a compaixão de Deus<br />

por nós está no fato de que ele, além de nos ter como perdoados, ainda<br />

nos impede de pecar segundo os impulsos da natureza em nós. Isso Jesus<br />

nos ensina a crer quando nos ensina a orar: “Não nos deixes cair em<br />

tentação”. Deus providencia instrumentos, pessoas, educação, e nos envia<br />

dores e sofrimentos pelos quais refreia os nossos impulsos e preserva a<br />

dignidade de que necessitamos para viver em família e sociedade. Por<br />

isso, ao contemplar e confessarmos o Cristo crucificado, a lei que ali está<br />

expressa pelo juízo severo de Deus, ao lado do evangelho que dali brota,<br />

podem nos manter boquiabertos diante amor que Deus ali expressa por<br />

nós. A lei, com todo o seu peso, que nos atinge na cruz, essa Deus lança<br />

sobre Cristo. Cada acusação que Satanás pode lançar sobre nós com<br />

justiça, essa precisamos reconhecer na pessoa do crucificado.<br />

Bem por isso, podemos reconhecer nos relatos dos evangelistas e<br />

apóstolos como que um retorno permanente ao Calvário, de onde eles<br />

num primeiro momento se mantiveram distantes e até medrosos e en-<br />

125<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 125 8/4/2010 18:42:12


Igreja Luterana<br />

vergonhados. Talvez esse fato esteja melhor expresso nas palavras de<br />

Paulo, que, talvez lembrado que ele ajudava a prender e apedrejar os<br />

seguidores do crucificado, exclama: “Pois não me envergonho da cruz”,<br />

ou então quando diz: “Nós pregamos a Cristo e, este, crucificado.” Ou:<br />

“Cristo vive em mim”, não um Cristo a quem o mundo renda glórias, mas<br />

um Cristo que somente serve para pecadores.<br />

É talvez nesse ponto que os cristãos se dividem e a pedra angular<br />

(Salmo do dia, 118. 22) é rejeitada. O fato de Deus assumir essa cruz<br />

aniquila com todas as ilusões de justiça e piedade que o ser humano queira<br />

se atribuir. O ser humano é tão abençoado diária e constantemente por<br />

Deus ao ponto de achar que ter coisas boas é algo que lhe cabe naturalmente.<br />

Deus dá tudo de que o ser humano necessita para viver, dando até<br />

mais do que o necessário, que o ser humano não registra como benefício<br />

recebido sem merecimento. Estes, quando olham para a cruz, também<br />

veem nela o sinal e a prova do amor de Deus pela humanidade. Deste<br />

amor passam a esperar algo além, algo especial, algo extraordinário, além<br />

do “normal” e do “comum” a que estão habituados. Não só habituados,<br />

mas já enfastiados. Tal como Israel se enfastiou do maná. Lutero registra<br />

isso como “entediados da bondade de Deus” (OS 5, 25, O Sublime Louvor<br />

(Salmo 118). Convictos de que podem esperar de Deus mais do que o<br />

“normal” a que se julgam merecedores, desdobram-se a mostrar que sua<br />

fé é superior, melhor, comprometida com um programa de realizações em<br />

serviços prestados e notabilizados diante das pessoas e das instituições,<br />

grupos, igrejas e comunidades.<br />

Um outro equívoco teológico marcado pelos pietistas foi apontar para a<br />

cruz como aquele feito extraordinário de Deus que agora demanda dos que<br />

a ele se apegam uma religiosidade de sacrifícios pessoais que se mostrem<br />

à altura do que Deus demonstrou por eles. Característico desta postura<br />

é aquele quadro conhecido que põe na boca do crucificado a frase: “Isto<br />

eu fiz por ti. Que farás tu por mim?” Expressão essa também cristalizada<br />

num aparentemente piedoso refrão de uma canção que muitos ensinam<br />

às crianças na escolinha bíblica.<br />

O véu ainda lhes encobre o rosto na medida em que não se permitem<br />

articular com clareza e coragem a obra plena, perfeita e completa do<br />

crucificado, que é plena e incondicional no consolo e conforto. Rejeitam a<br />

pedra angular porque não se enquadra no seu anseio de adquirir aos olhos<br />

do mundo e do próprio Deus o status de dignidade superior, tal como o<br />

fariseu fazia no templo.<br />

O esvaziamento total de Deus na cruz deve dizer-nos que nada do que<br />

fazemos ou pensamos pode se manter diante de Deus. Tudo o que somos<br />

e fazemos está marcado pelo pecado, pelo egoísmo, orgulho, soberba e<br />

desejo de vanglória. Por mais que pensemos em esvaziar-nos, e espe-<br />

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domingo de ramos<br />

cialmente se nos determinamos a tal, teremos de dar-nos conta que a<br />

própria tentativa de auto-esvaziamento é uma forma de soberba pessoal<br />

porque parte do pressuposto de que essa é uma possibilidade para o ser<br />

humano, mesmo o batizado e crente.<br />

Por causa de Cristo a vida está presente no mundo. Deus alimenta,<br />

sustenta e protege. Deus faz “nascer o seu sol sobre bons e maus e descer<br />

a chuva sobre justos e injustos.” Lutero acrescenta: “Sem nenhum mérito<br />

ou dignidade da nossa parte”, quando o normal seria descer sobre nós o<br />

seu juízo e sofrermos dele o merecido abandono e condenação. Nascer,<br />

amar, cultivar, são presentes e ofertas que Deus renova e cuida em nós<br />

e para nós diariamente. Somos vazios, mas nele estamos plenos de felicidade<br />

porque ele é bom.<br />

Não podemos por isso estranhar quando corrige e repreende a nossa<br />

soberba e orgulho enviando-nos sinais da nossa pequenez por meio de<br />

doenças, sofrimentos e amarguras. Ao comermos a comida dos porcos,<br />

e por vezes só então, nos damos conta que junto dele os jornaleiros são<br />

felizes.<br />

Esse Deus e Pai nos mantém em uma “zona de conforto e bem estar”<br />

às vezes por longos períodos. Chamo zona de conforto o fato de que Deus<br />

atende as expectativas que temos em termos de saúde, relativo conforto,<br />

amigos e bens que Lutero descreve na explicação do Primeiro Artigo<br />

nos Catecismos (Maior e Menor). É graça pura podermos, pecadores que<br />

somos, ter expectativas, poder planejar e realizar planos e até sonhos.<br />

Podemos aí fazer o bem ao próximo dentro dos limites dessa zona de<br />

conforto, como também nos faz encarar os perdidos, os abandonados e<br />

os maltratados para que sirvamos de seus instrumentos descendo/saindo<br />

da zona de conforto e prestando serviços sob a cruz e na cruz a estes<br />

enviados de Deus.<br />

Assim como também muitos, ao longo de nossas vidas pessoais, serviram<br />

de instrumentos de Deus a nos amparar, orientar, socorrer e corrigir<br />

para que sejamos as pessoas que hoje somos. Esvaziar-se com Cristo, em<br />

Cristo e ao lado de Cristo: ter o mesmo sentimento de Cristo em relação ao<br />

mundo e às pessoas; andar em simplicidade na vida diante das pessoas,<br />

serviços e trabalhos que Deus dispõe diante de nós na vida em família e<br />

no espaço social ao qual fomos conduzidos por Deus em nossas escolhas,<br />

nisso a luz de Deus brilha em cada e em qualquer pessoa.<br />

Paulo P. Weirich<br />

São Leopoldo/RS<br />

ppweirich@yahoo.com.br<br />

127<br />

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Sexta-feira santa<br />

1. CONTEXTO<br />

02 de abril de 2010<br />

Hebreus 4.14-16;5.7-9<br />

Pregar na sexta-feira santa é, com certeza, um desafio todo especial.<br />

Não pregar qualquer coisa, mas o que precisa ser pregado: o evangelho.<br />

Há um clima acentuadamente penitencial, um ambiente sombrio, que é<br />

próprio do dia. Fácil é fixar-se naquele “foi minha toda a culpa, que foste<br />

tu levar”, esquecendo o “Deus na cruz é meu amado” e o “grato sou por<br />

tanto amor, meu bendito Redentor”. Para pregar o evangelho é preciso,<br />

antes de tudo, focalizar Cristo. Toda reflexão centrada em nós mesmos<br />

não passará de lei. E para focalizar Cristo, nada melhor do que explorar<br />

o texto bíblico.<br />

O texto da epístola (Hb 4 e 5) permite uma reflexão de sexta-feira santa<br />

como raramente se ouviu. Aliás, quando foi a última vez que pregaste um<br />

texto de Hebreus? Bem que está na hora. Normalmente, vemos o Cristo<br />

crucificado e até ouvimos falar do véu do templo que se rasgou de alto<br />

a baixo. Mas e o que aconteceu além do véu, ou, se preferir, em outra<br />

“dimensão”? Hebreus nos propicia esta perspectiva que vai além. Aliás,<br />

Hebreus é, no meio das epístolas, sem ser propriamente uma “epístola”, o<br />

que João é entre os Evangelhos: um texto diferente, com uma perspectiva<br />

própria. E, de quebra, para quem acha que nenhuma pregação deveria<br />

terminar sem uma aplicação mais direta (o que é discutível), a aplicação<br />

está presente, no texto, na forma de dois apelos em primeira pessoa:<br />

conservemos firme; acheguemo-nos.<br />

Claro, seria possível fazer uma leitura em contraponto, relacionando<br />

Isaías 53 e o texto da epístola. Difícil dizer até que ponto será possível<br />

fazer isto, numa só pregação, mas poderia ser um enfoque ou um caminho<br />

a seguir. Ele, Jesus, tanto o sacerdote (Hebreus) quanto o sacrifício<br />

(Isaías). Normalmente só enxergamos a vítima. Ficamos impressionados<br />

com a dramaticidade de Isaías 53 e o impacto da narrativa da paixão.<br />

Um Cristo passivo, padecente, sofrendo até o último suspiro. O texto de<br />

Hebreus nos mostra um Cristo ativo. Pendurado na cruz, ele exerceu seu<br />

ofício sumo-sacerdotal. Só que o autor aos Hebreus não o vê entrando no<br />

Lugar Santíssimo do templo que estava edificado sobre o monte Sião; ele<br />

o vê “penetrando os céus”. Literalmente, atravessando os céus. Claro, indo<br />

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sexta-feira santa<br />

até a presença de Deus, onde está o santuário real e perfeito, do qual o<br />

santuário terreno, em Jerusalém, era apenas uma cópia.<br />

2. DESTAQUES NA ANÁLISE DO TEXTO<br />

Interessante é a formatação do texto da epístola, ou seja, a justaposição<br />

de Hb 4.14-16 e Hb 5.7-9. Por que omitir os primeiros seis versículos<br />

de Hb 5? Acontece que neste trecho se fala sobre a escolha de um sumo<br />

sacerdote e suas funções, e como isto se aplica a Cristo. Na sexta-feira<br />

santa, este é um tópico menos importante. Urge passar diretamente ao<br />

que Cristo fez, e isto aparece a partir de 5.7.<br />

No que segue, colocamos o texto da tradução de Almeida em negrito,<br />

com alguns comentários entre colchetes:<br />

Tendo [e esta afirmação é a base para o apelo que virá mais adiante],<br />

pois, a Jesus, o Filho de Deus [junto com o nome “Jesus”, Filho de Deus<br />

é outro destaque cristológico em Hebreus], como grande sumo sacerdote<br />

[a novidade em Hebreus; só que nem nos damos conta da hipérbole:<br />

“grande grande sacerdote”; no grego, só um adjetivo – grande ou mégas<br />

– e um substantivo – archieréus; neste “grande” está sua superioridade<br />

em relação ao sacerdócio do AT] que penetrou os céus [literalmente<br />

“atravessou”; assim como o grande sacerdote passava os vários pátios<br />

ou recintos do templo para entrar no Lugar Santíssimo], conservemos<br />

firmes [isto é possível porque temos Jesus, o grande sumo sacerdote] a<br />

nossa confissão [pode ser tanto o ato de confessar quanto a doutrina<br />

que se confessa; sexta-feira santa é dia de professar lealdade a Jesus.<br />

Não é dia de ter pena de Jesus ou de se “sentir mal” pelo que fizemos a<br />

ele; é dia de culto]. 15 Porque não temos sumo sacerdote que não<br />

possa [aqui temos lítotes, ou seja, negação da negação – que resulta<br />

em afirmação com efeito retórico: com certeza temos!] compadecerse<br />

das nossas fraquezas [não necessariamente pecados; no contexto<br />

dos hebreus, vacilação na fé, entre outras]; antes, foi ele tentado em<br />

todas as coisas [em tudo mesmo? qual teria sido a última tentação<br />

de Cristo? segundo o relato dos Evangelhos, a agonia no Getsêmani], à<br />

nossa semelhança, mas sem pecado [temos aqui um resumo de Hb<br />

2.14-18]. 16 Acheguemo-nos [diferentemente de Jesus, que penetrou<br />

os céus, ainda precisamos aproximar-nos; sempre existe a ocasião oportuna<br />

de que fala o final do versículo], portanto [conclusão lógica baseada<br />

no que precedeu; por ele estar lá no céu e por compadecer-se de nossa<br />

fraqueza podemos nos achegar], confiadamente, junto ao trono [simboliza<br />

poder] da graça [construção de genitivo ambígua, mas que parece<br />

significar “onde está a graça”, ou “de onde provém a graça”; a melhor<br />

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Igreja Luterana<br />

tradução para “graça” ainda é “favor imerecido”], a fim de recebermos<br />

misericórdia e acharmos graça [no sentido de encontrar graça, ser<br />

alvo do favor] para socorro em ocasião oportuna [esta ocasião é um<br />

eu-kairón, um “bom tempo”, um tempo propício; cada culto, cada santa<br />

ceia é uma ocasião oportuna].<br />

Ele, Jesus [até ARA explicita o sujeito, neste caso, para que não se<br />

pense que o sujeito é Melquisedeque], nos dias da sua carne [poderia<br />

ser lido como afirmação de que ele deixou a humanidade para trás; NTLH<br />

é mais feliz: “durante a sua vida aqui na terra”], tendo oferecido [aqui<br />

aparece o termo técnico para “oferecer sacrifícios”, que é o que se espera<br />

de um sacerdote], com forte clamor e lágrimas [o uso de dois termos<br />

semelhantes, que se completam, tem um interessante efeito retórico de<br />

ênfase], orações e súplicas [outra duplicação para efeito retórico; equivalente<br />

