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SEMINÁRIO CONC~RDIA 

Diretor 

Paulo Moisés Nerbas 

Professores 

Acir Raymann,Anselmo Ernesto Graff, Clóvis Jair Prunzel, Ely Prieto, 

Gerson Luís Linden, Leopoldo Heimanii, Norberto Heine (CAAPP), 

Paulo Gerhard Pietzsch, Pa~ilo Moisés Nerbas, 

Paulo Proske Weirich, Paulo Wille Buss, Raul Blum, Vilson Scholz. 

Professores Eméritos 

Donaldo Schuler. Martim C. Warth 

IGREJA LUTERANA 

ISSN 01 03-779X 

Revista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela 

Faculdade de Teologiado Seminário Concórdia, da Igreja Evangélica 

Luterana do Brasil (IELB), São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. 

Conselho Editorial 

Paulo Wille Buss (editor), Vilson Scholz (editor homilético) 

Assistência Administrativa 

Janisse M. Schindler 

A Revista Igreja Luterana está indexada em BibliograJia Biblica 

Latino-Americana e Old Testament Abstracts. 

Os originais dos artigos serão devolvidos 

quando acompanhados de envelope com endereço e selado. 

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\ Wir erbitten Austausch 

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Correspondência 

Revista IGREJA LUTERANA 

Seminário Concórdia- Caixa Postal 202 

93.00 1-970 -São Leopoldo, RS

PALAVRA AO LEITOR 

Paulo Wille Buss .................................................................................. 3 

FÓRUM 

Simul iustzls et peccator - 

algumas considerações sobre esta fórmula 

de inspiração agostiniana na teologia luterana 

Luisivan Vellar Sfrelow ............................ . .............................. 5 

ARTIGOS 

Jesus diante de sofrimentos - 

aplicações para o pastoreio de missionários 

Leonério Faller ............................... . .......................................... 12 

Tratativas pastorais 

Horst R. Kzrchenbecker ............................. .......... ............................. 24 

A autonomia da congregação 

Paulo Moisés Nerbas .................................................................... 74 

Análise retórica do sermão de Invocavit de Lutero 

Clóvis Jair Prunzel .......................................................................... 85

Igreja Luterana - nu 1 - 2004 

O Seminário Concórdia forma pastores. A Igreja Lzrterana é lida 

principalmente por pastores. Isto constitui dois fortes motivos para nos de- 

bruçarmos, mais uma vez, sobre o tema do ministério eclesiástico. 

Pastores cuidam do rebanho de Deus. Mas quem pastoreia os pasto- 

res? É necessário fazê-lo'? Como isso pode ser feitoí? São questões que o 

Pastor Leonério Faller aborda no artigo Jesus diante de sofrimentos - 

Aplicações para o pastoreio de missionários. 

Num mundo imperfeito, pastores são agentes do Deus perfeito. Pro- 

clamam, idealmente, uma mensagem perfeita destinada a sarar as doenças 

do mundo e desfazer suas imperfeições. Mas a mensagem perfeita é trans- 

portada em vasos de barro. Pastores são sempre homens imperfeitos. Às 

vezes suas imperfeições atingem limites intoleráveis. Ao invés de agentes 

de salvação, ameaçam tornar-se, ou tornam-se de fato, em motivos de so- 

frimento, discórdia e escândalos. O que pode ser feito em tais casos? Quem 

pode adotar as medidas cabíveis? O Pastor Horst R. Kuchenbecker analisa 

essas e outras questões no artigo Tratativas pastorais. 

Ainda a propósito do tema perfeiçãolimperfeição, vale a pena acom- 

panhar as reflexões do pastor Luisivan V. Strelow sobre o significado da 

muitas vezes citada, e nem sempre bem compreendida, frase de Lutero 

Simul justus et peccato~ 

Um assunto que também diz respeito a cada pastor é o relaciona- 

mento de sua congregação com o sínodo. Reflexões muito oportunas sobre 

este tema são trazidas pelo professor e diretor do Seminário Concórdia, 

Pastor Paulo M. Nerbas, em seu artigo A autonomia da congregação. 

Pastores proclamam a mensagem que o mundo precisa ouvir. É fun- 

damental que o façam de forma eficiente para que esta mensagem real- 

mente desperte a atenção dos ouvintes e a comunicação se estabeleça. 

Lutero enfatizou a centralidade da pregação no culto cristão. Podem seu 

exemplo e suas reflexões sobre o tema ainda trazer alguma contribuição 

para a teoria e prática da proclamação da palavra no século 21? O Prof. 

Pastor Clóvis J. Prunzel procura demonstrar esta possibilidade em: Retóri- 

ca a serviço da ética cristã - análise do sermão de Invocavit de Lutero. 

Por último, queremos ir ao encontro do dia-a-dia do pastor oferecen- 

do mais uma série de auxílios homiléticos. 

Paulo W Buss 

Editor

FÓRUM 

Igreja Luterana - no 1 - 2004 

SIMUL IUSTUS ET PECCATOR 

ALGUMAS CONSIDERAÇ~ES SOBRE ESTA FÓRMULA DE INSPIRAÇAO 

AGOSTINIANA NA TEOLOGIA LUTERANA 

Lzrr r ~ I J ~ IVclltrr- H Str-eloiz, 

Essa frasc (ao incsino tciilpo justo c pccador) C sciilprc citada coino fórinula 

ou cxprcssão sucinta da doutrina lutcrana da justificação forense: justo aos 

olhos de Dcus, pccador segundo a ca1-1ic.l Coiil ela, se descreve a realidade do 

ser li~iiilano justificado diante de Deus pela fé e111 Cristo, nias ainda pccador cin 

virtudc da vcllia naturcza irrcgcncrada quc ainda traz lado a lado coin a fé ou novo 

hoincrn/nova naturcza (cni outras palavras, o resto dc pecado que ainda liabita na 

carne dcpois da nova vida inaugurada no batisiiio). Mas, coino toda tcmiinologia 

ou fi-aseologia ciilprcgada por Lutcro, tcinos de nos perguntar ein que sentido elc 

incsino a einprcgou c se o fez scinprc c da incsiiia i~iancira. 

A frasc aparccc nas obras de Lutcro cspccialinente na prii~ieiin fasc 

dc scu conflito coin Roilia quanto à doutrina da justiiicaçiio (qiic tcrinina 

c0111 o cscrito contra Latoinus, 152 I).' Entre 1522 c 1529, o foco da polêinica 

torna-se a dcfesa do Sacini~iento (santa ceia), contra as intcrpretaçõcs sii~ibolistas 

da prcscnça do corpo e sangue de Cristo no piio c vinho.' A partir 

da rcjeiçiio da Confissão de Augsburgo, particularinente do Artigo da Jusliflcaç50, 

Lutcro (c Mclanclitlion) rctoina(in) a dcfcsa da doutrina da justificação 

pela fé, scin as obras." 

Sc nos pergunlai~ios coino Lutcro usou a frase .S~IHLI/ izrstzrs et 

peccator, teinos de levar cin consideração, cin priiiiciro lugar, esses dois 

períodos do conflito ou dcbatc coin Roiila. Anibos OS pcríodos rcqucrcin, 

ainda, que sc considere o contexto dc cada escrito, e ein que iiiedida cles 

(;,,,(,h T/rcologi


refletem desenvolvimento exterior (no debate com Roma) e interior (na 

con~preensão do próprio Reformador). 

Para o primeiro período, que termina em 152 1 (ou 1522, com os Pre- 

fácios ao Novo Testamento), a questão fundamental é a da reorientação 

teológica de Lutero. Foi uma iluminação súbita, que mudou radical e instan- 

taneamente toda sua teologia, ou foi o resultado de uma lenta elaboração de 

um novo referencial (hermenêutico elou doutrinário) em relação ao qual o 

restante de sua teologia também foi sendo gradativamente reformulada, ou 

foi uma iluminação súbita para o crente Lutero (experiência espiritual), mas 

que só lentamente se refletiu na teologia propriamente dita? 

Ao ler qualquer dos escritos desse primeiro período, a pergunta deve 

ser: estamos diante de um escrito que reflete uma teologia pré-reformatória, 

reformatória (= evangélica), ou de transição? Se de transição, qual a rela- 

ção com a reorientação evangélica: prepara ou encaminha para a 

reorientação ou é conseqüência dela? 

Por exemplo, as Preleções de Lutero sobre a Carta aos Romanos 

(proferidas em 15 15-1 6, mas cujos apontamentos preparatórios datam provavelmente 

desde 1514). É nelas que a frase sirnul iustus et peccator 

começa a ser empregada por Lutero como crítica a compreensão escolástica 

da justificação. Como situar essa obra de Lutero? Na literatura da pesquisa 

em Lutero encontramos todas as opções acima. Para alguns autores, esta 

obra já traz a doutrina da justificação do Ref~rmador.~ Para outros, do monge 

ag~stiniano.~ Para outros, é de transição (para uns, a partir da reorientação; 

para outros, ainda em direção a ela).' As interpretações oferecidas em 

geral combinam essas alternativas, enfatizando mais um ou outro aspect~.~ 

A interpretação que me parece a melhor é uma combinação de duas 

das alternativas: reflete o ápice de Lutero como teólogo agostiniano, mas já 

revela os elementos de ruptura com o agostinianismo (portanto, sua teologia 

é pré-reformatória, mas já em ponto de ruptura e, portanto, de transição 

para a reorientação evangélica). Há outros escritos do período que mere- 

' Por exemplo, Karl Holl, Die Rechtfertigungslehre in Luthers Vorlesung uber den Roinerbrief init besonderer Rucksicht 

auf die Frage der Heilsgewissheit. In: Gesummelte Aujsdtze zur Kircherigeschichte. Vol I. Lirther. (5" ed.) 1927, pp. 

11 1-154 (ZThK 19 10, pp. 245~s.). 

"Por exemplo, Uuras Saarnivaara. Luther Discover.s the Gospel: New Light upori Lutheri Wuy from Merliei~~l 

Cutholici.~m to Evungelicul Fuith. St. Louis: Concordia Publishing House, 1951; e Ernst Rizer. Firles ex riuriitu: 

eine Untersirchung iiDer die Eritdeckurig der Gerechtigkeit Cones durch Murtin Lirther. Neukirchen: K. Moers, 

1958. 

' Por exemplo, Alfred Kurz, Die Heil.sgewi.s.sheit Dei Luther Eine entwicklirng,sgeschichtliche unrl systemutische 

Durstellung. Gutersloh, Bertelsmann, 1933. 

Por exemplo, Otto Hermann Pesch, Neuere Reitrage zur Frage nach Luthers, Keforinatorischer Wende", in: Der 

Durchhruch der Refòrmtrtorischen Erkenntnis bei Luther: Neuere Untersuchungeri B. Lohse, ed. Stuttgart, Steiner, 

1988, pp. 245-341.


cem julgamento semelhante (por exemplo, as Teses de Heidelberg, de 15 17, 

que condensam a teologia exposta nas preleções sobre Romanos de 15 15- 

15 16). Para usar um conceito da lógica de Hegel, Lutero não abandona a 

teologia de Agostinho, mas a ~upera.~ 

Somente depois de ter alcançado a excelência como teólogo na linha 

agostiniana é que Lutero desenvolve a sua própria teologia. A tese é a tradi- 

ção teológica como desenvolvida até o começo do século XVI, em geral, e 

Agostinho, em particular. A antitese é a Sagrada Escritura, como texto a ser 

interpretado, mas que desafia criticamente as interpretações. Desse pro- 

cesso hermenêutico deriva-se, por superação, a teologia reformatória ou 

evangélica de Lutero, em que o lugar regulador da exegese ou da teologia 

deixa de pertencer a tradição ou a autoridade eclesiástica e passa a ser da 

Escritura. Na teologia da Reforma, a tradição não é abandonada, mas supe- 

rada. A ruptura de Lutero com a tradição em geral e com Agostinho em 

especial se dá pelo fato de que as Escrituras exigiram mais do que a tradi- 

ção e Agostinho puderam suprir. O vinho novo, a distinção de lei e evange- 

lho, rompeu os odres da tradição escolástica-agostiniana.'O 

Neste processo, termos e conceitos também passaram por um pro- 

cesso de superação, isto é, foram exigidos ao máximo, literalmente esgota- 

dos, até o ponto de terem-se rompido como odres velhos em que se colocou 

vinho novo. Adquiriram novos significados e novas funções pelo mesmo 

processo de superação. Lei e evangelho serviram de antitese: houve termos 

que serviram apenas para expressar a lei e termos que se prestaram espe- 

cialmente para comunicar o evangelho. Houve odres que se romperam com 

a lei, e odres que se romperam com o evangelho, e odres que se romperam 

tanto com a lei como com o evangelho, e, assim, se tornaram de pouca 

serventia, desaparecendo naturalmente." 

É de se perguntar qual foi o caso com a fórmula de inspiração 

agostiniana: simul iustus et peccat~r.'~ A pesquisa de Lutero tem mostra- 

' Ulrich Asendorf (Die Theologie Mrirrin Luthers nach seinen Predigten. V & R, Gottingen, 19XX), argumenta que 

o pensamento de Lutero antecipa a lógica de Hegel. Antes dele, Reinhold Seeberg (Lehrbuch der Dogmengeschichte. 

Band 4, Teil I : Die Enisrehung des Prorestrrntischen Lehrhegriffs. Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Darinstadt, 

1959) e Erich Seeberg (SEEBERG, Erich. LurherS Theologie in ihren Gnrndzugen. Kohlhaminer, Stuttgart, (1 940) 

1950) já haviam apresentado a teologia de Lutero com auxilio da filosofia hegeliana. Para estes autores, há afinidade 

ou continuidade de pensamento entre misticismo alemão (Eckhart), Lutero e o idealismo alemão (Hegel). 

"' Sobre a relação entre Escritura e Agostinho no desenvolviinento teológico de Lutero, ver Leif Grane, Modus 

Loquendi Theologicus, Lurhers Kampf um die Erneuerung der Theologie (1 5 15- 15 1 X), Leiden 1975. Outros 

estudos sobre o agostinianismo das preleções aos Romanos (1515-1516) são Hainel e Saarnivaara 

" A importância da distinção de lei e evangelho no desenvolvimento do vocabulário teológico de Lutero é uina das 

ênfases do Dr. Norman Nagel, professor de sistemática do Concordia Seminaty, St. Louis, MO, USA. Segundo Nagel, 

há termos que transmitem bern o evangelho, enquanto outros, a lei. 

" Cf. A.M. Johnston, Time as a Psrilm i11 SI. Augustine, disponível ein hrr~1://i~~iuivmuti.ca/


do não só que Lutero empregou a frase em mais de um sentido, como tain- 

bém seus intérpretes modernos oferecem diferentes interpretações para 

ela. Não se deve supor, em vista disso, que ao citar a frase há consenso 

sobre seu significado. É preciso qualificar em que sentido e com qual propó- 

sito está sendo empregada. Na interpretação de Lutero, tem-se recorrido a 

outros termos visando esclarecer o sentido da frase. Por exemplo, a distin- 

ção entre total e parcial, forense e efetivo, relacional e substancial, existen- 

cial e ontológico." 

Lutero empregou a fórmula em basicamente dois sentidos: forense 

(totusltotus) e efetivo (partimlpartim). Isto é, totalmente justo ou totalmente 

pecador-em se tratando da justificação, e parcialmente justo e parcialmente 

pecador-em se tratando da santificação. No que se refere a graça djustifi- 

cação forense [= imputação da justiça]) e ao coração ou homem interior, só 

é possível ser totalmente justo ou totalmente pecador, completamente debaixo 

da graça de Deus ou completamente debaixo de sua ira. Não há meio termo. 

No que se refere ao dom e ao corpo ou homem exterior (santificação, regene- 

ração ou justificação efetiva [= remoção do pecado]), o cristão é sempre 

parcialmente justo e parcialmente pecador, isto é, já há um início de justiça, a 

fé, que luta contra o pecado que ainda resta na came.I4 

Assim, os dois termos, justo (iustus) e pecador (peccator), devem 

ser entendidos em uma dupla tensão dialética.I5 Sob o aspecto forense, o 

totalmente justo opõe-se a totalmente pecador (o "ponto matemático" da 

justificação). Sob o aspecto efetivo, o parcialmente justo se opõe a parcialmente 

pecador (a "linha física" da santifica~ão).'~ No primciro caso, os 

"A questáo controversa é se, Lutero apresenta a regeneração corno parte ou aspecto da juititicação. Na pesquisa de 

Lutero, Karl Holl destacou-se por defender a tese, corn base especialinente nas preleções de Lutero sobre Roinatios 

(1515-lh), de que Lutcro não só inclui a regeneração na doutrina da justificação coino idciititica justilicação c 

regeneração. Karl Holl estava, com isso, continnando com base no estudo das Iòntcs (iiiétodo histórico critico), a tesc 

de Albrccht Ritschl, de que a doutrina da justificação ciii Lutero incluia a regciicração (isto é, era do tipo analítico). 

ao contrário


termos da dialética estão ein rclação de exclusão inútua (instantânea). No 

segundo caso, os termos exprcssain um conflito, a luta diária do novo contra 

o velho hoinen~ (gradativa)." 

Os críticos de Lutero têm interpretado a fórniula no sentido de unia 

opção pela justificação em detrimento da ~antificação.'~ Não raro, tatnbéni 

luteranos a explicam dessa forina. Sirnul izlstzrs et peccator torna-sc, assiin, 

um slogan da acoinodação ou da inipossibilidadc de progresso na vida 

cristã. Mas essa não é a concepção que Lutcro tem da vida cristã. Para 

Lutero, a vida cristã é uina jornada que se inicia no batisi~io.'~ A fórinula 

supõe a idéia de inoviincnto para cxplicar a santifica~ão.~" O cristão é uin 

peregrino (viutor) neste n~undo." 

A rcnioção do pccado é gradativa na vida cristã, isto é, o cristão 

avança na santificação lutando contra o pecado. Dar trégua ao pecado, na 

vida cristã, já é recuar ou perder terreno (.rture e.rt retrogrecll)." A contri- 

buição de Lutero foi esclarecer que este avançar diário na santificação (ou 

justificação efetiva) é fruto e não fundamento da coinunlião coiii Deus (jus- 

tificação forense)." 

Assim, longe de ser unia fórinula de acomodação, sim111 izlst~~s et 

peccutor é uina fórinula de inoviinento (progres~o'~ , avanço, crcsciinento) 

" I.~itci-o i-cjcit;~, ;issiiii, a icui-i;i csc«l;istic;i scg~iii


que expressa um movimento do que é perfeito ou pleno (a justiça de Cristo 

apreendida pela fé) para o que se aperfeiçoa (a justiça das boas obras como 

fruto da fé).25 

Lutero, ao empregar a fórmula simul iustw et peccator, mantém, 

em tensão permanente, a imputação e a regeneração. Quando removemos 

da fórmula esta tensão dialética, afirmando que somos justos somente aos 

olhos de Deus, mas permanecemos pecadores de fato, distorcemos a dou- 

trina da justificação de Lutero e eliminamos da fórmula o que lhe é essenci- 

al, a dinâmica entre a justificação forense (justiça imputada) e a justificação 

efetiva (boas obras). 

O pensamento dialético de Lutero tem sido ilustrado como uma elipse, 

em que ora um aspecto ou extremo é ampliado, ora outro.26 Assim, a frase 

simul iustus et peccator não pode ser dissociada da frase partim iustus, 

partim peccator. A justificação e a santificação não podem ser apresenta- 

das como duas linhas paralelas, mas como uma elipse cujo centro gravitacional 

é a justiça de Cristo, e os extremos orbitais a justificação forense (Cristus 

pro nobis-fides apprehensiva Christi) e a justificação efetiva (Christus 

in nobis-Jides efficax). Distinguimos mas não separamos justificação e 

santificação uma da outra. 

A fé, como anel que apreende a pedra preciosa, apreende a Cristo 

ficação forense).27 Na fé que o apreende, Cristo está presente: reside, 

vive e atua em nós (justificação efetiva).2R Nem a justificação nem a 

santificação têm outra fonte senão a justiça de Cristo.29 O pecado (pecado 

original) é a fonte do pecado (pecado atual). Ajustiça de Cristo (justificação 

forense) é a fonte da justiça (justificação efetiva). A remoção do pecado 

original se dará completamente na morte, a justiça de Cristo em nós será 

perfeita na ress~rreição.'~ Nesta vida, a remoção do pecado em nós é diária. 

A vida cristã é de luta diária contra o pecado. Simul iustus etpeccator! 

" Esse quadro da santificação e apresentado por Paulo em Filipenses 3.12-16. 

'" Horst Reintker (Luthers Gottese~fi~hnrng und Gottevanvchiiuung. In: Lehen urrd Werk Mrirtin Luther.~ vun 1526 

hi.7 1546. Festgube zu seinem 500. Gehurtstug. Edited by Helmar Junghans. 2 vol. V & R, Gottingen, 1983), pp. 39- 

62 and pp. 732-746 (notes), emprega a figura da elipse para descrever a estrutura dialética do pensamento de Lutero. 

'' LW 26, p. 134 (Comentário de Gálatas, 153111535). 

" LW 26: 129-130 (Comentário de Gálatas, 1531/1535). 

" Sermào sobre us duus esplcies de justiçri ([ 1 5 1 X?] 15 1 Y), in: Pelo Evungelho de Cristo. Ohrus Seleciontrdrrs de 

Mumentos Deci.sivus da Reformu (Concórdia, Porto Alegre; Sinodal, São Leopoldo, 1984), pp. 65-73. 

'" Romanos 4.25: "o qual foi entregue por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação." 

I Corintios 15.52-53: "A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptiveis, e nós sereinos transformados. 

Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da 

imortalidade."


Em síntese, Lutero não rejeitou a doutrina agostiniana da gratia 

sanans (graça como cura da na~ureza)~', mas resgatou a distinção paulina 

entre graça e dom da graça (Romanos 5.5,15- 17). Com isso, Lutero resgatou 

a graça extra nos (graça como favor dei ou como perdão do pecado), 

sem desvincular a regeneração da justificação (graça como cura do pecado, 

o que Lutero designa como os dons ou as primícias do Espírito Santo).32 

Lutero corrigiu, assim, Agostinho com respeito a relação entre imputação 

(justificação forense) e regeneração (justificação efetiva). Lutero não nega 

que a imputação é necessária em vista do aspecto parcial da justificação 

efetiva, como Agostinho ensinava. Ele corrige Agostinho, no entanto, no 

sentido de que a base da imputação de Deus são apenas Cristo e a fé, 

jamais a justiça incipiente da pessoa cristã (a regeneração ou seus fnitos).33 

Lutero, na época das preleções sobre Romanos, já estava preparan- 

do o terreno para a distinção clara entre os aspectos forense e efetivo 

(sanativo) da justificação. A fórmula simtrl iwtus etpeccator lhe permitiu 

avançar nesse caminho de descoberta da justificação pela graça mediante a 

fé em Cristo (imputação), permitindo-lhe, ao mesmo tempo, salvaguardar a 

compreensão da vida cristã como luta contra o pecado que se inicia com o 

batismo (regeneração): "Esta é a nossa teologia, pela qual ensinamos a fa- 

zer uma distinção clara entre estas duas espécies de justiça, a ativa e a 

passiva, de modo que moralidade e fé, obras e graça, sociedade secular e 

religião não sejam confundidas. Ajustiça cristã refere-se ao novo homem, a 

justiça da Lei aplica-se ao velho homem."34 Ajustiça passiva (fé em Cristo) 

é justificação forense. A justiça ativa (boas obras) é justificação efetiva ou 

remoção/expulsão do pecado (santificação). Estas, diz Lutero, não podem 

ser confundidas, e entre elas não há meio termo. Portanto, o cristão é simul 

iustus et peccator. 

" Cf Agostinho, A Graço (I) (Paulus, São Paulo, 1999). Sobre a relação entre natureza e graça em Lutero. cf. Lauri 

Haikola, Sttidien zu Luther un zum Luthertum. (Acta Universitatis Upsaliensis, 2). Uppsala: A.-B. Lundequistska 

Bokhandeln; Wiesbaden: Otto Harrassowitz; 1958. 

'' Prefácio a Romanos (1522). Em Pelo Evangelho de Crisro. 

'' Cf. Saamivaara, Uuras. Luther Discovers the Gospel: New Light upon Luther's Way from Medieval Catholicism 

to E\,angelical Faith. St. Louis: Concordia Publishing House, 1951. 

'TW 26, 7 (Comentário de Gálatas 153111535).


INTRODUÇÃO 

Graças a Deus, o número de missionários tem aumentado. Porém, 

ainda é pouco o cuidado pastoral prestado a eles por diversas razões. 

Queremos observar o Salvador Jesus como missionário ein meio a 

conflitos emocionais e espirituais no Jardim do Getsêmani, sua necessidade 

de ajuda e seu coinportamento bem I~umano, e então tirar algumas orientações 

aplicáveis no pastoreio de missionários. 

Por considerarmos tão vasto o assunto "pastoreio de missionários", 

queremos nos ater especificamente ao tema escolhido. 

1. A NECESSIDADE DE PASTOREIO DE MISSIONÁRIOS 

O cuidado pastoral normalmente é entendido, no âmbito da igreja local, 

no cuidado com os membros. A missionária Belinda Ng defende que "este 

cuidado precisa ir além dos membros comuns e incluir os missionários, este- 

jam eles no campo ou na terra natal, por algum n~otivo" (Reflexões sobre 

Cuidado Pastoral, p. 259). 

Como definir o cuidado pastoral ou o pastoreio para missionários? 

Belinda esclarece: 

Cuidado pastoral pode ter sentidos diferentes para as pessoas, mas 

geralmente engloba os seguintes aspectos: compreensão das necessidades 

específicas dos missionários, orientação, aconselhamento, comunhão, co- 

municação, amizade, troca de idéias, visitas, assistência em crises, oração, 

encorajamento e reconhecimento (Ibid., p. 259). 

Leonc;rio h1lt.t. 6 pc~.vto~. dcr Igrej~r b::'l>017gklicc1 LII(C~OI~U dir PCIIIIO, KJ


Seguidamente se tem uma idéia errônea dos missionários: 

As expectativas que se tem em relação aos missionários as vezes 

não são realistas. Os missionários são colocados num pedestal, 

como se não tivessem problemas espirituais nem precisassem de 

ajuda pastoral. Todavia, eles são humanos e tão carentes de cui- 

dado pastoral como qualquer membro comum de igreja. Na ver- 

dade, os missionários precisam ainda mais de atenção, pelos se- 

guintes motivos: tensões transculturais; experiências de transição 

dificeis na vida, como situações desconhecidas, ter um bebê no 

campo, enviar um filho para o internato, manter o casamento cres- 

cendo e brilhando em circunstâncias muito difíceis; novos assun- 

tos que enfrentam no campo; crises por que passam no campo, 

como guerra civil, golpes políticos, seqüestros, fome, roubos, inti- 

midação, maus tratos, etc. (Belinda, p. 262). 

Tendo em vista que o objetivo de nosso trabalho é tratar sobre 

"pastoreio de missionários", nos propomos observar Jesus no Getsêmani 

não como o Pastor por excelência, mas como um missionário em agonia 

sabendo do sofrimento que o aguardava, querendo ajuda e buscando-a em 

homens e em Deus. Então, vejamos Jesus como um missionário necessita- 

do de pastoreio e depois apliquemos o que pudermos aprender ao pastoreio 

de missionários em nossos dias. 

2. JESUS, UM MISSIONÁRIO NECESSITADO DE PASTOREIO 

0s textos bíblicos1 que narram os momentos de Jesus no Getsêmani 

são muito marcantes aos leitores cristãos. Tais textos descrevem a agonia de 

Jesus por saber de todo o sofrimento a enfrentar. Neles os evangelistas retra- 

tam a verdadeira humanidade de Jesus, esvaziada de seus atributos divinos 

por sua própria vontade. 

O autor de Hebreus, no capítulo 6, versículos 7 e 8, apresenta um 

texto paralelo explicativo: 

Ele, Jesus, nos dias da sua carne, tendo oferecido, com forte 

clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar da 

morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade, embora 

sendo Filho, aprendeu a obediência pelas cousas que sofreu. 

Depois de Jesus e os discípulos realizarem a ceia pascal e ser institu- 

ída a Santa Ceia, "foi Jesus com eles [seus discípulos] a um lugar chamado 

Getsêmani2, e disse a eles: "Assentai-vos aqui, enquanto eu vou ali orar, e, 

- 

' Mt 26.36-46; Mc 14.32-42; Lc 22.40-46. 

' A palavra Gctsfmani qucr dizcr "lagar dc azcitc". Era um tcrrcno ccrcado, um jardim, um pomar. 

Ficava ao pc do Montc das Oliveiras. Atc hojc tcm cssc nomc (Champlin, p.600).


levando consigo a Pedro e aos filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se 

e a angustiar-se" (Mt 26.36-37). 

2.1 0 sofrimento 

Champlin lembra que "os evangelhos não procuram descrever as 

emoções de Jesus; mas nessa oportunidade a expressão de Jesus era tão 

notável que ninguém podia deixar de observá-la" (p. 600). 

Enquanto Mateus usa o verbo Lun~toeat ("entristecer-se"), Marcos 

usa um verbo com sentido mais vigoroso ~~0vapp~toeat ("ter pavor"). 

"A expressão traduzida por 'angustiar-se' é também uma expressão 

forte no grego" (Champlin, p. 600). 

"Como verdadeiro ser humano, o Filho de Deus temeu o pavoroso 

sofrimento que estava reservado para ele" (Comentários Bíblicos, p. 340). 

Por isso "começou entristecer-se e angustiar-se", v.37. Em sua humanida- 

de desejava evitar a morte de cruz, por tratar-se de algo altamente revoltan- 

te e tal pena de morte trazia as piores agonias. Mas também desejava evitar 

a ira do Pai que cairia sobre ele, devido aos pecados dos seres humanos. 

Jesus preocupava-se com os sofrimentos espirituais, mas também com os 

sofrimentos físicos que o aguardavam. 

Nós bem sabemos que durante os dois últimos dias que antecederam 

a morte de Jesus culminaram com passio magna, ou seja, "a extrema an- 

gústia que nosso Redentor sofreu do Getsêmani ao Calvário, parte na alma, 

parte no corpo, suportando no final as mais extremas e amargas dores para 

expiação dos nossos pecados, 1s 53.4-6; 2 Co 5.21" (J.T.Mueller, v. I, 303). 

Não podemos esquecer-nos de que Jesus foi tentado em todos 

pontos como ocorre com cada um de nós (Hb 4.15), que ele levou sobre 

si a nossa natureza humana com suas debilidades naturais, porém sem 

pecar. 

A luta e a intensa agonia de Jesus foram perfeitamente reais; 

não estava fazendo um papel anteriormente preparado, para 

benefício alheio. As tentações pelas quais passou de não sub- 

meter-se a morte de cruz e a ira de Deus foram, certamente, 

reais (Champlin, p. 600). 

Em sua oração ao Pai, Jesus usa a palavra "cálice" (Mt 26.39, 42). 

Nos escritos sagrados antigos, o cálice simbolizava tristeza, angústia, terror 

ou alguma provação especial. Quantos eram condenados a morte sendo 

obrigados a beberem um cálice de veneno! Que sentimentos aterrorizantes 

deviam dominar o íntimo de tais condenados! Jesus igualmente desejava 

expressar a enormidade de seu sofrimento presente e futuro usando a pala- 

vra "cálice". 

14


Não há o que duvidar quanto ao sofrimento de Jesus no Getsêmani. 

E, de acordo com todos os padrões humanos, até ali, Jesus fracassara em 

sua missão. 

2.2 A verbalização 

Jesus bem sabia que a pessoa estando em angústia tem necessidade 

de verbalizar para alguém o que sente, e isto ele fez. Estando com seus 

discípulos mais achegados - Pedro, Tiago e João - procurou colocar em 

palavras seus sentimentos. Desabafou aos amigos: "A minha alma está pro- 

fundamente triste até a morte ..." (Mt 26.38). Ele não deu uma de super- 

herói, pensando: "Já enfrentei outras situações difíceis sozinho, vou enfren- 

tar também esta". Nem fez de conta ser um líder inatingível em seus senti- 

mentos, pensando: "Se eu falar o que se passa comigo estarei passando aos 

meus discípulos a idéia de fragilidade e medo. O que vai se passar na cabe- 

ça deles?" 