a “fervorosas orações”] a quem o podia livrar da morte [possível<br />

referência ao “passa de mim este cálice”, o episódio no Getsêmani] e tendo<br />

sido ouvido [“ouvido” no sentido de “atendido”; mas como, “ouvido”? Ele<br />

não foi poupado da morte. Duas possibilidades: Deus o fortaleceu; Deus<br />

o vindicou, na ressurreição] por causa da sua piedade [não o mesmo<br />

termo que é traduzido por “piedade” em 1Tm; em Hb 12.28, única outra<br />

ocorrência no NT, é traduzido por “reverência”; poderia ser “submissão”<br />

ou “fidelidade”], 8 embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas<br />

coisas que sofreu 9 e, tendo sido aperfeiçoado [de forma ativa seria:<br />

“Deus o aperfeiçoou”. Linguagem desconcertante, aqui em Hebreus. Não<br />

que Jesus fosse imperfeito, mas no sentido de ter alcançado o seu objetivo],<br />

tornou-se o Autor [um termo diferente daquele empregado em<br />

2.10; literalmente, a “causa” (em grego, aitía); logo, “fonte da salvação”,<br />

na NTLH] da salvação eterna para todos os que lhe obedecem [implícita<br />

afirmação de divindade, pois obedecer/crer é algo que ocorre só<br />

em relação a Deus], 10 tendo sido nomeado [nomear é verbo raro no<br />

NT, mas expressa isto mesmo] por Deus sumo sacerdote, segundo a<br />

ordem de Melquisedeque. [Hb 5.7-10 é um longo período, bem formulado,<br />

em grego, sem ponto, reproduzido tal qual em ARA.]<br />

3. ORDENAMENTO DO MATERIAL<br />

Hebreus tem como uma de suas características a justaposição (ou até<br />

mesmo mistura) de trechos exortativos e trechos doutrinários. É o que<br />

acontece também na epístola de hoje. Não é, normalmente, a sequência<br />

que seguimos, na tradição aristotélica de ordenar as coisas. É uma lógica<br />

bíblica, diferente da grega. Uma opção é seguir esta lógica. Outra opção<br />

é reordenar os dados, para que a sequência seja mais “ocidental”. Neste<br />

caso, a sequência poderia ser, mais ou menos, esta:<br />

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sexta-feira santa<br />

a. Mesmo na cruz, aparentemente inerte, Jesus esteve ativo: penetrou<br />

o santuário dos céus, como grande sumo sacerdote (empático ou compassivo,<br />

diga-se de passagem) que é;<br />

b. Aprendeu pelo que sofreu e alcançou seu objetivo (“foi aperfeiçoado”):<br />

ofereceu o sacrifício definitivo [elemento a ser importado de outra<br />

parte, em Hebreus] e se tornou a fonte de salvação eterna e o Rei que<br />

governa a partir do trono da graça;<br />

c. Acheguemo-nos confiadamente dele, para recebermos misericórdia;<br />

e conservemos firmes a nossa confissão.<br />

Vilson Scholz<br />

São Leopoldo/RS<br />

vscholz@uol.com.br<br />

131<br />

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Domingo de Páscoa –<br />

a ressurreição do Senhor<br />

04 de abril de 2010<br />

1 Coríntios 15. 20-28<br />

1. CONTEXTO LITÚRGICO E HISTÓRICO<br />

Nunca é demais lembrar que o culto, e também especificamente o<br />

sermão, do domingo de Páscoa precisa refletir em tudo a celebração do<br />

maior evento de toda a história. Estamos celebrando o triunfo sobre o maior<br />

inimigo da humanidade: a morte. Se alguma coisa neste mundo merece<br />

ser celebrada, certamente é este acontecimento. Aqui o Evangelho—a Boa<br />

Nova—brilha em toda sua intensidade.<br />

O convite para a fé no Evangelho e para a celebração daí decorrente<br />

está presente tanto no texto da epístola como também nas demais leituras<br />

do domingo. O evangelho reproduz as palavras dos anjos: “Por que buscais<br />

entre os mortos ao que vive? Ele ... ressuscitou” (Lc 24.5,6). O Salmo 16<br />

celebra a ressurreição de Cristo (especialmente nos versículos 8-11, citados<br />

em At 2.25-28; 13.35; e com uma provável alusão no versículo 4 de<br />

nosso texto). Isaías 65.17ss. aponta para a esperança do futuro tornado<br />

possível pela Páscoa (“folgareis e exultareis perpetuamente”; “crio ...<br />

alegria ... regozijo”; “exultarei ... e me alegrarei no meu povo”).<br />

O convite para crer no Evangelho e para celebrá-lo está claro na Escritura.<br />

Mas a história da humanidade revela que esta fé e celebração não<br />

são a resposta natural do ser humano. É difícil crer no Evangelho. É bom<br />

demais para ser verdade. É difícil pregar o Evangelho.<br />

Já nos dias do apóstolo Paulo, os coríntios tinham dificuldade para se<br />

confortar e se alegrar com a ressurreição de Cristo. Séculos mais tarde,<br />

na teologia e pregação da Idade Média, a atenção foi desviada, quase<br />

inteiramente, dos grandes feitos de Deus para obras humanas.<br />

Lutero, que tem como foco de sua Reforma o objetivo de recolocar<br />

o Evangelho da graça de Deus em Cristo no centro da teologia e vida da<br />

igreja, queria que a ressurreição não fosse lembrada apenas no dia da<br />

Páscoa mas, de forma especial, também em todo o período entre a Páscoa<br />

e o Pentecostes. No lecionário medieval, lia-se, neste período, na missa,<br />

as epístolas – especialmente Tiago, considerada a melhor. Lutero sugeriu<br />

uma mudança na seleção das leituras bíblicas para os cultos deste período<br />

do calendário eclesiástico. Diz ele: “Seria melhor para a instrução e<br />

conforto das pessoas, e em consonância com o período, tratar o artigo<br />

132<br />

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domingo de páscoa - a ressurreição do senhor<br />

da ressurreição – a respeito tanto da ressurreição de Cristo quanto da<br />

nossa, ou de todos os mortos – entre Páscoa e Pentecostes”. [Complete<br />

Sermons, vol. 4:I, 286]. Lutero sugeriu a leitura do nosso texto para o<br />

3º Domingo após a Páscoa.<br />

2. DESTAQUES DO TEXTO<br />

A leitura da epístola é parte do famoso “capítulo da ressurreição”.<br />

É significativo como o apóstolo inicia o assunto – 15.1: “Irmãos, venho<br />

lembrar-vos o evangelho ...; v. 2: por ele, ... sois salvos”. A ressurreição<br />

é Evangelho puro!<br />

Para os coríntios, a ressurreição de Cristo (v. 4) não estava em dúvida,<br />

ao contrário de hoje (teologia existencialista de Bultmann, Código da<br />

Vinci, tumba de Talpiot, etc.). A dúvida deles era com relação à nossa<br />

ressurreição, ou à ressurreição dos mortos em geral (v. 12). Paulo argumenta<br />

que se os mortos em geral não ressuscitam (v. 16), “então Cristo<br />

também não ressuscitou”.<br />

V. 19: Se Cristo não ressuscitou, e se nós não ressuscitaremos, então<br />

“somos os mais infelizes de todos os homens”.<br />

Contra esse pano de fundo sombrio e negativo – da ausência de esperança<br />

na ressurreição própria e dos demais – Paulo realça o aspecto<br />

positivo:<br />

V. 20: Cristo, de fato, ressuscitou. Ele é as primícias dos que dormem<br />

(cf. v. 23).<br />

Cristo vive. Não apenas sua memória ou seus ensinamentos sobrevivem.<br />

Ele, pessoalmente e fisicamente, retornou da morte à vida. O mesmo<br />

corpo que foi pregado à cruz, morreu e foi sepultado ressuscitou.<br />

O conceito das “primícias” vem do AT. Os primeiros frutos duma colheita<br />

eram oferecidos a Deus como oferta de gratidão. (Êx 23.16; 34. 22,26; Lv<br />

23.9-14). “Mas há apenas uma colheita. E há apenas uma ressurreição.<br />

A ressurreição de Jesus é as primícias de nossa ressurreição. Sua vitória<br />

completa sobre a morte e o pecado é a nossa vitória completa prometida<br />

sobre a morte e o pecado”. (GIBBS, Jeffrey. “Our faith, our funerals, our<br />

future”, The Lutheran Witness, 123, nº 4 [abril 2004]: 8). Pelo batismo,<br />

estamos unidos a Cristo, por isso seremos a colheita final e completa da<br />

qual o próprio Jesus é a primeira parte.<br />

V. 26: A morte, embora já derrotada definitivamente, continua a nos<br />

atormentar. É verdade que a morte é como um sono para os cristãos (v. 20<br />

“dos que dormem”), que “Tragada foi a morte pela vitória” (54) e “Graças<br />

a Deus que nos dá a vitória” (57). Mas, a morte é o último inimigo a ser<br />

destruído. Ela não foi ainda completamente vencida. Há, aqui, um “já e<br />

ainda não”. Já somos vitoriosos com Cristo, mas ainda não estamos no<br />

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Igreja Luterana<br />

reino da glória. Ainda temos que passar pela morte antes de chegar lá. É<br />

como se estivéssemos numa guerra na qual o inimigo já se rendeu, mas<br />

a notícia ainda não alcançou seus aviões bombardeiros que já haviam<br />

partido para sua última missão e ainda continuam a causar destruição e<br />

sofrimento por um curto período. Pelo fato de a morte ainda causar terror<br />

e sofrimento, precisamos, tanto mais, reafirmar a vitória presente na<br />

ressurreição de Cristo e o significado e esperança que a mesma nos traz.<br />

A morte é “o último inimigo”. Após a nossa ressurreição não haverá mais<br />

dor, nem tristeza, nem qualquer tipo de sofrimento. O pecado e todas as<br />

suas consequências terão sido eliminados para sempre para todos os que<br />

são de Cristo.<br />

3. PONTOS DE CONTATO<br />

O pastor Ken Schurb, num artigo da revista Concordia Journal, alega<br />

que os pregadores da atualidade perderam a ênfase no significado da<br />

ressurreição de Jesus que se encontra na proclamação do Novo Testamento,<br />

especialmente em Atos e nas epístolas. Segundo ele, em muitas<br />

pregações do Evangelho se enfatiza apenas a morte expiatória de Cristo.<br />

Ele resume diversos aspectos do Evangelho presentes na ressurreição de<br />

Cristo da seguinte forma:<br />

1. A ressurreição confirma que Cristo realizou um sacrifício completo<br />

e aceitável a Deus como nosso substituto.<br />

2. A ressurreição nos assegura que o diabo, o pecado e a morte não<br />

podem ter nenhum poder sobre nós, uma vez que eles não têm nenhum<br />

poder sobre Cristo, que os suportou por nós mas triunfou.<br />

3. A ressurreição consiste em Deus absolver seu Filho de nossos pecados<br />

que foram imputados a ele, e, portanto, na nossa absolvição por<br />

Deus.<br />

4. A ressurreição significa que Jesus vive para nos imputar a justiça<br />

de sua obediência.<br />

5. A ressurreição sublinha a realidade do perdão que Cristo obteve<br />

para nós na expiação.<br />

6. A ressurreição nos capacita a ter comunhão contínua com o Cristo<br />

que obteve nossa paz.<br />

7. A ressurreição é a dádiva divina de vida que volta à tona agora que<br />

Jesus pagou pela culpa do pecado na expiação.<br />

8. A ressurreição nos assegura que o Deus-Homem, nosso Mediador,<br />

vive como ele deve.<br />

(SCHURB, Ken. “The Resurrection in Gospel Proclamation,” Concordia<br />

Journal, 18, nº 1 [January 1992], 37.<br />

Esses aspectos não precisam ser incluídos num único sermão, mas<br />

134<br />

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domingo de páscoa - a ressurreição do senhor<br />

podem ser desdobrados e explicados ao longo de uma série de pregações<br />

e estudos em que o tema da ressurreição é apresentado.<br />

O significado da ressurreição de Cristo pode e deve ser aplicado a situações<br />

concretas de nossa vida e de nossos ouvintes. Convém enfatizar<br />

e aplicar o conforto e esperança que resultam desta sua ressurreição.<br />

Se há um momento em nossas vidas onde a mensagem da primeira<br />

Páscoa deveria ter um lugar bem especial para nos trazer conforto e esperança,<br />

esse momento deveria ser por ocasião de sepultamentos. Ou<br />

não?<br />

O Dr. Jeffrey Gibbs, professor de Teologia Exegética no Seminário Concórdia<br />

de Saint Louis, fez uma descoberta desconcertante com relação a<br />

isso. Conta ele, no artigo acima mencionado, que, num período de 12 anos<br />

em St. Louis, ele participou de vários funerais de cristãos “comuns” e de<br />

líderes sinodais mais conhecidos. E, raramente, ele ouviu uma referência<br />

às boas novas da ressurreição física nas alocuções fúnebres. Felizmente,<br />

diz ele, a liturgia sempre oferece esse consolo mas, por que, com o corpo<br />

ali presente, só se ouve que a alma do crente partiu para estar com Cristo?<br />