Nada disso. Jesus se expôs. Desabafou. Seus discípulos puderam 

saber o que se passava em seu íntimo, e falou utilizando palavras bem for- 

tes: "A minha alma está profundamente triste até a morte" (Mt 26.38). Este 

desabafo deve ter contribuído para diminuir suas tensões emocionais. "Até 

a morte" era uma expressão idiomática comum, significando que a pessoa 

estava no mais extremo grau de sofrimento. Expressões como esta obser- 

vamos em Jn 4.9; S122.16 e 40.13. Talvez passagens como estas estariam 

na mente de Jesus (Champlin, p. 600). O que ele queria dizer era: "Minha 

alma está partida. Estou a ponto de morrer por causa da tristeza". Isto por 

quê? Porque Deus Pai " ... o fez pecado por nós ..." (2 Co 5.21). 

Seus discípulos "não seriam apenas testemunhas do Seu indescritível 

e severo conflito da morte que O aguardava, mas Ele desejou receber o 

conforto e encorajamento deles" (Martin Chemnitz citado em Comentários 

Bíblicos, p. 340). Jesus pediu ajuda: " ... ficai aqui e vigiai comigo" (Mt 26.38). 

Era tarde da noite. Jesus "implora um pouco de simpatia humana" (Champlin, 

p. 601). É como se Jesus dissesse aos seus discípulos: "Não me deixem 

sozinho. Estou passando por situação muito difícil. Fiquem acordados comi- 

go e orem comigo". 

Quando, porém, Jesus voltou do primeiro momento de oração e encon- 

trou seus discípulos dormindo, ele lhes pede ajuda para eles próprios: "Vigiai e 

orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, 

mas a carne é fraca" (Mt 26.41). É como se o Mestre dissesse: "Se não 

conseguem me ajudar por estarem com tanto sono, fiquem acordados e orem 

para ajudarem a vocês próprios, pois a nova natureza ("espírito") recebida 

com a fé está pronta para fazer a vontade de Deus e até sofrer por mim, mas 

a natureza velha e pecaminosa ("carne") é fraca demais para isto".


Devido ao sono, os discípulos foram indiferentes ao apelo do Mestre. 

"E, voltando para os discípulos, achou-os dormindo; e disse a Pedro: Então, 

nem uma hora pudestes vós vigiar comigo?" (Mt 26.40). 

Jesus precisava desesperadamente do apoio dos discípulos, mas ... 

nada. Pedro tinha prometido que até morreria pelo Mestre se fosse preciso 

(Mt 26.35), porém não conseguiu ficar acordado enquanto seu mestre esta- 

va tão angustiado. As palavras "assim nem uma hora pudestes vigiar comi- 

go?" indicam o desapontamento de Jesus com seus amigos mais achegados. 

2.3 Os discípulos não ajudaram 

A respeito da indiferença dos discípulos, Champlin escreve: 

Não entenderam a crise que Jesus enfrentava. Sabiam que ele 

passara por muitos problemas com as autoridades. Sabiam que 

ele predissera um desastre iminente, mas não podiam aceitar 

isso como uma possibilidade imediata. Sabiam que tinham havido 

diversos planos para eliminar a Jesus, mas Jesus se saíra 

vitorioso em muitas lutas, porque possuía estranhos e altos poderes. 

Simplesmente não estavam mentalmente preparados para 

a crise, e naquele momento nada lhes parecia mais importante 

do que o sono. O texto descreve a grande solidão da inquisição 

espiritual. Jesus ansiava pela lealdade humana [. . .] Também o 

texto [bíblico] ensina a necessidade da integridade, fidelidade e 

companheirismo (Champlin, pp. 602-603). 

Agindo como fizeram, Pedro, Tiago e João perderam excelente oportunidade 

de ajudar seu mestre e amigo. 

Para Jesus receber alguma ajuda foi preciso o próprio Pai celeste 

entrar em ação. "Então, lhe apareceu um anjo do céu que o confortava" (Lc 

22.43). Em meio à agonia, o Pai providenciou consolo e encorajamento, que 

seus discípulos deixaram de dar a Jesus, enviando um anjo. Por isso, sua 

alma deve ter ficado mais tranqüila, embora comprovasse com tal atitude do 

Pai que o "cálice" não seria passado de lado. "Então cessada a agonia, 

Jesus fala a seus discípulos em um tom diferente" (Lenski, p. 1044 - tradução 

nossa), conforme lemos em Mt 26.45: "Ainda dormis e repousais! Eis 

que é chegada a hora, e o Filho do homem está sendo entregue nas mãos de 

pecadores. Levantai-vos, vamos! Eis que o traidor se aproxima". 

2.4 A oração 

Mateus e Marcos esclarecem que Jesus fez três momentos de ora- 

ção. Lenski lembra que "intense were the prayer and the agony, but the 

words were few" (p. 1040). 

16


Observando a narrativa de Mateus, lemos: "Adiantando-se um pou- 

co, prostrou-se sobre seu rosto, orando e dizendo: Meu Pai, se possível, 

passa de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu 

queres" (v.39). 

No segundo momento de oração: "Tomando a retirar-se, orou de novo, 

dizendo: Meu Pai, se não é possível passar de mim este cálice sem que eu o 

beba, faça a tua vontade" (v.42). O terceiro momento: "Deixando-os nova- 

mente, foi orar pela terceira vez, repetindo as mesmas palavras" (v. 44). 

"The three prayers are throughout couched in the same words, i.e., the 

same in substance (zov auzov hoyov) certainly not also the some verbatin" 

(Lenski, 1044). 

É possível que os discípulos nunca tivessem visto Jesus naquela posi- 

ção: " ... prostrou-se com o rosto em terra e orou" (Mt 26.39). Em total 

desamparo, Jesus demonstrou nesta posição profunda humildade diante do 

Pai e completa dependência. 

A invocação ao Pai é diferente nesta situação de sofrimento. Nor- 

malmente Jesus iniciava suas orações com a palavra "Pai", mas seu sofri- 

mento era tão grande que clama "meu Pai". Também era uma demonstra- 

ção da intimidade com Deus Pai, a confiança que depositava nele ao falar 

em oração sobre um plano que o Pai determinara. 

O evangelho de Marcos destaca a confiança de Jesus na onipotência 

de Deus Pai: "... tudo te é possível; passa de mim este cálice ..." Champlin 

comenta: "Jesus pensou que talvez a obra de Deus pudesse operar a reden- 

ção sem a cruz, mas não pressionou sobre esse ponto" (p. 601). 

Sobre a idéia do "passar do cálice", Champlin comenta: 

Talvez tenha a seguinte origem: havendo diversos criminosos 

enfileirados para serem executados com cálice de veneno, um 

criminoso pedia ao juiz para não precisar dele tomar, sendo 

passado para outro, e assim aquele criminoso seria poupado 

(p. 601). 

Em sua oração, Jesus usou esta figura de linguagem ao pedir ao Pai 

para que o livrasse da morte sacrificial que se aproximava. Em meio a tanta 

angústia, Jesus fez uso da oração ao Pai celeste pedindo ajuda. Embora o Pai 

não lhe atendesse o pedido de livrá-lo do que estava por vir, deve ter sido fonte 

de consolo para Jesus saber que o Pai ouvia sua oração e não se zangava pelo 

fato de orar três vezes a respeito do mesmo assunto. 

2.5 A submissão 

Três vezes Jesus orou ao Pai pedindo que o livrasse do sofrimento da


cruz, mas também três vezes Jesus aceitou a vontade do Pai, dizendo: "To- 

davia, não seja como eu quero, e sim como tu queres" (v. 39) " ... faça-se a 

tua vontade" (v. 42) " ... foi orar pela terceira vez, repetindo as mesmas 

palavras" (v. 44). Da primeira a última palavra da oração, Jesus submeteu- 

se a vontade do Pai. "Although in his agony Jesus has mentioned the possibility, 

he really intends to yield everything to his Father's will and to aside his own 

will. It is the human will of Jesus that speaks here" (Lenski, p. 1040). 

Na primeira vez que ora, Jesus refere-se a possibilidade "se possível" 

(no grego é mais óbvio - ~t6uvazov) de Deus Pai livrá-lo da morte de 

cruz. Na segunda vez que ora, já admite a impossibilidade "se não é possível" 

(no grego - ~t ou Guvazat). Lenski comenta: 

Here again is the same absolute submission to the Fatherbs will, 

"let thy will be done," i.e., the will of the Father regarding the 

redemption of the world, that will which Jesus had come into 

world to do, that will which is now attaining its climax in the 

redemptive passion and death of the incarnate Son" (p. 1043). 

Jesus Cristo sabia que viera ao mundo justamente para fazer a vonta- 

de do Pai. Fazer a vontade do Pai era tão importante para ele ao ponto de 

dizer: "A minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou 

e realizar a sua obra" (Jo 4.34). E fazer a vontade do Pai consistia em 

Jesus obedecer as leis cerimoniais e morais, cumprir as profecias do Antigo 

Testamento, passar pelo sofrimento, morte, e ressuscitar a fim de salvar a 

humanidade. Em Fp 2.8 o apóstolo Paulo atesta que Jesus foi obediente: 

"Tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz". Foi por isso que na 

ocasião do Batismo e na transfiguração de Jesus, Deus Pai falou do céu: 

"Este é o meu filho amado, em quem me comprazo" (Mt 3.17; 17.5). 

3. APLICAÇ~ES PARA O PASTOREIO DE MISSIONÁRIOS 

A partir da análise feita a respeito do Salvador Jesus frente ao sofrimento, 

cumpre-nos neste capítulo delinear algumas aplicações para o 

pastoreio de missionários, como seguem: 

3.1 O missionário passa por crises e conflitos 

Sofrer faz parte desta vida terrena, marcada pelo pecado. Enquanto 

estivermos deste lado da eternidade, sofrimentos diversos nos acompanha- 

rão. Eles fazem parte da vida humana. Bem nos lembra esta verdade o 

poeta Francisco Otaviano (1 825-1 889), Rio de Janeiro: 

Quem passou pela vida em brancas nuvens 

e em plácido repouso adormeceu;

quem não sentiu o frio da desgraça, 

quem passou pela vida e não sofreu; 

foi espectro de homem - não foi llomem, 

só passou pela vida - não viveu (Champlin, p. 600). 


O reformador Dr. Martinho Lutero tem palavras significativas a res- 

peito do sofrimento do cristão. Suas palavras a respeito deste assunto apli- 

cam-se também aos missionários: 

Se queremos ser cristãos, devemos estar seguramente prepa- 

rados e cientes de que temos por inimigos o diabo, juntamente 

com todos os seus anjos, e o mundo, que nos infligem toda 

sorte de infortúnios e pesares. Porque onde a palavra de Deus 

é pregada, aceita ou crida e produz fruto, aí também não há de 

faltar a amada e santa cruz (Livro de Concórdia, pp. 466-67). 

O grande pregador C.H. Spurgeon alertava seus alunos: 

Reconl~eçam, pois, que, para adquirir o poder necessário para 

a conquista de almas para Cristo, terão que passar pelo fogo e 

pela água, pela dúvida e pelo desespero, por tomlentos mentais 

e angústias da alma. Naturalmente, a experiência não será idêntica 

para todos, e talvez nem mesmo para dois de vocês, pois a 

sua preparação será de acordo com a obra que lhe for confiada 

(O Conquistador de Almas, p.125). 

Quem deseja ser um ministro do evangelho, seja como pastor de uma 

igreja local organizada ou um missionário em sua terra natal ou longe dela, 

deve estar disposto a carregar "cruzes" que surgirão e estar sempre ciente 

de que passará, as vezes mais e às vezes menos, por crises e conflitos. 

3.2 O missionário precisa de simpatia e apoio 

O próprio Jesus sentiu estas necessidades, porém, seus discípulos 

não foram sensíveis ao que se passava com o Mestre, e por conseguinte 

não lhe deram a ajuda necessária. 

Um erro muito comum que se comete com missionários em dificulda- 

des é fazer pré-julgamentos, culpando-os por passarem dificuldades, e, quando 

isto acontece, pouca ajuda poderá ser dada. 

A empatia para com o missionário e sua família por parte do líder 

responsável em pastoreá-los é o ponto de partida para socorrê-los. O líder 

sensível vai tentar imaginar o que o missionário e a família estão sentindo 

em meio à dificuldade, os ouvirá com atenção, os encorajará ao narrarem


injustiças sofridas, coin brandura os rcprccndcrá a respcito de eventuais 

falhas, buscará ajuda dc outros sc ncccssário, prcstará orientação e incen- 

tivo usando a palavra dc Dcus c orará com os mcsmos procurando firmá- 

10s na fé em Cristo e no propósito de continuar servindo ao Salvador na 

missão dc DCUS. 

O fato dc tcrinos alguém sensívcl a nós cm momentos de sofrimcn- 

tos, causam-nos grande consolo. 

3.3 O missionário precisa de oportunidade para verbalizar o sofri- 

mento 

O psicanalista Jocl Birman, ao comcntar sobrc as conscquências psico- 

lógicas nas pessoas dcvido aos ataqucs tcrroristas ao World Tradc Center e 

ao Pcntágono cm 1 1/9/200 1, EUA, opina assim: 

Nessas horas de medo ou angústia, o mais importantc c mcs- 

mo procurar alguém para conversar: a mãc, o namorado, a 

mulhcr. Em situaçõcs dc dcprcssão mais grave o uso de medi- 

camcntos pode até ser indicado, mas será eficientc sc a pcs- 

soa tivcr tainbéin espaço para conversar. A sensação dc quc 

algucm ouvc nossos problemas e reconhece que existe reali- 

dadc cm nossas angústias ajuda a apaziguar medos (Revistu 

É'oco, 20/10/2001, p.16). 

A necessidade de ter a disposição amigos coin ouvidos atcntos para 

dcsabafos sc aplica tainbéin ao missionário c sua família, pois muitas vczcs, 

semelhantemente a Jesus, se encontram com a "alma ... profundamcntc tristc 

atk 21 inortc" (Mt 26.38) c scntcm quc os novos membros do ponto de inis- 

são não têm maturidadc cmocional c cspiritual para ouvi-los. 

O líder quc ofcrccc pastorcio scndo ouvintc atcnto, scndo pacicnte e 

sem fazcr pré-julgamentos, já estará prestando grandc ajuda a família 

missionária. 

3.4 O missionário pode ser ajudado também com oração e estudo 

da palavra de Deus 

Jesus orou ao Pai cnquanto sua alma cstava angustiada. Mas scntiu a 

necessidade de seus discípulos orarem também por clc. Então pcdiu a clcs 

para faze-10. 

No pastorcio, missionário e família podem ser lembrados do ób- 

vio, mas As vezes desperccbido: o sofriincnto faz partc dcsta vida 

marcada pclo pecado. Por outro lado, o lídcr quc prcstar pastorcio


cumprirá bem seu papel se procurar estimular missionário e família 

fazendo com eles estudo da palavra de Deus, incentivando-os a conti- 

nuar confiando no bondoso Deus e a serem perseverantes no trabalho, 

deixando claro que o Senhor da Missão, Deus, não desampara seus 

filhos. Há muitos textos bíblicos confortantes para ocasiões assim. Entre 

tantos, o líder pode usar um dos textos, como por exemplo: Js 1.8,9; S1 

46; Hc 3.17-19; Mt 28.20, fazendo leitura, comentário e aplicação a 

família missionária. 

A seguir, o líder no pastoreio pode orar pelo missionário e família, pelo 

trabalho que realizam, e dar oportunidade para eles também orarem, caso 

queiram. 

Este apoio espiritual no qual o líder aponta para Jesus Cristo como o 

Senhor que dirige com poder e amor Sua igreja, as missões e seus servos, 

será de vital importância. 

3.5 O missionário pode ser incentivado a submeter-se a vontade de 

Deus 

Há vários problemas enfrentados por missionários e famílias que ra- 

pidamente podem ser solucionados com ajuda do líder do pastorcio, da agência 

missionária que os enviou ou de uma igreja. Porém, há outros que não. Foi a 

situação vivida por Jesus no Getsêmani. Pediu ao Pai que, se possível, o 

livrasse do sofrimento que estava por vir, mas quando chegou a conclusão 

de que o Pai não o livraria do sofrimento iminente, humildemente Jesus 

aceitou a vontade do Pai. 

Lutero escreveu: "E ninguém pense que vai ter paz. Deverá, ao con- 

trário, sacrificar o que tiver na terra [...I pois a palavra de ordem é perseve- 

rar e sofrer com paciência seja qual for o assalto, e abandonar o que se nos 

tira (Livro de Concórdia, pp. 466-67). 

Na oração do Pai Nosso o próprio Jesus nos ensinou a orar "seja 

feita a tua vontade ..." Lenski comenta: "In this petition God's children 

put their own will into complete harmony with their Father's will and 

thus into opposition to the will of a11 his foes" (Lenski, p. 267). Significa 

que nos colocamos totalmente sob a vontade do Pai celeste e que acei- 

tamos sua abençoada vontade para nós - também cruzes, sofrimentos, 

etc. 

Visando incentivar o missionário e família a perseverarem em meio 

as dificuldades, convém lembrar-lhes as palavras do apóstolo Paulo em Rrn 

8.35-39:


Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou 

angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou es- 

pada? Como está escrito: Por amor de ti, somos entregues a 

morte o dia todo, fomos considerados como ovelhas para o 

matadouro. Em todas estas cousas, porém, somos mais que 

vencedores, por meio daquele que nos amou. Pois eu estou 

bem certo de que nem morte, nem vida, nem principados, nem 

as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem 

altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura poderá 

separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso 

Senhor. 

Quando Deus deseja que um missionário com sua família sejam perse- 

verantes no trabalho em meio as dificuldades, Ele dará a capacitação ne- 

cessária através de Jesus Cristo, o qual faz fortes os enfraquecidos, dá 

descanso aos cansados. 

Todo cristão que for perseverante naquilo que é certo e bom para o 

Reino de Deus, receberá como recompensa a maturidade espiritual e emo- 

cional, entre outras bênçãos. 

CONCLUSÃO 

Se o próprio Jesus sentiu a necessidade de cuidado pastoral, quanto 

mais missionários puramente humanos de tal cuidado necessitam. 

O pastoreio de missionário é um trabalho que precisa ser oferecido 

cada vez melhor como parte da estratégia do programa missionário da igre- 

ja ou da agência enviadora, assim como entra nesse planejamento o susten- 

to financeiro e material. 

O pastoreio feito por pessoas experientes na obra missionária, 

empáticas e que amam a obra missionária, será importante instrumento de 

Deus para o revigoramento de missionários e suas famílias, bem como trará 

grandes bênçãos aos campos de missão onde tais famílias missionárias atuam. 

Bibliografia 

BÍBLIA SAGRADA. Edição Revista e Atualizada. Brasília: Socieda- 

de Bíblica do Brasil, 1969. 

CHAMPLIN, Russel N. O Novo Testamento Interpretado. 

Guaratinguetá: A Voz Bíblica, v. I. 

COMENTÁRIOS BIBLICOS. Elmer A. Roll, trad. Porto Alegre: Con- 

córdia, 1988.


LENSKI, Richard C.H. The Interpretation of St. Matthews S Gospel. 

Minneapolis: Augsburg, 1943. 

LUTERO, Martinho. Catecismo Maior. In: Livro de Concórdia. Porto 

Alegre-São Leopoldo: Concórdia-Sinodal. 

MUELLER, John T. Dogmática cristã. Porto Alegre: Concórdia, v. I, 

1964. 

NESTLE-ALAND. Novum Testamentum Graece. London: United 

Bible Societies. 

NG, Belinda. Reflexões sobre cuidado pastoral -perspectiva dos novos 

enviadores. In: Valioso demais para que seperca. William D. Taylor, 

ed., Londrina - Curitiba: Descoberta, 1998. 

REVISTA ÉPOCA. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2011 01200 1 

SPURGEON, C.H. O conquistador de almas. São Paulo: Publica- 

ções Evangélicas Selecionadas, 1978


Horst R. Kuchenbecker* 

INTRODUÇÃO 

Estimados irmãos e irmãs em Cristo! Permitam que comece este 

estudo com oração: "Senhor Jesus, concede-nos um ministério fiel, pastores 

apegados a tua Palavra, que vivam diante de ti em diário arrependimento, fé 

e vida santificada, que se dediquem de todo o coração a pregação de tua 

Palavra, chamando destemidamente ao arrependimento, consolando os 

pecadores penitentes e impelindo para a vida santificada. Por Cristo, o Senhor 

da Igreja. Amém." 

Assim oraram muitos de nossos pais. A mesma oração é repetida 

hoje ainda por muitos pastores e leigos. É necessário que se ore assim cada 

dia, pois nestes tempos finais crescem a indiferença para com a palavra de 

Deus e o desapego a moral e aos bons costumes. Também a vida ministerial 

apresenta cada vez mais problemas. Precisamos de pastores que, apegados 

a palavra de Deus, vivam em comunhão com Deus, sejam irrepreensíveis e 

modelos para o rebanho. Que Deus no-lo conceda por sua graça. 

Satanás sempre procurou e procura, por todos os meios possíveis, 

corromper o santo ministério para impedir a expansão do Evangelho e minar 

a confiabilidade nos ministros. Ora reprime o evangelho violentamente como 

o fez pelas perseguições dos imperadores romanos, pelo ditador Stálin e sua 

filosofia marxista, que afirmou que dentro de dez anos não se falaria mais 

no nome de Jesus na Rússia; ora ataca por falsos profetas; ou procura 

seduzir pastores e membros a vícios ou grande vergonha. Por isso Jesus 

adverte: "Vigiai e orai, para que não entreis em tentação" (Marcos 14.38). 

O apóstolo Pedro, falando por experiência própria, alerta: "Sede sóbrios e 

vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge 

procurando alguém para devorar" (1 Pedro 5.8). E nós oramos: "Não nos 

deixes cair em tentação" (Mt 6.13). 

24 

Horsi R. Kuchenhecker 4 pastor da Congregação Crislo de Porlo Alegre. RS


O Dr. C.F.W. Walther, no final do seu ministério, conforme relato de 

seus amigos, orava intensamente: "Senhor, conserva-nos um ministério fiel." 

A igreja cristã sempre foi e é uma igreja militante. Mas, nos últimos tempos, 

os problemas na área ministerial estão crescendo de forma assustadora, 

não só em nossa igreja, porém na igreja cristã no mundo inteiro. Ouve-se 

falar de pastores que descuidam a doutrina, que não sabem administrar sua 

própria casa, desonestos, fichados no SPC, viciados em álcool, divorciados, 

que abandonam o ministério e outras situações desagradáveis e nefastas 

para o ofício pastoral. 

Tal realidade deve prostrar-nos em profunda tristeza, arrependimento 

e oração, como aconteceu no tempo de Esdras e Neemias, quando vista a 

desolação de Israel. 

Como lidar com tais problemas? Isso já foi uma preocupação no tempo 

de Lutero, gerando a instituição dos visitadores e o documento: Instrução 

dos Visitadores aos Párocos.' 

Ao nos ocuparmos com o tema: Tratativas Pastorais, queremos limitar- 

nos especificamente ao tratamento de pastores com problemas e dividir o 

tema em três partes: 1) Prevenir; 2) Supervisionar; 3) Disciplinar. 

I. PREVENIR 

Quando se fala em doenças, os médicos costumam afirmar: prevenir 

é melhor do que remediar. Nas tratativas pastorais, não podemos pensar 

diferente. Por isso abordan~os em primeiro lugar o tema: Prevenir, dividindoo 

em três itens: Apego a Escritura, Qualificações e Vida Santificada. 

1.1 - Apego à Escritura: Somos um Sínodo. Sinodo é um caminhar junto 

no qual interessa o caminho correto. Por isso nossos pais, em suas conven- 

ções nacionais e regionais, dedicavam a maior parte do tempo ao estudo da 

palavra de Deus, examinando e reexaminando doutrinas, para caminharem 

realmente juntos. 

No ministério, a correta posição diante da pdlavra de Deus é 

fundamental. A Bíblia é a palavra de Deus. Ela não é um livro no qual 

palavra de Deus e palavra humana correm paralelas como dois trilhos de 

trem. Não! A Escritura é a própria palavra de Deus. Fora da Bíblia não há 

revelação da graciosa vontade de Deus. A criação proclama a glória de 

Deus e o seu poder, contudo silencia completamente sobre a atitude de 

' Lutcro, Martiiiho. Obr-a.s Sr1ecionada.s. São Lcopoldo c Porto Alcgrc: Editora Siiiodal c Concórdia 

Editora, 2000, vol. 7, p.257.


Deus para com o homem caído em pecado. A razão humana é uma luz na 

esfera da natureza, mas é treva densa na esfera da salvação por graça. 

A Escritura tem um propósito claro: revelar a misericórdia de Deus 

em Cristo, como único caminho para o céu, a vida eterna. Na Bíblia temos 

mais que história, ciência natural e preceitos. Ela foi escrita "para que a 

vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus" (1 

Coríntios 2.5). Jesus afirma aos fariseus: "Examinais as Escrituras, porque 

julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim" 

(João 5.39). Daí a importância que damos a uma tradução, o quanto mais 

exata possível, pois cremos na inspiração verbal da E~critura.~ 

E mais. Isto pode até parecer corriqueiro. No momento em que, como 

pastores, nos descuidarmos de nosso estudo particular da Escritura e das 

Confissões, bem como dos livros dogmáticos, isso se constitui no primeiro 

passo para a derrota no ministério. Quando não temos mais tempo para 

estudo e oração e só o fazemos profissionalmente, estamos derrotados. 

Por essa razão, a correta atitude diante da Escritura Sagrada e o 

apego a ela determinarão como o pastor executará o seu ofício pastoral. A 

Escritura não exerce somente uma influência benéfica sobre nós, mas ela 

determina, isto é, molda nosso caráter. Enquanto o pastor estiver corretamente 

posicionado em relação a Escritura, ele executará bem o seu ofício. O Prof. 

Dr. F. Photenhauer3 desenvolveu oito teses nesse sentido, nas quais afirma 

em resumo o seguinte: 1) O pastor deverá estudar diligentemente a Escritura, 

pois se negligenciar este estudo será infiel e fracassará no ministério; 2) A 

Escritura será seu único guia em coisas espirituais, pois nessas coisas a 

razão humana é cega; 3) Suas pregações consistirão em expor fiel e 

cuidadosamente a Escritura, para poder dizer: Assim diz o Senhor; 4) Firmado 

na Escritura, não firmará compromissos com a ciência elou falsos profetas, 

e distinguirá entre doutrinas fundamentais e não-fundamentais; 5) Pregará 

lei e evangelho sem separá-los, todavia fará clara distinção entre eles, pois 

confusão entre ambos rouba a certeza da salvação; 6) Lembrará que a 

' Tradução EquivalEncia Formal: traduz cada palavra do original, seu estilo gramatical c sua forma 

lingüística com cuidado c importância, como por cxcmplo a nossa Almcida. Equivalencia 

Dinâmica: Capta o scntido c o reproduz na linguagem do leitor. Não scguc os paralelos lingüisticos 

do texto original, ncm sua estrutura gramatical, nem as cxprcssõcs idiomáticas ou tkcnicas, 

reproduz numa linguagem contcmporânca. Excmplos: Nova Bíblia na Linguagcm dc Hoje, 

Nova Versão Internacional (NIV). Para nós quc cremos na inspiração verbal, Icvanta-sc a 

pergunta: Temos o direito dc buscar uma tradução dinâmica? Minha posição 6: Não! Nossa 

igreja precisa posicionar-se a cssc rcspeito. A tradução dinâmica pode scrvir para uma Icitura 

paralela, ou digamos, uma Icitura inicial, na missão, como se li. uma história bíblica. Mas não 

serve para o púlpito, para os livros didáticos, para um dcbatc sobrc doutrina. 

' Concordia Thcological Monthly, ano X, p. 90-95.


doutrina da justificação do pecador pela graça de Cristo é doutrina central 

da Escritura; 7) Estimulará a congregação para a vida santificada e as boas 

obras; 8) Adornará seu ministério com vida piedosa, tanto em particular 

como em público. 

1.2 - Qualificações: Em ilosso cl~amado constam três passagens sobre 

qualificações ao ministério: 1 Tm 3.1-13; 2 Tm 2.15,24-26; Tt 2.7-8. Sabemos 

o que isso significa para nós pastores? Nossos leigos sabem o que isso 

significa? Quem não tiver essas qualificações, não deveria ser chamado ao 

santo ministério. 

Ultimamente tomou-se praxe em nossas igreja, quando se pretende 

chamar um pastor, definir o perfil do obreiro pretendido. Numa dessas 

ocasiões, haviam elaborado uma lista com vários requisitos, quando um 

congregado, mais idoso, levantou e disse: Esta lista: orador, jovem, família 

pequena, trabalhar em equipe, cordial, sociável, etc. são coisas secundárias; 

as qualificações principais Deus definiu em sua Palavra; isso importa ser 

analisado. E citou o episódio, no tempo de Lutero, em que uma congregação 

fez uma lista parecida, ao que Lutero respondeu: "Solch einen pastor konnt 

ihr euch selber backen (Tal pastor vocês mesmos podem fabricar para 

vocês)." Pois bem, quais são as qualificações necessárias para que alguém 

possa ser pastor? 

a) Irrepreensível - Irrepreensível aqui não significa que seja sem pecado, 

pois também o pastor tem ainda sua natureza carnal. Requer-se entretanto 

do pastor um grau maior na vida santificada. Lutero o chama de 

uma vida sem repreensão. "Uma vida que não pode ser acusada de transgressões 

... Samuel e Moisés andaram de forma irrepreensível diante do 

povo. Seja também irrepreensível diante dos olhos do mundo. Lutero 

relaciona isso especialmente ao matrimônio e ao lar."4 Quenstedt escreve: 

"Irrepreensível é uma pessoa a quem ninguém pode acusar de transgressões 

graves, a quem ninguém pode castigar com a lei ... O ministro 

não deve andar em pecados propositai~."~ O pastor deve ser uma pessoa 

honesta e honrada, acima de qualquer suspeita. 

b) Marido de uma só mulher - Isso não significa que deva ser casado, 

nem que, se enviuvar, não possa casar novamente, pois Paulo recomenda 

que as viúvas casem novamente (1 Tm 5.9,14). O texto também não trata 

em primeira linha da poligamia, pois isso já fora proibido pelo Concílio de 

' St. L., XIX, 2180 

' Walthcr, C.F.W. Pastoraltheologie. St. Louis, 1800. P.383-384; Ou: Pastoral Thcology, tr. 

Drickamcr, Joh. Luthcran Ncws, Inc. Ncw Havcn, Missouri. 1995.


Jerusalém (At 15.28,29). Resumindo, o texto proíbe o adultério. O bispo, se 

casado, deve ter vida matrimonial exemplar. Não deve ter relações sexuais 

com outras mulheres, nem abertamente nem as escondidas, mas manter 

seu leito matrimonial sem mácula e ser fiel. (Zorn, Stockhardt, Bengel). Em 

caso de ser solteiro, mantenha-se casto e não seja namorador nem mullie- 

rengo. 

c) Temperante - Cuide bem de si mesmo. Seja temperante em relação a 

comida e a bebida alcoólica. Saiba usar as coisas do mundo de tal fomia 

que possa tomar e deixá-las. Ele pode desfrutar das alegrias de uma boa 

comida, do esporte, da música, de reuniões com amigos, da indumentária 

da moda, caçadas e pescarias, hobby, etc; precisa, todavia, se resguardar 

de extravagâncias e exageros. Deve cuidar para que essas coisas não o 

desviem de seus deveres pastorais e familiares, vindo a prejudicar sua vida 

espiritual e de santificação. 

d) Sóbrio -Não significa ser melancólico, severo, triste ou repugnante. O 

pastor deve ser alegre e jovial, cultivar o bom humor, procurar ser sociável; 

não espalhafatoso, procurando chamar atenção sobre si. Manter um com- 

portamento digno, amar boas conversas e o bem. 

e) Modesto - A palavra grega não se refere somente ao ser refinado e 

cortês, mas ao ser "bem-educado", a qualidade interna da qual brota o 

comportamento que se manifesta por atitudes generosas, sinceras e carita- 

tivas. 

Hospitaleiro -A palavra grega significa um que ama e abriga os estran- 

geiros, que abre seu lar a pessoas estranhas e necessitadas. Toda pessoa 

necessitada lhe é bem-vinda. Ele está pronto a ajudar, amparar, socorrer. 

Não rejeita ninguém. 

g) Apto para ensinar - Essa palavra contém duas verdades: apto para 

ensinar tanto a si próprio (estudar) como a outros. Ter aptidão natural para 

aprender e ensinar. Ele deve ser capaz de ensinar os artigos da fé de forma 

clara e simples, para que outros possam compreender. Isto requer paciên- 

cia e persistência. A pessoa precisa entregar-se com paixão de corpo e 

alma a esta tarefa. 

h) Não dado ao vinho - Isso não significa que ele não possa beber nenhu- 

ma bebida alcoólica, mas que não viva em amor a ela, deixando se dominar 

pela bebida. Abster-se completamente da bebida alcoólica, sem dúvida é 

uma boa virtude. Hoje alguns dizem que alcoolismo é uma doença; a Bíblia 

diz que é vício, é pecado e "nenhum bêbado entrará no reino dos céus" (1 

Co 6.10). Não é bom os congregados verem, mesmo em dias de festa, o 

pastor sempre com o copo na mão. É boa disciplina externa, especialmente

Igreja Liiterana - no 1 - 2004 

em dias dc festa da congregação e em público, o pastor mostrar modera- 

ção. Cuidado com o apcritivo diante de cada rcfeição. Isso já levou muitos 

pastorcs a dcsgraça. A cautcla cin rclação a bcbida alcoólica C boa discipli- 

na, pois o apcgo dcsmcdido ao álcool já dcsgraçou inúmeras pessoas, fainí- 

lias, sociedades e congregações. Hoje há firmas que são muito rigorosas 

quanto a pessoas que ingercm bebidas alcoólicas. Fazein periodicamente 

cxames e quem tiver um acentuado grau de álcool no sangue é despedido. 

Não precisa ser bêbado, mas o hábito de ter seu aperitivo quase que regular 

já é o suficiente. 

i) Nüo violento - Uma pcssoa violenta é detestada. Esta manifestação de 

nossa carnc, dc scr tcmpcstuoso, irascível, violento, explosivo, gritalhão, 

quc rcsponde ferindo c humilhando o próximo, deve ser afogada em nós 

diariamcntc. 

,i) Corduto - Cordialidadc c uma qualidadc aprcciávcl cm todo Iídcr. Cum- 

prc scrmos cordiais cm rclação a todas as pcssoas, cspccialinentc aos fra- 

cos, tristcs, docntes, mesmo em rclação aos explosivos. Essa qualidade da 

paciência, da longanimidade (uma esperança longa), deve ser cultivada es- 

pccialmcntc pclo pastor. 

k) Inimigo de contendu.~ - Contcndas, fofocas, intrigas, brigas nunca faltam 

ncstc inundo, ncin nas congrcgaçõcs. O pastor prccisa pcdir a Dcus constantcmcntc 

sabcdoria para podcr apagar as contcndas, conscrtar, rcconciliar c 

impelir a aceitação mútua, compreensão e harmonia. 

I) Nüo avarento - Elc não trabalha por sórdida ganância. Podc~nos pcrguntar 

sobrc nosso salário e, se for muito baixo, se não conscguimos nos 

mantcr, dcvc~nos pcdir uma considcração. Razõcs podcm scr: família grande, 

doenças, filhos deficicntcs, ctc. Mas não cstainos aí siinplesinentc para 

passar bcm, fazcndo comparaçõcs como: "um médico ganha tanto, ctc." 

Ncssc caso, podcrá ouvir o quc não gostaria de ouvir: "então, porque não 

vai scr médico?" Ou: "sc você acha quc podc ganhar mais cm outra profissão, 

vá." Vivcmos para scrvir. Quanto ao sustento, confiamos na providência 

de Deus, em cujas mãos colocainos nossas ncccssidadcs materiais, 

ccrtos de quc Deus proverá. 

Uma das dificuldadcs ncstc campo c sabcr administrar os rccursos 

quc tc~nos. Cabc aqui uma Icmbrança especialmente aos pastorcs jovens. 

Ao receberem seus primeiros salários, administrem com prudência os seus 

ganhos, não esquecendo de priorizar as dcspcsas próprias dc um casal. 

Tomem cuidado com exccsso de compra a prazo, a fim dc não sc cndividarcm 

cxccssivamcntc c corrcrcm o risco dc "sujar" o nome na praça, para vergonha 

dc scus congregados e descrédito do seu ministério.


m) Governe bem a sua casa - Governar C un~ dom quc precisamos pcdir 

a Deus. Ele engloba muitas áreas: administrar, educar, consolar, aconsclhar, 

tomar decisões, ser exemplo. Somos supervisores da casa de Deus. É óbvio, 

portanto, que dcvcmos sabcr governar c isso mostra-se em primeiro 

lugar no próprio lar. Govcrnar é dirigir, não scr soinentc cxcmplo. Eli foi um 

bom excmplo para seus filhos, contudo não os advertiu nem rcpreendeu. 

Governar é mais do quc dar exemplo. Govcrnar rcquer decisões, aplicação 

de lei e evangelho, rcpreendcr, castigar e consolar. Isso inclui guiar também 

a esposa para que não caia cm caminhos da vaidadc, etc. E segue uma 

frase muito forte: "Criando os filhos sob disciplina, com todo respeito, pois 

sc alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de 

Deus?" (1Tm 3.4,5). Sem dúvida, isto é um ponto nevralgico em muitas 

famílias pastorais. Requer oração, devoção e estudos bíblicos no lar, repreensões 

e consolações. Por outro lado, precisamos lcmbrar que a fé não se 

herda, nem se conscgue impor. É dom do Espírito Santo. Nas mclhorcs 

famílias há, por vezes, uma ovelha negra. Lembramos Caim, Esaú, Absalão, 

etc. Isso C algo tristc c causa muita prcocupação, mas, cm si, não desmerece 

o pastor. Ccrto pastor tinha uma esposa muito violenta. Ela entrava na 

AsscmblCia dos Mcinbros Votantes e protestava. Após o que o pastor só 

dizia: "Dcsculpcm. Vocês conhcccm minha csposa e saberão julgar." 

n) Não seja neófito - Um rccém-convertido, que ainda não tem experiên- 

cia na vida cristã, não deve ser escolhido para pastor. Não faltam pessoas 

apressadas, que logo após sua convcrsão querem ingressar no ministério. 

Para essas pessoas, a tentação para o orgulho é muito grande. Um pastor 

dcvc servir c não ser um líder exaltado. O apóstolo Paulo assim afirma: 

"Porque não nos prcgamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor 

c a nós incsmos como vossos servos, por amor de Jesus" (2 Coríntios 4.5). 

Prcgar a Cristo requer bom conhecimento; c, como servos, rcqucr uma 

cxpcriencia no servir. 

o) Não incorra na condenação do diabo - A soberba já foi laço para 

muitos, não só ncófitos, mas até cristãos bem experimentados na vida. Lem- 

bramos o rei Salomão, Martim Steffan, líder dos saxões, c outros; para 

novatos, especialmente, C um laço ainda mais pcrigoso. 

p) Tenha bom testemunho dos &fora - "Os de fora", pessoas do mun- 

do, os incrédulos. Eles, na verdade, não são nossos juízes, mas têm um 

senso moral natural. Se eles vêem que o pastor não vive o que prega, que 

diz uma coisa c faz outra, tal pessoa traz vergonha para a igreja e o nome 

de Jesus. O pastor deve tcr boa reputação entre o povo descrcntc. Mesmo 

assim, não faltarão difamações (1 Pe 3.16). Isso é outra coisa. Muitos 

profetas foram acusados, mesmo Jcsus, de perturbadores da paz, porque a


palavra de Deus não agradava às pessoas. Isso não desmerece o pastor. 

Se, todavia, tem má reputação por causa de sua vida pecaminosa, ele pró- 

prio pode vir a perder sua alma. 

q) Outras -Alguns detalhes. A lista de Tt 1.5-9, em parte, é igual à lista de 

1 Tm 3, mas tem alguns acréscimos importantes: "Seja ... apegado à pala- 

vra fiel que é segundo a doutrina, dc modo que tcnlia poder, assim para 

cxortar como para convcncer os quc contradizcm" (Tt 1.9). "Manter firmc 

a palavra conforme a doutrina." Ele deve ser fiel na doutrina. Temos um 

imcnso tcsouro em nossas Confissõcs, mas quem as lê, quem as cstuda? 

Tive o privilégio de participar de três festejos importantes: 400 anos de 

Fórmula de Concórdia, em 1977; 450 anos de Confissão de Augsburgo, em 

1980; 500 anos dc Lutcro, em 1983. Em todos esses momentos houve in- 

centivos ao estudo das Confissões. Acreditávamos que, como a história o 

mostra, o estudo das Confissõcs renovaria a igrcja. Sem dúvida houvc bên- 

çãos, mas também expressõcs como: "Chcga dc Confissõcs. Lcio a Bíblia, 

isto basta. As Confissões são palavras humanas." Quc triste! Quem come- 

ça rcalmente a estudar a Bíblia indagará: Como nossos pais intcrpretaram 

essas palavras? e buscará encontrar respostas nas Confissões. E quem 

começa a estudar as Confissões, compreenderá muito melhor a Bíblia e a 

Icrá com novo entusiasmo. 

"Exortar." O pastor deve ser capaz dc repreender com a palavra de 

Dcus. Todos nós conhecemos o quc isto envolvc: temor, ansicdadcs, dúvidas, 

antipatias, ctc. Que susto o profeta Natã não deve ter levado, quando Deus 

o incumbiu de admoestar o poderoso rei Davi. Quanto elc deve ter orado, 

pcdindo sabcdoria a Dcus! 

Essas são as qualificaçõcs de um pastor. Isso não é um ideal a ser 

alcançado, não são máximas e sim critérios mínimos, rcquisitos para que 

uma pcssoa possa ocupar o cargo ministcrial. Não se tratam dc virtudcs, 

porém de carismas requeridos não somente na entrada no ministério, mas 

durante todo o seu exercício. Sem eles uma pessoa não devc scr admitida 

no ministério nem nele permanecer. Importa que nós pastores sejamos 

lembrados disso e peçamos a Deus esses carismas. Nossos leigos devem 

conhecer o que isso significa e dcvcm observá-lo na hora de chamar um 

pastor. 

1.3 - Avaliando um pastor: Isso nos leva a uma pergunta crucial: como 

avaliar um pastor na hora dc um chamado e como julgar se ele possui essas 

qualificações? Como cor~hccer os candidatos a serem chamados'? Até aqui, 

a prática em nosso meio é, e em parte é bom que permaneça assim, que os 

Seminários qualifiqucrn os candidatos. Em caso de sc chamar um pastor do 

campo, consulta-sc o Prcsidcnte elou Conselheiros da IELB e colegas pas-


tores, seguindo, na maioria das vezes, suas recomendações. Contudo os 

problemas crescem e surgem as mais diferentes indagações, como por 

exemplo: os Seminários ainda estão capacitados para qualificar os candida- 

tos ao santo ministério, uma vez que não há mais um estudo com certa 

clausura? Eles dão a formação acadêmica, mas conhecem os estudantes o 

suiiciente para poderem avaliar suas aptidões para o ministério? O Presi- 

dente e os Conselheiros da IELB, por mais bem intencionados que sejam, 

numa igreja tão grande, conhecem o suficiente os pastores que recomen- 

dam ou estão só transferindo problemas? O pastor no campo, com cinco ou 

mais anos, ainda é fiel as Confissões ou foi contagiado por algumas idéias 

sectárias ou movimentos carismáticos, deixou de estudar e parou no tem- 

po? Como avaliar isso? O Dr. K. Marquart6 se inclina para a solução do 

exame dos candidatos. A SELK tem o costume de examinar os candidatos. 

O exame acontece após os semestres de prática, quando o Bispo, um pas- 

tor do campo e um professor examinam o candidato. Hoje, mesmo na LCMS, 

por falta de uma disciplina, proliferam movimentos carismáticos, pentecostais 

e liberais. Algumas congregações procuram certificar-se do perfil dos can- 

didatos, enviando-lhes primeiramente um questionário, que é, na verdade, 

um exame escrito. Selecionam alguns nomes, então fazem com eles uma 

entrevistalexame. Isso é um assunto que merece ser analisado de melhor 

maneira em nosso meio. 

Deveríamos também refletir sobre outra questão. Se podemos 

expressá-la por uma pergunta, é esta: "Pode uma congregação 'roubar' o 

pastor de outra congregação? Refiro-me ao seguinte fato: um pastor está 

trabalhando com grande fidelidade e bênção numa congregação e não deveria 

ser perturbado no seu trabalho por enquanto. Outra congregação, entretanto, 

ouviu a respeito de seu trabalho e o chama, oferecendo certas vantagens. O 

chamado se constituiu numa grande tentação e o pastor o aceita, em real 

prejuízo para aquela congregação a que servia e também ao seu respectivo 

distrito. Impõe-se a indagação: antes de chamar alguém, não deveria uma 

congregação consultar o conselheiro distrital sobre a possibilidade de um 

chamado, visando ao bem estar da igreja em geral? 

1.4 - Vida espiritual: Como afirmamos no início, o Dr. Walther orava 

pedindo a Deus: "Dá-nos um ministério fiel." Essa é a oração constante de 

toda a Igreja. Mas como Deus concede este dom? Ele não o dá diretamen- 

te, ele o concede por meios. Por isso são necessários bons Seminários, com 

" Marquart, Kurt E. Thr Church. Thc Intcrnational Foundation for Luthcran Confcssional 

Rcscarch, Fort Waync, Indiana, 1990, p.145ss.


professores que antes de tudo sejam ministros fiéis. Por outro lado, que no 

campo se zele pelo aperfeiçoamento constante do ministério, em especial 

pela vida espiritual em santificação do pastor. Valho-me aqui de teses apre- 

sentadas pelo professor Franz Pieper, em suas leituras nas sextas-feiras a 

noite, no Seminário de St. Louis,' que apresentamos aqui de forma resumi- 

da. 

Servir, aqui na terra, no santo ministério é excelente obra. A maior 

bênção que Deus dá a uma nação, a uma cidade, a uma congregação, é um 

ministro fiel. O ministério, como disse o apóstolo Paulo, não é só uma excelente 

obra, é na verdade a maior honra que Deus concede a uma pessoa aqui na 

terra, é o trabalho mais sublime que anjos anelavam ver. É uma atividade 

muito real, mas cujos resultados verdadeiros são invisíveis ao olho humano, 

pois se trata da vida espiritual, da fé no coração. No ministério nos importa, 

antes de mais nada e sobretudo, zelar por nossa própria vida espiritual. 

Vejamos alguns aspectos dessa vida espiritual. 

a) Em que consiste? Ao lado da vida corporal, comum a todos, há a vida 

espiritual, que só os renascidos pelo Espírito, os que estão na fé na graça de 

Cristo, possuem. "E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as 

coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas" (2 Coríntios 5.17). 

Alguns confundem atividade espiritual com vida espiritual. Atividade 

espiritual ou intelectual pode ser atividades religiosas, como ocupar cargos 

nas diretorias das congregações, ou atividades piedosas como o jejuar, ser 

monge. Por melliores e dignas que sejam essas atividades, são simples obras 

humanas, pelas quais não conseguimos vida. Mesmo que alguém procure, 

com toda a força de sua alma, cumprir os Dez Mandamentos e levar uma 

vida piedosa, tentando conquistar a graça de Deus, ele permanece no caminho 

da morte e não da vida. O apóstolo Paulo afirma: "Todos quantos, pois, são 

das obras da lei estão debaixo de maldição; porque está escrito: 'Maldito 

todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no Livro da lei, 

para praticá-las' " (Gálatas 3.10). 

Só Deus pode dar vida e ressuscitar alguém da morte espiritual, na 

qual nascemos (Ef 2.1,5). E Deus quer fazê-lo por sua palavra e o sacramento 

do santo Batismo. Por esses meios, o Espírito Santo conduz a pessoa ao 

arrependimento e a fé. Assim, a vida espiritual consiste na fé em Cristo, na 

confiança no perdão que Cristo nos conquistou por sua obediência a lei de 

Deus, seu sofrimento e sua morte como substituto da humanidade. Quem 

confia no evangelho, tem o que evangelho lhe oferece, dá e sela, a saber, 

' Muguzin fur ev. luih. Horniletik. Concordia Publishing Housc, 1903, Juli


perdão dos pecados, vida e eterna salvação. Esta pessoa sabe que sua vida 

está nas mãos de seu querido Pai celestial. De sua mão recebe os dias, bons 

e maus, com louvor e resignação. Lutero ainda adverte: Esta vida não é um 

mar de rosas. Há luta diária. Importa "afogar diariamente o velho homem, 

fazendo ressurgir o novo homem, que vive diante de Deus em perfeita justiça 

e santidade". Espero que todos nós tenhamos esta vida e possamos proclamá- 

la a muitos. 

6) Como surge esta vida espiritual? Ninguém possui esta vida por natu- 

reza. Nascemos espiritualmente cegos, mortos e inimigos de Deus. Preci- 

samos renascer. A maioria julga que esta vida é conquistada por esforços 

próprios, quando a pessoa procura combater as inclinações pecaminosas 

em seu coração e evita pecados grosseiros. Julga que com um pouco de 

esforço e boa vontade conseguirá levar uma vida moral digna e honrada. 

Mesmo muitos cristãos pensam assim. Gabam-se dizendo: "Eu era alcoóla- 

tra ..., agora não sou mais." Esta falsa noção da conversão precisa ser 

combatida, também em nós cristãos e pastores. Temos pessoas, quer pas- 

tores ou leigos, que caíram em grandes pecados e vícios e quando admoes- 

tados prometem: Pode deixar, vou mudar de vida. Deixam o pecado ou o 

vício e pensam: Agora está tudo bem. Sou novamente filho de Deus. Se o 

pastor permite que sigam nesta ilusão, vão para o inferno. A conversão, o 

renascimento, é algo bem diferente. Não é simplesmente deixar algo e mudar 

um pouco de vida. 

A conversão de uma pessoa é algo que a pessoa sofre (was ihm 

widerfahrt) e não é algo que ela faz. O primeiro passo na conversão não é 

a decisão de deixar os pecados e mudar de vida (batistas e pentecostais), 

mas o pavor diante da justiça e da ira de Deus que pesa sobre a pessoa, o 

total desespero, o saber-se condenado sem salvação, este reconhecimento 

íntimo de que temos culpa e somos merecedores da eterna condenação. 

Por isso o primeiro passo é o desespero, que leva a exclamação, sob 

"terroribus conscientiae": Estou perdido! Se Deus tratar comigo conforme 

sua lei, estou condenado. Mas isso ainda não é a conversão, mas simplesmente 

o reconhecimento de nossa situação de perdidos e condenados. A conversão 

acontece somente quando a pregação do evangelho nos mostra o amor de 

Deus em Cristo, sua misericórdia, e leva-nos a confiarmos nesta imerecida 

misericórdia que há em Cristo. Portanto, no momento em que, pelo ouvir do 

evangelho, o Espírito Santo opera a confiança no evangelho, renascemos, 

começa a vida espiritual. Desta vida brota o verdadeiro e real propósito de 

mudar de vida, os frutos da fé. 

Não esqueçamos isso jamais em relação a nós mesmos, nem em 

relação a nossos ouvintes. Se caímos em pecado, o primeiro passo não é


simplesmente a resolução de mudar de vida, mas humilliar-se diante da 

poderosa mão de Deus, suplicar sua graça e confiar na mesma. E quando 

lidamos com gentios, não queremos nos contentar com a exclamação: 

Mudarei de vida! Mas queremos levá-los a confissão, como a encontramos 

em nossa liturgia: "Sou um miserável pecador e tenho merecido o castigo de 

Deus aqui e na eternidade." Hoje, parece que nem os pastores compreendem 

mais essas palavras, por isso mudam a liturgia e evitam tal confissão. Fazem 

liturgias contemporâneas, com palavras de otimismo, etc. Alguns afirmam: 

Não precisamos voltar sempre ao começo do alfabeto e mostram, com isso, 

que ainda não entenderam a conversão, nem em que consiste a verdadeira 

vida espiritual. Ela surge pela correta pregação de lei e evangelho. Rm 1 e 

At 17. 

c) Como cultivar esta vida? Não faltam queixas na cristandade sobre a 

fraqueza de fé e da vida espiritual. Parece que falta força para lutar contra 

o pecado e carregar a cruz, há medo da morte e da vinda de Cristo para 

juízo. Muitos se perguntam: Será que ainda tenho vida espiritual, pois tenho 

tantos maus pensamentos e más inclinações? Fracasso tanto, não sinto o 

poder do Espírito Santo. 

Qual a causa dessas queixas? Precisamos distinguir entre dois tipos 

de fraquezas. a) Por vezes Deus permite que também desfaleça o coração 

daqueles cristãos que fazem uso constante da palavra de Deus. Eles entram 

em dúvidas e pensam. Ai de mim, Deus me rejeitou! Isto são tentações que 

eles sofrem para o seu bem. É a forma pela qual Deus os educa e os mantém 

humildes, guardando-os do orgulho, pois quando tudo corre bem, podem 

julgar ser mérito deles. Por isso Deus permite que sejam tentados para que 

aprendam que o crer não está em suas mãos, é dom de Deus. Assim Deus 

os empurra para a oração e o apego a palavra de Deus; b) O outro caso é o 

da derrota espiritual. Há pessoas que não cultivam sua vida espiritual, não 

usam os meios que Deus deu para manter e fortalecer a vida espiritual. Elas 

têm muitas vezes a correta compreensão da fé, mesmo assim não chegam 

a uma confiança firme. Sua fé é quase sempre como um pavio que fumega 

e periga apagar. Quando perguntados sobre a certeza da salvação, lembrados 

da morte ou da vinda de Cristo, ficam apavorados e dizem: Não me fale 

nisso! Apesar do conhecimento sobre a fé, não se apegam a palavra de 

Deus, não vivem na palavra de Deus como deveriam. Até mantêm o hábito 

de ainda virem uma e outra vez aos cultos, fazerem uma devoção no lar, 

mas só pro forma; a palavra de Deus não os governa. A vida espiritual não 

pode se desenvolver neles. 

Não podemos ver a Deus, nem tratamos com ele face a face. Só o 

temos na Escritura e só vivemos espiritualmente na medida em que a palavra

Igreja Lulerana - no 1 - 2004 

de Dcus vive em nós, quando a lemos, meditamos, cantamos e a 

movimentamos no coração (C1 3.16). Vivemos nós, pastores, assim na 

palavra? 

d) Destruindo u vida espiritual: É possível destruir a vida espiritual? A 

doutrina calvinista afirma que uma vez na fé, sempre na fé. Isso C anti- 

bíblico. Assim como uma pcssoa, mesmo que não o deva fazer, tem a triste 

capacidade de prejudicar sua vida corporal c/ou suicidar-se, o cristão tem a 

triste capacidade de destruir sua vida espiritual. Se um assassinato já é 

coisa tcrrívcl, mais tcrrívcl c o assassinato da vida espiritual. Daí a advcr- 

tência de Jesus: "Qualquer, porém, que fizer tropeçar a um destes pcqucninos 

que crêem em mim, mellior lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma 

grande pedra de moinho, e fosse afogado na profundcza do mar" (Mateus 

18.6). O apóstolo afirma: "Se algucm destruir o santuário de Deus, Dcus o 

destruirá; porque o santuhrio de Deus, que sois vós, C sagrado" (I Coríntios 

3.17). O apóstolo, mostrando a seriedade dessa luta, afirma: "E os que são 

de Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões c concupiscên- 

cias" (Gálatas 5.24). Quando algucm se converte, liá alegria no céu; quan- 

do alguém cai da fé, há tristeza na família de Deus. 

Quais são os perigos que levam a morte espiritual'? A destruição da 

vida espiritual não procede de Dcus (Jo 3.16; 1 Tm 2.4), mas unicamente de 

nossa própria carne: 1) quando o pecado, que habita em nós, ganha novamente 

a supremacia c a pcssoa volta a amar o pecado, então o Espírito Santo é 

expulso do coração (Mt 12.45; 1 Ts 5.19; Ef 4.30); 2) quando rejeitamos a 

graça de Cristo, procurando a justiça pelas obras. Jesus chama os fariseus 

de scpulcros caiados, por fora belos, porcin por dentro mortos (Mt 23.27); 

3) quando alguCin rejeita os meios da graça, se afasta dos cultos, da palavra 

e dos sacramentos, a cliama da fC vai apagando, até morrer; 4) quando 

permitimos que pecados crassos voltem a nos dominar, tais como 

preocupações materiais, ira, ódio, vícios, adultério, fraude, etc. Cumpre a 

cada um vigiar, lutar c orar (Mc 14.38; 2 Tin 2.5; 1 Ts 5.17). 

e) A relaçfio entre u vida espiritz/al e o dia-a-diu: A nova vida espiritual 

C a confiança de que, por amor a Cristo, temos em Dcus um Pai gracioso 

que nos ama c dirige. Para ele queremos vivcr, em todos os minutos de 

nossa vida, como seus filhos queridos (Ef 5.1,2). É crassa má interpretação 

das Escrituras dizer que, se alguém quer vivcr para Dcus, precisa rctirar- 

se do mundo. Não! Quando alguém se toma cristão, ele permanece na sua 

profissão tcrrcna, desde que esta seja uma profissão digna c honesta. Quando 

"os soldados perguntaram a João Batista: E nós, o que faremos'? Ele llics 

disse: A ninguém maltratcis, não dcis denuncia falsa, e contcntai-vos com o 

vosso soldo" (Lc 3.14). Isso significa que Deus os deixou em sua profissão


de soldados. A vida espiritual é vivida no dia-a-dia na família, na profissão, 

na sociedade, e faz do dia-a-dia um culto a Deus em serviço do próximo. 

Lutero o expressou muito bem na Tábua dos Deveres (Cf.: Catecismo 

Menor). 

fl A jalsa doutrina e a vida espiritual: Falamos do perigo de alguém 

destruir a vida espiritual quando o pecado volta a dominar a pessoa e o 

Espírito Santo é expulso do coração. Precisamos deter-nos ainda um pouco 

para falar sobre o perigo da doutrina falsa para a vida espiritual. A vida 

espiritual é gerada e conservada pelo evangelho. Se o evangelho for fal- 

sificado, deturpado, isso pode destruir a vida espiritual. Por exemplo, a 

doutrina católica da graça infusa fala no amor, na morte vicária e graça 

de Cristo, mas diz que Deus derrama sua graça em nosso coração para 

criar a vida espiritual. Então cabe a nós trabalhar com esta graça para 

produzir boas obras, pelas quais somos justificados diante de deu^.^ Tal 

doutrina destrói o evangelho e rouba a certeza da salvação, enche a alma 

de medo e de pavor. Ou, então, a doutrina calvinista, que fala muito na 

graça de Cristo e no ser salvo pela fé, contudo afirma que a pessoa pre- 

cisa dar o primeiro passo, precisa decidir-se por Cristo. E a pessoa nunca 

saberá se deu esse primeiro passo corretamente, se sua tristeza e renún- 

cia ao pecado foi o suficiente ou não9. Ambas as doutrinas são falsifica- 

ções do evangelho e roubam a certeza da salvação, enchem a alma de 

incerteza e medo ou de falsa segurança. Por essas doutrinas e todas as 

demais, oriundas dessa falsificação do evangelho, que destroem a plena 

confiança na graça de Cristo, a pessoa é levada a confiar em si, em suas 

obras. Isso mata a vida espiritual. O amor a palavra de Deus nos leva a 

combater energicamente essas doutrinas errôneas. Nisso não podemos 

ceder um milímetro sequer. 

Isso parece impiedade e falta de amor em nossos dias de ecumenismo, 

nos quais não se vê mais a doutrina falsa como um perigo, pois se fala em 

unidade na diversidade. Cumpre zelar pela pureza do evangelho, a doutrina 

da justificação do pecador, pois ela é a doutrina pela qual a igreja permanece 

ou cai. 

g) A importância do evangelho puro para a vida espiritual: O evange- 

lho puro é a fonte da vida espiritual, é o meio pelo qual o Espírito Santo 

gera, conserva e fortalece a vida espiritual. Mas por ser ponto fundamental 

na fé cristã e por se falar muito na graça de Cristo, o evangelho é por vezes 

Cu/eci.smo da Igreja Caidlica. Pctrópolis (RJ): Vozcs, 1992. 

' Walthcr, C.F.W. G'e.re/z/ u. Evangelium. St. Louis, Missouri, 1946, p.125ss


descuidado e colocado num plano secundário. Isso nos leva a chamar aten- 

ção especial para esse ponto. 

A única fonte para a vida espiritual é o santo e puro evangelho. 

Alguém pode ter muitos dons, ir bem na vida, ser muito religioso e ativo 

numa congregação cristã, todavia, se em seu coração não imperar o 

evangelho, apreendido pela fé, então não há vida espiritual nessa pessoa. 

Ou se você, como pastor, consegue organizar sua congregação ao 

máximo, consegue a colaboração e o envolvimento de todos, todos os 

departamentos funcionam, há forte ação social e envolvimento na 

sociedade, mas o evangelho não é levado aos corações de forma tal que 

só ele governe, então temos pessoas organizadas, mas não órgãos vivos. 

A organização, sem dúvida, é muito útil; menos para criar a vida espiritual. 

A cultura cria pessoas cultas; o saber, pessoas sábias; a disciplina, 

pessoas disciplinadas; a lei, pessoas ordeiras ou revoltadas; mas tudo 

isso não gera vida espiritual. Só o evangelho, a boa notícia da salvação 

em Cristo, gera a vida espiritual. 

Por que isso é assim? Porque a única coisa que nos separa de Deus 

é o pecado (1s 59.2). O homem pode subir as alturas e descer as profundezas 

da terra, enclausurar-se, prostrar-se diante dos maiores santos, sacrificar- 

se até a morte, e não conseguirá pagar sua dívida para com Deus e remover 

o pecado que o separa de Deus (G1 3.10). Cristo é o único mediador entre 

Deus e os homens. Ele reconciliou a humanidade com Deus, nos confiou o 

evangelho, a palavra da reconciliação, e quem crer tem o que o evangelho 

lhe oferece, dá e sela. Só o evangelho gera filhos de Deus. Por isso em 

nossos estudos, devoções e sermões, o evangelho deve predominar. Assim 

como não podemos viver sem o ar, os filhos de Deus não podem viver sem 

o evangelho. Quantos, infelizmente, se dizem cristãos, brilham por muitas 

atividades e obras, mas não confiam plenamente na graça de Cristo. São 

sepulcros caiados. Lutero declara: O maior castigo e ira que Deus pode 

derramar sobre uma pessoa ou nação é quando permite que falsos mestres 

pervertam o santo evangelho, inundando a igreja ou nação com falsa doutrina. 

Deus deixa vir esta praga, na maioria das vezes, quando não se valoriza 

mais o santo evangelho, pelo qual fomos regenerados e recebemos vida 

nova. Estamos correndo sérios riscos nesse sentido. Quem ainda valoriza o 

santo evangelho exposto de forma tão clara em nossas Confissões? 

Aproveitemos o tempo da graça. 

1.5 - Ciladas que podem levar pastores a deixarem seu ministério 

ou serem forçados a tanto: Por que tantos pastores deixam o santo mi- 

nistério ou são forçados a deixá-lo? Como é possível que uma pessoa que 

jurou: "Eu quero ser fiel a meu Senhor Jesus e servi-lo", deixa de vigiar


sobre seu relacionamento com o Salvador, volta a amar o mundo e cai da 

fé? Com espanto muitos leigos ouvem notícias como: Pastor X trocou o 

santo ministério por uma profissão mais rentável, foi afastado do ministério 

por causa de fraude, vícios, adultério, etc. Qual o problema? Nos anos 1983 

e 84, os dois Seminários da LCMS debateram o assunto amplamente com 

estudantes e pastores. Foi constatado que os Seminários deveriam estabe- 

lecer critérios mais rigorosos tanto para a entrada como para a aprovação 

dos candidatos ao santo ministério. Mas o maior problema foi localizado no 

campo em três áreas: a) descuido da vida devocional dos pastores; b) falta 

de disciplina na vida pessoal no campo da santificação e profissional; c) 

descuido com ciladas de Satanás. 