Claro que isso também é confortador e bíblico. Mas, continua Gibbs,<br />

a Bíblia também diz que nossos corpos são importantes para Deus. (A<br />

criação é importante para Deus).<br />

Rm 8. 22-23 diz: “Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo,<br />

geme e suporta angústias até agora. E não somente ela, mas também<br />

nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso<br />

íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo.” E,<br />

v. 11: “Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre<br />

os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos<br />

vivificará também o vosso corpo mortal, por meio do seu Espírito,<br />

que em vós habita” (ver tb. 1 Pe 1.3-5).<br />

No credo confessamos: Creio na ressurreição da carne. Mas, por que<br />

esquecemos isso na hora dum funeral? Seria por causa de uma visão<br />

neoplatônica? (cf. Paulo em Atenas). Mas, não somos um corpo corrupto<br />

existindo numa alma pura. A razão do esquecimento talvez seja, diz Gibbs,<br />

que as boas novas da Páscoa e do Último Dia não estão no centro da<br />

atenção no resto do tempo.<br />

Para os tessalonicenses preocupados com seus entes queridos que<br />

haviam falecido antes do retorno de Cristo, Paulo não diz: “Não se preocupem,<br />

suas almas estão com Cristo no céu.” Mas ele diz: “os mortos em<br />

Cristo ressuscitarão primeiro ... Consolai-vos, pois, uns aos outros com<br />

estas palavras” (1 Ts 4.16, 18). Este mesmo consolo pode ser nosso e<br />

também podemos consolar outras pessoas, que temem a morte, com a<br />

esperança da Páscoa e a promessa da ressurreição do corpo.<br />

Na última parte de seu artigo, Gibbs acentua: A Páscoa é nosso futuro.<br />

135<br />

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Igreja Luterana<br />

Cristo, as primícias, já ressuscitou dos mortos. No tempo determinado por<br />

Deus virá o restante da colheita. Todos os que já morreram em Cristo e a<br />

última geração que ainda estiver vivendo na terra será parte desta colheita<br />

final. Pela fé já iniciamos nossa nova vida em Cristo. Isso envolve também<br />

nosso corpo. Podemos honrar a Deus com as escolhas que fazemos com<br />

nosso corpo (1 Co 6. 13b-15a). Mas, o mais importante é a esperança<br />

certa que podemos ter de que um dia nosso corpo vai ressuscitar e viver<br />

com Cristo no mundo que há de vir.<br />

4. SUGESTÃO DE TEMA E PARTES<br />

Tema: Cristo, as primícias da ressurreição<br />

1. O significado da ressurreição de Cristo<br />

2. O conforto e a esperança que resultam dessa sua ressurreição.<br />

Paulo W. Buss<br />

São Leopoldo/RS<br />

pwbuss@hotmail.com<br />

136<br />

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Segundo Domingo de Páscoa<br />

1. LEITURAS BÍBLICAS DO DIA<br />

Sl 148: Hino de louvor que convida todos os seres do céu e da terra<br />

a cantar glórias ao Deus de Israel.<br />

At 5.12-20(21-32): O crescimento da Igreja Cristã; a perseguição e<br />

prisão dos apóstolos; a coragem dos apóstolos para testemunhar a morte<br />

e ressurreição de Cristo.<br />

Ap 1.4-18: João obedece a ordem do todo-poderoso Deus e, então,<br />

escreve a visão do Cristo glorificado e envia às igrejas de sete cidades da<br />

província romana da Ásia.<br />

Jo 20.19-31: De forma milagrosa, Jesus entra no local em que os discípulos<br />

estavam reunidos de portas trancadas e lhes deseja paz e também<br />

lhes concede o Espírito Santo. Jesus também prova a Tomé que, de fato,<br />

está vivo. É afirmado que alguns milagres de Jesus foram registrados neste<br />

Evangelho para que creiamos que Ele é o Messias, o Filho de Deus.<br />

Relação entre as leituras e o período litúrgico: O poder de Deus e a<br />

obra de salvação (morte e ressurreição) de Cristo causam louvor, adoração<br />

e honra dirigidos ao único e verdadeiro Deus. Não é possível ficar calado<br />

frente à história da salvação.<br />

2. TÍTULOS<br />

Almeida Revista e Atualizada: Os apóstolos fazem muitos milagres<br />

(At 5.12-16). A prisão dos apóstolos (At 5.17-32). Nova Tradução na<br />

Linguagem de Hoje: Milagres e maravilhas (At 5.12-16). Os apóstolos<br />

são perseguidos (At 5.17-42). Concordia Self-Study Bible – NVI: The<br />

Apostles Heal Many (At 5.12-16). The Apostles Persecuted (At 5.17-42).<br />

3. CONTEXTO<br />

11 de abril de 2010<br />

Atos 5.12-32<br />

O livro de Atos narra o começo da Igreja Cristã (At 1.1-2.42). A leitura<br />

bíblica de At 5.12-32 é apresentada no contexto em que o evangelho<br />

é anunciado em Jerusalém (At 2.43-8.3). Após a mentira de Ananias e<br />

Safira e a consequente morte deles (At 5.1-11) e o, então, crescimento<br />

espantoso da Igreja, ocorre a segunda prisão e o segundo julgamento<br />

dos apóstolos (At 5.12-32). Observação: Jesus também teve dois julga-<br />

137<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 137 8/4/2010 18:42:13


Igreja Luterana<br />

mentos perante aquele grupo de juízes. O Sinédrio (Conselho Superior)<br />

já estava aborrecido com os apóstolos Pedro e João, porque falavam ao<br />

povo do Jesus ressuscitado como prova da ressurreição dos mortos (At<br />

4.2). Foram presos por causa disso e ameaçados para que não ensinassem<br />

mais nada sobre Jesus. Naquela ocasião eles responderam: “... pois nós<br />

não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos” (At 4.20).<br />

Foram ainda mais ameaçados, mas acabaram soltos, pois não tinham<br />

como condená-los (At 4.1-22). Os apóstolos continuaram a ser perseguidos<br />

além de continuarem a receber sérias advertências do Sinédrio<br />

para não falarem mais a respeito de Jesus (At 5.17-32), mas Pedro e os<br />

outros apóstolos responderam: “Antes, importa obedecer a Deus do que<br />

aos homens” (At 5.29). Não fosse o medo do povo e a influência pacífica<br />

de Gamaliel, teriam apedrejado os apóstolos. Gamaliel era o mais famoso<br />

rabino daquele tempo, era fariseu. A hostilidade entre fariseus e saduceus<br />

era considerável. Sacerdotes e saduceus faziam a maioria do Conselho<br />

e detestavam a idéia da ressurreição dos mortos. Gamaliel, embora não<br />

fosse cristão, parecia simpatizar com os cristãos contra os saduceus. Os<br />

apóstolos, apesar de serem açoitados, continuavam a proclamar Jesus<br />

e regozijavam-se por sofrerem pela causa de Cristo (At 5.33-42). Observação:<br />

O Sinédrio era o mais alto tribunal religioso dos judeus, do<br />

qual faziam parte os sumos sacerdotes (o atual e os anteriores), chefes<br />

religiosos (anciãos) e professores da Lei. Tinha 71 membros, incluindo o<br />

presidente (Jo 11.47).<br />

4. DOUTRINA RELACIONADA<br />

O texto bíblico de At 5.12-32 está relacionado com 4º Mandamento,<br />

especialmente o versículo 29 (“Antes, importa obedecer a Deus do que aos<br />

homens.”). O Catecismo Menor de Schwan cita At 5.29, após as perguntas<br />

48 e 49. “Que nos ordena, ao contrário, o Quarto Mandamento? Devemos<br />

honrar, servir, obedecer e amar os nossos pais e superiores e querer-lhes<br />

bem. Quando sucede isto? Veneramos nossos pais e superiores quando<br />

do íntimo os tomamos por representantes de Deus, fazendo-lhes também<br />

voluntariamente o que podemos, obedecendo-lhes em todas aquelas cousas<br />

em que Deus os constituiu nossos superiores e estimando-os como<br />

preciosos dons de Deus.” A Confissão de Augsburgo cita At 5.29 no Artigo<br />

16 (Da Ordem Política e do Governo Civil): “... os cristãos têm o dever<br />

de estar sujeitos à autoridade e de lhe obedecer aos mandamentos e leis<br />

em tudo o que não envolva pecado. Porque se não é possível obedecer à<br />

ordem da autoridade sem pecar, mais importa obedecer a Deus do que aos<br />

homens” (Atos 5). E num estudo do artigo, tratando sobre a “Obediência<br />

Condicional”, Horst Kuchenbecker escreve: “Nossa obediência ao governo<br />

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Revista Luterana 2010 gráfica.indd 138 8/4/2010 18:42:13


Segundo domingo de páscoa<br />

não é absoluta. Se o governo nos ordena fazer algo contra a lei de Deus ou<br />

contra nossa fé, cabe-nos responder com Pedro: ‘Antes, importa obedecer<br />

a Deus do que aos homens.’ (At 5.29), mesmo se isto nos levar à prisão,<br />

sofrimentos ou à morte.<br />

5. COMENTÁRIOS E REFLEXÕES<br />

V.12: Todos os apóstolos estavam ensinando no Pórtico de Salomão<br />

quando os oficiais do Sinédrio os surpreenderam e prenderam a todos<br />

eles.<br />

Vv.12-18: Era como uma repetição do ministério de Jesus na Galiléia,<br />

tantas eram as pessoas curadas pelos apóstolos. Não é de se admirar que<br />

as autoridades judaicas tenham ficado com inveja.<br />

Vv.13-14: A falta de coragem para se aproximarem do grupo de seguidores<br />

de Jesus, mesmo com o terrível medo da perseguição aos cristãos,<br />

não impediu o crescimento da Igreja Cristã.<br />

V.15: “Sua sombra”: Acreditava-se que a sombra da pessoa tinha<br />

poderes mágicos.<br />

Vv.19-21: Um “anjo do Senhor” foi o agente especial de Deus para abrir<br />

as portas da prisão e comissionar os apóstolos novamente a testemunhar<br />

a salvação. Assim, o caráter milagroso desta façanha ficou impresso sobre<br />

o Sinédrio. O fato de serem logo soltos da prisão bem como a ordem do<br />

anjo do Senhor ajudaram a convencer os apóstolos da sua missão.<br />

Vv.21-32: Nem as ameaças, nem a prisão, nem os açoites conseguem<br />

fazer frente ao poder de Deus. O poder de Deus ultrapassa os limites humanos<br />

(os apóstolos foram soltos por Deus). Mesmo diante de ameaças, os<br />

apóstolos não ficaram quietos. Não existe poder humano que interrompa<br />

a propagação do evangelho.<br />

V.28: Os apóstolos haviam declarado publicamente que o Sinédrio era<br />

responsável pela morte de Jesus, e agora eles temiam represálias.<br />

Vv.29-32: A defesa de Pedro ante o Sinédrio é novamente um testemunho<br />

dos apóstolos a respeito da morte e ressurreição de Cristo.<br />

V.31: “Destra / Direita”: Não é uma referência ao lado direito, literalmente,<br />

mas é um sinal de poder e glória dados a Cristo.<br />

Contrastes entre Deus e o ser humano: Deus comissionou os apóstolos<br />

para serem mensageiros do evangelho, levando o arrependimento e o<br />

perdão dos pecados – os homens estão obrigando os apóstolos a não falar<br />

mais ou ensinar o nome de Jesus (vv.17-21, 28; Mt 28.18-20; Mc 16.15);<br />

obedecer a Deus – desobedecer aos homens (v.29); Deus ressuscitou a<br />

Jesus – os homens mataram Jesus num madeiro (v.30; Dt 21.23).<br />

Observações: a) O poder (dado por Deus) e popularidade admiráveis<br />

dos apóstolos (v.12-16). b) Semelhança entre os milagres e as maravi-<br />

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Igreja Luterana<br />

lhas que os apóstolos estavam realizando (vv.12-16) e os dias de Jesus<br />

na Galiléia (Lc 4.14-9.50). c) Inabalável ousadia de Pedro em desafiar as<br />

autoridades (At 4.8-14; 5.29-32), o mesmo Pedro que, poucas semanas<br />

antes, negou a Jesus de forma covarde (Lc 22.54-65).<br />

Passagens paralelas:<br />

At 5.12-32 – v.12: Jo 4.48; At 2.43; 4.32; Jo 10.23; At 3.11. v.13:<br />

At 2.47; 4.21. v.14: At 2.41. v.15: At 19.12. v.16: Mt 8.16; Mc 16.17.<br />

v.17: At 15.5; 4.1. v.18: At 4.3. v.19: Gn 16.7; Êx 3.2; Mt 1.20; 2.13,<br />

19; 28.2; Lc 1.11; 2.9; Jo 20.12; At 8.26; 10.3; 12.7, 23; 27.23; 16.26;<br />

Sl 34.7. v.20: Jo 6.63, 68. v.21: At 4.5-6; 5.27, 34, 41; Mt 5.22. v.22: At<br />

12.18-19. v.24: At 4.1. v.26: At 4.21. v.27: Mt 5.22. v.28: At 4.18; Mt<br />

23.35; 27.25; At 2.23, 36; 3.14-15; 7.52. v.29: Êx 1.17; At 4.19. v.30:<br />

At 3.13; 2.24; 10.39; 13.29; Gl 3.13. v.31: Mc 16.19; Lc 2.11; Mt 1.21;<br />

Mc 1.4; Lc 24.47; At 2.38; 3.19; 10.43. v.32: Lc 24.48; Jo 15.26.<br />

6. SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO<br />

Assunto: O poder e a autoridade de Deus.<br />

Objetivo: a) Fé: Confiar no poder de Deus, pois sempre nos concede<br />

forças para enfrentarmos qualquer situação, inclusive nos ajuda a superar<br />

as dificuldades para a propagação do evangelho. b) Vida: Na certeza da<br />

proteção e ajuda de Deus, testemunhar a salvação destemidamente, sabendo<br />

que a palavra que anunciamos tem autoridade, pois é de Deus.<br />

Tema: Deus faz a sua Igreja crescer. a) Motivando seus seguidores a<br />

anunciar as maravilhas da salvação. b) Concedendo o seu poder e a sua<br />

autoridade através de sua palavra.<br />

Conclusão: O amor de Deus supera qualquer barreira para que o<br />

mundo conheça o evangelho.<br />

7. BIBLIOGRAFIA UTILIZADA<br />

Catecismo Menor de Schwan – Editora Concórdia. p.48-50; Confissão da<br />

Esperança – Exposição Histórica e Doutrinária da Confissão de Augsburgo.<br />

p.109-113; Manual Bíblico – Edições Vida Nova; Manual Bíblico SBB – SBB;<br />

Comentários Bíblicos – Editora Concórdia; Bíblia de Estudo NTLH – SBB;<br />

Bíblia de Estudo Almeida – SBB; Dicionário da Bíblia de Almeida – Bíblia<br />

Online; Notas Introdutórias NTLH – Bíblia Online; Concordia Self-Study<br />

Bible – NIV – CPH.<br />

140<br />

Ezequiel Blum<br />

Novo Hamburgo/RS<br />

ezequielblum@gmail.com<br />

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Terceiro Domingo de Páscoa<br />

1. CONTEXTO<br />

O apóstolo João relata nos capítulos 4 e 5 a adoração cheia de glória<br />

no templo celestial. Da “Epifania do Pai” (Ap 4 – capítulo do Pai – Criação)<br />

passa-se para o possível relato da Ascensão, vista de cima (Ap 5 – capítulo<br />

do Filho – Redenção). João vê Cristo recebendo um livro selado com sete<br />

selos (5.1-7), no qual contém o futuro. Enquanto Jesus se prepara para<br />

abrir o livro, toda a criação começa a cantar porque o Pai salvou o mundo<br />

do pecado através do Filho (5.8-10).<br />

Enquanto o futuro é descrito por seis visões do fim do mundo, a visão<br />

celestial da corte de Deus reaparece várias vezes (7.9-17; 14.1-5; 15.2-8;<br />

19.1-10). A visão da corte de Deus sustenta a promessa do descanso eterno<br />

aos filhos redimidos de Deus, que estão seguros na mão de Deus.<br />

2. TEXTO<br />

18 de abril de 2010<br />

Apocalipse 5.1-7<br />

V. 1: Deus segura o livro que simboliza o seu plano de salvar a humanidade.<br />

Como o livro está todo escrito, por dentro e por fora, isso mostra<br />

que a salvação está completa, não há nada para acrescentar.<br />

Vv. 2-4: O anjo proclama uma dura lei: quem é digno, equivalente,<br />

está à altura para abrir o livro? Ninguém! Em todo o Universo não havia<br />

ninguém que pudesse abrir o livro. João começa a chorar de tristeza e<br />

desespero por isso.<br />

V. 5: O único digno e qualificado é Cristo, por causa da sua morte sacrificial<br />

e gloriosa ressurreição, para revelar e cumprir o plano da salvação<br />

de Deus. Os títulos messiânicos que aparecem no texto (Gn 49.8-12)<br />

comprovam a humanidade de Cristo e sua descendência real de Davi.<br />

Assim João não precisava continuar chorando. O livro fechado e selado<br />

tem solução, apresentou-se o Cordeiro, o único em todo o Universo que<br />

é digno de abrir o livro.<br />

V. 6: O trecho “como tendo sido morto” não enfatiza a morte de Jesus<br />

em sacrifício no passado, mas o efeito dela para o presente: a salvação.<br />

V. 7: A morte do Cordeiro o fez Vencedor para sempre. O único digno<br />

de tomar e abrir o livro está pronto para julgar o futuro dos seres humanos.<br />

Ele tomou o livro da mão direita do Pai.<br />

141<br />

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Igreja Luterana<br />

3. SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO<br />

Os comentários a seguir foram retirados da revista Boas Novas, Apocalipse<br />

(nº. 12), p. 20-21.<br />

Quando um médico fala para um paciente que ele tem uma doença muito<br />

séria, o paciente fica preocupado com o futuro. Mas o médico garante ao<br />

paciente que, mesmo que ele tenha que passar por um tratamento longo,<br />

doloroso e desanimador, de acordo com as informações muito confiáveis<br />

de um livro de medicina especializado, tudo vai acabar bem no final.<br />

Assim como um médico usa um livro de medicina para explicar ao seu<br />

paciente os estágios do seu tratamento, da mesma forma Cristo usa o livro<br />

com sete selos para nos avisar e consolar sobre “o que deve acontecer”<br />

antes que Ele volte. Mesmo em tempos difíceis nós podemos encarar cada<br />

novo dia com confiança porque, como Jesus explica em Apocalipse, vamos<br />

passar por momentos de tribulação até a sua volta, quando então seremos<br />

espiritualmente curados e totalmente restaurados por Deus.<br />

Se estamos preocupados com o futuro, uma certeza podemos ter:<br />

depois que Jesus ressuscitou dentre os mortos, ascendeu ao céu, naquele<br />

momento Deus Pai colocou nas mãos de Jesus o segredo do futuro: o livro<br />

com os sete selos.<br />

Esse livro mostra “o que deve acontecer” no futuro (Ap 4.1). À medida<br />

que Jesus abre cada um dos selos, revela como guerras, fome e morte<br />

continuarão a afligir a terra (Ap 6.1-8). Ele mostra que o povo de Deus<br />

irá enfrentar violenta perseguição (6.9-11) e que a terra vai começar a<br />

se destruir (6.12-17) – um diagnóstico aterrorizante!<br />

Mas não há o que temer! Apocalipse 5 nos lembra que, como Cristo<br />

pagou o preço dos pecados ao morrer na cruz, Ele é digno de guiar o<br />

nosso futuro!<br />

Assim como um médico preocupado, Jesus, através de Apocalipse, avisa<br />

que os cristãos irão passar por dias difíceis. Perante esses dias de angústia<br />

e incerteza, Jesus promete cuidar de cada filho redimido de Deus.<br />

Embora Apocalipse profetize que o futuro irá trazer grande tribulação e<br />

desastres, nosso Médico celestial promete nos proteger e guardar. Assim<br />

como os anjos e santos descritos em Apocalipse 4 e 5, nós podemos louvar<br />

e glorificar a Cristo. O nosso futuro está em suas mãos!<br />

Tema: O nosso futuro está nas mãos de Cristo.<br />

Marcos Jair Fester<br />

Scharlau – São Leopoldo/RS<br />

marcosfester@yahoo.com.br<br />

142<br />

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Quarto Domingo de Páscoa -<br />

Domingo do bom pastor<br />

1. O DOMINGO<br />

Para muitos cristãos, este é o Domingo mais belo do ano da Igreja.<br />

É maravilhoso podermos ler o Salmo 23 com nosso povo atribulado, que<br />

vive os dias da grande perseguição! É confortador podermos ouvir dos<br />

lábios de Jesus que Ele é o Pastor de quem Davi fala poeticamente no<br />

Salmo 23!<br />

Quem já conseguiu escrever alguma coisa mais simples e ao mesmo<br />

tempo mais profunda que o Salmo do pastor e rei Davi?<br />

O Domingo do Bom Pastor está refrigerando tanto a Páscoa quanto o<br />

Pentecostes. Neste culto lembramos que o Bom Pastor morreu para salvar<br />

o rebanho e no terceiro dia venceu a morte e é vitorioso sobre ela para<br />

sempre. Olhando para frente, para o Pentecostes, pode-se lembrar aos<br />

ouvintes que o Bom Pastor, que está vivo, alimenta a Igreja, com tudo o<br />

que ela precisa para ir se juntando à grande multidão que já é alimentada<br />

pelo Cordeiro e Pastor no céu.<br />

2. CONTEXTO<br />

25 de abril de 2010<br />

Apocalipse 7.9-17<br />

Para muitos, o que mais importa no livro de Apocalipse são os mistérios.<br />

Investem horas, noites e madrugadas preocupados (e ocupados) com a<br />

besta, com os monstros e outras coisas que o livro apresenta e que são<br />

importantes, mesmo que não sejam as mais importantes. Ao invés dos<br />

mistérios, eu prefiro aquilo que é muito claro, as revelações.<br />

Para mim, o mais importante é aquilo que tenho como o centro teológico<br />

do Livro: os capítulos 5-8. Tudo bem que tem o Diabo. Mas tem o Cordeiro!<br />

Tudo bem que o Diabo tem poder. Mas o Cordeiro tem todo o poder! Tudo<br />

bem que tem as aflições, as perseguições e as tribulações. Mas o Cordeiro<br />

está conosco e um dia estaremos com a “grande multidão” e cantaremos<br />

com “uma forte voz” ao Cordeiro e ao que está sentado no trono.<br />

No capítulo 5 estão o livro e o Cordeiro. O abrir dos seis selos forma o<br />

capítulo 6. O capítulo 7 começa com a informação que é dada a João sobre<br />

o número de pessoas que formam a grande multidão: cento e quarenta e<br />

quatro mil; isso em linguagem apocalíptica, simbólica, como quase tudo<br />

no Livro. E aí começa a perícope em foco.<br />

143<br />

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Igreja Luterana<br />

João está vendo e ouvindo o céu; está diante Daquele que está sentado<br />

no trono e diante do Cordeiro.<br />

3. TEXTO<br />

- A multidão. Nos versículos anteriores, João ouve quantos são. Aqui<br />

ele vê quantos são e afirma: “... vi uma multidão tão grande que ninguém<br />

podia contar.” Se ninguém podia contar, então não podem ser só 144 mil,<br />

claro. João vê toda a Igreja reunida.<br />

Sobre a multidão, Lenski faz três destaques que julgo importantes:<br />

1. Esta multidão aqui não pode ser contada por ninguém, ao passo que<br />

os 144 mil podem ser contados; 2. Os 144 mil foram marcados (selados)<br />

e sobre isso nada é dito dessa multidão aqui; 3. Os 144 mil estão na terra<br />

enquanto que os incontáveis estão no céu.<br />

“144 mil é um número simbólico e aqui é interpretado como sendo um<br />

número tão grande que nenhum ser humano tem a habilidade para fazer<br />

a conta desse número literal que está simbolizado por 144 mil. A marca é<br />

feita quando cada um ainda está na terra; e esta é a razão porque todos<br />

estão agora no céu” (LENSKI, p. 257).<br />

- Todas as nações, povos, tribos e línguas. Aparecem assim e nessa<br />

ordem aqui e em 5.9; 11.9; 13.7; 14.6. Parece evocar a ordem de Jesus<br />

em Mt 28.19.<br />

- De pé diante do trono e do Cordeiro. Assim escreve o Dr. Rottmann:<br />

“Ninguém na terra é capaz de ficar de pé face a face com Deus. A Igreja<br />

que lá está reunida diante do trono e do Cordeiro, porém, não precisa ter<br />

medo; os eleitos no céu vivem em glória face a face com Deus.” E assim<br />

estamos também no culto aqui na terra; embora ainda com as dores da<br />

aflição e da tribulação, estamos de pé, diante do trono e do Cordeiro,<br />

unicamente por meio da fé.<br />

- Vestidos de roupas brancas. Para o Dr. Rottmann, roupas brancas são<br />

um símbolo de santidade e de justiça. Para ele as palmas que eles tinham<br />

nas mãos são símbolo de salvação; ele nos lembra da entrada triunfal de<br />

Jesus em Jerusalém, quando as pessoas O receberam com palmas nas<br />

mãos. Podem significar ainda mais. Podem ser também um símbolo de<br />

vitória. No céu está a festa da Vitória. Vitória final.<br />

- Do nosso Deus e do Cordeiro vem a nossa salvação. Monergismo<br />

puro, que é reforçado mais adiante (7.12), quando homens e anjos cantam<br />

com uma forte voz. Vale a pena uma olhadinha nos Salmos; sugiro<br />

40.1-3 e 119.166. Também lembrar de Hebreus 12.2, conforme ARA e<br />

de Isaías 43.11.<br />

- A grande voz do coro celeste. Contrasta bastante com as nossas cantorias<br />

em nossas comunidades, mesmo quando cantamos bem afinadinho.<br />

144<br />

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Quarto domingo de páscoa - domingo do bom pastor<br />

Quero exclamar com o Dr. Rottmann: “Que Deus, por sua infinita graça,<br />

me permita também cantar neste coro!”. O que a Igreja faz de forma imperfeita<br />

aqui ela fará no céu, de forma magnificamente perfeita.<br />

- A grande perseguição. Para Rottmann, trata-se da soma de todas<br />

as tribulações pelas quais os fiéis têm de passar antes de entrar, no fim<br />

de sua vida, no grande e eterno gozo da glória no céu, pois “através de<br />

muitas tribulações importa entrar no reino de Deus.” (Atos 14.22).<br />

- São os que lavaram suas roupas no sangue do Cordeiro. O ancião<br />

não diz nada sobre méritos humanos, pessoais ou eclesiais. Ele não aponta<br />

para a uma suposta consagração ou dedicação no serviço a Deus. Não há<br />

espaço para as nossas justiças (Is 64.6). Ele não diz nada sobre qualquer<br />

coisa além do lavar as roupas sujas do pecado no sangue do Cordeiro. É o<br />

lavar por meio da fé. Todo aquele que lavar suas roupas sujas de pecados<br />

no sangue do Cordeiro as terá verdadeiramente brancas como a neve.<br />

Somos santos porque nos lavamos no sangue de Jesus (Lv 19.2). É a fé<br />

que nos faz ficar de pé na presença de Deus, mas não é por causa da fé.<br />

“... É por isso que essas pessoas estão de pé diante do trono de Deus...”<br />

(1Jo 1.7; Jo 1.36).<br />

- O Cordeiro será o pastor dessas pessoas. Assim chegamos ao enfoque<br />

doce do Domingo do Bom Pastor. Aparece aqui a linguagem do Salmo 23<br />

e também de Ezequiel 34-11-31. O autor aos Hebreus também escreve:<br />

“Deus ressuscitou Jesus Cristo, que, por causa de sua morte e ressurreição,<br />

é o Grande Pastor do rebanho...” (Hb 13.20). O profeta Isaías tem a<br />

mesma linguagem (40.11).<br />

O Cordeiro, que é o Supremo e Bom Pastor, nos dará simplesmente<br />

isto: vida. Pois como Ele mesmo disse, Ele é a vida (Jo 14.6). E vida é o<br />

que o Pastor mais quer para as suas ovelhas! E Jesus se alegra muito por<br />

nos “guiar às fontes das águas da vida!”.<br />

Nestor Duemes<br />

Esteio/RS<br />

nestorduemes@hotmail.com<br />

145<br />

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Quinto Domingo de Páscoa<br />