Temos o tesouro do evangelho em vasos de barro (2 Co 4.7). Importa 

vigiar e orar (Mc 14.38), crucificar nossa natureza carnal (G15.24), revestir- 

nos do novo homem (Ef 4.24) e suplicar: Cria em mim, ó Deus, um coração 

puro (SI 5 1.10). Falhar no vigiar sobre nossa vida devocional, desleixar da 

disciplina pessoal e de reconhecer as ciladas de Satanás pode resultar em 

queda e perda do santo mistério. Vamos analisar um pouco estes itens. 

a) Mda devocional- Desleixo na devoção pessoal, familiar e no estudo con- 

tinuado da teologia são ciladas que Satanás coloca. Quando nós, pastores, não 

temos mais tempo para a oração e o estudo da Bíblia, e só a manejamos no 

preparo de devoções, estudos e pregações; quando passamos a orar somente 

nas reuniões e cultos oficiais; em outras palavras, quando manejamos a Bíblia e 

oramos só profissionalmente, estamos dando o primeiro passo para a derrota 

no ministério. O momento de estudo da palavra de Deus acompanhado da 

meditação em oração, da pesquisa em nossas Confissões, livros dogmáticos, 

exegéticos, de nossos pais e atuais, faz parte da principal sustentação do minis- 

tério. Igual importância tem a vida devocional com nossa família. Não penso 

aqui em simples leitura do Castelo Forte, como dever cumprido, mas o alimen- 

tar a família com alimento mais sólido, leitura sistemática da Bíblia, dos Catecis- 

mos, Menor e Maior, da História Bíblica do prof. 0. A. Goerl, etc. Descuidar a 

vida devocional pessoal e familiar é enfraquecer os muros e dar chance a 

Satanás. 

6) Disciplina e vida santificada - Da santificação e das qualificações do 

ministro já falamos nos capítulos anteriores. Aqui queremos abordar algu- 

mas particularidades. 

Disciplina: Há queixas nas congregações sobre pastores que não têm 

disciplina própria. Não cumprem horários, desleixo pessoal na aparência, 

falta de moderação, etc. Normalmente, o gabinete do pastor está na casa 

pastoral e o pastor não está sujeito ao cumprimento de horários. Isso requer


do pastor boa disciplina, o que nem sempre acontece. Muitos se desculpam, 

dizendo: "Eu trabalho da meia-noite até a alta madrugada". Nada contra os 

corujões, mas será isso boa mordomia do corpo? Onde não há disciplina, ali 

Satanás consegue facilmente vitórias nos seguintes itens: orgulho, avareza, 

bebida, desânimo. 

Orgulho: O orgulho precede a queda. "Aos loucos a sua impressão 

de bematar os leva a perdição" (Pv 1.32). O pastor é homem público e 

quer que as coisas andem bem. Quer frutos no trabalho. Quando começa a 

prosperar e o povo a elogiar, a vaidade pode despertar facilmente. Dai a 

advertência: "Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia" (1 Co 

10.12; Tt 1.7). 

Avareza: O pastor precisa lidar cuidadosamente com o dinheiro e 

vigiar para que este não lhe seja um laço de tropeço, tanto pelos demasiados 

cuidados pela vida, amor ao dinheiro, como pelo descuido na administração 

do mesmo. O pastor é digno do seu salário (1 Co 9.10). Na maioria das 

vezes o salário mal dá para as necessidades essenciais. Nunca foi muito 

diferente. Também aqui valem as palavras de Jesus: "Não andeis ansiosos 

pela vossa vida ... buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, 

e todas estas coisas vos serão acrescentadas" (Mt 6.25-34). Isto é real. 

Pastores que se queixam constantemente de seus salários, pedindo aumentos 

ou reajustes, a congregação repudia. Cabe-nos instruir os congregados, e, 

quanto a nossas necessidades, bater bastante, em oração, na porta de nosso 

querido Pai celestial. Satanás procurará assediar-nos com tentações, dizendo: 

Em outras profissões você poderia ganhar mais. Cabe-nos afugentar tais 

tentações. Viver de forma disciplinada e modestamente (S162.10). O apóstolo 

Paulo afirma: "Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver 

contente em toda e qualquer situação" (Fp 4.1 1). Disciplina e ordem no 

manejo do dinheiro alheio são indispensáveis. Por mais que incentivcmos os 

leigos a cuidarem da parte financeira da congregação, e por mais que ajudem, 

o pastor não está livre de aqui e ali precisar manejar o dinheiro. Então cuidado! 

Anote tudo cuidadosamente. Feche o dia colocando os papéis em ordem. 

Muitos bons pastores, por não serem cuidadosos com o dinheiro alheio ou 

por relaxamento, desgraçaram seu ministério. 

Mundanismo: A vida pastoral requer disciplina em todos os sentidos. 

Precisamos vigiar nossos pensamentos e nossos olhos. Jó afirmou: "Fiz 

aliança com meus olhos; como, pois, os fixaria eu numa donzela?" (Jó 3 1.1). 

O apóstolo Paulo adverte: "E não vos conformeis com este século, mas 

transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis 

qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Porque, pcla graça 

que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo


além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé 

que Deus repartiu a cada um" (Romanos 12.2-3). Um antigo provérbio 

afirma: "Diga-me com quem andas e dir-te-ei quem és." Hoje perguntaríamos: 

Diga-me o que lês, ouves, vês nas revistas, na internet, nos vídeos e dir-te- 

ei quem és. Alguns se desculpam dizendo: Eu leio isto ou aquilo para estar a 

par e saber o que vai pelo mundo. Nessa cilada muitos pastores já caíram e 

arruinaram suas vidas. O apóstolo João adverte: "Não ameis o mundo nem 

as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não 

está nele" (1 João 2.15). Fomos chamados a santidade (1 Ts 4.7). Isto deve 

expressar-se também na indumentária. 

Álcool: "É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensivel, ... não 

dado ao vinho" (1 Timóteo 3.2-3). Note a ênfase: "não dado", isto é, que 

não ame o vinho, não se entregue ao vinho, não tome demais, etc. O "dado 

ao vinho" o desqualifica para o ministério. Em nenhum lugar na Escritura o 

uso da bebida forte (bebida alcoólica), de forma moderada, é proibido, mas 

o rei Salomão adverte: "O vinho é escarnecedor, e a bebida forte, 

alvoroçadora; todo aquele que por eles é vencido não é sábio" (Provérbios 

20.1). Cuidado! Não tente afogar seus problemas no álcool, o álcool o 

afogará. Nem convide o álcool para relaxar no fim do dia, ele pode relaxar- 

te completamente. Se um congregado cai, ele é advertido e, ao se arrepender, 

é amparado pela congregação. Se um pastor cai, ele também é advertido, e 

quando se arrepender, mesmo sendo aceito como irmão na fé, provavelmente 

será despedido da congregação, pois perdeu o poder para admoestar. Por 

isso, quando você começa a aperitivar todas as refeições e tomar bebida 

alcoólica regularmente antes de dormir, isso é sinal vermelho. Fuja! E lembre: 

"Nenhum bêbado herdará o reino dos céus" (G15.2 1). O mundo qualifica o 

alcoolismo como doença, a Bíblia como pecado mortal. Hoje há mais 

prevenção e rigor no mundo do que nas igrejas (bafômetro nas estradas, 

exames de sangue para verificar o grau de álcool para admissão em certas 

empresas, etc.). 

c) Ciladas no ojkio - No ofício pastoral há ciladas cspecífícas que Sata- 

nás procura colocar. Precisamos conhecê-las e estar atentos. Eis algumas: 

Desânimo (orgulho, autoconfiança): Um dos problemas no ministério 

é o desânimo. Vemos isto também em muitos profetas. Elias: "Ele mesmo, 

porém, se foi ao deserto, caminho de um dia, e veio, e se assentou debaixo 

de um zimbro; e pediu para si a morte e disse: Basta .... Tenho sido em 

extremo zeloso pelo SENHOR, Deus dos Exércitos, porque os filhos de 

Israel deixaram a tua aliança, derribaram os teus altares e mataram os teus 

profetas a espada; e eu fiquei só, e procuram tirar-me a vida" (1 Reis 19.4,14). 

Quem não conhece esses momentos de desânimo? Quanto trabalho tinha a


esposa de Lutero para animá-lo. Não é fácil tirar um pastor da fossa. Mas, 

cuidado, o caminho não é o divã do psicólogo, mas o confessionário, como 

Lutero fazia indo a Bugenhagen, seu confessor, e colocava tudo diante de 

Deus e em suas mãos. Psicólogos lidam com teorias humanistas. Nós 

precisamos da consolação da palavra de Deus (S1 20; 44;55;). Dizemos 

com o salmista: "O Senhor é a minha luz e a minha salvação; de quem terei 

medo? O Senhor é a fortaleza da minha vida; a quem temerei? ... Espera 

pelo Senhor, tem bom ânimo, e fortifique-se o teu coração; espera, pois, pelo 

Senhor" (S127.1,14). 

Murmurações: Você não pode evitar críticas e murmurações em sua 

congregação. Sempre as haverá. Muitas vezes já no próprio dia da instalação 

há murmurações contra o novo pastor e saudades do anterior. Quantas 

críticas e murmurações sofreram os profetas e Jesus. Com respeito a Moisés 

e Arão lemos: "Toda a congregação dos filhos de Israel murmurou contra 

Moisés e Arão no deserto" (Êxodo 16.2). Ministros, assim como todos os 

homens públicos, precisam aprender a suportá-las. Não encare isso como 

ofensa pessoal, não se deixe amargurar contra pessoas. Queremos amar a 

todas as pessoas, também aquelas que murmuram e criticam constantemente 

e mostrar-lhes cordialidade. 

Aconselhamento Pastoral: Aqui quero abordar um assunto muito 

controvertido. O aconselhamento pastoral tem levado muitos pastores a ruína. 

Como? Num passeio, um pastor aposentado acompanhado de um pastor 

jovem passa por uma igreja, em cuja vitrine estava o seguinte anúncio: 

Aconselhamento Pastoral, terças-feiras, as 10h e sextas-feiras, as 17h. O 

pastor aposentado comentou: Esse pastor terá em breve muitos problemas. 

O pastor mais jovem soube após um ano que aquele pastor se divorciara. 

Deus nos chamou para pregar o evangelho e não para aconselhamento. 

Simplesmente não há necessidade de muito aconselhamento. O pastor que 

proclama a palavra de Deus guiará, mesmo no aconselhamento, as pessoas 

para dentro da palavra e isso basta. Pois no aconselhamento jamais 

saberemos se a pessoa está falando a verdade ou não, se diz tudo e o que 

está em seu interior. Psicólogos humanistas procuram vasculhar, por meio 

de perguntas, o interior da mente das pessoas em busca de causa. Nós 

conhecemos a causa, o pecado original. O que as pessoas precisam é ouvir 

a palavra de Deus, lei e evangelho, e o Espírito Santo nelas agirá pela palavra. 

Ele conhece os pensamentos das pessoas. O que as pessoas com problemas 

precisam ouvir é a palavra de Deus. Por isso nada melhor do que convidá- 

Ias, em primeiro lugar, a frequentarem regularmente os cultos. Ali terão o 

alimento necessário, pois as perícopes são organizadas de tal forma que 

abordam as principais doutrinas e assuntos da vida cristã ao longo de um


ano. E cm alguns casos, nos quais pcssoas procuram o pastor, tenhamos 

alguns cuidados, cspccialmcntc no aconsclliamcnto a mulheres. Evite lugares 

isolados, mantenha portas abcrtas, ou quc vcnha acompanhada dc scu csposo. 

Muitas vezes é melhor que a esposa do pastor as aconselhe, pois algumas 

importunam o pastor e vêm scguidamcntc. Qucrcm chorar no ombro do 

pastor. Isso pode tornar-se um laço para os dois, o pastor c a pcssoa 

aconsclliada. Há também mullicrcs (jovcns, viúvas, ctc.) mal-intencionadas 

que visam a tentar o pastor. Tentaçõcs, ncsta árca, não faltam. Especialmente 

sc a pcssoa ocupa cargos na igre-ja, é cercada por mulheres e elogiada. 

Algumas querem dar abraços especiais no pastor. Cuidado. Certa feita, 

após um culto, uma mulhcr vcio c dcu um abraço muito fortc no pastor. 

Dcpois foi para a csposa dcle c dissc: Seu marido é o máximo. Gosto dc 

ouvi-lo c não pcrco oportunidadc. Estou apaixonada por clc. Ela o dissc 

talvez, naquela ocasião, num bom sentido, como apreciadora da palavra de 

Dcus. Mas dcspcrtou o ciúmc na esposa do pastor. O quc Icvou o pastor a 

mantcr prudcntcincntc mais distância. O pastor prccisa cuidar. As ciladas 

são muitas. 

Huinildadc c orgulho: Quando Moisés foi chamado por Deus para 

libertar o povo dc Isracl da cscravidão do Egito, clc rcspondcu a Dcus: 

"Quem sou cu para ir a Faraó c tirar do Egito os filhos dc Isracl?" (Êxodo 

3.11). Custou até que Deus o levasse a aceitar a incumbência. Muitos profctas 

relutaram da mesma forma. Ainda ho-jc assumimos o ministério com tcmor 

c tremor. Dcus prometeu a Moisés: "Eu serei contigo" (Êx 3.12). Assim 

também prometeu a profctas c apóstolos (Mt 28.20). Isso valc para nós 

hojc. Assumir o ministério é difcrcntc do assumir qualquer outro trabalho. 

No mundo nos preparamos, cstudamos, trcinamos e dizemos: Eu sei fazer 

isto. Eu o farci. Trci mc csforçar para conscguir. No ministério é diferente. 

O podcr não cstá cm nós, contudo na palavra de Deus. Os verdadeiros 

rcsultados do trabalho são invisívcis c não mcnsuráveis, como tais, pois é fé 

no coração. "O Senhor conhece os que lhe pertencem" (2 Tm 2.19). Nós só 

podcmos obscrvar a difusão do evangellio. Isso nos mantém liumildcs c nos 

Icva ao apcgo à palavra dc Deus em fervorosa oração, pois "a nossa 

suficiência vcm de Deus" (2 Co 3.5). Mesmo assim, cumprc-nos vigiar, pois 

rcsvalar para o orgulho é fácil. O orgulho preccdc à qucda. "Os néscios são 

mortos por seu desvio, e aos loucos a sua impressão dc bcm-cstar os Icva à 

perdição" (Provérbios 1.32). O pastor é Iiomcm público c qucr quc as coisas 

andcm e prosperem. Ele quer ver os frutos. Plancja, organiza, cntusiasina. 

Quando o trabalho começa a floresccr c as pcssoas comcçam a clogiar o 

pastor, com facilidade pode a vaidade despertar c a pcssoa rcsvalar para o 

orgulho. Deus advertiu o povo dc Isracl: "Havcndo-tc, pois, o Scnhor, teu 

Dcus, introduzido na tcrra quc, sob juramcnto, promcteu a teus pais, ...g uarda-


te, para que não esqueças o SENHOR, que te tirou da terra do Egito, da 

casa da servidão" (Deuteronômio 6.10,12). E o apóstolo Paulo adverte: 

"Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia" (1 Coríntios 10.12). 

Não somos imunes à vaidade. Muitos já perderam o ministério por isso e 

caíram sob a maldição de Deus. Deus adverte: "Isto, portanto, digo e no 

Senhor testifico que não mais andeis como também andam os gentios, na 

vaidade dos seus próprios pensamentos, ... e vos revistais do novo homem, 

criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade" (Efésios 

4.17,24). Sto. Agostinho afirmou: "Se alguém me perguntar: O que é o mais 

importante na religião? Resposta: Primeiro, segundo, e em terceiro lugar, 

humildade". 

Diante disto levanta-se a seguinte pergunta: Pode um pastor ser salvo'? 

O pastor John Drickamer responde: Não! Não por sua própria força e seus 

méritos. Sua posição o induz a mais e maiores pecados do que outras 

profissões, tais como pecados de omissão e de comissão. Ele é, realmente, 

um dos maiores pecadores em sua comunidade. Sua única esperança, como 

a de qualquer outro cristão, é a graça de Cristo, a qual precisa apegar-se c 

com a qual precisa consolar-se diariamente. 

1.6 - Vários pastores numa congregação: O trabalho de vários pasto- 

rcs numa congregação os coloca diante de uma série de problemas. O 

assunto merece um estudo próprio. Quero aqui chamar atenção somente 

para alguns pontos que causam problemas e apontar algumas soluções. 

a) Doutrina: Para um trabalho em conjunto, é fundamental a unidade na 

doutrina. Aprincipal causa de problemas é, sem dúvida alguma, a diversida- 

de na doutrina. Alguém dirá: Mas não teinos todos a mesma doutrina'?Todos 

não juramos fidelidade às Confissões? Sim! Quem, entretanto, realmente 

continua lendo e estudando as Confissões'? Quem realmente continua estu- 

dando a dogmática e se preocupando com a correta exegese dos textos? 

Quem tem o cuidado de permanecer "in rebus et frasibus" (na coisa e na 

maneira de falar) na doutrina confessional? As diferenças doutrinárias apa- 

recem especialmente na liturgia e hinologia, no evangelismo e na mordo- 

mia, no planejamento, no aconselhamento, etc. Alguns dizem: Eu sou fiel na 

doutrina! Quando, todavia, olhamos para sua prática, vemos que são 

calvinistas. Precisamos de muita paciência no trato desses assuntos e ao 

mesmo tempo firmeza na doutrina. Certos erros e desvios podem ser pro- 

vocados por fraqueza, principalmente dos mais jovens, mas podem ser tam- 

bém obstinação e vaidade. Manter o diálogo aberto e ao mesmo tempo não 

ser condescendente com o erro não é fácil. Requer humildade, firmeza e 

oração.


b) Egoísmo pvofissional: Queremos exercer nosso ministério com convicção, 

entusiasmo e zelo, mas sobretudo com amor e moderação. Nisso somos, 

muitas vezes, tentados de forma sorrateira, até com aparência de direito, ao 

egoísmo profissional, que tem por base nosso orgulho. Quando achamos: Eu 

sei fazer as coisas. Eu vou dar um jeito. O que eu faço dá certo, esquecemos 

que não são nossos dons nem nossos esforços que fazem as coisas, mas em 

Deus conceder sua graça. Este egoísn~o profissional pode se externar por 

ciúmes. Por exemplo: Somos aco~iselhados na Pastoral a não firmarmos 

amizades íntimas com os congregados. Isso não significa sermos frios, no 

entanto ~nantermos certa distância. Quando vemos que o colega novo capta 

a simpatia e amizade de uma família que conquistamos, que instniíinos e 

trouxemos a igreja, e essa família passa a se apegar ao novo pastor, é fácil 

nosso ciúme subir e esconder-se atrás de um falso zelo pastoral. É preciso 

cuidado. 

c) Incomputibilidades: Pastores têm personalidade, hábitos e métodos de 

trabalho diferentes. Um é mais devagar, o outro iinpulsivo. Um pensa mui- 

to, o outro age sem pensar. Um trabalha cedo, o outro só após a meia-noite; 

etc. É necessária aceitação mútua, humildade, boa vontade e a busca do 

diálogo. 

d) Divisão de trabalho: Em nossa igreja irmã, a LCMS, há o costume de 

a congregação, com mais de um pastor, nomear um pastor deles como 

pastor principal, que dita a linha de ação, que é o responsável principal, que 

tem a última palavra. Nós não temos esse costume. Como dividir, então, o 

trabalho, as tarefas e responsabilidades entre os pastores numa congrega- 

ção ou paróquia? Eis algumas sugestões: Dividir as responsabilidades por 

área de serviços: departamentos, setores de atividades, etc. Nessa divisão 

é importante que cada pastor participe de uma ou de mais vezes nas ativi- 

dades do outro, para manter contato com as pessoas e não criar setores 

isolados na congregação. Especialmente nas áreas de entrada na congre- 

gação, como instrução de confirmandos e de adultos é bom que o trabalho 

seja dividido ao meio, para que cada pastor tenha contato com os novos 

membros que entram e eles, por sua vez, conheçam os pastores. É preciso 

dialogar, ter em mente não nossos interesses, mas o bem-estar da congre- 

gação. O trabalho requer muita oração. 

e) Separação: Mesmo com todos os cuidados, podem surgir entre pasto- 

res e suas famílias profunda antipatia. Não deveria ser assim. Infelizmente, 

nem sempre isso é inevitável. Então o caminho será a separação. Um terá 

que pedir outro chamado (por vezes os dois precisam declinar de seus cha- 

mados), a exemplo de Abraão e Ló, Paulo e Bariiabé.


2. SUPERVISIONAR 

Vimos o que é ser pastor, quais suas qualificações, sua vida espiritual 

e as ciladas que enfrenta: mas quem vai supervisionar o seu trabalho, 

estimular, repreender e aconselhar o pastor? 

O pastor, como qualquer outro cristão, tem sua natureza humana, 

carnal e precisa lutar diariamente contra suas inclinações pecaminosas de 

sua própria carne e afogar o seu "vellio liomem", para fazer ressurgir o 

"novo hornem". Ele está sujeito a tentações e quedas por fraquezas. Seu 

primeiro guia e conselheiro é o Espírito Santo, que lhe fala pela palavra de 

Deus. Em segundo lugar, sem dúvida, sua esposa, que deve arrancá-lo para 

fora de seus pensamentos carnais. Quando preciso, adverti-lo, consolá-lo, 

estimulá-lo. Os próprios congregados e componentes das diretorias, que 

hão de lembrá-lo de seus deveres, e lhe trarão as observações dos rnernbros, 

quando interpretaram mal seus estudos e suas mensagens, etc. É importante 

que sejamos bons ouvintes dos membros das diretorias, mesmo se não nos 

sejam tão simpáticos como desejaríamos. E de fonna bem especial, os colegas 

e o conselheiro distrital. Sobre esse último item queremos entrar em alguns 

detalhes. 

2.1 - O Bispo: Bispo quer dizer supervisor. Não 1iá no Novo Testamento 

uma passagem expressa sobre a instituição dos bispos ou sobre a instituição 

de urna ordem superior. Mas há exemplos tanto na vida de Jesus como 

na vida dos apóstolos e das primeiras igrejas cristã sobre a importância e o 

trabalho de supervisionar. A igreja de Jerusalém sentiu-se responsável pelo 

desenvolvimento da ~nissão e enviou Pedro e João para supervisionarem o 

trabalho missionário em Samaria (At 8.14-25). Ela também enviou Barnabé 

para Antioquia da Síria para supervisionar ali o trabalho (At 11.22-30). O 

apóstolo Paulo sentiu-se responsável pelas novas missões abertas por ele e 

enviou cartas; orientou também a Timóteo, como primeiro bispo em Éfeso, 

onde havia vários pastores na congregação. Na época da Reforma Luterana 

os reformadores sentiram a necessidade de supervisionar e orientar as congregações 

católicas que passaram para o lado da Reforma. Sendo solicitado, 

o Eleitor ordenou uma visitação e Melanchthon elaborou um manual 

chamado de Instrução dos Visitadores aos Párocos. 'O Lutero nunca aboliu 

a instituição dos bispos, só censurou os abusos dos mesmos. Ele reconheceu 

três ordens: o pároco, que instrui e supervisiona a congregação, o bispo, 

que supervisiona os párocos e o arcebispo, que supervisiona numa região 

I'' Lutcro, Martinlio. Obr-as Selecionudus. São Lcopoldo c Porto Alcgrc: Editora Sinodal c 

Concórdia Editora, 2000, v. 7, p.257ss.


vários bispos. O primeiro, o pároco, de jure divino, os bispos e arcebispos de 

jure humano. A LCMS, devido as nefastas experiências dos saxões com os 

bispos e consistórios, deu grande ênfase à supremacia dos membros votan- 

tes na congregação, sendo as resoluções dos Conselheiros Distritais e 

Regionais e da própria Convenção Regional elou Nacional somente conse- 

lhos que são aceitos em amor. A SELK, por exemplo, mantém o pastor 

(congregação), o Superintendent (Conselheiro Distrital), o Probst (Presi- 

dente Regional) e o Bispo (Presidente geral do Sínodo)." 

Isso nos leva a uma reflexão. Precisamos urgentemente aperfeiçoar 

nossa organização interna para desafogar as atribuições do Presidente 

Nacional criando, como já o tínhamos, as regiões com o Presidente Regional. 

Em segundo lugar, precisamos voltar as conferências regionais com estudos 

teológicos. Em terceiro lugar, sendo muitos de nossos conselheiros jovens, 

pois somos uma igreja jovem, precisamos criar encontros ou cursos para 

aperfeiçoar e qualificar melhor nossos conselheiros. Vejo que nos últimos 

tempos muitos Conselhos Distritais estão ocupados somente com questões 

organizacionais. 

O Dr. Nestor Beck elaborou diversos trabalhos sobre o tema: O Papel 

dos Supervisores na IELB: em 1979,1982 e 1994. Estes trabalhos merecem 

uma publicação especial para estarem a disposição dos novos Conselheiros 

na IELB. Trago aqui as conclusões finais destes trabalhos: 

"Quanto ao mais, julgamos que o presente trabalho autoriza de forma 

direta ou indireta as seguintes recomendações ao corpo de conselheiros 

distritais: 

1. Os visitadores precisam estudar, sistematicamente, as Escrituras, as 

Confissões e as obras dos pais da igreja para entenderem adequada- 

mente qual é a sua função e responsabilidade em relação as igrejas e 

ministros do Senhor. Não deveria haver reunião sem estudo teológico 

relacionado com o ministério dos supervisares; 

2. Em vista das funções que o supervisor precisa desempenhar e em vista 

da responsabilidade que tem, cabe aos órgãos competentes da IELB 

perguntar: Quais são os critérios a serem usados para a seleção e elei- 

ção dos conselheiros? Quais são as qualificações que a função exige? 

Estamos escolhendo os homens certos para a função?; 

3. Os visitadores podem e precisam discutir em conjunto a direção desta 

agremiação de igrejas de Deus que é a IELB, estratégias e caminhos 

" Kirchlichc Ordnung, dcr SELK


para orientar, exortar e encorajar tanto igrejas como ministros a cum- 

prirem fielmente sua missão e a crescerem cada vez mais na fidelidade 

e no serviço. Conforme verificamos no estudo, até homens tão chega- 

dos ao apóstolo Paulo, como Tito e Timóteo, precisaram ser exortados e 

encorajados ao cumprimento fiel do ministério; 

4. Convém que esta orientação seja dada em caráter regular e permanente, 

para que tanto as igrejas como os ministros cresçam e se tornem capazes 

de absorver não somente leite, mas também vinho e bebida forte; 

5. A medida que igrejas e ministros amadurecem no Senhor, poderão e 

deverão ser exortados a disciplinarem os pecadores manifestos e impe- 

nitentes que há nas congregações. Enquanto igrejas e pastores temem 

mais a homens do que ao Senhor, não terão condições de exortar, re- 

preender e, se necessário, expulsar de seu meio o malfeitor; 

6. A intervenção dos visitadores em conflitos nas congregações deverá 

ser muito mais preventiva que remedial. Quando o conflito já estiver 

explodido, o visitador não terá como preocupação principal abafá-lo e 

estabelecer uma paz que não é paz. Terá como preocupação, isto sim, 

deixar bem claro o "Sic dixit Dominus". Então, com a autoridade que o 

Senhor lhe conferiu não para destruir, mas para edificar a igreja, exigirá 

obediência, não a si, mas ao Senhor; 

7. Tanto o corpo de conselheiros como a administração da IELB precisam 

entender as chamadas conferências pastorais como instrumento valio- 

so para promover um ministério mais efetivo. Este será promovido pelo 

estudo específico do ministério da nova aliança em fontes do Novo 

Testamento e da Reforma e pelo planejamento da ação a ser desenvol- 

vida pelos ministros nas igrejas locais com vistas ao crescimento espiri- 

tual e numérico das mesmas; 

8. Caberá aos visitadores investigar por que, atualmente, as transferênci- 

as de pastores estão se tornando mais frequentes e por que pastores 

estagnam na rotina quando não são transferidos. Por que termina tão 

depressa o diálogo entre pastor e congregação, de modo que tenha de 

buscar outra? Por que pastores que estão servindo a mesma congrega- 

ção por muitos anos não têm a ambição de crescer e de melhorar, tanto 

eles, como as congregações, em todos os sentidos; 

9. Em vista especialmente do ponto anterior, caberá aos visitadores per- 

guntar se há ou não uma crise no ministério da IELB, e, se houver, em 

que consiste a crise. (Note: Uma crise pode ser algo de muito positivo, 

quando se torna ponto de partida para um novo início);


10. Discutindo com a devida seriedade e profundeza estes pontos, os 

visitadores acharão assunto mais do que suficiente para muitas reuni- 

ões. E mais: Deixarão de se ocupar tanto com os "pequenos assuntos", 

para se dedicarem mais aos grandes, dos quais depende, em última 

análise, a solução dos pequenos. Chegará o dia em que este colégio 

terá condições de atuar conscientemente para atingir os objetivos pre- 

vistos nas atribuições regimentais referentes aos conselheiros, e de atu- 

ar não apenas em termos gerais, mas com vistas a objetivos específicos 

ou metas fixadas de ano para ano ou de gestão em gestão, de acordo 

com as necessidades da IELB." 

2.2 - O Presidente Regional: A ele cabe organizar as conferências regi- 

onais, zelar pelo aperfeiçoamento contínuo dos pastores, promovendo con- 

ferências teológicas, estudo e análise de sermões, cuidado com a liturgia e 

hinologia, etc. Amparar os conselheiros e ajudar nos conflitos e representar 

o Presidente Nacional na Região (Cf. Regimento 1988). 

3. DISCIPLINAR 

Este é um capítulo difícil. Quando eu era jovem pastor, perguntei ao 

Dr. Oliver Harms, presidente da LCMS: Quanto tempo leva a disciplina de 

um pastor? E ele me respondeu: No mínimo cinco anos. Essa burocracia 

emperrou a LCMS, deu ocasião para difusão de falsas doutrinas e do 

liberalismo. 

O Dr. Jack A. O. Preus assumiu a presidência da LCMC em 1969, 

iniciou um processo de purificação da igreja e agiu com firmeza e rigidez, o 

que levou a uma cisão.I2 Na oportunidade, ano 1974, saíram do Seminário 

em St. Louis 500 pessoas, entre professores e alunos, formando o Seminário 

no Exílio, apelidado de Seminex, e, da igreja, aproximadamente 100 mil 

membros. Não quero entrar em detalhes sobre esse processo na LCMS. 

Mas uma coisa ficou clara: a igreja que não zela com certo rigor por seu 

ministério pastoral se corrompe e desgraça. Quero por isso abordar dois 

assuntos: A congregação tem o direito e o dever de julgar seus pastores, 

baseada num sermão do Dr. C.F.W. Walther" e de um artigo do Rev. Robert 

Netzni,14 depondo um pastor. Trazemos aqui ambos os artigos de forma 

resumida. 

3.1 - Quem deve disciplinar? No seu sermão sobre Mt 7.15-23, Dr. 

Walther formula o seguinte tema: Os congregados têm o direito e dever de 

'' "Dcclaração dc Princípios Escrit~irísticos c Coiifcssioiiais" (1970). Este documciito foi elaborado 

c todos os profcssorcs dos Scminários foram solicitados a subscrevi.-10. Qucm não concordassc 

foi disciplinado. Eles saíram, formando o Scmiiicx (Scniinário no Exílio).


julgar seus pastores. Ele destaca os seguintes itens: 1) As ovelhas são juízes, 

2) por isso precisam conhecer a doutrina verdadeira e estarem firmes nela. 

3) Não devem deixar enganar-se pela boa aparência dos pregadores, 4) 

mas julgá-los pelos seus fmtos. 

A igreja cristã aqui na terra foi e sempre será uma igreja militante. 

Ela sempre foi oprimida e perseguida. Momentos de calmaria são poucos. 

Ora são perigos de fora, ora falsos profetas, ora tentações para uma vida 

pecaminosa. Onde estiver a doutrina pura, ali Satanás redobra seus esforços. 

Por que Deus permite tais ataques? Por duas razões: para provar seus filhos 

e para punir a ingratidão ao evangelho. Seja isto uma advertência para todos 

nós que temos a sã doutrina. Sejamos vigilantes e gratos a Deus, não medindo 

esforço para propagar o evangelho, caso contrário podemos perdê-lo. Nesse 

esforço cabe-nos também vigiar sobre nossos ministros. 

a) Acautelai-vos (v. 15): Jesus proferiu estas palavras no seu sermão do 

monte, ao qual estavam presentes não somente seus doze discípulos, mas 

uma grande multidão de seguidores. Com estas palavras Jesus deu um 

alerta aos fiéis de todos os tempos. As ovelhas do rebanho não devem 

simplesmente ouvir o que os pastores dizem e segui-los, mas examinar cui- 

dadosamente suas mensagens. 