25 de abril de 2010<br />

Salmo 148; Atos 11.1-8; Apocalipse 21.1-7; João 16.12-22<br />

1. TEXTOS DO DIA<br />

a) Salmo 148: O Sl 148 é um coro de aleluias. Nele, o salmista convida<br />

todas as criaturas para louvar ao seu criador. Começa no céu, com<br />

os anjos, os corpos celestes, passa pelos elementos da natureza e termina<br />

na terra habitada pelos seres humanos, rapazes, donzelas, velhos e<br />

crianças. Todos são convidados a louvar ao SENHOR porque o seu nome<br />

é excelso, a sua majestade está acima dos céus, ele exalta o poder do<br />

seu povo que lhe é chegado.<br />

b) Atos 11.1-8: Os apóstolos do Senhor Jesus Cristo souberam que<br />

Pedro esteve na casa de Cornélio e que eles tinham recebido a palavra de<br />

Deus. Quando Pedro chegou em Jerusalém, foi questionado por ter entrado<br />

na casa de gentios, ao que Pedro respondeu que tivera uma visão, na qual<br />

Deus lhe mostrou uma série de animais, considerados imundos para os<br />

judeus, ordenando que os comesse. Pedro não o quis, ao que Deus lhe<br />

disse: “Ao que Deus purificou, não consideres comum”.<br />

c) Apocalipse 21.1-7: O texto em foco começa a descrição da nova<br />

Jerusalém. É a parte final do livro, que começou com a mensagem de<br />

Deus às sete Igrejas da Ásia (1-3), os sete selos (4-8), as sete trombetas<br />

(8-11), os sinais simbólicos (12-14), os sete flagelos (15-1), as visões do<br />

juízo (17-20). Nele, o apóstolo João diz que viu novo céu e nova terra.<br />

Ele viu também Jerusalém, a cidade santa, que descia da parte de Deus,<br />

adornada como noiva. Ele ouviu a voz de Deus, que disse: Eis o tabernáculo<br />

de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povo<br />

de Deus. Deus lhes enxugará dos olhos toda a lágrima, e a morte já não<br />

existirá, nem luto, nem pranto, nem dor. Deus disse: eis que faço novas<br />

todas as coisas. Conclui, dizendo: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e<br />

o Fim. Eu, a quem tem sede, darei de graça da fonte da água da vida. O<br />

vencedor herdará estas coisas, e eu lhe serei Deus, e ele me será filho”.<br />

d) João 16.12-22: Esse texto é parte do discurso de despedida de<br />

Jesus, quando ele falava da missão do Consolador. Ele diz que o Espírito<br />

Santo, que ele enviará, guiará seus discípulos a toda a verdade, e a<br />

principal delas é que Jesus iria realizar tudo o que seria necessário para<br />

a salvação da humanidade, na sua morte e ressurreição, e que, depois,<br />

voltaria para o céu. Isso, a princípio, deixou os discípulos tristes; mas Jesus<br />

lhes garantiu que a alegria iria tomar conta dos seus corações.<br />

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Quinto Domingo de Páscoa<br />

2. O TEXTO E SUA EXPOSIÇÃO<br />

V.1: “Vi novo céu e nova terra” – João vê o cumprimento de todas as<br />

profecias que dizem respeito à glória do fim, Is 65. 17; 66. 22; 2 Pe 3. 12,<br />

13. Os cristãos herdam o reino que lhes foi preparado desde a fundação<br />

do mundo, Mt 25. 34. São chamados novo céu e nova terra, porque são<br />

completamente diferentes deste mundo atual, manchado pelo pecado. Tudo<br />

quanto tem alguma ligação com pecado será completamente afastado.<br />

Por isso, também o mar, que sempre foi obstáculo para o povo de Israel<br />

e do qual saiu o dragão, não mais existirá.<br />

V.2: “A Cidade Santa, a Nova Jerusalém” – João viu a cidade santa,<br />

Nova Jerusalém, descendo do céu, da parte de Deus, toda adornada<br />

como uma noiva enfeitada para o seu noivo (Ef 5.25-27,32). Agora é o<br />

momento máximo: Cristo, o noivo, que comprou a sua noiva com o preço<br />

do seu sangue derramado na cruz, que a adornou com os dons da graça e<br />

da misericórdia, derramados pelo seu Espírito nos meios da graça, agora<br />

une-se definitiva e intensamente com a sua noiva, a Igreja.<br />

V. 3: “Eis o tabernáculo” – Ouve-se uma voz que anuncia: Eis o tabernáculo<br />

de Deus com os homens. Essas palavras lembram a história<br />

do povo de Israel que, peregrinando pelo deserto, desfrutou da presença<br />

de Deus que, no seu tabernáculo, esteve com ele. Esse foi um tipo que<br />

apontava para frente, para Cristo, que veio “tabernacular” (João 1.14)<br />

com o mundo. Agora, esse tipo aponta para a eternidade, para a bendita<br />

perfeição no céu. Lá Deus habitará conosco. Ele será o nosso Deus e nós<br />

seremos seu povo, pois fomos comprados com o sangue do Cordeiro.<br />

V. 4: Todas as lágrimas que derramamos aqui, por causa das tristezas,<br />

angústias, pecados, sofrimentos, serão enxugadas dos nossos olhos.<br />

Não haverá mais qualquer ocasião para choro, não haverá mais morte,<br />

nenhuma tristeza, nenhum lamento, nenhuma dor. Todas as coisas foram<br />

características deste mundo, todas elas passaram quando o último dia nos<br />

trouxer a consumação de nossa salvação.<br />

V. 5: As palavras aqui descritas têm o selo do próprio Deus: elas são<br />

fiéis e verdadeiras. Nossa fé e nossa esperança não se baseiam sobre<br />

nossas próprias opiniões e ideias, mas sobre a infalível palavra de Deus,<br />

que permanecerá quando céu e terra passarão.<br />

V. 6: Lá na cruz Jesus exclamou: “Está consumado” (Jo 19.30) e, agora,<br />

com o selo da eternidade do Deus que é o Alfa e o Omega, o princípio e o<br />

fim, agora o Pai afirma: Feito está! A espera chegou ao fim. A salvação é<br />

unicamente obra de Deus, e cada pessoa no vasto mundo que tem sede<br />

desta salvação, que tem desejo da misericórdia de Deus em Cristo Jesus,<br />

pode ter, sem dinheiro e sem preço, a maravilhosa água da vida – Is. 55.<br />

1,2; Jo 7.37,38 .<br />

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Igreja Luterana<br />

V. 7: O vencedor – Em 1 Jo 5.4, o apóstolo João diz: “Esta é a vitória que<br />

venceu o mundo, a nossa fé”. Essa vitória não é produto do esforço e obra<br />

humana; mas é dádiva de Jesus, pelo evangelho. Ele venceu todas as coisas.<br />

Quem está nele é vencedor de tudo e sobre tudo. O Vencedor sempre tem<br />

uma coroa, uma medalha, um prêmio. O prêmio é “essas coisas”, ou seja,<br />

a bem-aventurança descrita nos versículos anteriores e a graça de chamar<br />

Deus de seu Deus, e de ter sido feito seu filho desde o batismo.<br />

3. PERSUASÃO<br />

a) Pensamento central: João descreve o novo céu e a nova terra.<br />

b) Objetivo de fé: que meus ouvintes confiem que Deus cumprirá as<br />

promessas fiéis e verdadeiras que fez: levar para o céu todo aquele que<br />

crê em Jesus e fazer desfrutar de todas as coisas maravilhosas do novo<br />

céu e nova terra.<br />

c) Lei: no mundo onde reina a tristeza, por causa do pecado e suas<br />

consequências, somos tentados a não confiar nas promessas de Deus,<br />

especialmente de reconciliar-se conosco através de Jesus, de perdoar nossos<br />

pecados. Somos tentados a viver para o aqui e agora, a desprezar as<br />

promessas de Deus, a não ter a perspectiva de uma vida eterna feliz com<br />

Deus. Preferimos as lágrimas daqui a confiar nas promessas de alegria da<br />

vida eterna. Preferimos as vitórias insignificantes e pecaminosas da vida<br />

daqui à esperança da vitória perene da vida eterna. Isso tem reflexos na<br />

nossa vida: não consideramos a palavra de Deus santa, não a gostamos<br />

de ouvir e estudar; não buscamos em primeiro lugar o reino de Deus; não<br />

os envolvemos no serviço da igreja aqui; não testemunhamos nossa fé<br />

ao mundo. Quem perde a perspectiva da vida eterna, perde todo o ânimo<br />

para seguir e servir a Jesus aqui.<br />

d) Evangelho: a visão do novo céu e nova terra invade a realidade de<br />

lágrimas, tristezas e sofrimentos da nossa vida. Eleva a nossa fronte para<br />

o céu, onde estão as promessas maravilhosas que ainda aguardamos. O<br />

texto bíblico aponta para a obra redentora de Jesus, que morreu e ressuscitou<br />

para nos reconciliar com Deus e nos dar a garantia da vida eterna.<br />

Essa certeza e garantia não vem sem meios; o Espírito Santo as traz a nós<br />

pelos meios da graça, pelas palavras e promessas fiéis e verdadeiras, que<br />

nos alcançaram no batismo, nos alimenta e nutre na palavra, certifica-nos<br />

pessoalmente do perdão e nos leva para o céu (água da vida, v.6; Is 55);<br />

lá todas as nossas lágrimas serão enxugadas, todos os sofrimentos e angústias<br />

não existirão mais. Mas, estamos aqui, por enquanto – aqui, onde<br />

Deus nos nutre com palavra e sacramentos e nos envolve no seu reino, no<br />

testemunho da ressurreição e da vida que só existem em Jesus.<br />

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Quinto Domingo de Páscoa<br />

4. ESBOÇO<br />

Tema: Deus faz tudo novo<br />

Introdução: Você pode imaginar a alegria de quem morou a vida inteira<br />

numa casa bem velha, cheia de infiltrações, com muitas rachaduras, sem<br />

nenhum conforto e segurança, e agora ganha uma casa novinha, bonita,<br />

com boa estrutura e conforto. Morar numa casa boa e nova é o sonho de<br />

todos! O texto de hoje fala da nossa nova morada, que Deus preparou<br />

para todos os que crêem em Jesus. Ele criou o novo céu e a nova terra.<br />

Parte 1 – Cria o novo céu e a nova terra<br />

1.1 – O primeiro céu e a primeira terra com suas dificuldades irão<br />

passar (v. 12; 2 Pe 3.10)<br />

1.2 – No novo céu e nova terra, estaremos para sempre com o Senhor<br />

Transição: Vai ser maravilhoso morar nessa “casa nova”<br />

Parte 2 – Nos faz desfrutar de todas as coisas que existem ali<br />

2.1 – Deus enxugará dos nossos olhos toda a lágrima: morte, luto,<br />

pranto não existirão mais<br />

2.2 – Deus antecipa essas bênçãos aqui. Na Palavra e sacramentos,<br />

nos perdoa, anima, consola e motiva<br />

Conclusão: Vamos para a “casa nova”.<br />

Hino do Sermão: 529.<br />

Silvio F. da Silva Filho<br />

Vila Velha/ES<br />

revsilviop@yahoo.com.br<br />

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Sexto Domingo de Páscoa<br />

1. CENÁRIO LITÚRGICO<br />

09 de maio de 2010<br />

Salmo 67; Atos 16.9-15; Apocalipse 21.9-14,21-27;<br />

João 16.23-33 ou João 5.1-9<br />

Salmo 67: Este é um cântico de ação de graças pela misericórdia de<br />

Deus a favor do seu povo. Israel é lembrado de ser agradecido ao Senhor<br />

e, assim, olhar para além das limitações humanas. Os versos iniciais são<br />

uma rememoração da Bênção Aaraônica (Nm 6.24-26).<br />

Atos 16.9-15: Paulo, o apóstolo, tem uma visão na qual Deus o chama<br />

a anunciar o Evangelho na Macedônia. Lá chegando, pregam na cidade de<br />

Filipos. Lídia (uma comerciante) aceita a mensagem e é batizada, bem<br />

como a sua família.<br />

Apocalipse 21.9-14,21-27: O texto faz referência à nova Jerusalém<br />

(a esposa do Cordeiro), na qual o povo de Deus fará morada eterna. João<br />

faz uma comparação para demonstrar o antagonismo entre Babilônia (a<br />

cidade prostituta, onde a besta habita) e Jerusalém (a cidade celestial,<br />

onde Deus habita).<br />

João 5.1-9: A cura de um paralítico durante o Shabat demonstra que<br />

Jesus pode desobedecer à Lei de Moisés (proibição de trabalhar no Shabat)<br />

devido ao seu relacionamento com o Pai.<br />

2. ESTUDO DO TEXTO BASE COM PARALELOS<br />

E PONTOS DE CONTATO: ATOS 16.9-15<br />

V.9: o[rama – visão divinamente concedida durante um êxtase ou durante<br />

um sono – Deus utiliza-se de diversas formas para comunicar a sua<br />

palavra a outras pessoas. Ao oportunizar a visão a um mensageiro, Deus<br />

pretende que este, o mensageiro, comunique uma mensagem a alguém.<br />

Assim como, em nosso texto, fez com Paulo, já havia feito com Isaías (Is<br />

1.1) e com Amoz (Am 1.1).<br />

parakalw/n – rogar, solicitar, pedir de forma humilde e sem orgulho.<br />

O clamor por auxílio demonstra uma profunda necessidade daquele que<br />

está sedento pela palavra de Deus. O pedido por auxílio, dentro desta<br />

perspectiva, necessita de uma resposta sem demora, o que nos lembra Pv<br />

3.27-28: “Não te furtes a fazer o bem a quem de direito, estando na tua<br />

mão o poder de fazê-lo. Não digas ao teu próximo: Vai e volta amanhã;<br />

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sexto Domingo de Páscoa<br />

então, to darei, se o tens agora contigo”. Dentro dessa pespectiva que o<br />

grupo de Paulo comprendeu a visão e sua mensagem.<br />

V.10: O comprometimento para com a obra do Senhor passa pela priorização<br />

dada à resposta de seu chamamento. Nada deve impedir os servos<br />

de Deus na realização das tarefas a eles concedidas. O grupo, neste caso,<br />

consistia de Paulo, Silas, Timóteo e Lucas, todos interessados em conseguir<br />

imediatamente lugar em um barco que fosse rumo à Macedônia.<br />

Todos os que estão envolvidos na tarefa de pregar o evangelho precisam<br />

se encher da mesma ansiedade para assumir a obra. É preciso<br />

que os envolvidos percebam a urgência e a necessidade premente de<br />

trabalharem na seara do Senhor. Atitudes letárgicas que bloqueiam a<br />

ação não são bem-vindas, visto que atrapalham e destroem a unidade e<br />

o trabalho de equipe.<br />

Vv.11 e 12: Nesta época, os portos do Mar Egeu contavam com um<br />

comércio florescente e de grande atividade. Não era difícil encontrar<br />

navios para viajar de um a outro porto. A rota indicada no versículo 11<br />

mostra que Paulo e seus companheiros foram favorecidos por ventos bons<br />

e constantes, de sul para o leste, o que os levou sem demora à ilha de<br />

Samotrácia, localizada no extremo norte das ilhas gregas. Dali, seguiram<br />

em direção ao porto macedônico de Neápolis.<br />

O texto nos relata que a viagem foi realizada de maneira excepcional,<br />

pois as condições atmosféricas, extremamente favoráveis, e a demora<br />

entre a chegada e a saída dos barcos, permitiu que o objetivo fosse alcançado<br />

rapidamente.<br />

Ao chegarem no porto de Neápolis, o grupo seguiu rumo à cidade de<br />

Filipos, colônia romana de importância histórica para o Império Romano,<br />

pois ali encontrava-se o leste e o oeste.<br />

V.13: Paulo, o apóstolo, normalmente ia até a sinagoga para encontrar<br />

os judeus e os prosélitos que lá se reuniam. Como em Filipos a população<br />

judaica não contava com um número elevado de membros para manterem<br />

uma sinagoga, os judeus, ali, reuniam-se fora dos portões da cidade<br />

para orarem, por isso o lugar ficou conhecido como lugar de oração. As<br />

autoridades locais não permitiam que os judeus tivessem seus encontros<br />

dentro dos portões da cidade. Portanto, não havia um culto formal como<br />

acontecia nas sinagogas. Outro fator importante era o número expressivo<br />

de mulheres, muitas das quais estavam em posições sociais avantajadas.<br />

Entre estas havia ao menos uma que era prosélita: Lidia.<br />

V.14: Como Lídia se havia tornado seguidora da fé judaica não se sabe<br />

ao certo, mas de onde ela provinha, Tiatira, onde havia uma comunidade.<br />

Provavelmente, ali ela aderira à fé judaica.<br />

Apesar de a conversão de Lídia se atribuir ao fato de que o Senhor<br />

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Igreja Luterana<br />

lhe abrira o coração, também é verdade que a resposta do grupo de missionários<br />

em atender ao chamado do Senhor foi um importante meio de<br />

Deus anunciar a sua Palavra salvadora.<br />

V.15: Ao batismo de Lídia seguiu-se o batismo de toda a sua casa e,<br />

também, a oferta de hospitalidade a Paulo e aos que com ele estavam.<br />

Rapidamente ela passou a praticar a sua fé e as boas obras seguiram-se<br />

à sua conversão. A hospitalidade é uma marca do cristão (Rm 12.13; 1<br />

Tm 3.2; Hb 13.2; 1 Pe 4.9; 3 Jo 5-8), assim como compartilhar bens materiais<br />

com aqueles que ensinam a palavra de Deus (Gl 6.6; 1 Co 9.14).<br />

A hospitalidade de Lídia é como uma prova da mudança de coração que<br />

a fé produz, agradando ao Senhor.<br />

As pessoas, quando passam a fazer parte do povo de Deus, a Igreja<br />

Cristã, não podem deixar de falar das coisas que viram e ouviram nem<br />

de terem atitudes que comprovem a sua nova situação, agora salvos por<br />

Cristo.<br />

3. SUGESTÃO DE ESBOÇO HOMILÉTICO<br />

A sugestão é utilizar um dos hinos, 327 ou 330 (Hinário Luterano),<br />

construindo a ponte da exposição do texto e da sua aplicação à vida da<br />

comunidade, cantando uma estrofe entre as partes do sermão.<br />

Exemplo: Estrofes 1 e 2<br />

Tema da mensagem: Deus nos chama e capacita para a missão<br />

I. A maneira que deus nos chama é particular, mas a missão é sempre<br />

universal: “Ide por todo o mundo...”<br />

a) Paulo e o contexto do texto de Atos 16.9-15;<br />

b) o chamado é atendido com urgência;<br />

c) o chamado para servir não valoriza os problemas, mas as oportunidades.<br />

Estrofe 3<br />

II. Em nossa vida, hoje, somos desafiados ao trabalho da missão de<br />

Deus<br />

a) meditação – o estudo da palavra de Deus, que dá conhecimento e<br />

autoridade para o cristão falar de sua fé;<br />

b) oração – a poderosa arma que o cristão tem para manter sua fé<br />

“no bom combate da fé”;<br />

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sexto Domingo de Páscoa<br />

c) tentação – uma parte que deve ser lembrada, pois a vida cristã<br />

é fortalecida na tentação. Precisamos trabalhar em equipe a fim de nos<br />

fortalecermos mutuamente na palavra e nos sacramentos.<br />

Estrofe 4.<br />

Clóvis Gedrat<br />

São Leopoldo/RS<br />

clovis@sinodal.com.br<br />

153<br />

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Ascensão do Senhor<br />

13 de maio de 2010<br />

Salmo 47; Atos 1.1-11; Efésios 1.15-23; Lucas 24.44-53<br />

1. CONTEXTO LITÚRGICO E DEMAIS LEITURAS<br />

O escritor Philip Yancey, em seu livro “O Jesus Que Eu Nunca Conheci” 1 ,<br />

relata que “se o Domingo de Páscoa foi o dia mais emocionante na vida<br />

dos discípulos, para Jesus foi talvez o Dia da Ascensão. Ele, o Criador,<br />

que descera tanto e desistira de tanto, estava agora voltando para casa.<br />

Como um soldado retornando de uma guerra longa e sangrenta através<br />

do oceano... Finalmente em casa.”<br />

Jesus, ao retornar para a sua glória, para assentar-se à direita de Deus<br />

Pai, pode retornar feliz, com a certeza da missão cumprida. Essa certeza<br />

Jesus expressou antes de morrer, quando disse “Está consumado!” ( Jo<br />

19.30). A obra que tinha que ser feita, para qual ele havia “se esvaziado”,<br />

para a qual ele abriu mão de poder e glória para estar entre os homens<br />

estava realizada. Como a leitura do Evangelho aponta, “importava se<br />

cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas<br />

e nos Salmos” (Lc 24.44b).<br />

A ascensão é o terceiro estágio do estado de exaltação de Jesus, descrita<br />

no Credo Apostólico. O estado de exaltação tem início na descida de<br />

Jesus ao inferno, quando Ele vai até Satanás e seus anjos para mostrar<br />

que está vivo, que Ele venceu a morte (1 Pe 3.18-19). Essa notícia, tida<br />

por nós cristãos como uma boa notícia, como Evangelho, para o diabo<br />

e seus anjos soou como lei, como má notícia, pois nesse momento eles<br />

entenderam que estavam derrotados.<br />

O segundo estágio da exaltação de Jesus foi a ressurreição dos mortos<br />

no terceiro dia. Dali em diante, durante 40 dias, Jesus aparece aos seus<br />

seguidores a fim de apresentar provas incontestáveis de que estava vivo,<br />

até o dia do seu retorno ao céu.<br />

Como podemos ver, no estado de exaltação, terminou a humilhação.<br />

Jesus já triunfou, já é vencedor. O Salmo do dia expressa essa vitória:<br />

“Subiu Deus por entre aclamações”, ou como a NTLH nos esclarece: “Deus<br />

vai subindo para o seu trono. Enquanto ele sobe, há gritos de alegria e<br />

sons de trombeta” (Sl 47.5). A epístola do dia nos lembra que Jesus está<br />

“acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio... e pôs todas<br />

as coisas debaixo dos pés” (Ef 1.21-22).<br />

1<br />

YANCEY, Philip. O Jesus que eu nunca conheci. São Paulo: Vida, 2002, p.220.<br />

154<br />

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ascensão do senhor<br />

2. TEXTO: ATOS 1.1-11<br />

Vv. 1-2: O “primeiro livro” (Evangelho de Lucas) destaca os ensinamentos<br />

e acontecimentos da vida de Jesus até a sua subida ao céu. O<br />

segundo livro (Atos dos Apóstolos) relata os acontecimentos da ascensão<br />

em diante. A obra iniciada pelo Jesus encarnado agora prossegue através<br />

do testemunho da Sua nova encarnação: a Igreja.<br />

Vv.3-4: “apresentou-se vivo” – o fato de Jesus apresentar-se vivo<br />

aos discípulos nesse interlúdio entre a Páscoa e a Ascensão é a grande<br />

diferença na vida dos discípulos, é nessa certeza que a Igreja se estabelece.<br />

“Com muitas provas incontestáveis” – Jesus procurou tirar todas as<br />

dúvidas dos discípulos. Permitiu que o apalpassem, que com suas próprias<br />

mãos percebessem que Ele não era um fantasma, mas que estava entre<br />

eles em carne e osso, além de ter participado de refeições junto com eles<br />

(Jo 24.39-43). A promessa do Pai a que Jesus se refere se cumpre com a<br />

descida do Espírito Santo sobre os discípulos dez dias depois (At 2.33).<br />

V. 5: É importante destacar que baptisqh,sesqe (sereis batizados) está<br />

na voz passiva 2 . O batismo no Espírito Santo não é resultado de esforços<br />

de quem o recebe. Além disso, não é algo a ser buscado pelos discípulos,<br />

mas é uma promessa do Pai. A condição para receber o batismo no<br />

Espírito Santo também não é psicológica. O único pedido de Jesus é que<br />

os discípulos permaneçam em Jerusalém, pois a promessa se cumprirá<br />

“não muito depois destes dias”. A obra do Espírito Santo não é diferente<br />

e separada da obra de Jesus. Jesus é o próprio sujeito da obra do Espírito<br />

Santo.<br />

V. 6: Apesar de diversas vezes Jesus ter ensinado que o seu reino<br />

não seria um reino terreno e sim um reino espiritual (Lc 17.20-21), ainda<br />

estava enraizada na mente dos discípulos a ideia de que Jesus faria<br />

a nação de Israel independente e poderosa, como no tempo do rei Davi.<br />

Johannes Rottmann 3 escreve que, ao meditar sobre esta passagem,<br />

imagina-se diante de um estudante de teologia na última semana antes<br />

da sua formatura, pronto a receber o chamado fazendo a pergunta: – “E<br />

este Jesus Cristo – seu reino – sua obra – que significam?” Os discípulos<br />

tinham estado três anos com Jesus, mas o seu entendimento sobre o<br />

Reino de Deus ainda estava obscuro.<br />

Vv.7-8: Se diante da pergunta dos discípulos, Jesus, como professor de<br />

teologia, tivesse todos os motivos para sentir-se frustrado, Ele demonstra<br />

uma grande paciência “ajeitando” a pergunta feita pelos discípulos e<br />

afirmando que não cabia a eles saber o tempo exato do estabelecimento<br />

2<br />

BRUNER, Frederick Dale. Teologia do Espírito Santo: a experiência pentecostal e o testemunho<br />

do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1989, 2ª ed., p.127.<br />

3<br />

ROTTMANN, Johannes H. Atos dos Apóstolos. v.1. Porto Alegre: Concórdia, 1997, 2ª ed.,<br />

p.22.<br />

155<br />

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Igreja Luterana<br />

do Seu Reino. Jesus promete aos discípulos que o Reino virá por meio da<br />

descida do Espírito Santo, o qual dará a eles poder para testemunhar. O<br />

Reino não virá apenas para Israel, mas para todo o mundo e eles serão<br />

testemunhas nos lugares mais distantes da terra.<br />

Vv.9-10: Chama a atenção que um evento tão extraordinário como a<br />

subida de Jesus ao céu é descrito de forma tão breve. Parece que Jesus<br />

sobe de repente, sem que os discípulos estivessem esperando por isso.<br />

A reação dos discípulos é como de crianças que se perderam dos pais.<br />

O céu já estava limpo e vazio, mas eles continuavam parados e olhando<br />

para o céu, sem saber para onde ir e o que fazer.<br />

V.11: Este mesmo Jesus que subiu voltará da mesma forma. O mesmo<br />

Jesus que desceu ao inferno, ressuscitou dos mortos voltará de forma<br />

corpórea e visível, assim como subiu aos céus. Jesus subiu com a sua<br />

missão cumprida, com a vitória sobre os inimigos assegurada, com a paz<br />

selada entre Deus e o ser humano. Mas ainda há um capítulo final a ser<br />

concluído para o restabelecimento total do Reino de Deus: Jesus voltará<br />

para compartilhar o banquete messiânico com seus seguidores (Mc 14.25).<br />

E este dia é aguardado com ansiedade, pois também subiremos para onde<br />

Jesus já está, para os lugares que Ele nos preparou e estaremos eternamente<br />

na Sua presença gloriosa.<br />

3. SUGESTÃO DE USO HOMILÉTICO<br />

Tema: Jesus voltou para casa<br />

- Voltou para casa depois de:<br />

a) Descer humilde e encarnado para fazer a vontade do Pai.<br />

- A vontade do Pai consistia em que Jesus restabelecesse o Seu Reino,<br />

entregando o seu corpo como sacrifício concedendo-nos, assim, a absolvição<br />

dos pecados e nos livrando do poder do diabo, do mundo e da nossa<br />

própria carne. Jesus desistiu e abriu mão de poder e glória para nos dar<br />

a salvação gratuitamente.<br />

b) Consumar o plano de salvação.<br />

- A missão de Jesus na terra foi bem sucedida. Ele consumou (completou)<br />

a Sua obra de salvação entregando-se na cruz, descendo ao inferno,<br />

ressuscitando dos mortos, subindo aos céus “por entre aclamações”,<br />

sentando-se à direita de Deus Pai e colocando todas as coisas debaixo<br />

do Seu domínio.<br />

c) Aparecer aos discípulos, dando-lhes provas incontestáveis de que<br />

havia ressuscitado e fazendo deles, a partir da descida do Espírito Santo,<br />

testemunhas do Reino; não apenas para Israel, mas para todos os confins<br />

da terra.<br />

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ascensão do senhor<br />

d) Hoje confiamos na promessa de que Ele voltará visível e glorioso<br />

para nos buscar.<br />

- Com esse retorno, o Reino de Deus será definitivamente restabelecido.<br />

Timóteo Ramson Fuhrmann<br />

Morro Redondo/RS<br />

timoteorf@yahoo.com.br<br />

157<br />

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Sétimo Domingo de Páscoa<br />