Todos os ouvintes são juízes de seus pastores. Pois em matéria de fé 

e salvação de almas ninguém deve ser dependente de pessoas ou basear 

sua fé em palavras humanas. Cada um é responsável diante de Deus e terá 

de prestar contas e responder a Deus por sua fé e vida. Ninguém poderá 

dizer: Mas esta pessoa me disse isto ou aquilo. A fé deve ser baseada 

unicamente na palavra de Deus. A responsabilidade é de cada um. É verdade 

que Deus vai requerer as almas dos falsos profetas, porém também disse 

que os enganados morrerão (Ez 3.1 7-2 1 ; 33.1-9). 

No reino de Deus todos são iguais. No santo batismo tanto o rei 

depõe seu manto de púrpura como o mendigo seus farrapos, e ambos são 

vestidos com o manto branco da justiça de Cristo (1s 61.10). Em coisas 

divinas não dependemos do estudo ou da piedade de ninguém. A sabedoria 

humana é loucura diante de Deus. O sábio precisa descer do alto de sua 

sabedoria e tornar-se como uma criança que aceita e confia no que seu pai 

lhe diz (Mt 18.3). Por isso em coisas divinas, ninguém é excluído de julgar. 

Todos são juízes, leigos e ministros, o bacharel e o analfabeto, o jovem e o 

" Walthcr, C. F. W. Evnngelium Posiile, Gcncral-Agcritcri M.C.Uarthc1, St. Louis Missouri, 

1877, p.257ss. 

'I Nctznik. Robcrt B. Thc Scriptural Dcposiiig of a Pastor. The l.'ai/hfirl Word, A Journal of 

Doctriri aiid Dcfcrisc, Dallcs, Orcgon, U.S.A., v. 27. Ario 1990. no 4.


ancião. Por isso o apóstolo Paulo elogia os ouvintes de Beréia que 

examinavam as Escrituras (At 17.10). E o apóstolo João adverte: "Amados, 

não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem 

de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora" (1 João 

4.1). Não permitam que alguém domine sobre vossa consciência. "Vós, 

porém, não sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre, e vós 

todos sois irmãos" (Mateus 23.8). 

Matéria de fé também não se decide pela maioria. No concílio em 

Nicéia (AD 325) estavam reunidos 3 18 bispos ortodoxos do mundo inteiro. 

Estavam decidindo sobre o casamento dos clérigos, quando Thereupon, 

presidente da assembléia, se levantou e, discordando de todos, mostrou a 

posição da Bíblia. Os 3 17 bispos mudaram de idéia. Quão importante é 

reconhecermos nosso ofício de julgar os mestres. "Julgai todas as coisas, 

retende o que é bom" (1 Ts 5.21). 

b) Para isso, as ovelhas precisam conhecer a doutrina verdadeira e 

estarem$rmes nela: Quando um juiz julga, ele não pode impor sua vontade 

pessoal, mas precisa guiar-se pelo código da lei em vigor. Se ele impõe 

simplesmente sua vontade, torna-se um ditador. Na igreja é assim também. 

É dever de toda a congregação, de todos os congregados, julgar a doutrina, 

examiná-la, reter o que é bom e rejeitar o que está errado, e isto não base- 

ado numa pessoa, na autoridade de alguém ou pelo voto da maioria, mas 

baseado na única autoridade na igreja, a palavra de Deus, a Escritura. O 

salmista afirma: "Deus assiste na congregação divina; no meio dos deuses, 

estabelece o seu julgamento" (Salmos 82.1). E o apóstolo Pedro recomen- 

da: "Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus" (1 Pedro 

4.1 1). Com respeito ao amor, somos devedores um do outro, servos uns dos 

outros, mas com respeito a fé, ninguém é escravo de outrem. Todos são 

escravos de Cristo, sujeitos a sua santa palavra, como única e imutável 

norma e guia. Por isso todos os fiéis são seriamente admoestados a estuda- 

rem a Bíblia para que possam separar a verdade do erro. Precisamos estar 

familiarizados com a Bíblia e suas principais doutrinas. Temos uma boa 

tradução, a Almeida, temos nossos livros confessionais. Os apóstolos, ho- 

mens simples, reconheceram: "Senhor, para quem iremos? Tu tens as pala- 

vras da vida eterna; e nós temos crido e conhecido que tu és o Santo de 

Deus" (João 6.68-69). Temos hoje luteranos passando para as seitas e 

divergências doutrinárias se levantam em nosso meio (universalismo, 

sinergismo, humanismo, calvinismo, graça iniüsa, etc.). Por quê? Há uma 

só resposta: deixamos de estudar a Bíblia e nossas Confissões. Pois se 

alguém lê sua Bíblia e seu Catecismo Menor, ele terá suficiente luz para 

distinguir entre verdade e erro.


c) Disfarçados (v.15): As ovelhas não devem deixar guiar-se pela simples 

aparência. "Que vem a vós vestidos de ovelhas, mas interiormente são 

lobos vorazes." Estamos cercados por igrejas que negam claramente a 

Trindade e a divindade de Cristo. Estes lobos são facilmente reconhecíveis. 

Quem os segue negou a fé cristã. Aqui Cristo está falando de lobos que 

vêm a nós vestidos como ovelhas, cuja aparência exterior é boa e parecem 

cristãos, amantes da palavra de Deus, que vêm a nós com a Bíblia na mão. 

Estes são os perigosos. Verdadeiros profetas firmam suas doutrinas na pa- 

lavra de Deus; mas nem todos os que vêm com a Bíblia na mão e dizem: 

Está escrito, como o diabo o disse a Jesus, são profetas de Deus. Profetas 

verdadeiros não se oferecem ao povo, eles atuam porque foram chamados; 

contudo nem todos os pastores chamados são profetas verdadeiros. O cha- 

mado pode ser correto, porém o pastor chamado pode se transformar num 

falso profeta, por causa do seu ensino falso. Verdadeiros profetas lutam por 

vida santificada; mas nem todo o profeta, com vida irreprecnsível, é verda- 

deiro. Profetas verdadeiros são muitas vezes equipados com dons espiritu- 

ais, são simpáticos, bons oradores e conseguem a simpatia do povo; mas 

também falsos profetas possuem muitas vezes grandes dons naturais. Ve- 

mos que atrás da aparência da palavra de Deus, do chamado, de uma vida 

honrosa e capacidade profissional, podem cstar cscondidos lobos vorazes 

que desgraçain as ovelhas. Como distinguir então entre os profetas falsos, 

que vêm corno lobos vestidos de ovelhas, e os profetas verdadeiros? 

d) Pelos seus frutos os conhecereis (v.16): Que frutos são estes? As 

boas obras'? Não! Qual é o fmto do trabalho de um carpinteiro? Suas obras, 

mesas, armários que ele fabrica. Quais são os frutos de um pregador'? Seu 

ensino, sua doutrina. Jesus está se referindo ao trabalho deles, scus ser- 

mões, seu ensino, sua doutrina. Quem não trouxer a doutrina pura, seja ele 

doutor ou anjo, deve ser amaldiçoado (GI 1.8). Ninguém é enviado por 

Deus, exceto aquele que proclama a Cristo como o único caminho para a 

salvação aos pobres pecadores. O apóstolo João afirma: "Todo aquele que 

nega o Filho, esse não tem o Pai; aquele que confessa o Filho tcm igual- 

mente o Pai" (1 João 2.23). O apóstolo Pedro afirma: "Dele todos os 

profetas dão testemunho de que, por meio de seu nome, todo aquele que 

nele crê recebe remissão de pecados" (Atos 10.43). Este é um profeta 

verdadeiro que proclama a Cristo como o único e suficiente Salvador da 

humanidade (Jo 3.16; 2 Co 5.18-21), e quem nele confia tem o que o 

evangelho oferece, da e sela, perdão dos pecados, vida e eterna salvação 

(Rm 3.28; Ef 2.8-10). Pela fé na graça de Cristo renascemos e somos 

novas criaturas, como atesta o apóstolo Paulo: "E, assim, se a1gui.m está 

em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se 

fizeram novas" (2 Coríntios 5.17). Portanto cuidado! Jesus afirmou: "Mui-

Igreja Luterana - n" 1 - 2004 

do, ele precisa avaliar o seu servir como um todo na igreja e olhar onde 

está a maior necessidade, onde poderá servir melhor com seus dons, 

bem como a necessidade de sua família, e decidir. 

c) Resignar o ofício: Só o fará se tiver fortes razões para tanto. Motivos 

poderão ser: sentir-se realmente incapaz, doenças que o impedem de 

exercer seu ofício plenamente; aposentadoria por idade. Na literatura 

não há praticamente nada sobre aposentadoria. Pressupõe-se que o 

pastor trabalhe enquanto tiver forças. Pastores que solicitan~ sua aposentaria, 

tornando-se pastores eméritos, normalmente continuam servindo 

como pastores, pregando quando convidados, dando palestras, 

auxiliando. O Regimento da SELK recomenda aposentadoria aos 65 

anos, podendo continuar se a congregação assim o desejar. O Regimento 

da Igreja da Austrália recomenda aposentadorias aos 70 anos. 

As outras igrejas deixam o assunto em aberto.I9 

d) Doenças: Se uma doença impede o pastor de exercer seu ministério, tal 

como fraqueza mental, câncer, etc. Se a doença não cede, com a coin- 

preensão da congregação e da igreja poderá resignar e, se precisar de 

amparo, deverá ser amparado pela igreja. 

e) Doutrina falsa: "Uma congregação pode depor seu pastor por ensinar 

doutrina falsa," 20 pois a Escritura ordena que o bispo deve pregar "ape- 

gado a palavra fiel, que é segundo a doutrina, de modo que tenha poder 

tanto para exortar pelo reto ensino como para convencer os que o con- 

tradizem" (Tito 1.9). Somos, por outro lado, claramente advertidos con- 

tra falsa doutrina e falsos profetas (C1 1.8; Mt 7.15; Mt 15.13-14; Rm 

16.17- 18; 2 Co 1 1.4,13). Se um pastor insiste em doutrina falsa, apesar 

de ser admoestado, a congregação deve depô-lo do seu ministério. O 

mesmo passo deve ser dado em relação a qualquer cristão ou congre- 

gação que persistam em doutrina errada.(l Tm 6.3-5; Tt 3.10; 2 Pe 2.1; 

Dt 18.20; 1s 3.2; 2 Co 11.3; Ef4.14; C1 2.4, 18,19; 2Tin2.14; Hb 13.9). 

f) Vida ímpia: Quando uma pessoa (leigo ou pastor), após ser admoestada, 

continua em sua vida pecaminosa de forma impenitente, deve ser ex- 

cluída da congregação. Isto vale também para o pastor que deve ser 

removido do seu ofício. Se ele se arrepender, a congregação lhe anun- 

ciará o perdão e o reconhecerá como irmão em Cristo, mas quanto ao 

seu ministério, poderá ter dois desfechos: perdê-lo ou, dependendo do 

caso, aceitar outro chamado. Pois o pastor deve ser irrepreensível e ter 

Fribz, Tcologia Pastoral, p. 63; Thc Shepcrd Under Christ, p. 40 

"' Vritz, Tcologia Pastoral, p.56.


ao pecado que foi cometido; 

8. Uma admoestação deve ser dada em conformidade com o pecado que 

foi cometido; 

9. Quando um ofensor está triste por causa do seu pecado ... nenhuma 

repreensão deve ser dada, ou, então, só de uma maneira muito suave; 

10. Testemunhas convidadas para o caso devem ser aceitas pelo ofensor. 

Não podem ser pessoas briguentas, mexeriqueiras, que estão em peca- 

dos iguais, incompetentes; mas bons amigos, nos quais o faltos0 tenha 

confiança e diante das quais não se sentirá envergonhado em admitir 

seus erros; 

11. Admoestação fraternal deve ser repetida várias vezes, se necessário. 

Mateus mostra como devemos proceder, no entanto não diz quantas 

vezes devemos repetir a admoestação. Isso Jesus mostra ao dizer que 

devemos admoestar várias vezes até passar para o degrau seguinte, 

"perdoar sete vezes setenta" (Lc 17.3,4). 

3.2.3 - Erros na deposição de um pastor: Na deposição de um pastor podem 

ocorrer erros camuflados com a aparência de direito, como por exemplo: 

a) Algumas pessoas na congregação não simpatizam com o pastor ou 

membros de sua família. As razões são corriqueiras: em adiaforos, como, 

por exemplo, sua aparência exterior, ou alguns erros sociais que fez ou 

faz. Por causa disso começam a criticar de forma nefasta, sem amor. 

Visam a amargurar a vida do pastor para que ele busque outro chama- 

do. Por vezes essas pessoas falam a respeito do seu pastor ao conse- 

lheiro ou a outras autoridades da igreja, para que providenciem com 

rapidez um chamado para ele. Se os responsáveis derem ouvidos a tais 

críticas infundadas, procedem mal. Isto é interferência na seara de Deus; 

b) Se uma congregação depôs seu pastor por caminhos escusos, sem res- 

peitar os caminhos de Deus, esta congregação deverá ser admoestada. 

Se ela chamou outro pastor, tal chamado não deveria ser aceito. Deus 

afirma: "A ninguém permitiu que os oprimisse; antes, por amor deles, 

repreendeu a reis, dizendo: Não toqueis nos meus ungidos, nem maltrateis 

os meus profetas" (S1 105.14,15). 

Se um pastor é deposto ilegalmente, ele, na verdade, continua pastor, 

mesmo tendo sido deposto do seu ministério. Para corrigir esse erro, a 

congregação deve arrepender-se e trazer os frutos do arrependimento, a 

saber, reinstalar o pastor demitido, bem como recompensá-lo pela perda 

financeira. O pastor, por sua vez, deve ajudar a curar a ferida. Mostrar boa 

vontade e colaborar com a congregação.


Pode acontecer, também, de uma congregação se arrepender de seu 

erro, chamar o seu pastor demitido de volta, pedir perdão a ele, mas devido 

a razões humanas, os deveres do ofício foram demasiadamente feridos. 

Nesse caso, o pastor perdoado deveria, então, solicitar outro chamado para 

o bem da congregação e do seu ministério. 

Onde há honra ao ministério, ali haverá também amor ao pastor. Honra 

e amor são o fio de ouro entre o pastor e a congregação. O apóstolo Paulo 

afirma: "Agora, vos rogamos, irmãos, que acateis com apreço os que 

trabalham entre vós e os que vos presidem no Senhor e vos admoestam; e 

que os tenhais com amor em máxima consideração, por causa do trabalho 

que realizam. Vivei em paz uns com os outros" (1 Ts 5.12,13). 

Um exemplo deste amor para com o seu pastor eram os fiéis da 

Galácia. Seu amor ao apóstolo Paulo era tão grande, que não o desprezaram 

por causa da doença física que afligia o apóstolo. Eles o aceitaram como 

mensageiro de Deus. O apóstolo Paulo ficou emocionado com esta acolhida 

e Ihes escreveu: "Sabeis que vos preguei o evangelho a primeira vez por 

causa de uma enfermidade física. E, posto que a minha enfermidade na 

carne vos foi uma tentação, contudo não me revelastes desprezo nem 

desgosto; antes me recebestes como anjo de Deus, como o próprio Cristo 

Jesus" (G14.12,13). 

Onde impera verdadeiro amor, ali a congregação não procederá de 

maneira rigorosa ou apressadamente diante de certas fraquezas e deficiências 

profissionais do seu pastor, mesmo se acontecerem erros graves. O amor 

levará a uma admoestação para afastar o pecado, assim como o apóstolo 

Paulo o fez com o apóstolo Pedro ((312.1 1-2 1). Os dois continuaram amigos 

que se respeitavam. 

Para que o ofício do ministério público seja mantido corretamente é 

também imperativo que a congregação providencie para seus servos na 

palavra um salário digno e adequado. Quando Jesus enviou os setenta, ele 

lhes disse: "Permanecei na mesma casa, comendo e bebendo do que eles 

tiverem; porque digno é o trabalhador do seu salário. Não andeis a mudar de 

casa em casa. Quando entrardes numa cidade e ali vos receberem, comei 

do que vos for oferecido" (Lucas 10.7-8). E o apóstolo Paulo escreveu aos 

gálatas: "Mas aquele que está sendo instruído na palavra faça participante 

de todas as coisas boas aquele que oinstrui. Não vos enganeis: de Deus 

não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará (Gálatas 

6.6-7). O sustento físico do ministério do evangelho não é matéria de livre 

escolha da congregação, mas expresso mandamento de Deus. O apóstolo 

Paulo mostrou os princípios: "Assim ordenou também o Senhor aos que


pregam o evangelho que vivam do evangelho" (1 Coríntios 9.14). 

Suprir as necessidades físicas dos clérigos tem sido um problema 

constante na igreja e muitas vezes cnicial. Lutero chamou atenção a isso, 

afirmando que, quando a igreja estava sob a tirania do papa, os sacerdotes e 

bispos estavam bem, mas agora que está livre, ela não ampara os ministros 

do evangelho adequadamente. Ele disse assim: " 'Devem ser considerados 

merecedores de dobrada honra os presbíteros que presidem bem, com 

especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino' (1 Tm 5.17). Aos 

seus curas d'alma, fazer-lhes o bem e provê-los do necessário ... Mas aqui 

todo o mundo empaca e se defende ... e assim não podem agora sustentar 

um só pregador bom, onde no passado empanturrávamos dez panças 

graxudas" (Catecismo Maior, 1" Parte, 4" Mandamento, 161, 162; LC, p 

419). 

Como vemos, depor um pastor é assunto grave na igreja. Se é feito 

por razões corretas, faz-se a vontade de Deus; mas se uma congregação 

age com seus pastores, servos de Deus, de forma anti-bíblica, sem base 

escriturística, eles não têm nada de bom a esperar a não ser justa indignação 

da parte de Deus. Há somente três razões, conforme a ordem de Deus, 

pelas quais um pastor possa ser deposto do seu ministério, e estas são: a) 

Pregação de doutrina falsa e recusa de reconhecimento e arrependimento 

de tal; b) Vida manifestamente ímpia, comprovada sem sombra de dúvidas 

e recusa de arrependimento de tal; c) Se no seu procedimento causou grande 

desprestígio ao ministério, então deve ser despedido do ministério, mesmo 

que tenha se arrependido. 

3.3 - Situações conflitantes: A congregação cristã, por ser igreja militan- 

te, não luta somente contra inimigos de fora, mas também com problemas 

internos provindos da fraqueza de fé. Problemas como desentendimentos 

entre congregados, partidos, conflitos entre pastor e congregação, incapa- 

cidade profissional por parte do pastor, etc. Como tratar esses problemas? 

Vamos analisar os mais comuns. 

3.3.1 - Um número expressivo de membros da congregação não con- 

corda com a posição doutrinária do seu pastor - O que fazer quando o 

pastor, no seu dever pastoral, conforme a ordem de Deus levanta a sua voz 

contra doutrinas falsas, mundanismo (música e danças pecaminosas e ou- 

tros pecados em moda na sociedade) e membros da comunidade protestam 

contra seu pastor, pedindo que modere seus sermões? Em tal situação, o 

primeiro a examinar sua atitude, sem dúvida, será o pastor. Ele se pergun- 

tará: Estou agindo corretamente, pregando lei e evangelho conforme a von- 

tade de Jesus ou estou deixando arrastar-me por meus ressentimentos? Se

Igreja Lulerana - nu 1 - 2004 

notar falhas, corrigirá c mudará sua atitude; se, todavia, clc se certificar da 

retidão dc sua causa, deve continuar a lutar com toda a fidelidade, suplican- 

do pela orientação do Espírito Santo, tendo ern iiicnte a missão de salvar 

almas. Valem-lhe as palavras de Dcus a Josué: "Sê fortc c corajoso para 

teres o cuidado de fazer segundo toda a lei que ineu servo Moisés te orde- 

nou; dela não te desvies, nein para a direita nein para a esquerda, para que 

sejas bem sucedido por onde quer que andares" (Js 1.7). Não precisará 

teiner as conscquências. Sua inissão não é agradar c buscar o favor de 

liornens, mas curnprir a missão de Dcus. Ele confia de que a verdade pro- 

clamada produzirá seus fmtos ao seu tetnpo. Excinplo são os profetas c 

João Batista, nossos pais reformadores; o pastor Paulo Gcrhardt foi perse- 

guido e teve que fugir de sua congregação por se opor a união pmssiana. 

Aos incnibros dessas congregações cumpre dizer: Escutctn a pregação 

scin ressentimentos. Exarnincrn as Escrituras. Avalicin beni a situação. Jesus 

disse: "Quem vos der ouvidos, ouvc-inc a niiin; c, qucin vos rejeitar, a mim 

me rejeita; quein, porém, me rejeita, rejeita aquclc que ine enviou" (Lc 

10.16; At 5.39). A congregação que resiste a palavra de Deus destrói-se a si 

nicsnia. Pois a vida na congregação vem unicaincntc da palavra de Dcus. 

0s fiéis na congregação, scrn dúvida, darão suporte ao pastor fiel. 

3.3.2 - Hú umu diverg2ncia gerul e skriu entre o pastor e os líderes du 

congreguçGo, por vezes entre os prcjprios lidems, proveniente do temperamento, 

do caráter do pustor c/ou dos lideres - Há pastores c líderes 

coin carátcr fortc. Pessoas que exercem urna lidcrança fortc c absoluta. Isto 

ern geral é uma bênção, mas pode resultar também cin muitos atritos. Tais 

pessoas decididas, iinpulsivas, sofrcin inuitas vczes com seu próprio tcmpcrarnento. 

Hoje estão bcin liumoradas, amanhã fccharn-se ern si mcsinas ou 

desanin~an~. São pessoas ncni sernpre simpáticas c por isso as vezes t! difícil 

tratar com elas. A história atesta que tais pcssoas podern se tomar líderes 

isolados c rcalizain grandes obras. Muitas vezes, no entanto, gcrain divisões, 

atritos e problcmas. Líderes com tais características podem gerar atritos com 

outras lideranças ou entram ern clioquc coin o seu pastor. Criam-se, então, 

desavenças que, por vczes, parecem intransponívcis. 

Alguns afinnam que tais ocorrêiicias são inevitáveis, espccialmcnte 

quando se trata de pessoas com uin carátcr forte c citain como cxcinplos a 

desavença cntre o apóstolo Paulo c Bamabé (At 15). Outros afirrnatn que 

cntre os cristãos jamais deveria liavcr tais divergências. 

Em primeiro lugar, convém lembrar que traballiadorcs na seara do 

Senhor são pessoas sujeitas as fraquezas e falhas. De tal forn~a que, quando 

se ernpenharn e lutain em seus trabalhos, corn seus impulsos c sua lidcrança


estão sujeitas aos erros e falhas. Muitas vezes são até estimuladas pelos 

próprios congregados a uma concorrência errada entre eles. Tais 

discordâncias nem sempre podem ser evitadas. 

Em segundo lugar, os líderes numa congregação devem ser 

constantemente alertados a respeito desse problema. Sim, todos os líderes, 

pastores e leigos, precisam ser lembrados das palavras do apóstolo Paulo: 

"Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos 

de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade. 

Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha 

motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos perdoou, assim 

também perdoai vós; acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o 

vínculo da perfeição. Seja a paz de Cristo o árbitro em vosso coração, a 

qual, também, fostes chamados em um só corpo; e sede agradecidos. Habite, 

ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos 

mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e 

cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração. E tudo o que fizerdes, 

seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por 

ele graças a Deus Pai" (C1 3.12- 17). Os cristãos, e especialmente os líderes, 

precisam ser exortados constantemente a paciência, a suportarem os mais 

fracos, a se comunicarem com amor. Pois líderes em conflito emperram o 

trabalho e escandalizam os irmãos. 

Em terceiro lugar, quando surgirem desentendimentos, eles devem 

ser encarados e tratados imediatamente, para minorar os conflitos, buscando 

o entendimento, esfriando os ânimos e buscando o caminho comum, do 

consenso. 

Finalmente, os congregados não devem preferir um trabalhador ao 

outro ou apoiar um contra o outro. Todos os esforços devem ser feitos para 

evitar o surgimento de facções na congregação. Os congregados não têm 

somente o direito, mas também o dever de insistir que seus líderes trabalhem 

em paz e unidade na congregação. 

Mesmo que tais problemas pareçam, por vezes, intransponíveis, as 

condições não precisam continuar assim. Ambas as partes precisam ser 

estimuladas a reconhecer suas responsabilidades e aceitar o compromisso 

de depor as armas e se sentar a mesa da reconciliação. Devem ser exortadas 

a aceitar o compromisso de mostrar boa vontade para remover os obstáculos, 

estar dispostas a ir ao encontro umas das outras e não esperar que a outra 

dê o primeiro passo. Estar dispostas a ouvir, perdoar, esquecer e buscar a 

reconciliação; a compreender a causa dos atritos, a aprender a suportar e a 

se aceitar mutuamente. A reconciliação não deve ser protelada. Há urgência


para impedir que a amargura se instale nos corações e a situação fique 

crônica. 

Especialmente se o pastor causou atritos por causa do seu caráter, 

precisa ter o cuidado para não permitir que seus ressentimentos se infiltrem 

em suas pregações, procurando granjear membros a seu favor. Os membros 

devem cuidar para não se deixar arrastar para o emprego de métodos 

nefastos como enviar cartas anônimas e ameaçadoras, fazer abaixo assinados 

contra o pastor, criando partidos, quer a favor ou contra o pastor. Isso só 

aumenta o problema. 

Em alguns casos será necessário chamar o conselheiro e líder distrital 

para ajudar a resolver a questão. Após a reconciliação, eles podem chegar 

a conclusões como: devido a erros ocorridos ou a muita amargura no caso, 

e para o bem-estar do reino de Deus naquele lugar, será necessário que o 

pastor aceite outro chamado. Nesses casos, o bem-estar do reino de Deus 

em geral está acima do direito individual do pastor. Precisamos orar sempre 

e estar muito atentos para evitar e impedir que tais divisões surjam. E se 

surgirem, procurar tratar dos assuntos imediatamente e não prorrogá-los. 

3.3.3 - A congregação está dividida entre si e contra si mesma e o 

pastor se encontra entre as duas facções - Em tal situação, o pastor é 

posto arduamente a prova. Um pastor fiel sabe que faz parte do seu cha- 

mado atuar com fidelidade, bom senso, moderação, amor e oração. O pas- 

tor sabe que meros esforço e sabedoria humana são ineficazes para reme- 

diar essas desavenças. Somente a palavra de Deus pode, unicamente, cu- 

rar tais divisões. Por isso, o pastor procurará com paciência mostrar As 

partes o que Deus tem a dizer, guiando as pessoas para dentro da palavra 

de Deus. Ele não se perturbará com o fato de desagradar as pessoas ao 

admoestá-las com a palavra de Deus. 

Se a luta encmdescer e se prolongar, não faltará ao pastor a tentação 

de abandonar o seu posto, aceitando outro chamado. Olhando, no entanto, 

para o bem-estar da igreja como um todo, sabendo que fugir do campo de 

luta elou abandoná-lo a esta altura seria entregar o campo a Satanás, o 

pastor e o grupo fiel de membros se empenharão com oração, paciência e 

muito amor para derrotar a Satanás e seus intentos. 

3.3.4 - O pastor leva vida írnpia - Por vezes, pode acontecer que o 

pastor, bom líder e pregador, simpático e inteligente, leva uma vida dupla. 

Ele vive secretamente em pecados grosseiros. Lembramos o fato histórico 

do líder dos saxões, pastor Martin Stephan. Ele tinha o dom da pregação. 

Era um líder dotado, mas vaidoso, que caiu em adultério. O processo foi 

longo. Pastores e leigos agiram com muita prudência até conseguiren~ as


provas concretas. Então o admoestaram. Como não houve arrependimen- 

to, ele foi afastado do ministério e de seus cargos. O caso requer oração, 

prudência e conselho. 

3.3.5 - O pastor é comprovadamente incapaz ou inejiciente para cum- 

prir suas funções ministeriais no local. As situações podem ser várias: 

a) O trabalho está acima da capacidade e dos dons do pastor. Nesse caso, 

o assunto deverá ser encaminhado para o conselheiro distrital, que, por sua 

vez, poderá encaminhá-lo a presidência da igreja, em busca de uma solu- 

ção, digamos, um chamado para uma comunidade menor; b) Há no pastor 

uma real incapacidade e falta de carisma e de formação para o ministério. 

Por mais que se deseje evitar tais fatos, eles ocorrem. Os professores do 

Seminário têm dúvidas se vão ou não recomendar esta ou aquela pessoa 

para o ministério e, na dúvida, o aprovam, na esperança de que se empe- 

nhará. Muitas vezes estudantes fracos tornaram-se excelentes pastores, 

enquanto outros, com excelentes notas, fracassaram. Mas, após um ou dois 

anos de ministério, a situação se torna clara: a pessoa não tem vocação 

para o ministério. A análise desta situação requer cautela e amor antes de 

se recomendar ao pastor que deixe o ministério. Pode acontecer que numa 

análise melhor o caso ainda poderá ser qualificado conforme o item "a". 

Julgar esses dois casos não é tarefa fácil. Procura-se não fazer injustiças. 

Será necessária a análise de vários ângulos e por várias pessoas: conselhei- 

ro e líder distrital, diretor do Seminário e presidente da Igreja. Aqui quere- 

mos lembrar o caso de João Marcos, um jovem que acompanhou a primeira 

viagem missionária do apóstolo Paulo e Barnabé, mas devido às muitas 

dificuldades e peripécias, desistiu. Na segunda tentativa, o apóstolo Paulo o 

desclassifica e não quis levá-lo, todavia Bamabé o julgou apto e o levou (At 

15.36-40). Mais tarde, o encontramos envolvido na missão, reconciliado 

com Paulo e auxiliar do apóstolo Pedro (C1 4.10; 2 Tm 4.11; Fm 24; 1 Pe 

5.13). Isso mostra o cuidado que se deve ter no julgamento desses casos. 

3.3.6 - O pastor, devido a sua enfermidade ou idade avançada, está 

impedido de cumprir integralmente suas funções ministeriais - Enfer- 

midades e fraquezas da idade atingem a leigos e pastores. É impossível 

esperar que o pastor esteja sempre bem. Por vezes Deus permite que o 

pastor passe por árduas aflições pessoais. Tal cruz, como em geral, serve 

para o bem dos que "temem e amam a Deus" (Rin 8.28). Ao pastor a cruz 

servirá para que se torne mais devoto e dedicado no rebanho, como foi o 

caso do espinho na carne do apóstolo Paulo (2 Co 12.7). Mas, quando a 

tribulação incapacita o pastor, momentaneamente, ao exercício de suas fun- 

ções, isto é uma provação de Deus tanto para o pastor como para a congre- 

gação. Tal experiência visa aprofundar a prática do evangelho, dando oca- 

sião para ambos demostrarem sua fé por atos concretos. O pastor mostra- 

70


rá paciência no suportar as aflições; a congrcgação é levada a orar coin 

mais fervor. O pastor poderá ver, nestes momentos, os frutos do seu traba- 

lho, vendo a prcocupação dos mcinbros por clc. 

Sc a doença o toma definitivamente incapacitado, dcvcrá declinar do 

seu chamado, dando a congrcgação a oportunidade para chamar outro pastor. 

Nessc caso, não fará uso dc seus direitos, por receio de sua manutenção 

futura, dizendo: clcs tiveram o mcu scrviço nos dias bons, dcvcm, agora, mc 

amparar. Quanto a sua prcocupação: como providcnciarci pão para minha 

família'? deixará isso nas mãos de Deus. O pastor ensinou confiar no Scnhor 

c mostrará isso na prática; a congregação (a igreja), por sua vez, mostrará 

que sabe cuidar dos necessitados, cspccialinente de seus ministros fiéis. 

3.3.7 - A obrigação do pustor em tempo de culumiduúes - Em tempos de 

catástrofes, pestilência, secas, cnchcntcs, rcvoluções c guerra clou outras 

emergências locais, o trabalho dos pastores C cxtrcinainente necessário. O 

pastor fiel tem o dever de dedicar-se a seu povo para instruir, admoestar e 

confortar. Cabe-lhe guiar o rcbanho coin a palavra dc Dcus, não importando 

o sacrifício quc isto Ihc exigir, sc ncccssário, a própria vida. A congrcgação, 

por sua vez, se colocará ao lado do seu pastor em tempos de prova e de 

calainidades. Elcs o protegerão contra necessidades, sacrilicios e sofriinen- 

tos, pois sabcm quão C importante o trabalho do ministro entrc clcs. 

Tempos de tribulação podcm ser, para o ministro e a congrcgação, 

tcinpos dc grandes bênçãos, nos quais devem regozijar-se em sua fé coinum 

c mostrar os fnitos da fé, amor de uns para coin os outros. 

3.3.8 -Um rebunho de ovelhus rebeldes - A congrcgação cristã não C 

mais um rcbanho dc ovclhas ordeiras, inas um bando de ovclhas rebeldes 

quc não qucrcin dar mais ouvidos à palavra de Deus. O que fazer'? a) O 

pastor tentará, coin muita paciência, instruir o rcbanlio, tornando-se um 

missionário em sua própria congregação, o quc C, cm si, uma contradição. 

b) Como qucstõcs dc doutrina não se decidem pela maioria, inas a doutrina 

é soberana, csscs assuntos não são rcsolvidos por maioria dc votos. Muitas 

vezes, em tais congregaçõcs, a asscinbléia de incinbros votantes cai com- 

plctamcntc por terra. c) Sc a situação se toma insustentável e não há mais 

cspcrança dc uma mudança, o pastor e o pequeno grupo de fiéis precisam 

abandonar aquela congrcgação. 

CONCLUSÃO 

Os dois primeiros capítulos deste trabalho mercccm atenção especial. 

O terceiro capítulo C amplo. Acresccntan~os aqui uma palavra dc Pcrlich ao 

concluir o scu livro The Abiding Word: "Muitas outras questões poderiam


ou deveriam ser abordadas aqui. Mas se para os mais diferentes problemas 

buscarmos as soluções na palavra de Deus, sob oração e o aconselhamento 

de homens tementes a Deus, encontraremos o caminho adequado para a 

solução dos problemas. O pastor que labuta num campo difícil dirá: o Senhor 

Jesus me chamou para este campo de atividades. Quero fazer tudo conforme 

sua palavra com o melhor de meus dons ... Eu planto, outro rega, e Deus, 

conforme sua sabedoria, dará o crescimento a seu tempo ... Eu sou indigno 

de ser seu mensageiro, mas ele, por sua graça, me fez digno para proclamar 

o evangelho para a salvação de almas" (The Abiding Word, v. 1, pp.387- 

388). Concluímos com as palavras da carta de Judas: "Vós, porém, amados, 

edificando-vos na vossa fé santíssima, orando no Espírito Santo, guardai- 

vos no amor de Deus, esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus 

Cristo, para a vida eterna. E compadecei-vos de alguns que estão na dúvida; 

salvai-os, arrebatando-os do fogo; quanto a outros, sede também compassivos 

em temor, detestando até a roupa contaminada pela carne. Ora, aquele que 

é poderoso para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com 

exultação, imaculados diante da sua glória, ao único Deus, nosso Salvador, 

mediante Jesus Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império e soberania, 

antes de todas as eras, e agora, e por todos os séculos. Amém!" (Judas 

1.20-25). Senhor! Concede-nos ministros fiéis. Soli Deo Gloria! 

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von Missouri, Ohio u.a Staaten, 1880.


A AUTONOMIA DA CONGREGAÇÃO 

Pazrlo Moisés Nerbas* 

INTRODUÇÃO 

A palavra autonomia tem tudo para soar agradavelmente nos ouvidos 

de homens e mulheres, pois traz consigo um significado que vai ao encontro 

de um dos grandes desejos do ser humano. Apraz aos indivíduos imaginarem- 

se numa situação em que é possível se governar por si mesmo, desfmtando 

do direito de se reger por leis próprias, sem a necessidade de se submeter a 

interferências, determinações e decisões de quem está fora do rcstrito círculo 

em que nos movimentamos, decidimos e agimos. Visto que os ouvidos do 

povo das congregações cristãs luteranas são tão humanos quanto os de 

qualquer outra pessoa, o soar da palavra autonomia provocará, no mínimo, 

curiosidade em quem a ouve. Ora, grandes coisas já aconteceram na história 

do mundo a partir de uma curiosidade inicial. O pesquisador, por exemplo, 

é, antes de tudo, um curioso, ávido por descobrir um pouco além daquilo 

qiie já conhece. A partir de uma curiosidade inicial, pode chegar a grandes 

descobertas. Nas congregações da Igreja, a curiosidade em torno de tudo 

aquilo que estiver relacionado a autonomia, poderá conduzir a uma série de 

descobertas ou conclusões. Serão todas elas acertadas? Que medida de 

contribuição para edificar a igreja irão apresentar? Qual o limite dentro do 

qual se aplicam favoravelmente a causa maior que movc a congregação? 

São perguntas que carecem de respostas claras para que se evite o desserviço 

prestado pclo entendimento distorcido do que vem a significar, num contexto 

muito específico, o direito de ser autônomo. 

Não há grandes pretensões ncste trabalho. Satisfaz-me desfrutar da 

oportunidade de uma reflexão em conjunto com os irmãos e colegas de 

ministério sobre o tema proposto. Vejo-me unicamente como alguém que 

recebeu do Sr. Presidente da Igreja o convite para servir irmãos e colegas, 

conduzindo-os numa reflexão compartilhada focalizada no tema A 

Autonon~ia da Congregação. Levantei anteriormente algumas perguntas 

Paulo Mois4s Ner.ba.s 4 />I-o/tssuu de Teologia S~.~/e~n~ticrr nu Se~niniirio Cun


causadas pela menção da palavra autonomia. Espero que consigamos 

respondê-las a medida em que o trabalho for se expondo diante dos irmãos. 

Afinal, a reflexão leva-nos a perceber detalhes que facilmente se ocultam 

atrás de uma euforia emergente do primeiro contato com algo que parece 

interessante. Autonomia, por si só interessa, é verdade. Cuidemos, todavia, 

para que a euforia pelo conceito nu e cru do termo não nos ofusque, 

impedindo-nos de ter visão clara sobre, entre outras coisas, o em quê? por 

quê? e até onde somos autônomos? 

Pensar um trabalho implica determinar um caminho a seguir, pois se 

quer chegar a um certo lugar. Para tanto, indispensável se torna que saibamos 

de antemão por onde andar. Para atingir o resultado desejado através desta 

reflexão, tenho para mim que o caminho a trilhar inclui, necessariamente, a 

presença do tema dentro do cenário que nos mostra a igreja como corpo de 

Cristo. Lembro especialmente do capítulo 12 da Primeira Carta aos Coríntios 

e do capítulo 4 da Carta aos Efésios, textos em que a figura do corpo é 

explorada pelo Apóstolo com magnífica percepção, permitindo-nos ir longe 

na visão de tudo aquilo que abrange o fato de termos sido enxertados no 

corpo do Senhor. Para mim, portanto, o caminho está definido; por ele seguirei, 

convidando-os para irem comigo a fim de descobrirn~os o que se pode 

compreender a respeito da autonomia da congregação cristã luterana dentro 

da realidade do corpo de Cristo. Preciso é que lembremos do seguinte: 

sempre será a realidade que determinará a forma de agir e não o contrário. 

Tal princípio é decisivo para abordar corretamente o tema em questão. A 

igreja (congregação) é corpo de Cristo; é a realidade. Pois bem, como 

praticar a autonomia dentro de tal realidade, com suas conquistas, mas 

também respeitando suas limitações? Pensar em autonomia desconsiderando 

a nossa bendita condição de membros do corpo do Senhor Jesus, igualar- 

se-á, por exemplo, a pensar em agir como pai num contexto onde não há 

filhos. A realidade não me permitirá ser pai, por mais que o deseje. Excluídos 

do corpo de Cristo, não se cumprem os desejos e privilégios decorrentes da 

autonomia, por mais que sejam procurados. 

1. O CORPO DE CRISTO 

Ser corpo de Cristo dá a pista para descobrir qual será o enfoque sob 

o qual seguirá este trabalho. Não poderá ser outro, a não ser evangélico. 

Enfocar evangelicamente uma questão ou tema sempre nos conduz a olhar 

tudo apenas de uma direção para outra, ou seja, partindo da ação de Deus 

por nós e para nós, chega-se a resposta humana gerada pela presença da 

graça e misericórdia divinas na vida de cada um de nós. Por que somos 

corpo de Cristo? Por que somos convidados a agir como membros do seu


corpo? Porque, antes de tudo, houve e continua havendo a ação divina por 

nós e para nós. Logo, nossa resposta não poderá nascer de impulsos gerados 

pela lei, porém, do evangelho. Justifica-se, portanto, declarar que a reflexão 

sobre a autonomia da congregação, que, sem dúvida, estabelece princípios 

de ação, precisa acontecer sob a luz iluminadora do santo evangelho. 

Deus criou a igreja. Seus membros pertencem a ela porque o Senhor 

os trouxe para dentro desse corpo. O Senhor Jesus Cristo afirma que esse 

é o seu próprio corpo (1 Co 12.12-26; C1 1.18; Ef 4.15; Rm 12.4-5). A 

razão humana, acostumada a avaliar ações sob o critério de mérito e 

recompensa, é surpreendida pelo inusitado da ação de Deus. Longe de 

qualquer expectativa, o Senhor faz povo dele aqueles que não eram povo, 

enxerta no corpo de Cristo aqueles que "estavam mortos nos seus delitos e 

pecados" (Ef 2.1). Quando nos damos conta de que estamos dentro do 

corpo de Cristo, percebendo também a razão para ali estarmos, somos 

lembrados de que a origem de tudo é o amor de Deus. Nossa miséria tocou 

no seu coração, daí se dizer que ele teve rni,~ericórdia de nós. Seu amor 

por nós não se contentou em apenas contemplar e lamentar nossa triste 

situação, como se ele fosse impotente para realizar algo e tivesse que 

somente assistir ao trágico destino daqueles que morreram por causa dos 

seus pecados. Sabemos o que ele fez e como o fez. Sabemos também o 

que faz e como o faz para estarmos milagrosamente dentro do seu corpo e 

lá permanecermos para sempre. 

O que é, então, a igreja? Simplesmente uma associação voluntária 

de pessoas, a qual os indivíduos se afiliam ou dela saem ao bel-prazer de 

cada um? Apenas um grupo que se governa pelo que julga certo ou 

conveniente, sem fazer passar suas decisões pelo crivo de quem tem 

ascendência sobre ele? O que é, então, a igreja? É o corpo de Cristo. É 

o mistério da comunhão real com o Senhor todo-poderoso e misericordioso. 

Nós, pecadores, somos parte desse mistério. Tudo porque o poder recriador 

de Deus, o mesmo poder que fez existir tudo que há, nos fez passar por 

uma recriação, ou regeneração, incorporando pecadores na igreja. Há, 

portanto, um milagre no surgimento e conservação da igreja. Qual o seu 

objetivo? Libertar-nos do domínio do tirano Satanás e a libertação só acontece 

a partir da união ao corpo do Senhor, Senhor também sobre Satanás. No 

corpo estamos seguros e salvos. 

Cabe aqui fazer menção a característica da vida desse corpo sob a 

cabeça, Cristo. De que forma os membros encaram o estar sob a cabeça? 

Será uma cabeça que domina simplesmente? Ou se trata de uma cabeça 

que conduz para que os conduzidos possam desfrutar da liberdade sem 

correr o risco de perdê-la'? É importante esse questionamento. Uma cabeça


que somente domina não nos deixa a vontade para confiarmos com alegria 

nela, pois nos induz a desconfiar dos propósitos atrás de suas manifestações. 

Oportuno perguntar agora: como ficaria a autonomia debaixo de uma cabeça 

tão apenas dominadora? Poderíamos ir um pouco mais além e acrescentar: 

haveria autonomia dentro de tal situação? 

Cristo, a cabeça do corpo, tem poder e autoridade para dominar e, 

sendo Senhor, nada o forçaria a não exercer plenamente e unicamente seu 

domínio sobre nós. Por exemplo, quem o impediria de somente exigir de nós 

um certo procediniento, cobrando o seu cumprimento integral e despejando 

sobre nós a punição merecida por não alcançá-lo? A igreja, corpo de Cristo, 

no entanto, nos faz ouvir evangelho da parte da sua cabeça. É uma 

mensagem diferente. O corpo tem uma cabeça que se compraz em conduzir 

os membros para que estes desfrutem da liberdade e segurança sem correr 

o risco de perdê-las. Essa mensagem garante-nos que estar sob a cabeça é 

razão para esperança e confiança, não para desespero e desconfiança. 

Davi conheceu muito bem o significado da vida do filho de Deus, membro 

do corpo de Cristo, sob a cabeça, Cristo. Não será o Salmo 23, por exemplo, 

uma confissão perene de felicidade e bem-aventurança, frutos da condução 

do Senhor, a cabeça? Afirma Robert Kolb (The Christian Faith, p. 258), 

que a igreja é, em sua raiz, um relacionamento vertical. Entendemo-lo a 

partir da composição do corpo, pois a cabeça conduz os membros e estes 

se deixam levar em confiança. Trata-se de um conduzir cum affectzr et 

effectu (amoroso e ativo), na busca da concretização de propósitos de 

salvação, amparo e esperança. Talvez Martinho Lutero tivesse em mente 

tal relacionamento ao dizer que "uma criança de sete anos sabe o que é a 

igreja, a saber, os santos crentes e os cordeirinhos que ouvem a voz de seu 

pastor" (Artigos de Esmalcalde III:XII, Livro de Concórdia, p. 338). Cabe 

aqui perguntar novamente: como ficaria a autonomia debaixo de uma cabeça 

assim condutora? Esperamos alcançar conclusões que nos possibilitem 

formular a resposta. 

2. AUTONOMIA: 

SUA APLICABILIDADE E ADMINISTRAÇÃO 

Por que se preocupar com o assunto autonomia da 

congregação? Por que apelar para o princípio da autonomia em certas 

ocasiões? O recorrer a esse princípio tem o objetivo de chegar até onde? 

São perguntas introdutórias ao capítulo que se deterá na busca de 

elementos norteadores da aplicabilidade e administração da autonomia. 

Basicamente, é possível restringir tudo a dois pontos: quando se aplica a 

autonomia? E, ao aplicá-la, quais os critérios a observar para bem 

administrá-la?


Quando se aplica a autonomia? Tomo como base o escrito de Lutero: 

Fundamento e Motivação da Escritura para o Direito e a Autoridade 

de uma Assembléia ou Comunidade Cristã Julgar sobre Toda 

Doutrina, Chamar, Nomear e Demitir Professores (Pelo Evangelho 

de Cristo, p. 193 - 202). Creio que há princípios claros que podem ser 

extraídos do referido escrito, a fim de nos auxiliar a responder a pergunta 

formulada. Destaco o seguinte sobre o título do escrito: " ... o direito e a 

autoridade de uma assembléia ou comunidade cristã julgar sobre toda 

doutrina ...". Em meados de 1522, os cristãos de Leisnig, na Saxônica, 

chamaram dois pastores evangélicos, rejeitando um padre católico que tinha 

sido indicado pela autoridade eclesiástica local. Tendo havido conflito 

daqueles cristãos com a autoridade religiosa, procuraram o apoio de Lutero. 

Provavelmente, o escrito acima mencionado é a resposta de Lutero a consulta 

feita pela comunidade de Leisnig. 

A comunidade cristã tem autonomia para julgar doutrina. Não cabe a 

ninguém de fora da congregação, seja lá quem for, pretender impor como 

doutrina algo que contraria a Escritura Sagrada ou seja estranho a ela. " ... 

nessa questão de julgar doutrina, admitir e demitir professores ou pastores, 

não se deve ligar em nada para lei humana, direito, tradição antiga, costume, 

hábito, tanto faz se fixados pelo papa ou imperador, príncipe ou bispo" 

(Fundamento e Motivação ... , Pelo Evangelho de Cristo, p. 192). 

Segundo Lutero, os cristãos de um modo geral têm o direito e o poder de 

julgar a doutrina. Baseia-se em Jo 10.27, 10.5 e 10.8. Com isso, o Reformador 

derruba a tese de que o julgamento da doutrina devesse ser entregue 

exclusivamente aos bispos e concílios, obrigando todo o mundo a considerar 

certo e como artigo de fé o que fosse resolvido por aqueles. " ... a alma da 

pessoa humana é algo eterno, acima de tudo que é temporal; por isso ela 

deve ser regida e determinada apenas pela palavra eterna" (Ibid, ibidem, 

p. 194). Ouvintes da palavra, portanto, têm não apenas o poder e o direito 

de julgar o que é pregado e ensinado, como também o dever, a fim de não 

correrem o risco de cair sob o juizo de Deus. 

A tese defendida por Lutero no escrito em questão leva-nos também 

a reconhecer os limites da autonomia da congregação. A imposição de 

algo contrário ou estranho a Escritura Sagrada não pode ser aceita quando 

vem de fora para dentro ... mas, da mesma forma, se a tentativa surgir de 

dentro da própria congregação. Os falsos profetas mencionados em Mt 

7.15 podem estar presentes no interior da comunidade cristã. Caso os 

cristãos em tal situação ignorarem o equívoco de um determinado ensino 

e, cegos, se apegarem ao que ouvem, embora contrário a doutrina pura 

conforme a Escritura, estarão empregando muito mal o direito a autonomia, 

recorrendo a ele em prejuízo as suas almas. Adotarão, em tal caso, um


procedimento cismático e sectário, pois se quedam a opiniões humanas 

que não provêm da cabeça do corpo e, por conseguinte, não são partilhadas 

nem confessadas pelos demais membros do corpo. A insubmissão a cabeça 

provoca enfermidade nos membros do corpo, podendo levá-los a auto- 

degeneração, caso persistirem no erro. Oportuno é aqui lembrar o já citado 

por Robert Kolb, ou seja, de que a igreja é, em sua raiz, um relacionamento 

vertical. A cabeça conduz o corpo. Tal condução é também fonte de vida 

para cada membro. Por isso, se autodegenera aquele que se mostrar 

insubmisso. 

Dentro da figura do corpo, portanto, o direito a autonomia salvaguarda 

os membros dos riscos da intromissão de qualquer elen~ento que possa 

interromper o relacionamento vertical com a cabeça. Assim compreendido, 

será sempre fonte de bênçãos para cada membro individualmente, bem 

como para todo o corpo, pois este permanecerá saudável, livre das 

conseqüências do ataque de vírus de qualquer espécie. Caso a autonomia 

for reclamada para servir de escudo a ensinos e ações contrárias a palavra 

eterna da cabeça do corpo, estará sendo empregada num espírito nãoevangélico. 

O resultado não será a liberdade, porém a escravidão, pois o 

que não é evangélico apenas escraviza. 

A autonomia corretamente entendida e bem aplicada não descarta, 

portanto, a obediência. Dentro do corpo, os membros respondem em 

obediência a cabeça, Cristo. Não se trata do resultado de qualquer tipo de 

coerção a impor um determinado modo de agir. Pelo contrário, é sempre 

uma escolha voluntária do coração crente e amoroso. Pela fé, tal coração 

vê na obediência ao Senhor a fonte de liberdade. A propósito dessa resposta 

obediente a vontade do Senhor, o Artigo IV da Fórmula de Concórdia, 

Epítome, 11, afirma: " ... com respeito ao espírito libertado, que ele não faz 

isso por medo de castigo, como escravo, mas de amor a justiça, como os 

filhos" (Livro de Concórdia, p. 513). 

A aplicabilidade e administração da autonomia levam-nos a pensar 

também na questão dos adiáforos. Segundo o Artigo X da Fórmula de 

Concórdia, Epítome, 1, adiáforos são "cerimônias ou usos eclesiásticos que 

não são ordenados nem proibidos na palavra de Deus, mas foram introduzidos 

na igreja no interesse de boa ordem e decoro" (Livro de Concórdia, p. 

529). Nem sempre é simples posicionar-se frente aos adiáforos. Por quê? 

Porque estão dentro dos limites da liberdade cristã e julgo ser esta algo 

difícil de ser bem administrado por nós. Adiáforos não são ordenados nem 

proibidos na palavra de Deus; logo, que critérios adotar para um 

posicionamento sábio diante deles? Como não há lei que os ordene ou proíba, 

que "lei" comandará nossas ações envolvendo adiáforos? A liberdade cristã


será sempre regida pela "lei" do amor, fruto da ação do evangelho gracioso 

e libertador na vida do crente. Dentro do corpo de Cristo, a "lei" do amor 

constrange-nos ao cumprimento dos dois grandes mandamentos: buscar a 

glória de Deus e o bem do próximo. Com tal objetivo em vista, reagimos 

diante dos adiaforos "de acordo com a maneira que for a mais útil e a mais 

edificante para a congregação de Deus. Mas que se evite nisso toda 

leviandade e ofensa, e poupem-se especialmente, com todo o zelo, os fracos 

na fé" (Fórmula de Concórdia, Artigo X, Epítome 43, Livro de Concórdia, 

p. 530). Movida pela graça de Deus, a congregação agirá pela "lei" do 

amor no exercício de sua autonomia, buscando aquilo que for mais útil e 

mais edificante para a congregação de Deus, evitando leviandade e 

ofensa, cuidando para poupar especialmente os fracos na fé. Aplicando 

isso a figura do corpo, seus membros terão especial atenção em promover 

aquilo que é útil para o corpo e o edifica. A idéia do coletivo, portanto, está 

muito presente nos critérios estabelecidos pela Formula de Concórdia. Eles 

deixam fora qualquer inclinação individualista ou egoísta no trato com os 

adiáforos. Só aceita isso, todavia, o coração que age em amor, movido pelo 

evangelho da graça. Nunca esqueçamos que o fato de pertencermos ao 

corpo é evangelho puro! 

3. A AUTONOMIA DA CONGREGAÇÃO NA RELAÇÃO COM O SÍNODO 

A Igreja Evangélica Luterana do Brasil apresenta-se como igreja 

sinodal. Como tal ela se administra. Dentro do Sínodo, todavia, as 

congregações consideram-se autônomas, independentes. Não é preciso 

pensar muito para se concluir que a presença de congregações autônomas 

e independentes dentro de uma igreja que se vê como sinodal, significa, vez 

que outra, o surgimento de tensão. Nela, uma questão aparece: o que 

prevalecerá, o espírito sinodal ou o da autonomia? Creio que, a rigor, não há 

necessidade de um prevalecer sobre o outro, pois eles podem conviver lado 

a lado, embora as vezes em meio à tensão. A razão para ter tal convicção 

seguira exposta nas próximas linhas. 

Diferentemente da congregação, o Sínodo, embora organização 

eclesiástica, é de feitura humana, não divinamente ordenado como o é a 

congregação. Será isso um fator de descrédito ao Sínodo? Razão para ser 

ignorado em determinadas ocasiões? Certamente que não. Vejamos: 

organizar-se em sínodo ou não, é adiáforo. No entanto, concordam os 

membros de uma igreja que tal organização é "útil e promove a edificação" 

do corpo de Cristo. Movidos pela graça divina, procurarão agir em amor 

para que o corpo seja edificado, a fim de promover a glória de Deus e o 

bem do próximo. Vêem na forma sinodal a maneira adequada para dela se


valer com vistas ao fim desejado. Para chegar a ele, é preciso seguir a 

recomendação do apóstolo Paulo em 1 Co 14.40, que tudo seja feito com 

ordem e decência. Cristãos, portanto, têm o direito e o dever de se 

organizarem, a fim de que possam coordenar os esforços para a proclamação 

das boas novas do evangelho. As igrejas do Novo Testamento eram 

organizadas. Os cristãos daquela época não eram obrigados a adotar um 

padrão organizacional específico. Podiam ajustar os modelos organizacionais 

as necessidades de cada situação. O fator determinante para os ajustes 

não era simplesmente conveniência ou preferência pessoal, contudo o que 

melhor serviria à causa do evangelho. 

Na segunda convenção sinodal do Sínodo de Missouri, em 1848, 

C.F.W. Walther definiu os objetivos da organização sinodal e os limites 

de sua autoridade, valendo-se de uma alocução que se tornou famosa. 

Esta se encontra na revista Vox Concordiana, Suplemento Teológico, 

Ano 10, Número 2, ano de 1995, sob o título: Poder e Autoridade na 

Igreja. Segundo ele, o poder do Sínodo é o poder da Palavra, "porque 

Cristo deu a seus servos apenas esse poder e nenhum outro, e porque 

até mesmo os santos apóstolos não se apropriaram de nenhum outro 

poder e por isso advertiram seriamente os servos da igreja para que não 

reivindicassem qualquer outro poder" (p. 5). A palavra é a palavra de 

Cristo, a cabeça do corpo. Portanto, o poder vigente é o poder de Cristo, 

ao qual se dobram tanto o Sínodo quanto as congregações, ou seja, a 

igreja como um todo. Nesse sentido, qual é, pois, a autonomia tanto de 

um quanto de outro? A autonomia conferida pela Palavra, o que evitará 

que haja imposição de um sobre o outro. Não caberá ao Sínodo exigir 

das congregações um procedimento contrário a Palavra. Igualmente, 

não caberá a uma ou mais congregações arrogar(em) para si qualquer 

adesão a uma "verdade" não confessada pelos demais membros do 

Sínodo (corpo), em acordo com a Palavra. A tensão poderá surgir em 

determinados momentos, mas a solução sempre brotará do respeito aos 

limites demarcados pela autonomia conferida pela Palavra. O que vem 

a ser tal respeito, senão fé na Palavra? 

Quando uma das partes (Sínodo ou congregação) reivindica um poder 

na igreja além do poder da Palavra, estará, segundo Walther, ambicionando 

a coroa real de Cristo, o único rei verdadeiro. "Eles estão procurando separar 

Cristo, a única cabeça verdadeira, de sua igreja e estão presunçosamente 

tentando ser cabeças de seu corpo espiritual" (p. 8). Se lembrarmos 

novamente que a raiz da igreja se encontra no seu relacionamento vertical, 

a conclusão sobre o que acontecerá em tal caso, é óbvia. 

Ainda na mencionada alocução, Walther afirma que "as congregações


estão livres para se governarem a si mesmas, mas entram numa organização 

sinodal tal como a existente entre nós com a ajuda de Deus, para desfrutar 

de conferência fraternal, supervisão, e ajuda para difundir o reino de Deus 

conjuntamente e para possibilitar e atingir os alvos da igreja em geral" (p.9). 

Segundo o entendimento daquele Pai da igreja, a convivência Sínodot 

congregações não se alimenta de outro espírito, a não ser o da busca da 

expansão do reino de Deus. Sínodo e congregações buscam a mesma coisa; 

isto é importante! Para tanto haverá esforço comum ao redor do mesmo 

objetivo. Não são forças que puxam em direções opostas. Na visão de 

Walther, quanto mais as congregações perceberem que o Sínodo não deseja 

empregar nenhum outro poder sobre elas além do da Palavra, tanto mais o 

coilselho sinodal encontrará porta aberta entre elas. "Na verdade, aquelas 

que não amam a Palavra se separarão de nós, mas para as que a amam 

nossa comunhão será um confortável refúgio; e se elas adotarem nossas 

resoluções, elas não as considerarão como uma carga estranha imposta 

sobre elas de fora, mas como um benefício e um dom de amor fraternal, e 

elas irão apoiá-las, defendê-las, e preservá-las como sendo suas próprias" 

(P 11). 

Sínodo e congregações são membros diferentes do mesmo corpo, 

ligados a mesma cabeça. Como tal, são conduzidos pela mesma cabeça. 

Algo de estranho, portanto, está acontecendo quando parece que a mesma 

cabeça conduz o Sínodo para um lado e congregações para outro. Isso não 

é apenas estranho, porém impossível! É sinal de que alguém (ou até mesmo 

os dois lados) ultrapassou os limites da autonomia conferida pela Palavra. 

Ou, em outras palavras, está havendo insubmissão ao poder da Palavra. 

Membros que se julgam "independentes" estarão pretendendo fazer o que 

bem desejam. Como repercutirá tal atitude dentro do corpo? Nesse caso, a 

convivência deixará de ser fraternal e se transformará em disputa, em 

rejeição da condução por parte da cabeça. Há que acontecer a volta para o 

poder da Palavra. Felizmente, o convite para voltar está sempre colocado 

diante de nós, pois a cabeça é o Cristo perdoador. Seu amor não apenas 

convida para o retorno; ele também reúne em si o poder para nos levar de 

volta. Quando isso acontece, são os membros do corpo retomando a condução 

da cabeça, razão da existência como igreja, fonte de liberdade, garantia de 

vida. 

Apenas uma autonomia mal compreendida suscitará ímpetos para 

ações excludentes, julgadas "independentes". Sob a condução da cabeça, 

Cristo, Sínodo e congregações agirão em apoio mútuo, numa convivência 

saudável dentro do corpo, na busca dos objetivos do corpo. Sublinho o agir 

em apoio mútuo, pois o vejo como fundamental e indispensável tanto nas 

reconhecidas grandes coisas, como também, por vezes, por que não, nas


vistas como pequenas coisas. O "aconselhar-se mutuamente, visando o fim 

proveitoso da igreja", resulta do espírito evangélico. Graças a Deus, é o 

espírito que o Senhor Jesus põe em poder dentro do seu corpo. Mesmo não 

ignorando, sob hipótese alguma, a presença as vezes de outros "espíritos" 

invasores, que procuram minar a saúde do corpo, lá presentes em decorrência 

do nosso pecado, pois ainda continuamos simul iusti etpeccatores, louvado 

seja o Deus gracioso que podemos crer no poder do evangelho. Afinal, é o 

poder do próprio Cristo, a respeito do qual Paulo afirmou não se envergonhar 

(Rm 1.16). Se olharmos para nossa própria vida, encontraremos razões 

suficientes para crer no poder do evangelho. Não foi ele, por acaso, que 

nos enxertou no corpo de Cristo? 

CONCLUSÃO 

Procurar vida para o corpo de Cristo fora do evangelho, é idéia 

totalmente estranha a nossa teologia. Esta não é uma afirmação antinomista. 

A distinção entre lei e evangelho mostra-nos que a vida não está na lei, pois 

esta sempre acusa e mata. Não obstante, não jogamos fora a lei, pois através 

dela Deus faz a sua obra estranha (acusar e matar), para que possa fazer 

sua obra própria (perdoar e vivificar). Mas é justamente esta percepção 

teológica das duas doutrinas, com seus respectivos objetivos e poderes, que 

nos conduz tão-somente ao evangelho para buscar vida para o corpo. Por 

isso, se alguém agora perguntar: de que maneira é possível ajustar a 

autonomia da congregação cristã dentro da idéia de sínodo, sem trazer mal- 

estar para o corpo, responderei: agindo a partir do evangelho! 

O evangelho é Cristo, a cabeça do corpo. Ele conduz os membros 

do corpo em harmonia, levando-os a agir dentro dos limites apontados pela 

autonomia conferida pela Palavra. O evangelho não é relato sobre Cristo, 

como alguns podem concluir limitadamente. O evangelho é o próprio Cristo. 

Ele vem a nós em Palavra, Batismo e Santa Ceia. É o Cristo presente e em 

nós! Para nos salvar ele agiu por nós; contudo, porque nos salvou, também 

está presente em nós. Ele nos conduz ... de que maneira? Dá-nos o privilégio 

e a bênção de agirmos em autonomia, a qual, ao mesmo tempo, significa 

obediência a sua Palavra. 

O presente trabalho teve a intenção de estimular a ver o que representa 

a autonomia em obediência a Palavra e suas implicações para com a vida 

dos membros do corpo de Cristo, as congregações cristãs e, no caso 

específico da IELB, o Sínodo. Correções há para serem feitas ao trabalho? 

Sem dúvida, pois é um ensaio, ocasião em que eventuais acertos não 

dispensam unia boa dose de erros precedentes. Acréscimos ao que foi 

exposto também deverão ser feitos, pois teólogos e líderes da Igrcja são 

8 3


dotados por Deus com dons especiais para enriquecer reflexões sobre 

questões que nos apaixonam, porque dizem respeito a razão de nossa 

esperança maior, aquela que ultrapassa os limites desta acanhada existência 

terrena. Neste momento também recorro a figura do corpo com seus 

membros. Pela graça de Deus fui feito irmão de todos vocês na fé em 

Jesus e colocado no corpo. Por isso, não dispensarei a cooperação de todos 

para enriquecer o conteúdo apresentado. Também aqui "a união faz a força". 

SOLI DE0 GLORIA 

Obras consultadas: 

SUELFLOW August R., editor. Walther on the Church, Concordia 

Publishing House. 

KOLB, Robert, The Christian Faith. Concordia Publishing House. 

Livro de Concórdia. SinodalIConcórdia. 

LUTERO, Martinho, Obvas Selecionadas. Vol. 3, SinodalIConcórdia. 

LUTERO, Martinho, Pelo Evangelho de Cristo. SinodalIConcórdia. 

MILLER, Kenneth K., The Autonomy of a Christian Congregation, in 

The Faithful Word, Vol. 34, número 4, Winter 1997. 

RUDNICK, Milton L., Authovity and Obediente in the Church. 

Lutheran Education Association. 