16 de maio de 2010<br />

Salmo 133; Atos 1.12-26; Apocalipse 22.1-6 (7-11)12-20;<br />

João 17.20-26<br />

1. CONTEXTO - CENÁRIO LITÚRGICO E/OU HISTÓRICO<br />

O sétimo domingo de Páscoa divide dois dos maiores acontecimentos<br />

da ação de Deus em favor da salvação do pecador: Ascensão e Pentecostes.<br />

Na despedida de sua presença visível, Jesus reafirma a incumbência<br />

dada aos discípulos quando eles perguntaram: “Será este o tempo<br />

em que restaures a Israel?” (Atos 1.6). O Mestre direciona os discípulos<br />

para outra questão: “Não vos compete ... mas recebereis poder ao descer<br />

sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas” (Atos 1.8).<br />

No dia de Pentecostes cumpre-se a promessa de Jesus com a descida do<br />

Espírito Santo e, como nunca, a igreja testemunhou a vitória de Cristo<br />

em favor do pecador.<br />

As leituras bíblicas do domingo estão neste contexto:<br />

1. O Salmo 133 afirma que é muito bom e agradável viverem unidos<br />

os irmãos. Era o cântico favorito dos peregrinos que iam a Jerusalém para<br />

tomar parte das grandes festas do Antigo Testamento, quando desfrutavam<br />

da companhia dos outros irmãos. Esta, aliás, é a grande lacuna dos<br />

cultos transmitidos pela mídia.<br />

2. Atos 1.12-26 detalha a providência dos discípulos, reunidos com<br />

os demais cristãos da comunidade de Jerusalém, enquanto aguardavam a<br />

vinda do Consolador. Eles escolheram Matias como o substituto de Judas<br />

para “preencher a vaga neste ministério e apostolado”.<br />

3. Apocalipse 22.1-6(7-11)12-20 retrata a questão dos discípulos<br />

por ocasião da ascensão quando perguntaram: “Será este o tempo em que<br />

restaures a Israel”? A nova Jerusalém, com a árvore da vida no meio de<br />

sua praça, se estabelece no tempo que o Pai reservou pela sua exclusiva<br />

autoridade. Jesus, que com seu sangue nos deu o direito à árvore da vida,<br />

garante: “Certamente, venho sem demora”.<br />

4. João 17.20-26 é parte da oração sacerdotal de Jesus proferida<br />

por ocasião da instituição da Santa Ceia na noite em que foi traído. Nessa<br />

oração Jesus intercede junto ao Pai também em nosso favor: “Não rogo<br />

somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim,<br />

por intermédio da sua palavra”.<br />

158<br />

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sétimo domingo de páscoa<br />

2. ÊNFASES, EXPRESSÕES QUE SE DESTACAM<br />

NA ANÁLISE DE APOCALIPSE 22.1-20<br />

Os primeiros versículos de Ap 22 continuam a descrição da Nova Jerusalém<br />

iniciada no capítulo anterior. Há a referência à árvore da vida de Gn<br />

2.9, a qual de acordo com Gn 3.17,22-24 ficou sem acesso aos homens por<br />

causa do pecado, mas que em Cristo será restabelecido (Rm 8.20,21).<br />

A descrição da Nova Jerusalém é interrompida no v. 6, a partir do qual<br />

se destaca uma série de exortações não relacionadas entre si, dadas pelo<br />

anjo (Ap 6.9-11; 19;10) e por Jesus mesmo (Ap 22.12,20).<br />

No v. 7 Jesus garante: “Eis que venho sem demora”. Segue-se a estas<br />

palavras: “Bem-aventurado aquele que guarda as palavras da profecia<br />

deste livro”. O livro termina como havia iniciado em Ap 1.3.<br />

Enquanto Jesus é aguardado, o mundo continua seu curso. O verbo<br />

usado no vers. 11 é avdikw/n (part. pres. at. de avdike,w = cometer injustiças).<br />

O particípio, usado como substantivo, indica aquela pessoa que<br />

tem o hábito de praticar erros, talvez com uma referência especial ao<br />

perseguidor.<br />

A referência à brilhante Estrela da Manhã feita no v. 16 certamente<br />

está relacionada à profecia messiânica de Números 24.17: “Uma estrela<br />

procederá de Jacó, de Israel subirá um cetro que ferirá as têmporas de<br />

Moabe e destruirá todos os filhos de Sete”.<br />

Jesus, aquele que dá testemunho destas coisas, diz: “Certamente, venho<br />

sem demora. Amém”. Em 1 Coríntios 16:22 Paulo diz: “Se alguém não<br />

ama o Senhor, seja anátema. Maranata!” Esta palavra aramaica significa<br />

“Vem, nosso Senhor!”. Provavelmente a frase tenha sido incorporada, na<br />

forma aramaica, na oração dos cristãos.<br />

3. PARALELOS, PONTES, PONTOS DE CONTATO<br />

Não é tarefa difícil estabelecer paralelos entre os textos bíblicos selecionados<br />

para esse domingo. A igreja reunida em torno da Palavra testemunha<br />

aquele que é o Primeiro e o Último (Ap 22.13). É muito bom e agradável<br />

quando os irmãos se reúnem na Palavra (Sl 133.1; At. 1.15). Ali Deus<br />

ordena a sua bênção para sempre (Sl 133.3). O nosso Sumo Sacerdote<br />

Jesus intercede por nós junto ao Pai (Jo 17.21) para que todos sejam um<br />

em Cristo. Nele se fundamenta a nossa esperança de vida e salvação e,<br />

por conseguinte, aguardamos seu retorno final. Nossa oração é: “Vem,<br />

Senhor Jesus” (Ap 22.20).<br />

“Vem, Senhor Jesus” é a súplica constante do cristão que, em meio às<br />

tentações presentes, não pode perder de vista aquilo que confessa no Credo<br />

Apostólico: “(Jesus) ... há de vir para julgar os vivos e os mortos”.<br />

159<br />

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Igreja Luterana<br />

4. APLICAÇÕES HOMILÉTICAS<br />

Texto: Vem, Senhor Jesus” (22.20).<br />

“Vem, Senhor Jesus” engloba o amoroso feito de Deus ao reconciliar-se<br />

com o pecador. Na época do apóstolo Paulo havia um termo aramaico para<br />

proferir a mesma oração: Maranata. Dependendo da acentuação, esta palavra<br />

adquiria os seguintes sentidos: o nosso Deus veio; o nosso Deus vem<br />

ou vem, Senhor. Portanto, há referência ao passado, presente e futuro.<br />

O Senhor Jesus veio. João faz sua dedicatória inicial da parte “daquele<br />

que é, que era e que há de vir” (Ap 1.4). Esta expressão é derivada<br />

daquela usada no Antigo Testamento quando Deus apareceu a Moisés e<br />

disse: “Eu sou o que sou” (Êx 3.14).<br />

Deus cumpriu sua promessa e fez-se história quando seu querido Filho<br />

Jesus nasceu em Belém, morreu no Gólgota e ressuscitou no Domingo da<br />

Páscoa e, assim, “pelo seu sangue nos libertou dos nossos pecados, e nos<br />

constituiu reino, sacerdotes para o seu Deus e Pai” (1.5).<br />

O Senhor Jesus vem. É o que ele nos garantiu quando, por ocasião<br />

de sua ascensão, prometeu: “Eis que estou convosco todos os dias, até<br />

a consumação dos séculos” (Mt 28.20). Esta promessa acontece conosco<br />

diariamente.<br />

Para nos conscientizarmos de sua presença, costumamos orar antes<br />

das refeições: “Vem, Senhor Jesus, sê o nosso convidado, e tudo o que<br />

nos dás nos seja abençoado”. No momento da insegurança, do medo, da<br />

angústia, do pânico, da proliferação das religiões de auto-ajuda, precisamos,<br />

mais do que de outra coisa, da presença viva do Senhor Jesus.<br />

O Senhor Jesus vem. Isto acontece diariamente através da palavra do<br />

Evangelho que perdoa, reanima e põe novo rumo em nossa vida.<br />

O Senhor Jesus virá. Ele garantiu: “Certamente, venho sem demora”.<br />

Crendo ou não, querendo ou não, o Senhor Jesus virá. Teremos que prestar<br />

contas a Deus de nossa vida.<br />

Apocalipse é um livro de conforto para a igreja que sofre muito em<br />

meio ao mundo em pecado. Viver na expectativa da segunda vinda de<br />

Cristo nos permite estar vigilantes.<br />

Não é bom ficarmos olhando apenas para baixo, para as preocupações<br />

desse mundo, e ficar narcotizados por elas. Quem sabe precisamos exercitar<br />

mais a última oração da Bíblia. “Vem, Senhor Jesus”. Jesus garante:<br />

“Certamente venho sem demora. Amém” (22.20).<br />

“A graça do Senhor Jesus seja com todos” (Ap 22.21).<br />

Edgar Lemke<br />

Petrópolis, Porto Alegre/RS<br />

lemke@terra.com.br<br />

160<br />

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Pentecostes<br />

1. CONTEXTO LITÚRGICO<br />

O Salmo 143 é uma súplica por libertação escrita por Davi, que sente<br />

que o seu espírito esmorece e desfalece, mas que roga pela resposta do<br />

Senhor: “guie-me o teu bom Espírito”. Pela ação do Espírito Santo o filho<br />

de Deus é vivificado para andar no caminho do Senhor.<br />

Gênesis 11.1-9, a história da Torre de Babel, mostra que o dilúvio<br />

destruiu apenas as pessoas pecadoras, e não a natureza pecaminosa.<br />

Quando o ser humano dá oportunidade ao seu espírito corrompido, sua<br />

natureza pecaminosa o leva para longe de Deus.<br />

Atos 2.1-21 relata o cumprimento da promessa de Jesus – o Espírito<br />

Santo é dado aos discípulos. Há uma clara conexão entre este episódio e<br />

o relato da Torre de Babel, pois lá Deus confundiu com diversas línguas e<br />

aqui Deus fala uma só linguagem, a do seu amor, ainda que em diversos<br />

idiomas. O objetivo do Pentecostes está claro nas palavras de Pedro, ao<br />

citar o profeta Joel: “E acontecerá que todo aquele que invocar o nome<br />

do Senhor será salvo” (v. 21).<br />

A leitura do Evangelho, João 14.23-31, destaca as palavras de Jesus<br />

com relação à obra do Espírito Santo, o Espírito que consola, ensina<br />

e lembra. É pela sua ação que a paz conquistada pelo Salvador – a paz<br />

entre Deus e o ser humano, e do ser humano consigo mesmo – torna-se<br />

real na vida do cristão.<br />

Se o espírito da pessoa esmorece e desfalece, se a natureza pecaminosa<br />

nos tenta a tornar famoso o nosso espírito empreendedor, a ação<br />

do Espírito do Senhor nos alcança com a salvação e a paz e reverte a<br />

dispersão causada pelo pecado, tornando-nos povo de Deus.<br />

2. ANÁLISE DO TEXTO<br />

23 de maio de 2010<br />

Gênesis 11.1-9<br />

11.1-4 – A rebelião: O fato de em toda a terra haver uma só linguagem<br />

não causa surpresa, pois todos eram descendentes de Noé. A partir<br />

do monte Ararate, houve migração para o leste, até que acharam uma<br />

planície fértil e a ocuparam. A Planície de Sinear fica na Mesopotâmia, no<br />

Crescente Fértil, entre os rios Tigre e Eufrates. Temos a informação da<br />

técnica usada para a construção: tijolos de barro queimados e betume<br />

(asfalto) como argamassa. Como naquela região as pedras eram escas-<br />

161<br />

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Igreja Luterana<br />

sas e argila havia em quantidade, desenvolveu-se o processo de queimar<br />

tijolos. Os habitantes da Planície de Sinear resolvem construir uma cidade<br />

e uma torre. Havia dois objetivos na construção: tornar célebre o nome e<br />

não ser espalhado pela terra. Questões que esta ação levanta: Será que<br />

havia medo de um novo dilúvio? Haveria propósitos religiosos nesta construção?<br />