SASSE, Hermann, We Confess the Church. Concordia Publishing 

House. 

WALTHER, C.F.W., Poder e Autoridade na Igreja, in Vox Concordiana, 

Suplemento Teológico, Ano 10, número 2, 1995. 

WOHLRABE, Jr., John C., Ministq in Missouri Until 1962 

I


ANÁLISE RETÓRICA DO SERMÃO DE 

INVOCAVIT 

DE LUTERO 

ClOvzs Jazr Prunzel* 

INTRODUÇÃO 

No último dia 27 de janeiro, durante o 3" Fórum Social Mundial, Noam 

Chomsky, lingüista americano, levou mais de 20 mil pessoas ao Gigantinho, 

em Porto Alegre. As principais palavras deste renomado cientista foram de 

incentivo as atitudes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, de 

apreensão com a guerra do Iraque, já que, segundo ele, pode vitimar a todos, 

considerando que o terrorismo existe em todo o mundo. 

Por que cito Noam Chomsky? Não pelo que disse no Fórum, mas 

pela sua atitude de cientista em buscar na língua uma forma de democratizar 

a sociedade de hoje. Obviamente que sua crítica pode ser questionada, mas 

a sua contribuição lingüística foi importante nas últimas três décadas do 

século passado. 

Quero trazer agora o testemunho da germanista sueca, Birgit Stolt, 

que tem dedicado sua pesquisa em analisar a construção lingüística de Lutero. 

Segundo Stolt', a preocupação de Lutero em democratizar a linguagem 

colocou-o na frente de Chomsky já há 500 anos atrás quando traduziu a 

Bíblia para a língua do povo. Numa leitura atenta ao que Lutero diz na sua 

"Carta Aberta a Respeito da Tradução da Bíblia"2 de 1530, na qual responde 

a estrutura eclesiástica da época sobre sua autoridade em traduzir o texto 

bíblico para a língua do povo, percebe-se que ele e seus colaboradores se 

preocuparam muito em buscar da boca do povo o real significado das palavras 

para colocá-las na tradução da Bíblia. Afirma Lutero que muitas vezes 

conseguiam produzir apenas três linhas em quatro dias, já que relacionavam 

' C1diii.s Jair Prunzel i pro/~.ssot- de Teologia Si.stemcíriccr no Seminúvio Concórdia e UI,RRA. 

' STOLT, B. "Joy, Lovc and Trust - Basic Ingrcdicnts in Liithcr's Thcology of thc Faith of thc 

Hcart". 

' Oii Translatiiig: an opcii Icttcr in LW 35, 181-202. 

8 5


o scntido das palavras a boca das inulhcres dentro de casa, das crianças nas 

ruas e dos maridos em seus lugares de trabalho. Esta preocupação com seu 

público visava uma sintonia do ouvido cntrc o coinunicador c o scu público 

alvo, caractcrística fundamental para uin bom retórico. 

Agora quero falar sobre o que vou fazer na aula de hoje. Minha 

proposta cncosta-se na hoinilética, na lingüística, que pode ser a exegesc, 

mas meu propósito maior é ativar mccanismos quc sc rclacionam a Ctica 

cristã- ética como movimento, ação - aqui cstá a sistemática. Scin csquecer 

a contcxtualização, c isto C história, qucro inostrar no priinciro rnomcnto a 

contribuição da Nova Retórica para a análise litcrária (ou do discurso) e 

depois aprcscntar uma brcvc análise retórica do primeiro scrinão dc 

Invocavil dc Lutcro, prcgado no ano dc 1522 c, por fiin, deinonstrar alguinas 

contribuições de Lutero para nós hojc na construção do nosso labor teológico 

Icvando cm considcração a Retórica ein, ou até de, Lutero. 

Antcs dc comcçar o trabalho, reineto-os a dois artigos publicados na 

Revista Igreja Lutcrana. No ano passado, publicou-sc o tcxto da aula 

inaugural do prof. Paulo Weirich sob o tcina "Scntido c contcúdo na 

proclamação cristã: subsídios para uma rcflcxão a partir da Icitura cm Lutero 

no 1" capítulo do Evangclho dc João"'. No ano dc 2000, tambCin na Igrcja 

Lutcrana, cstá publicado um resuino da minha pcsquisa dc incstrado sob o 

título "A exortação dc Lutcro à Santa Ccia: rctórica a scrviço da ética 

cristã"" Estes dois textos ajudam na comprccnsão da minha proposta hoje. 

NOVA RET~RICA 

Chaim Pcrclman' C considcrado o fundador da Nova Rctórica. Nasccu 

cin Varsóvia, Polônia, c construiu sua carrcira cm Bnixclas, Bélgica. Para 

entendermos o quc Pcrclman fez, tenhamos ein mente dois inomentos da 

história. O primciro, dominado pclo pcnsamcnto dc Dcscartcs, que 

dcscncadcou uin positivismo lógico, no qual a atividade linguística e o 

raciocínio são dominados pela ciência físico-matemática. A filosofia deveria 

se espelhar no rigor, na univocidade e no raciocínio deinonstrativo. A 

deinonstração c o raciocínio hipotético-dcdutivo são as grandcs bascs do 

raciocínio c da lógica. 

' WEIRICH, Paiilo P. iw Igrcja Lutcraiia, 2002 (1). pp. 35-54. 

PKLlNZI:L, CI6vis J. in Igrcja 1,~itcraiia 2000 (2), pp. 173-198. 

i Ein poriiig~ii.~ 

tcmos dois tcxtos dc Pcrcliiiaii: Retóricas c Tratado da Arg~irncntaçào. arribos 

cdiiados pcla Mariiiis Foiiics.

Igreja Luterana - no l - 2004 

O segundo inomcnto, trazido a tona com Perelman, diz quc c nccessário 

a linbuagem natural, que é constituída da ambiguidade dos termos, do cquívoco 

das palavras, da pluralidadc dos scntidos e das lcituras interpretativas. 

Pcrclrnan revoluciona na questão da linguagcm matcinática versus a 

linguagcm natural dizcndo que todo discurso tcrn um contcxto c um auditório 

para o qual c produzido, onde a rclação cntrc auditório c o cnunciador é dita 

como Rctórica, já que a rclação de adaptação do auditório é uina condição 

para a pcrsuasão. 

A mudança proposta por Pcrclman na sua tcoria da argumcntação 

cstuda as técnicas discursivas que provocam a adesão do público as teses 

que se apresentam ao scu ei~tendirnento. Estuda as condições que possibilitam 

a argumentação e os efeitos causados por esta, pois uma argumentação 

pennite várias conclusões, escoll~as, rccusa de valorcs, trazcndo assim um 

dcbate interminável. Mas, scgundo Perelman, a qualidade da argumentação 

e o cfcito que produz depcndcm da qualidade do auditório que se consegue 

conquistar. Para pcrsuadir o auditório é ncccssário conhecê-lo, assim como 

as tescs quc admite para quc scja possívcl sc clicgar a argumentação. 

Perelman rcssalta que se corrc um grandc risco vincular uma argumentavão 

a premissas onde a adesão é uma mcra fachada, por isso o verossímil é 

importante. 

Perelman interessou-se em criar com a Nova Rctórica uina lógica 

dos juízos de valor, que pudesse fomcccr critérios objetivos e universais 

para a constituição de valorcs, ncgando a possibilidadc de uma solução 

racional para todos os problcmas quc cnvolvesscm o juízo dc valor. Pcsquisa 

em torno da rctórica, como forma de discutir c chegar a um acordo sobre os 

valorcs, sem descartar a razão c transccndendo a lógica formal. 

Na prática, obscrvamos que mesmo havcndo urna predominância da 

tcrccira pessoa, já quc o auditório assume papel fundamental na análise 

retórica, a primcira pessoa do singular sc faz prcsentc, cspccialn~cntc no 

quc diz rcspeito a crcdibilidadc do autor que argumenta. Outra interação 

perccptívcl C a primeira pessoa do plural, aproximando o orador do público 

alvo (lembramos aqui do "nós" apostólico, ondc sc caracteriza uma rclação 

fraternal). O importante não é somentc o logo,~, o raciocínio, mas o ethos 

(credibilidade) e o patho.~ (a rcsposta dos ouvintes). 

CONTEXTO 

RET~RICO DOS SERMÕES DE INVOCAVIT 

Primeiramente, precisamos relembrar alguns acontccimcntos 

irnportantes que culminaram com os scrmõcs. Rclembrar o quc acontcccu 

com Lutero e seus amigos c inimigos até o ano dc 1521. Dcpois, cntcndcr


quais as pessoas envolvidas diretamente com as intenções de Lutero. Por 

fim, analisar as intenções de Karlstadt e seus aliados. 

Desde 15 1 1, Lutero estava em Wittenberg. Em 15 12, obtém o título 

de Doutor em Teologia - e a partir daí torna-se pregador no mosteiro e na 

igreja da cidade. Entre 15 17 e 15 18, com as 95 Teses e suas explanações, 

Lutero torna-se um líder das novas idéias. As três obras de 1520, Do 

Cativeiro Babilônico, da Liberdade Cristã e A Nobreza Cristã da Nação 

Alemã, dão forma as propostas de Lutero. Após a excomunhão através 

da Bula Papal de 3 de janeiro de 152 1, Lutero é convocado para se retratar 

em Worms (a Dieta acontece de 17 de abril até 26 de maio). Lutero deixa 

Worms em 26 de abril e é raptado e escondido no castelo de Wartburg 

(permanece no castelo de 04 de maio de 1521 até 29 de fevereiro de 

1522). Durante sua estada no castelo, muda seu nome para Cavaleiro 

Jorge. 

Em Wittenberg, quem assume o controle do Movimento Reformatório 

é Karlstadt, juntamente com outros colegas e amigos. Pode-se citar Justo 

Jonas, Amsdorf e Zwilling. 

Aqui é importante mencionar o grupo de ouvintes das intenções de 

Lutero, para depois termos em mente aqueles a quem Lutero dirige os 

seus sermões. Por mais que tenha sido uma pequena cidade no século 

XVI (Wittenberg não tinha mais do que 2500 habitantes), nota-se seis 

grupos com interesses diferentes que estarão envolvidos como auditório 

dos sermões de Znvocavit. Sob o aspecto político e administrativo, temos 

o Eleitor e o Conselho da Cidade. O Eleitor havia assumido uma posição 

bem peculiar em relação as propostas de Lutero. Já o Conselho, formado 

por 24 proeminentes cidadãos da cidade, assumia poderes administrativos, 

legislativos e judiciários. O Conselho estava preocupado especialmente 

com o que acontecia dentro da Igreja da cidade. A população também 

tinha voz, pois havia a Assembléia dos 40. Os outros três grupos eram 

formados pela Universidade, a Igreja do Castelo e o Mosteiro Agostiniano. 

A Universidade, fundada pelo Eleitor em 1502, era dominada pelo 

pensamento escolástico e humanista. Ao lado de Lutero, Melachthon e 

Karlstadt eram os principais expoentes. Na Igreja do Castelo, onde Lutero 

e Karlstadt participavam como oficiantes, estava a coleção de relíquias do 

Eleitor. O último grupo, os monges agostinianos, colegas de Lutero, tinha 

como líder Gabriel Zwilling, que juntamente com Karlstadt tornaram-se os 

mais agressivos reformadores enquanto Lutero estava no Castelo de 

Wartburg. 

Os principais temas teológicos que geraram problemas foram: as 

Missas - problemas com Missas Privadas, o caráter sacrificial da Missa e


outras práticas relacionadas; as regras clericais, entre as quais podemos 

citar os votos monásticos, especialmente o celibato; a função do clero na 

celebração da Ceia - distribuição dos dois elementos aos comungantes; a 

presença de imagens na igreja; o lugar da confissão auricular - seu uso e 

propósito. 

Estes temas se tomaram palpitantes enquanto Lutero esteve no Castelo 

de Wartburg. Vejamos o que aconteceu na cidade de Wittenberg durante a 

estada de Lutero no castelo. 

3 de maio - Lutero é "raptado" e levado ao Castelo. 

1 de agosto - Lutero questiona através de carta a Melachthon a 

atitude de Karlstadt em afirmar que estão pecando aqueles que comungam 

sob uma espécie. 

19 de setembro - Melachthon é incentivado por Lutero a aceitar um 

chamado de pregador da Igreja da Cidade. 

29 de setembro - Melachthon e estudantes participam da Ceia sob os 

dois elementos. 

6 de outubro - Zwilling incentiva os agostinianos a abandonar seus 

votos monásticos. 

20 de outubro - aparecem dois manuscritos de Lutero: Dos Votos 

Monásticos e A Respeito do Abuso da Missa. Importante observarmos que 

Lutero permanece monge por mais 4 anos. 

25 de dezembro - Karlstadt celebra Missa na Igreja do Castelo sem 

as vestes litúrgicas, distribui a Ceia sob as duas espécies, não mais faz 

referência ao sacrifício da Missa, elimina a elevação da hóstia e conduz a 

missa em alemão. 

27 de dezembro - aparecem em Wittenberg os Profetas de Zwickau 

que depois afirmam a revelação direta de Deus sem a Palavra. 

11 de janeiro - Zwilling lidera os monges agostinianos a destruir o 

altar e as imagens do Mosteiro. 

19 de janeiro - Karlstadt casa com uma menina de 15 anos, quebrando 

os votos monásticos. 

1 de fevereiro - moradores de Wittenberg destroem altares, imagens 

e gravuras nas igrejas da paróquia. 

5 de março - Lutero anuncia que está de volta a Wittenberg j á 

havia visitado a cidade por 3 dias durante o mês de dezembro.


ANÁLISE RET~RICA DO PRIMEIRO SERMÃO DE INVO 

O primeiro sermão foi pregado no Domingo de Invocavit, 9 de março 

de 1522. A série de sermões é composta de 8 sermões pregados até o 

domingo seguinte, dia 16. 

Um rápido resumo desta série de sermões nos ajuda entender o que 

Lutero quer: no primeiro, demonstra quem é e quem não é cristão, o que o 

cristão deve ou não fazer; no segundo, trata das missas privadas; no terceiro 

e quarto, dos votos monásticos e das imagens; no quinto, sexto e sétimo da 

Santa Ceia; e no oitavo da Confissão. 

Como já afirmamos anteriormente, o grupo de ouvintes é impreciso - 

da igreja da Cidade Lutero pregou esta série de sermões. 

O Primeiro Sermão6 parte de premissas universais que são aceitáveis 

até os pontos de desacordo na seguinte estrutura: 

Introdução - Lutero estabelece a relação com seu auditório e 

estabelece seu tema, as partes essenciais para quem quer ser cristão e 

estas partes ele divide em quatro: 

Primeira parte - Todos são pecadores 

Segunda parte -Através de Cristo somos livres do pecado 

Terceira parte - O amor é produto e prova de fé. Aqui Lutero confronta 

o que está com o que deveria estar acontecendo em Wittenberg. 

Quarta parte - Paciência é o meio termo entre o que está havendo 

com o que deveria estar havendo. 

A Introdução (p. 1, 5-16) 

O que levou Lutero a começar seu sermão com o tema morte? Não 

podemos esquecer o momento da vida do próprio Lutero; raptado e escondido, 

após o Edito de Worms, Lutero teve abrigo no Castelo de Wartburg para 

não morrer. Além da situação particular, as perícopes do Domingo de 

Invocavit ajudam a perceber que morte é um bom tema para este sermão. 

Liturgicamente, o domingo é designado de "invocavit" devido as palavras 

do Salmo do dia, que determina o Intróito. As palavras são: "Ele me invocará, 

e eu lhe responderei; na sua angústia estarei com ele, livrá-lo-ei, e o 

glorificarei. Saciá-lo-ei com longevidade, e lhe mostrarei a minha salvação" 

" Usa-sc a tradução do Scrmâo publicado no Pelu Evangelho de Cri.sfo. Porto Alcgrc, Concórdia, 

1983.


(Salmo 9 1.15- 16). Também a perícope do Evangelho do dia nos ajuda a 

entender - a tentação de Jesus, conforme Mateus 4.1 - 1 1. 

A relação pregador-ouvinte é estabelecida então através de uma forma 

implícita, a situação particular de Lutero e os textos selecionados para o 

domingo, uma forma explícita quando Lutero contrapõe antíteses e negações 

e de uma forma direta quando se relaciona com seus ouvintes. 

A partir da definitio de morte, amplia com predicativos com tonalidade 

de "guerra" ou "batalha". Lutero também estabelece uma situação pessoal, 

através do uso da primeira pessoa, tanto no singular como no plural. Sob o 

aspecto psicológico, este "apelo pessoal" nos faz olhar para a credibilidade 

do pregador - os ouvintes de Lutero o conhecem, confiam nele, respeitam e 

talvez até o temem - mas a credibilidade do que irá dizer depende muito 

desta relação pregador-ouvinte. 

Lutero chega a seu ponto quanto anuncia "os pontos principais que 

mais importam para um cristão" (Hauptstiick). Ao colocar esses "pontos 

principais", transparece uma arbitrariedade da parte de Lutero; afinal a escolha 

entre o que é importante e o que não é, o que é melhor do que não é, transforma- 

se em algo fundamental para a continuidade do programa da Reforma. "Os 

pontos principais" recebem predicativos: eles precisam ser "bem conhecidos" 

e as pessoas precisam estar "bem armadas" com estes pontos. Aqui Lutero 

estabelece uma ponte entre doutrina e prática, em outras palavras, Lutero nos 

mostra quem somos e o que fazemos a partir desta identidade. 

As quatro partes apresentadas podem ser resumidas em dois 

injuntivos7 "precisamos saber" (quase um imperativo) e dois imperativos 

''temos que ter amor" e "é necessária a paciência". A estrutura das partes 

segue um padrão: o ponto, a fundamentação bíblica e a ilustração ou ponto 

de contato entre o pregador e o ouvinte, e isto ocorre especialmente pelo 

uso dos pronomes. 

Primeira Parte (p. 1, 17-28) - Todos são pecadores 

O primeiro ponto de Lutero é uma proposição universal: "todos somos 

filhos da ira". Esta premissa universal é válida e tem poder na medida em 

que Lutero a define a partir das Escrituras. Amplia também o "nós", 

acrescentando "os nossos atos, pensamentos e atitudes". 

Será comum neste sermão Lutero utilizar-se do artifício de dar 

autoridade ao seu discurso a partir do testemunho bíblico, isso para dar 

credibilidade a seus ouvintes - a credibilidade em si não está em Lutero mas 

- - 

' QUC cxprimc uma ordcm ao intcrlocutor para cxccutar ou não uina dctcrminada ação.


no testemunho das Escrituras a respeito dos pontos em destaque. Assim 

Lutero chama a atenção não de si mesmo, mas de uma autoridade acima 

dele. Através de uma sinédoque8, "passagens neste sentido há muitas 

espalhadas pela Escritura", e de uma veprehensio9 ''e não quero 

sobrecarregá-los com muitas passagens bíblicas", Lutero quer deixar claro 

na mente de seus ouvintes o seu ponto: que todos são "fillios da ira", tendo 

uma argumentação verdadeira e clara, sem exceção. 

Segunda Parte (p. 1, 29-p. 2,19) - Fé em Cristo liberta o pecador 

Ao ponto negativo anterior, Lutero agora coloca uma assertiva positiva: 

estamos livres da ira de Deus através de Cristo. E isto é verdade porque o 

Novo Testamento dá testemunho desta verdade. Ao lado da morte, Lutero 

apresenta mais um inimigo do cristão, o diabolo, e a vitória sobre ele requer 

o testemunho das Escrituras. 

Terceira Parte (p. 2,20-p. 3,lO) - Amor é fruto e prova de fé 

Agora estamos diante dc uma confrontação e de uma exortação. Ao 

relacionar Wittenberg a Cafarnaum", onde a teoria e prática da fé não se 

concretizaram, Lutero chama a atenção de seus "caros amigos" 

contrastando-os com um burro. Lutero aqui confronta seus amigos não 

somente pela falha na ação dos mesmos, mas também sua própria identidade 

como cristãos. Para resolver este problema, Lutero constrói uma definitio: 

"Caros amigos, o reino de Deus não consiste de fala ou de palavras, mas de 

força e de ação. Pois Deus não quer ter apenas ouvintes e repetidores, mas 

seguidores e praticantes, que cumprem a palavra, se exercitam na fé que 

tem sua força no amor". Aqui está a exortação; se por um lado seus ouvintes 

são colocados contra a parede, por outro, Lutero tem o cuidado de exortar e 

ensinar a partir do que a Escritura tem a dizer conforme 1 Co. 

Quarta Parte (p. 3,llss.) - É necessária a paciência com nosso pró- 

ximo 

Essa quarta parte começa com um "nós", o que nos ajuda a perceber 

a intenção de Lutero de manter um ponto de contato com seu auditório. 

Do grego ovv~~6oqç 'sincdoquc, figura dc palavras que consiste cm cmprcgar um tcnno cm um 

scntido mais abrangcntc', do v. ovv~6~qop~wf 'comprccndcr, abarcar ao mesmo tcmpo 

Figura quc procura corrclacionar ccrta cmoção, consolo, restrição. Aqui ela C usada no scntido 

dc não sobrccarrcgar os ouvintcs com um númcro dcsncccssário dc passagens biblicas. 

"' Em uma corrcspondencia a Espalatino, dc 13 dc março, Lutcro relaciona Karlstadt como sendo 

o Satanás quc sc cstabclcccu cm Wittcnberg contra o cvangclho. 

" Lutcro tem cm mente o texto dc Mt 11.23: "Tu, Cafarnaum, clcvar-te-ás, porvcntura, atc ao 

ccu? Dcsccrás atC ao infcmo; porquc, sc cm Sodoma sc tivcsscm opcrado os milagres quc cm ti 

sc fizeram, tcria ela pcrmanccido até ao dia de hojc".


Temos uma definitio de paciência caracterizada ou pintada como fé 

e amor operando juntos em relação ao próximo ou irmão. 

Satanás é descrito como um agente que quer dissolver a fé e o amor; 

por isso, a paciência, que é a demonstração da fé e do amor, é uma forma de 

vencer Satanás. 

Na citação de 1 Co 6.12 Lutero nos cria um pequeno problema. As 

palavras de Paulo são uma reflexão da individualidade, do cuidado pessoal 

do cristão de si mesmo. Mas Lutero utiliza este ethos, credibilidade, para 

relacioná-lo com o próximo, que precisa também de nossa credibilidade, 

especialmente como líderes e condutores do processo de ensino daquilo que 

é doutrinário e prático, daquilo que é necessário e do que é útil, daquilo que 

é esperado e do que é vivido. Sem dúvida, percebemos Lutero alfinetando 

os líderes que em Wittenberg agiram sem medir as conseqüências. 

Nesta parte, Lutero começa aplicar seus princípios para questionar o 

que estava acontecendo em Wittenberg. A partir da p.6, 31, com uma 

conjunção que nos liga as premissas anteriores, Lutero trata da questão da 

Missa, primeiro ponto a ser analisado por Lutero na série de sermões. 

A argumentação de Lutero começa com um meio de ação que trouxe 

resultados impróprios. A proposta da reforma de Lutero sem a sua presença 

resultou em mais problemas. Então, Lutero começa novamente a orquestrar 

ou dirigir seu projeto reformatório. A partir de um falante hipotético que 

argumenta com Lutero ("Você diz que é correto a partir da Escritura. Eu 

também o digo" (6,34)), ele apresenta seu modo de ser e agir perante as 

novas propostas que estavam sendo ventiladas. 

Ao analisar a atitude de seu auditório ou daqueles que conduziram a 

rebeldia (nota-se que a primeira pessoa transforma-se em terceira), Lutero 

aponta que eles erraram de inimigo; não eram os papistas nem os ignorantes, 

mas o próprio Satanás, e aí o simples conhecimento da Escritura não é 

suficiente, pois Ihes faltou o Espírito Santo por trás de suas ações. 

Lutero também se coloca dentro da situação ao assumir com um 

"eu". Sua atitude diante das circunstâncias não seria em proveito próprio, 

mas em função daqueles que tanto precisam entender as novas propostas 

trazidas pelo movimento reformatório. Importante observar a dicotomia entre 

"ter que ser" e o "ser livre". Lutero prende estes dois pontos em função da 

necessidade do próximo, e aí que entra a paciência, assunto deste quarto 

ponto. Por isso a paciência é mostra de fé e amor, que identifica o verdadeiro 

cristão. Esta é a grande exortação de Lutero neste texto. E então ele pode 

terminar seu sermão de forma empática já que estabeleceu a base para as 

ações que a Reforma estava propondo.


CONTRIBUIÇ~ES DA RET~RICA EM (DE) LUTERO A 

PARTIR DO SERMÃO DE INVOCAVIT 

Aprendemos de Lutero, a partir desta análise, como questionar, propor 

mudanças e até condenar atitudes de forma sábia e apropriada. Este primeiro 

sermão, como norteador dos demais, mostra critérios claros para tratar os 

assuntos controversos. Os assim chamados "pontos principais", que estão 

acima dos assuntos controversos, nos fazem olhar para o que é essencial a 

fim de se manter a igreja de pé, com seu povo e ministério. 

Com o retorno a Wittenberg, percebemos que Lutero ou sua 

credibilidade foram fundamentais em nível de liderança da igreja reformada, 

manter o ensinamento de forma clara, contra-atacando as intervenções de 

Satanás e sua presença ajudou a restaurar a verdade do evangelho. 

Quando olhamos para o ethos de Lutero, percebemos aspectos do 

amor pastoral e da autoridade apostólica presente nas ações de Lutero. Há 

o testemunho de Jerome Shurff, que escreve ao Eleitor Frederico em carta 

de 15 de março, falando de como Lutero conseguiu modificar o seu modo 

de pensar a respeito da Reforma. 

Quanto ao estilo de Lutero, podemos resumi-lo aos seguintes pontos 

a partir do seu uso da Escritura Sagrada. Primeira, precisanlos ter em mente 

que a forma do sermão assume características totalmente diferentes de 

outros sermões de Lutero. Para começar, seu sermão não é uma exposição 

de uma perícope. Ao lermos os demais sermões que seguem ao primeiro, 

percebe-se um tom polêmico, já que há uma controvérsia entre como 

reformar a igreja e como não fazê-lo. O uso dos pronomes também é 

significativo. Lembramos que o "eu" e o "nós" tanto aproxima como distancia; 

aproxima quando Lutero se coloca nas mesmas circunstâncias de seus 

ouvintes; o distanciamento ocorre quando é necessário distinguir o que outros 

fizeram das atitudes de Lutero. O "nós" também tem caráter exortativo. 

LerouxI2 afim~a: Nos Sermões de Invocavit não apenas descobrimos o 

óbvio em Lutero - que ele foi um grande pregador. Muito mais, percebemos a 

eficácia de Lutero não somente por estar no lugar certo na hora certa. Mas 

porque Lutero fez com que a Escritura desempenhasse seu papel em função de 

seus ouvintes, isso porque conhecia bem a Escritura e conhecia bcm seus ouvintes. 

A teologia e o cuidado pastoral estão presentes e são a marca do pastor Lutero. 

Quando Helmar Junghans13 pergunta se o que Lutero fez com sua 

" Lcroux, Ncil. Lutherd Kheloric, St. Louis, Concordia, 2003. p. 162. 

" Junghaiis, Hclmar. Temas na Teolugia de Lzrtero. São Lcopoldo. Siriodal. 2002, pp. 24-26.


retórica é mera retórica humanista/renascentista ou se teologia bíblica, 

percebemos que as duas perspectivas se aproximam, pois entendendo melhor 

a estrutura retórica básica na teologia de Lutero entenderemos melhor 

algumas coisas que ele escreveu. Aprenderemos principalmente que para 

Lutero era mais importante afirmar de que as palavras de Cristo dão a vida 

do que ensinam a vida. Quando a palavra de Cristo é atualizada através da 

pregação e quando ela atua, esta palavra dá vida ao crente, e não apenas a 

promete. 

CONCLUSÃO 

Na introdução de meu trabalho afirmei que minha maior preocupação 

era de ver como Lutero conseguiu colocar as pessoas em movimento - 

como ele estimulou a vida cristã, a ética cristã em Lutero. 

Sabemos que nossa caminhada como cristãos é como uma jornada; 

esta metáfora nos ajuda a entender que a proposta de Lutero nesta série de 

sermões é de incrementar a fé e o amor através do ouvir da palavra de 

Deus durante um período de tempo e ele consegue reconduzir as pessoas 

envolvidas na Reforma da igreja no contexto de Wittenberg de volta ao 

propósito original. 

Como Forell resumiu na sua "Fé Ativa no Amor" dc que para Lutero 

fé nunca é uma fé sem ética, podemos terminar nossa reflexão dizendo que 

podemos aprender muito com Lutero, especialinente quanto a seus aspectos 

retóricos e que nos ajudaram em muito a ver sua teologia mais próxima do 

nosso dia-a-dia.


QUARTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES 

I Timóteo 1.12-16 

27 de junho de 2004 

1. LEITURAS DO DIA 

Miquéias 7.18-20 enaltece uma peculiaridade, até mesmo uma exclusividade 

do SENHOR. Ele é o Único que perdoa a iniqüidade, que esquece 

a transgressão, que não retém para sempre a sua ira e que tem prazer na 

misericórdia. O v. 18 é um trocadilho ao nome do profeta Miquéias: "Quem, 

ó Deus, é semelhante a ti...?" A pergunta é retórica e a resposta só pode 

ser uma: ninguém pode ser comparado ao SENHOR no seu amor, perdão e 

misericórdia para com o Seu povo. 

O Salmo 100 convida: "Celebrai ... servi ... sabei ... entrai ... rendei ... 

bendizei ..." - e dá a razão: "porque o SENHOR é bom, a sua misericórdia 

dura para sempre." 

O Evangelho do Dia (Lc 15.11-32) é significativo nesta direção. A 

parábola conhecida como do "filho pródigo" está no contexto de duas outras 

parábolas que falam de coisas perdidas e achadas: a ovelha perdida e a dracma 

perdida. Logo, o título desta parábola não deveria ser o filho "pródigo", mas o 

filho "perdido, mas achado". A ênfase da parábola do filho perdido não está 

no seu "arrependimento", mas na angústia e na iniciativa salvífica do pai. Na 

verdade, o arrependimento só vem depois que o pai vai ao seu encontro 

"compadecido", correndo, abraçando e o beijando. A misericórdia de Deus 

excede a qualquer pecado ou culpa da nossa parte graças a obra Daquele 

que "lança todos os nossos pecados nas profundezas do mar". 

2. CONTEXTO 

E TEXTO 

O contexto de 1Tm 1.12-16 mostra o apóstolo Paulo instruindo Ti- 

móteo a respeito do ministério pastoral. O objetivo é admoestar para que os 

cristãos não fujam do "serviço de Deus", apegando-se a outra doutrina, ou 

se ocupando com fábulas, genealogias, discussões, perdendo-se em "loqua- 

cidade frívola". A ênfase do apóstolo está em estimular Timóteo a perma-


necer na compreensão da lei (vv. 9- 10) e do evangelho (v. 1 1). 

O texto inicia no v. 12 com um gesto de ação de graças e termina no 

v. 17 com uma grande doxologia. Isto significa que o que é dito no meio 

deve ser da máxima importância. O que aparece como central no texto, 

entretanto, não é nada laudável. Ao contrário, é uma confissão de 

miserabilidade. O que quer dizer o apóstolo quando afirma: "Mas obtive 

misericórdia, pois o fíz na ignorância, na incredulidade"? 

Que ignorância seria esta? Um exercício de intertextualidade nos 

remete para as palavras de Jesus na cruz "Pai, perdoa-lhes, porque não 

sabem o que fazem" (Lc 23.34). Nesta passagem, os soldados estavam 

executando ordens, fazendo o seu trabalho, desempenhando a sua função, 

mas não sabiam que Jesus era o Messias, o Filho de Deus. Por que Jesus 

intercede por eles junto ao Pai para que os pecados deles sejam perdoa- 

dos? Pelo trabalho que fazem (e sabemos pela leitura do texto) eles esta- 

vam torturando, vilipendiando e crucificando o próprio Filho de Deus. Eles 

não estavam rejeitando a Jesus nem se rebelando contra ele como Messias, 

mas apenas faziam a tarefa que deles era requerida da parte de suas auto- 

ridades. Quem sabe alguns deles até cressem nas promessas de Deus mas 

viessem a se dar conta da verdadeira identidade daquele que julgavam cri- 

minoso apenas mais tarde (cf. Lc 23.47; compare 24.3 1). 