Deus havia abençoado Noé e seus filhos, dizendo: “Sede fecundos,<br />

multiplicai-vos e enchei a terra” (9.1). A ideia dos construtores de Babel<br />

coloca-se contra a bênção de Deus: “para que não sejamos espalhados<br />

por toda a terra”.<br />

11.5-9 – O juízo: O “descer do Senhor” é uma descrição antropomórfica<br />

da presença de Deus diante dos atos dos homens. Deus vê a intenção<br />

do coração humano e o perigo de deixar que siga seu caminho – o que<br />

poderia levar a um novo momento de violência extrema. Deus resolve intervir<br />

para confundir a linguagem, donde vem o nome Babel, que significa<br />

“confusão”. Esta confusão de linguagem faria com que as pessoas não se<br />

entendessem e, assim, seriam espalhadas pela face da terra. E Deus faz<br />

isto não porque eles queriam construir uma cidade e uma torre, mas por<br />

causa dos motivos que estavam por trás desta atitude.<br />

Estavam os construtores de Babel querendo estabelecer um governo<br />

centralizado e uma estrutura de poder e dominação? Se não estavam, sua<br />

atitude logo os levaria a isto, pois queriam “tornar seu nome célebre”. Não<br />

seria bom ter um governo centralizado, uma luta por uma nação única e<br />

forte – nacionalismo? A pluralidade de nações e linguagem não impede<br />

avanços culturais, econômicos e religiosos? O processo de globalização<br />

não é algo bom? Talvez tudo isso fosse bom, mas não sendo o ser humano<br />

pecador e o coração humano corrupto. Um governo mundial provavelmente<br />

resultaria não em progresso, mas em totalitarismo, destruição.<br />

3. PONTES E PONTOS DE CONTATO<br />

Deus não permite que a rebelião humana chegue ao mesmo nível<br />

de antes do dilúvio. Ele intervém ao agir com amor para preservar o ser<br />

humano. É melhor a divisão do que o afastamento de Deus.<br />

A ação de Deus tem um caráter escatológico, pois, em contraste com<br />

a confusão deste episódio, temos a grande bênção do Pentecostes (Atos<br />

2). O uso de uma linguagem comum pelo Espírito Santo demonstra que<br />

o evangelho, longe de estar restrito cultural ou linguisticamente, é para<br />

pessoas de todas as nações, conforme a promessa do Senhor: “derramarei<br />

do meu Espírito sobre toda a carne... e acontecerá que todo aquele que<br />

invocar o nome do Senhor será salvo” (Atos 2.17,21).<br />

As pessoas quiseram chegar ao céu por suas próprias obras. Esqueceram<br />

que é Deus quem vem do céu ao seu encontro. Babel mostra que<br />

162<br />

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Pentecostes<br />

a rebelião contra Deus leva a divisões entre as pessoas. Mas revela que o<br />

Senhor estava preparando reunir e abençoar todas as nações através do<br />

nascimento do Prometido, que viria da linhagem de Sem.<br />

4. PROPOSTA HOMILÉTICA<br />

Assunto: Pela ação do Espírito Santo, Deus vence a rebelião do ser<br />

humano e as divisões causadas por ele. Com a palavra ensinada pelo<br />

Espírito, Deus capacita sua Igreja a vencer as barreiras causadas pela<br />

linguagem e pelo pecado com o Evangelho da salvação em Jesus Cristo.<br />

Tema: O Espírito Santo vence barreiras<br />

I. O Espírito Santo é enviado por Deus aos nossos corações<br />

1. A rebelião humana busca fama e poder<br />

2. O juízo de Deus confunde e condena<br />

3. O Espírito de Deus ensina e salva<br />

4. Está vencida a barreira entre Deus e nós<br />

II. O Espírito Santo envia a Igreja ao mundo<br />

1. A divisão entre Deus e os seres humanos<br />

2. O Espírito Santo une e reúne os salvos<br />

3. A Igreja capacitada pelo Espírito é enviada ao mundo<br />

4. Está vencida a barreira entre Deus e os seres humanos.<br />

Rony Ricardo Marquardt<br />

Porto Alegre/RS<br />

rony@ielb.org.br<br />

163<br />

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dEVOCIONAL<br />

Cruz: caminho de Cristo e dos cristãos<br />

Introdução<br />

Marcos 8.27-38<br />

Adoniram Judson foi o primeiro missionário americano a ser enviado a<br />

Burma (Mianmar, perto da China e Índia), em 1812, junto com sua esposa<br />

Nancy. Quando chegou lá, foi preso sob suspeita de ser um espião britânico.<br />

Pouco depois, perdeu sua amada esposa, por causa de uma febre,<br />

e em seguida perdeu seu filho. Teve transtornos psicológicos e chegou a<br />

viver um tempo escondido na floresta.<br />

Sarah, sua segunda esposa, ele perdeu quando retornava ao seu país<br />

natal pela primeira vez depois de 33 anos. Ele casou de novo e retornou<br />

a Burma e, depois de ficar muito doente, tentou retornar para ser curado,<br />

mas acabou morrendo durante a viagem de navio.<br />

Algo parecido aconteceu com o primeiro missionário americano de<br />

nossa igreja enviado à Índia. Em 1894 ele foi e, em 1899, ele já havia<br />

sepultado dois dos seus quatro filhos. A sua própria morte foi por causa<br />

da peste bubônica, contraída quando do sepultamento de um jovem na<br />

missão. Para evitar contaminação, vestiu-se com um terno branco e deitouse<br />

num caixão, pedindo que ninguém o tocasse depois de morrer.<br />

O fato<br />

Não é preciso esforçar-se muito para reconhecer o que foi mais importante<br />

na vida desses e de tantos outros missionários. Eles confessavam<br />

a Jesus Cristo como seu Salvador, disseram “não” para si mesmos, para<br />

seus desejos e sua vontade, tomaram a cruz e seguiram o Senhor de<br />

suas vidas. Foi uma “determinação sacrificial e um impulso incansável<br />

para compartilhar o Evangelho com aquelas pessoas para as quais foram<br />

enviados” (SCHULZ, Klaus Detlev. O testemunho cristão num contexto de<br />

diálogo inter-religioso, 2007, p. 35).<br />

Transição<br />

No texto do Evangelho de hoje, Jesus nos mostra os três grandes e<br />

mais importantes elementos da nossa fé. Em três cenas distintas, mas<br />

inter-relacionadas, o Filho de Deus ensina a seus discípulos o que realmente<br />

importa.<br />

164<br />

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devocional<br />

O contexto nos revela que só Jesus, em sua graça, pode operar a confissão<br />

e a compreensão da vida dos discípulos e, às vezes, é necessário<br />

que haja repetição.<br />

Jesus havia realizado a primeira multiplicação dos pães (Mc 6.30-44),<br />

andou sobre o mar (6.45-51) e, no final disso, o evangelista Marcos nos<br />

diz que os discípulos estavam com o coração endurecido (6.52) e não<br />

compreenderam o milagre dos pães.<br />

Jesus faz a segunda multiplicação dos pães (8.1-10) e, mais uma vez,<br />

os discípulos não compreendem nada e são chamados de cegos e surdos<br />

pelo próprio Jesus (8.17-21).<br />

Foi então que Jesus preparou o ambiente para saber se os discípulos<br />

sabiam da sua verdadeira identidade e missão. Como que fazendo um<br />

prelúdio, ele cura um cego e gradualmente restabelece a visão dele.<br />

Primeiro, ele via homens pensando que eram árvores, para depois ver<br />

claramente (Mc 8.22-26).<br />

O texto – Marcos 8.27-30<br />

Claramente Jesus perguntou para seus discípulos sobre a opinião das<br />

pessoas sobre ele. Eles repetem basicamente o que está escrito em Mc<br />

6.14-16: uns dizem que é João Batista (talvez porque Herodes estava<br />

com medo) e outros Elias, talvez uma lembrança da profecia de Malaquias<br />

(Ml 4.5).<br />

Essas idéias estavam de acordo com as idéias populares e a maioria<br />

delas conectando Jesus a títulos messiânicos judaicos, insuficientes para<br />

definir a verdadeira identidade de Cristo e sua verdadeira missão.<br />

Então ele perguntou a seus discípulos: e vocês? Pedro se antecipou e,<br />

em nome do grupo, confessou: “Tu és o Cristo”. Tu és o ungido de Deus,<br />

o verdadeiro Messias. Pedro confessou a Jesus como o Cristo e o colocou<br />

acima de todo nome (Fp 2.9-11).<br />

O evangelista Mateus nos ajuda a entender que a grandiosidade dessa<br />

confissão não pode ser elaborada por um coração e lábios humanos, mas<br />

isto lhe foi revelado pelo Pai, que está nos céus (Mt 16.17).<br />

Curiosamente, à primeira vista, mas não sem motivos, Jesus pede<br />

silêncio dessa confissão. Por causa da expectativa da libertação política,<br />

os olhos e corações de pessoas estavam sendo alimentados por esperanças<br />

políticas e econômicas. Por isso Jesus aconselha seus discípulos a se<br />

calarem por enquanto.<br />

Ele não queria ser visto como um milagreiro, ver seu ministério vinculado<br />

tanto aos milagres de cura; queria evitar sua morte prematura, por<br />

acontecer na plenitude do tempo. Nem os discípulos, nem as multidões<br />

estavam aptos a assimilar a forma como Cristo realizaria a missão.<br />

165<br />

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Igreja Luterana<br />

Marcos 8.31-33<br />

E esse último motivo é facilmente percebido quando Jesus fala abertamente<br />

que, como Cristo, ele deveria tomar o caminho do sofrimento,<br />

da rejeição e da cruz - a morte mais humilhante e repulsiva que poderia<br />

ser imaginada na época. Pedro se nega a aceitar isso. Talvez ele tenha<br />

se lembrado das palavras de Dt 21.23, onde Moisés faz referência àquele<br />

que é pendurado no madeiro como maldito de Deus e não o Cristo, o<br />

Ungido de Deus.<br />

Jesus não justifica os pensamentos de Deus, mas afirma que a obra<br />

messiânica não segue modelos e expectativa humanas. Assim como já<br />

havia acontecido nas tentações, Cristo resiste de novo a Satanás, que<br />

agora estava tentando a Pedro.<br />

Jesus deixa claro que não pode haver acordo ou meio termo, e o caminho<br />

da cruz está traçado.<br />

Marcos 8.34-38<br />

A cruz foi o caminho de Cristo e é o caminho de todos os cristãos.<br />

Jesus chamou também a multidão para lhe dizer que aquele que quiser<br />

segui-lo, vai ter de tomar o caminho da cruz. Dizer “não” para si mesmo<br />

e seus desejos, olhar para Jesus e segui-lo. É o sofrimento por amor a<br />

Cristo e seu Evangelho. Não é uma nova lei, mas um convite e chamado<br />

do Senhor Jesus a viver em sua companhia pela fé nele.<br />

Aplicação<br />

O eco do convite original de Jesus ouvimos hoje em sua palavra.<br />

Negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.<br />

Na companhia de Jesus começamos a andar pelo nosso batismo. Nele<br />

fomos unidos a Cristo com sua morte e sua ressurreição (Rm 6.4). Estamos<br />

na graça, somos filhos e herdeiros. Com Cristo sofremos e com ele<br />

somos glorificados. Confessamos com Pedro que Jesus é o Cristo, o nosso<br />

Salvador. Sabemos que Cristo morreu e ressuscitou. O nosso problema é<br />

a cruz. É o negar-se a si mesmo. O sofrimento por amor a Cristo. Talvez<br />

fosse preferível pular essa parte e ir direto para a transfiguração, a fim de<br />

vermos o céu e dizer com Pedro: “Bom é estarmos aqui”.<br />

Mas assim não é. Os nossos pensamentos, vontade e desejos não são<br />

os de Deus. Jesus nos convida a caminhar com ele, fechar os olhos e nele<br />

confiar. E essa é justamente a cruz. É o negar-se a si mesmo e ouvir a<br />

vontade de Deus.<br />

Assim como Pedro, confessamos a Jesus como Cristo e nos alegramos<br />

166<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 166 8/4/2010 18:42:14


devocional<br />

com a esperança do céu. Mas também como Pedro não aceitamos a cruz,<br />

negamos a Jesus dizendo sim para os nossos desejos (Mt 26.75).<br />

Assim como aconteceu com os discípulos, queremos saber quem é<br />

o mais importante no Reino de Deus (Mc 9.34-35). Como Tiago e João,<br />

fazemos pedidos estranhos a Jesus, um sentar do lado direito, outro do<br />

lado esquerdo de Jesus (Mc 10.35-36).<br />

São manifestações que revelam traços de orgulho e atenção aos desejos<br />

e anseios pessoais, vaidades e, acima de tudo, incompreensão com<br />

o que realmente importa.<br />

A cruz muitas vezes é difícil de compreender, aceitar e suportar. O sofrimento<br />

nos baqueia. Na verdade, é impossível carregá-la. Jesus precisa<br />

continuar dizendo “arreda Satanás” quando este nos tentar.<br />

Assim, gradualmente Jesus nos convence sobre o que é mais importante<br />

em nossas vidas. Dizer “não” para nós mesmos e para os nossos desejos<br />

e vontades e “sim” para o Senhor Jesus. Aos poucos Jesus nos convence<br />

que a vida não consiste na quantidade de bens e realizações pessoais; que<br />

a paz do perdão do Senhor Jesus é mais importante que qualquer outra<br />

paz que o mundo oferece; que é preciso fechar os olhos para as ondas e<br />

tempestades e caminhar com Jesus em fé.<br />

Conclusão<br />

Jesus precisou repetir milagres e palavras para convencer seus discípulos<br />

sobre o que realmente importa. Ele continua repetindo na sua<br />

Ceia Santa e no seu Evangelho que não é preciso fugir da cruz e querer<br />

pular essa parte para ir direto à transfiguração. Ele nos convence do que<br />

realmente importa.<br />

Ele nos faz ver que é preciso olhar para sua cruz e tirar perdão, esperança,<br />

vida e salvação; que a nossa existência e missão são preciosas<br />

aos seus olhos e que não há nada no mundo que possa ser dado em troca<br />

deles.<br />

Negar a nós mesmos, tomar a nossa cruz e segui-lo em fé é motivo<br />

de regozijo, pois com Ele já somos cidadãos da transfiguração e já aqui<br />

podemos dizer: “Bom é estarmos aqui e viver confiando as nossas vidas<br />

ao Senhor Jesus”. Amém.<br />

Mensagem proferida pelo professor Anselmo Graff na devoção do Seminário<br />

Concórdia, em 11 de março de 2009<br />

167<br />

Revista Luterana 2010 gráfica.indd 167 8/4/2010 18:42:14


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