O apóstolo Paulo era culpado de blasfêmia, perseguição e insolên- 

cia. Mas no seu coração, o apóstolo não rejeitava a Cristo. Ele perseguira o 

"Caminho". Na sua ignorância Paulo seguia as orientações, ordens e tare- 

fas determinadas pela tradição farisaica, da qual era fiel observador. Seu 

ato, embora pecaminoso, não o levara a uma situação de desfé. O apóstolo 

tinha consciência das suas atitudes intolerantes e pecaminosas contra o 

povo de Deus e não procura se eximir dessa culpa. Ele se coloca como o 

principal pecador. Apesar disso, não se colocou fora da esfera da oração de 

Cristo na cmz. 

No v. 16, Paulo se vê como exemplo de pecador em quem é de- 

monstrada a extensão e a profundidade da misericórdia de Cristo. E aí está 

o evangelho: assim como Cristo revela sua misericórdia a este insolente 

pecador, da mesma forma Cristo revela o seu amor para comigo indepen- 

dente de quem eu sou e do pecado que tenha cometido. A minha (seja quem 

eu for) lista de pecados, gerada pelo meu estado natural, pode ser muito 

grande. Aptnas eu conheço esta lista e nela a blasfêmia, a insolência, a 

violência, o orgulho sempre estarão presentes, seja eu leigo ou pastor. 

Pregar sobre este texto requer do pastor a consciência de que o 

texto precisa ser pregado primeiramente para ele. Precisamos ter coragem 

de aplicá-lo a nós antes de anunciá-lo do púlpito. E do púlpito o sermão 

9 7


deve ter como pano de fundo o fato que a graça de Cristo "transbordou" (o 

verbo bn~p~7ch~ova(~~v no v. 14 é um hapax: ocorre apenas aqui no 

NT). A graça de Deus em Cristo é infinitamente maior do que qualquer 

pecado, seja de que natureza ou proporção for. E eu, como pastor, estou 

diante da minha congregação, no púlpito, para proclamar esse amor gracioso, 

incondicional, alegre recebido de um Deus cujo perdão é singular e 

exclusivo - para mim e para o povo de Deus. 

3. SUGESTOES HOMILÉTICAS 

1. Humanamente falando, no plano horizontal, a autobiografia do apóstolo 

Paulo é de causar inveja: ele é cidadão romano, ser humano 

cosmopolita, um fariseu exemplar. Contudo, no plano vertical, a 

vida e as atitudes de Paulo não são nada laudáveis: ele se considera 

o pior dos pecadores. A lista de pecados que faz o apóstolo nos 

impulsiona a numerar também os nossos que apenas nós e Deus 

conhecemos. O gesto de confessar os pecados (diante de Deus e 

diante do próximo), por mais graves que sejam, e confiar de que 

são efetivamente perdoados enaltece e honra a eficácia da obra 

de Cristo (Apologia, IV, 149). 

2. Ao pregar sobre esse texto, o pastor deve estar consciente de que 

não apenas os membros da congregação precisam confessar seus 

pecados; também o próprio pastor - especialmente quando ele é a 

causa, voluntariamente ou não, de perseguições e morte (cf. o 

texto) na congregação. 

3. Os pecados podem ser conscientes ou inconscientes. Deus, por 

causa de Cristo, perdoa a ambos. Embora a consciência fique atri- 

bulada por um pouco, Deus diz que a sua graça transborda e 

superabunda porque ninguém é como Deus é: incomparável, úni- 

co, singular. 

4. A graça de Deus vai ao nosso encontro estafante, ansiosa, amoro- 

sa e nos cobre com a "melhor roupa" (Lc 15.22) que ele nos deu 

no nosso batismo. É a graça e a compaixão de Deus que nos 

acolhem e abrigam na família de Deus. 

4. TEMA: 

Ao pior pecado, a melhor graça. 

Acir Raymann


QUINTO DOMINGO A& PENTECOSTES 

04 de julho de 2004 

Romanos 12.14-21 

1. CONTEXTO 

No capítulo 12 de Romanos, o apóstolo Paulo inicia seu discurso 

tratando das n~isericórdias de Deus, que são ilimitáveis. Fala também da 

resposta do ser humano que crê e da conseqüência dessa fé, ou seja, oferecer-se 

a si próprio como sacrifício vivo de serviço a este Deus. Nesse 

mesmo contexto o apóstolo também fala da unidade dos que crêem em 

Cristo e diz que "embora sejamos muitos, somos um só corpo por estarmos 

unidos com Cristo". Esta união com Cristo fará com que a conseqüência 

"inevitável" seja uma vida de serviço a Deus "com o coração cheio de 

fervor". Nos versículos que seguem o apóstolo fala mais sobre os frutos da 

fé cristã e da união com Cristo. 

Alguns comentaristas analisam o sentido da perícope a partir do 

versículo 9, e argumentam que amor e esperança andam juntos. A alegria 

que a esperança trazia aos cristãos do tempo de Paulo ajudou-os a suportar 

as tantas reivindicações por um serviço dedicado ao seu Senhor, tornando- 

o prazeroso e, ao mesmo tempo, lhes ajudava a suportar com paciência e 

bravura as próprias tribulações. Por isso oravam sempre "Vem, nosso Se- 

nhor", e não desanimavam enquanto aguardavam a vinda do Senhor. 

Esta mesma esperança que dá firmeza para resistir em meio as afli- 

ções, ajuda o cristão a ser solidário para com o irmão na fé que passa por 

necessidades, a ser hospitaleiro e abrigar e dar auxílio aqueles viajantes e 

perseguidos, provendo ajuda em suas necessidades. 

2. TEXTO 

V. 14: A mesma esperança e amor que ajuda os cristãos a suportarem as 

adversidades e a serem solidários e hospitaleiros, vai ainda mais longe: 

cria ao mesmo tempo a capacidade de amar e rogar por bênçãos em 

favor dos próprios perseguidores. O mandamento de nosso Senhor de 

amar e bendizer aos próprios inimigos e aos que nos perseguem (Mt 

5.44) enquadra-se na esperança criada pela proclamação do seu reino 

99


que está próximo (Mt 4.17) e nas promessas das bem-aventuranças 

(Mt 5). Paulo faz aqui referência quase literal ao ensino do próprio 

Cristo. 

"Abençoai os que vos perseguem, abençoai, e não maldizei" - Seria 

oportuno que o leitor conferisse os textos de Lc 6.28 e 1 Co 4.12- 13. O texto 

que aqui é analisado, em importantes manuscritos omite o pronome "vos". Neste 

caso, a "Nova Tradução na Linguagem de Hoje" reproduz bem essa idéia 

quando diz: "Peçam que Deus abençoe os que perseguem vocês. Sim, peçam 

que ele abençoe e não que amaldiçoe". Os cristãos foram exortados pelo 

apóstolo Paulo a rogar a Deus por bênçãos inclusive a seus perseguidores. É 

natural ao ser humano pagar com a mesma moeda. O apóstolo Paulo (e tam- 

bém Cristo) insiste que para os cristãos até mesmo o adversário e perseguidor 

deve ser alvo do verdadeiro amor que tem a sua origem em Deus. 

V. 15: A esperança também fará com que nos tornemos receptivos às 

alegrias e tristezas dos outros. O cristão pode interessar-se com empatia 

pelas alegrias e tristezas dos que o rodeiam porque não fica enclausurado 

em suas próprias preocupações. Imitando o próprio Cristo, alegra-se 

nas bodas de Caná e chora junto ao túmulo de Lázaro. 

"Alegrai-vos com os que se alegram, e chorai com os que choram". 

O apóstolo reflete bem as palavras e procedimentos do próprio Cristo. Vale 

destacar que, em muitas situações, pode ser mais difícil se alegrar com os 

que se alegram do que chorar com os que choram. Isto porque, para o ser 

humano comover-se com o sofrimento dos outros pode ser algo até mesmo 

natural, mas, em meio as dificuldades, insucessos e fracassos do dia a dia, 

pode tornar-se muito difícil o alegrar-se com o sucesso e alegria do próxi- 

mo. A tendência natural do ser humano seria a de ficar lastimando os pró- 

prios fracassos e invejar a situação privilegiada do outro. 

Vv. 16- 18: O apóstolo segue com suas recomendações à pratica da unidade, 

humildade e compreensão compassiva. Chama atenção contra o 

orgulho e a falsa sabedoria. A exemplo do que diz aos Filipenses, ele 

demonstra que a esperança triunfa sobre a tribulação. Paulo diz aos 

Filipenses (Fp 4) que tanto os amigos quanto os inimigos devem ver 

neles um comportamento digno de reis. Tal comportan~ento é resultado 

da consciência que se tem da própria força da esperança que move a 

vida cristã. E o motivo e dinâmica dessa moderação e esperança é a 

certeza de que "perto está o Senhor" (Fp 4.5). É esta mesma esperança 

que vencerá o rancor e a sede por vingança. A esperança dos cristãos 

não está em suas próprias forças, mas no Deus de todas as graças. 

E essa esperança fará com que o seu testemunho ao mundo seja de 

paz, pois "bem-aventurados são os pacificadores" ... (Mt 5).


Vv. 19-21: O fazer justiça e executar a vingança pertence ao Senhor. 

Nenhuma espada ou vingança é entregue a indivíduos ou mesmo a 

igreja; é o Estado o executante da ira de Deus neste mundo. A igreja 

não julga e não exerce a vingança, antes aguarda e espera. A única 

"vingança" que os cristãos têm ao seu dispor é o amor não solicitado e 

imerecido (a exemplo do amor de Cristo por nós) por seus próprios 

inimigos. Para o cristão, deixar-se arrastar pela sede de vingança é 

derrota completa, ou seja, terá sido derrotado pelo mal. Ao contrário, o 

triunfo sobre o mal se dá quando se é guiado pelo Espírito de Deus e se 

retribui ao mal com a prática do bem. 

3. APLICAÇOES HOMILÉTICAS 

a - Amor e esperança resultam em bênçãos na vida dos cristãos e daqueles 

que lhe são próximos (mesmo os inimigos). 

b - Amor e esperança ajudarão o cristão a alegrar-se com os que se 

alegram e a chorar com os que choram. 

c - Amor e esperança manterão os cristãos em unidade, humildade e 

pacientes nas tribulações. 

d - Amor e esperança farão dos cristãos pacificadores e amigos da 

justiça. 

e - Amor e esperança ajudarão os cristãos a vencerem o mal com o 

bem. 

4. SUGESTÃO DE TEMA 

A vida do cristão é caracterizada pela esperança c amor. 

Pazrlo Gevhavd Pietzsch


SEXTO DOMINGO 

APÓS PENTECOSTES 


I Pedro 2.4-1 0 

Os cristãos recebem títulos 

para proclamar os feitos de Deus 

1. CONTEXTO 

O texto da perícope que estudamos em maio foi 1 Pedro 2.21-25. A 

de hoje é 1 Pedro 2.4-10. O contexto sobre Pedro e suas Epístolas é o 

mesmo para as duas perícopes. Logo, aproveitaremos, em parte, o texto 

que preparamos em maio. 

Pedro é o autor de nossa perícope. Depois de ter abandonado seus 

caniços e redes no mar da Galiléia e ter aceito o convite de Cristo "vinde 

após mim, e eu vos farei pescadores de homens" (Mt 4.19), Pedro integra a 

equipe dos 12 apóstolos e, ao longo de seu ministério, em muitos momentos, 

chama a atenção sobre si, e suas atividades recebem repreensões ou elogi- 

os dos colegas e do próprio Cristo. É uma pessoa muito dinâmica e investe 

tudo que tem, sabe e pode em favor de sua atividade missionária. Não gosta 

de meio termo. Tornou-se um verdadeiro "pescador de homens", especial- 

mente entre seu povo, os judeus (como Paulo foi o missionário entre os 

gentios). 

Além de suas viagens missionárias, Pedro também escreveu duas 

Epístolas. Fazem parte das sete chamadas "Epístolas Católicas ou Univer- 

sais" (1 Pe, 2 Pe, Tg, Jd, 1 Jo, 2 Jo, 3 Jo), e foram dirigidas as congregaçõcs 

cristãs nas cinco províncias romanas localizadas onde hoje está a Turquia. 

Provavelmente foram escritas em Roma (5.13) na década de 60, auge das 

perseguições aos cristãos. 

Conforme a tradição cristã, Pedro morreu crucificado, de cabeça 

para baixo, entre os anos 60 e 70, em Roma (Babilônia), sob as persegui- 

ções atrozes do imperador Nero. 

A linguagem, a teologia, as doutrinas e as recomendações de ordem 

prática de Pedro são assombrosas e admiravelmente profundas, claras e 

diretas. Certamente Silvano (5.12) auxiliou muito este extraordinário "pes- 

cador de peixes" transformado em "pescador de homens". Silvano deve ter 

sido excelente lingüista. O Espírito Santo trabalhou muito com ambos.


A Epístola de Pedro é um documento doutrinário, através do qual 

procura advertir, consolar, fortalecer e animar o povo de Deus a suportar as 

perseguições por causa de sua fé em Cristo, e perseverar firmes até o fim. 

É uma carta de consolação, num período de grande provação da fé em 

Cristo. 

Em nossa perícope, Pedro mostra que conhecia muito bem o Antigo 

Testamento. Fazendo teologia, revela equilíbrio em suas colocações doutri- 

nárias e recomendações práticas, baseadas em livros do Antigo Testamen- 

to: a figura de Cristo como a Pedra Preciosa, Pedro a buscou na profecia de 

1s 28.16 como o transcreveu nos v. 6 até 8; e os títulos honrosos dos cristãos 

que estão nos v. 5 e 9, vieram de Êx 19.5 e 6. 

2. TEXTO 

Neste estudo, pretendemos destacar, principalmente, os títulos hon- 

rosos que Pedro confere aos cristãos. E Pedro é rico em figuras de lingua- 

gem. Antes da análise dos títulos, alguns destaques do texto. 

Pedro admoesta: "despojem-se" ou "abandonem tudo que é mau"; 

solicita: "desejai ardentemente"; compara os cristãos com "crianças re- 

cém-nascidas"; a palavra de Deus com "o genuíno leite espiritual"; Cristo 

com a "pedra angular, eleita e preciosa"; e, ainda, os cristãos com "pedras 

vivas". Lembra que esta Pedra-Cristo foi desprezada e rejeitada pelos in- 

crédulos. E então, neste 1" bloco, Pedro aponta para a Pedra-Cristo e con- 

vida a todos: "chegai-vos a ele" ou "cheguem perto dele". 

Depois deste 1" bloco (2.4-8), com as figuras de Cristo-Pedra e 

cristãos-pedras vivas que, em conjunto devem "edificar casa espiritual" 

ou "construir um templo espiritual" - que é a igreja cristã- o apóstolo passa 

para um 2" bloco (vv. 9 e 10), onde confere títulos honrosos aos cristãos e os 

responsabiliza pela proclamação da mensagem de Deus. Aqui, Pedro não 

fala sobre o ministério pastoral, mas fala sobre os leigos, os cristãos em 

geral, e os responsabiliza pela proclamação da palavra de Deus. Os títulos 

que originalmente se referiam apenas ao "povo escolhido de Israel", Pedro, 

agora, os aplica a todos os cristãos, o "novo Israel". É o que queremos 

examinar agora -já pensando na disposição do sermão. 

Porém (dé, v.9) - "Porém, mas, contudo" são partículas 

adversativas, que apontam para o contrário, para o novo, para o diferente - 

uma mudança, um outro enfoque, um outro caminho, passagem para uma 

outra situação ou realidade. Depois de ter falado sobre os "incrédulos que 

desprezaram e rejeitaram a Pedra-Cristo", Pedro fala, agora, dos fiéis, dos 

cristãos, e os cobre de títulos "preciosos, significativos e honrosos".


Ao relacionar os cinco títulos, Pedro não diz apenas pedras, raça, 

sacerdotes, nação, povo, mas acrescenta complementos, adjetivos 

riquíssimos, dizendo: pedras vivas, raça eleita, sacerdotes do Rei, nação 

santa, povo de Deus. 

Pedras vivas (lithoi zoontes - v.5) -A pedra fundamental, angular, 

valiosa, eleita e preciosa é Jesus Cristo. Os cristãos, os que crêem e confi- 

am em Cristo, são pedras vivas para "edificar a casa espiritual" ou "cons- 

truir o templo espiritual". O cristão não pode ser areia ou lodo ou tijolo, nem 

pedra mole, morta e fria. Mas pedra-dura, pedra-granito, pedra-viva - que 

tem vida, transmite vida e participa, ativamente, do crescimento da igreja de 

Cristo. Este é o 1" título de honra que Pedro confere aos cristãos. 

Raça eleita (génos eklektón - v.9) - "Raça escolhida" (NBLH). 

Todos estes títulos dos cristãos apontam sempre para a unidade e comu- 

nhão da igreja de Cristo. E todos os adjetivos que caracterizam e definem 

os títulos sempre revelam a ação bondosa de Deus. Só então, depois, o 

cristão pode agir. Eklektón significa que Deus elegeu, escolheu, separou 

para si -não pertencem mais ao mundo pecador; "estão no mundo, mas não 

são do mundo". Génos pode significar geração ou raça, caracterizando 

uma multidão de pessoas que têm a mesma origem, a mcsma fé, a mesma 

esperança, os mesmos princípios de vida - a nova vida cm Cristo. Este é o 

2" título de honra que Pedro confere aos cristãos. 

Sacerdócio real (ieráteuma basileión - v.9) - "Sacerdotes do Rci" 

(NBLH). Os cristãos, que são "pedras vivas" e "raça eleita", também são 

"sacerdotes do Rei". O Rei é o próprio Deus, cm Jesus Cristo. Sendo sa- 

cerdotes ou ministros do Rei Jesus, os cristãos não só "oferccein sacrifícios 

espirituais, agradáveis a Deus" (v.5), mas também reinam com Deus e tri- 

unfam sobre o pecado, a morte e Satanás. Os cristãos podem, como o sa- 

cerdote, entrar "no santo dos santos" e dirigir-se diretamente, ein adoração, 

ao seu Deus, Senhor e Salvador - sem mediadores ou intermediários. 

Este é o 3" titulo de honra que Pedro confere aos cristãos. 

Nação Santa (éthnos ágion - v.9) - "Nação completamente 

dedicada a Deus" (NBHL). Os termos "raça, nação, povo" sempre procu- 

ram expressar a idéia de um grupo de pessoas escolhidas e separadas dos 

gentios e que formam uma multidão que pertence ao Senhor Deus. Nação 

faz pensar em pátria, um povo que "pensa e faz a mesma coisa", pois tem 

"tudo em comum". Assim é a igreja. Mas é uma nação santa, isto é, os 

habitantes da nação foram lavados pelo sangue de Cristo e santificados pela 

operação do Espírito Santo - pois "esta é a vontadc de Deus, a vossa 

santificação"; e "santos sereis porque o Senhor Deus é santo". Este é o 4" 

título de honra quc Pedro confere aos cristãos. 

104


Povo de Deus (laos tou Theu - v.9 e 10) - "Povo de propriedade 

exclusiva de Deus" (RA). "O povo que pertence a ele" (NBLH) -"antes não 

éreis povo, mas agora sois povo de Deus" (RA); "antes, vocês não eram o 

povo de Deus, mas agora são o seu povo" (NBLH). É um povo que não 

pertence a si mesmo, não pertence ao mundo nem ao diabo, mas é um povo 

de "propriedade exclusiva de Deus". Deus é o Dono dos cristãos. Os cristãos 

pertencem a Deus. O povo de Deus é o povo que foi escolhido e separado por 

Deus para ser "pedras vivas", ser "raça eleita", ser "sacerdote do Rei", ser 

"nação santa". Este é o 5" título de honra que Pedro confere aos cristãos. 

Finalidade - Esta rica e honrosa titulação não é dada aos cristãos 

para ostentação religiosa ou para guardar na gaveta ou para embelezar 

salas ou gabinetes. "Porém", o contrário, os títulos foram concedidos por 

Deus com uma grande finalidade: para viver, praticar e proclamav (v.9), 

anunciar, transmitir, declarar, passar adiante "as virtudes de Deus" (aretê - 

v.9), isto é, "os atos ou feitos poderosos de Deus" em favor da humanidade 

pecadora. Esta é a razão por que Deus "chamou os cristãos das trevas" e 

os colocou dentro da "maravilhosa luz" -para serem luzeiros do mundo! 

Comentário - Os teólogos arrolam nossa perícopc, especialmente o 

v.9, como sendo o locus fundamental para a defesa do "saccrdócio univer- 

sal de todos os crentes". Lutero faz o mesmo. Está bem assim. Pedro não 

fala do ministério pastoral neste texto. Fala de todos os cristãos. Não preci- 

sa - porque não há - haver conflito entre o sacerdócio universal e o minis- 

tério pastoral, pois ambos estão claros, distintos e se complcmcntam. 

Introdução 

- Comentar a ânsia de conquistar certificados, diplomas e títulos acadêmicos. 

- ou apontar para as homenagens políticas que concedem "títulos de cida- 

dão da cidade ..." 

- ou relacionar alguns dos muitos títulos que a Bíblia confere aos cristãos. 

- E, então, destacar os títulos que Pedro confere em nossa perícope - 

conferindo a explicação dos títulos. 

Os cristãos recebem títulos para proclamar os feitos de Deus 

1. Pedras Vivas (1" título) 

Desenvolver o 1" bloco de 2.4-8: Cristo-Pedra Preciosa e cristão- 

pedra viva. Ressaltar a idéia da edificação ou construção do "templo espiri- 

tual", a igreja de Cristo e visa ao crescin~ento.


2. Raça Eleita (2" título) 

Aqui inicia o 2" bloco 2.9 e 10, que fala dos títulos e sempre aponta 

para a proclainação. Rcssaltar a unidade e a bênção dc scrinos clcitos, 

escolliidos c scparados por Dcus c para Dcus c sua obra. Visa A proclama- 

ção! 

3. Sacerdotes do Rei (3" título) 

Rcssaltar a vcrdadc sobrc o saccrdócio universal dos cristãos. Dcus 

C o Rci. Os cristãos podem entrar em contato com Deus dirctamcntc, cntrar 

no "santo dos santos". Visa a proclamação! 

4. Nação Santa (4" título) 

Ressaltar a nova vida, a vida santificada. A cxplicação de Lutero do 

3" Artigo é própria. Visa a proclamação! 

5. Povo de Deus (5" título) 

Ressaltar quc não pcrtcnccmos a nós mcsmos. Dcus c nosso Dono. 

Somos "propriedade exclusiva" de Deus. Visa A proclan~ação! 

CONCLUSÃO 

Como aplicar estes cinco títulos na vida prática do cristão na igreja 

hoje'? 

Embora sublinhar nas cinco partes a "proclamação dos feitos pode- 

rosos dc Deus", dar uma ênfasc especial sobre como c possível anunciar e 

passar adiante a mensagem - missão 110-jc. 

A obra da missão da igreja não é uma exclusividade dos pastores, 

mas especialincntc dos lcigos quc rcccbcn~ tantos títulos - os cristãos cm 

geral. Ncccssário cxplicar csta colocação. 

Entusiasmar para uma maior participação dos "titulados" na igrc-ja, 

procurando uma mudança maior na atividade missionária da Igrcja.


SÉTIMO DOMINGO APÓS PENTECOS~ES 

Romanos 6.1 - 1 1 

I 8 de jull~o de 2004 

1. CONTEXTO 

Como acontece frequentemente nesta carta, nesta passagem o após- 

tolo Paulo mais uma vez está argumentando com um oponente imaginário. 

O argumento surge a partir do que foi dito ao final do capítulo cinco, mais 

especificamente o versículo 20: "... mas onde abundou o pecado, 

superabundou a graça". O argumento seria mais ou menos assim: 

- Você disse que a graça de Deus é bastante grande, ao ponto de 

achar perdão para todo pecado. 

- Paulo: - É isso mesmo. 

- Desta forma, você está afirmando que a graça de Deus é a coisa 

maior e mais maravilhosa do mundo. 

- Paulo: É isso aí. 

- Bem, se isto é assim mesmo, vamos seguir pecando; tanto mais se 

manifestará a graça de Deus. Não importa o quanto pecamos, pois 

Deus perdoará de qualquer maneira. Poderíamos inclusive dizer que 

o pecado é uma coisa excelente, pois ele dá a graça de Deus uma 

oportunidade de atuar. 

É natural que o apóstolo rebate firmemente toda esta argumentação 

e aproveita a ocasião para falar do batismo e das conseqüências naturais da 

fé na vida dos cristãos. 

2. TEXTO 

Vv. 1,2: Parece haver certa lógica na pergunta inicial do apóstolo Paulo. 

Mas esta lógica é fria e satânica; há nela a sugestão diabólica que se 

deveria explorar a Deus e fazer com que a sua graça servisse a vonta- 

de egoísta do ser humano. Assim, os próprios dons do alto serviriam 

para apoiar o ser humano em sua rebelião contra Deus. Esta é a mes- 

ma lógica usada pelo diabo contra Jesus (veja Mt 4.1- 1 1). Paulo rejeita 

essa lógica. Sua resposta a pergunta maldosa mostra até que ponto a 

nova vida é inteiramente criada por Deus e o quanto está enraizada no 

Evangelho. O argumento de Paulo não parte de um apelo, mas da afir- 

mação de algo que foi feito a nós: "Nós morremos para o pecado", ou


seja, o que aconteceu conosco toma impossível qualquer relação futura 

com o pecado. O pecado não pode mais continuar a ser o ambiente em 

que vivemos; não pode mais ser o que dirige a nossa vida e nossa 

vontade, pois os homens mortos [para o pecado] não têm vontades nem 

desejos. 

Vv. 3,4: "Ou não sabeis que" sugere que Paulo imagina que os cristãos em 

Roma conheçam pelo menos a verdade formulada no restante deste 

versículo e também algo da doutrina que ele expõe nos versículos se- 

guintes, com derivados dessa verdade. Sabemos que fomos batizados 

"em Cristo" e que nosso batismo efetivamente nos confiou a ele, nos 

revestiu dele, incorporou-nos todos nele. Um mesmo batismo deu a 

todos nós um mesmo Senhor. Ele é o Senhor de todos no poder de seu 

amor divino; esse amor que fez de sua morte a morte de todos. Portan- 

to batismo "nele" é batismo em sua morte. "Assim, portanto, nós fomos 

sepultados junto com ele pelo batismo na sua morte" prolonga e escla- 

rece a significação da última oração do v. 3. A morte que nós morremos 

no batismo foi morte ratifícada e selada pelo sepultamento, morte total- 

mente inequívoca. Segundo o apóstolo, o batismo não é um rito mágico 

efetuado mecanicamente, não é sinal vazio, e sim evento decisivo em 

virtude do qual a pessoa é poderosa e inequivocamente reclamada por 

Deus como benefíciária de Sua ação salvadora em Cristo. A vida que 

Cristo entregou em obediência a vontade do Pai, o Pai lha restaurou. 

Ressurgiu "pela glória do Pai" - aí, nesse triunfo sobre a morte, Deus 

glorificou o seu nome, aí seu poder manifestou-se poderosamente como 

o Deus Criador que vivifica os mortos. 

Se a morte e o sepultamento de Cristo também cnvolvem a nós que 

fomos batizados em seu nome, igualmente a sua ressurreição dos mortos 

nos inclui. Portanto, também ressuscitamos dos mortos. Cristo ressurgiu 

dos mortos "para que também nós andemos em novidade de vida". A vida 

nova, que está além do alcance do poder da morte, é realidade atual, presente 

e ativa na palavra e no sacramento do evangell~o. É rcalidadc podcrosa 

e dinâmica. Nós não apenas existimos nessa nova vida, nós "andamos 

nela". "Andar" é expressão judaica para conduta c atividade, frequcntemcntc 

encontrada nas cartas paulinas. Essa nova vida nos faz andar em vida nova, 

guiada pelo Espírito de Cristo. 

Vv. 5- 1 1 : Nestes versículos Paulo amplia a afirmação feita antes. Tudo o 

que segue nestes versículos tem como objetivo sublinhar e esclarecer 

os dois pensamentos básicos dos vv. 3 e 4, ou seja, "a realidade da 

nossa união, pelo batismo, com Cristo em Sua morte e ressurreição" e 

"a qualidade totalmente nova dessa vida-ressurreta em Cristo". O v. 1 1


ainda reforça a importância do estar morto para o pecado, mas vivos 

para Deus, mediante Cristo. 

3. APLICAÇ~ES HOMILÉTICAS 

Nesta perícope são destacadas três verdades permanentes: 

a) É coisa terrível procurar negociar com a n~isericórdia de Deus. É terrível 

fazer da misericórdia de Deus uma desculpa para pecar. 

b) A pessoa que está na fé em Cristo ingressou numa classe diferente de 

vida. Morreu para uma determinada classe e agora vive para uma nova. 

É essencialmente uma pessoa diferente. Se nos dias atuais alguém poderia 

dizer que a vida sob a fé em Cristo não faz muita diferença na 

vida do ser humano, Paulo por outro lado disse que deveria fazer toda a 

diferença do mundo. 

c) A vida em Cristo implica muito mais que mera mudança nos padrões 

éticos. Há uma verdadeira união com Cristo; uma real identificação. 

Desta forma, a simples verdade é que não é possível uma verdadeira 

mudança ética sem a união com Cristo. A menos que Cristo esteja em 

nós e nós em Cristo, não podemos viver a vida de Deus. Limitar o 

Cristianismo a uma exigência ética é deixar fora esta união essencial 

com Cristo. 

MORRER PARA VIVER 

a) Em Cristo e com Cristo morremos 

b) Em Cristo e com Cristo ressuscitamos 

c) Em, com e por Cristo vivemos hoje e eternamente. 

Paulo Gevhuvd Pietzsch


Orr~vo DOMINGO 



Romanos 6.19-23 (Marcos 8.1-9) 

1. ASPECTOS TEXTUAIS 

A escravidão tem caracterizado a humanidade como um todo. Diversos 

povos em diversas épocas fizeram uso da escravidão de uma forma ou 

outra. A opressão escravista pode ser externa ou interna: uma que foge ao 

nosso controle; a outra que está ao nosso alcance para controlá-la. Sobre 

isso é que Paulo quer nos ensinar nestas palavras de Romanos. 

O diagnóstico inicial - somos escravos porque estamos sob a lei. 

Esta é a nossa condição original - o pecado original, que nos coloca sob a lei 

(v.14). Quem nos mostra isso são os pecados cometidos contra a santa 

vontade de Deus. E é esta a condição que nos faz oferecer os nossos mem- 

bros para a escravidão da impureza e da maldade para a maldade (v. 19). 

Sendo dominados pela lei, percebemos que somos incapazes de te- 

mer, amar e confiar em Deus acima de todas aq cniwc. c amar an nnccfi 

próximo como a nós mesmos. Quando Paulo usa o termo "desobediência" 

ou falta de fé, ele nos identifica que somos obedientes aos poderes que nos 

escravizam (v. 16). 

Esta escravidão nos remete a escravidão para a morte. Consideran- 

do que "o salário do pecado é a morte" (v.23), como escravos da lei, agimos 

contra nós mesmos, matando-nos. Estamos sob a morte e a dificuldade de 

escapar dela também nos escraviza. Estando, pois, sob a lei e determinados 

a morte, não podemos viver de forma alguma. Como Jesus nos diz: "Em 

verdade vos digo: todo o que comete pecado é escravo do pecado. O escra- 

vo não fica sempre na casa" (Jo 8.34,25). 

Mas nesta mesma citação, Jesus afirma que "o filho fica sempre na 

casa. Se o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres" (Jo 8.35). Jesus 

sujeita-se a lei para nos libertar (G1 4.4; 8.2,3). Por isso, Paulo afirma que 

em Cristo, no v. 22, somos servos da graça ou vivemos a partir da condição 

de livres do jugo da lei. Enquanto que o jugo da lei nos leva a morte, sob a 

graça de Cristo temos a vida eterna. 

Agora, sob a graça, como Paulo argumenta em 1.5, tememos, ama- 

mos e confiamos em Deus. Assim como Cristo tomou-se escravo de Deus

Igreja Luterana - no 1 - 2004. 

através de sua obediência, nós nos tomamos servos de Deus a partir de 

obediência de Cristo. Esta é a obra do Espírito Santo em nós: convencer- 

nos da obra de Cristo para, a partir daí, vivermos em novidade de vida. 

Assim nós nos tomamos escravos de Deus em Cristo Jesus para uma nova 

obediência, para o fruto, para a santifícação (v.22). De mortais nós nos 

tomamos frutíferos instrumentos nas mãos de Deus (vv. 12,13). Escravos 

sob a graça de Deus em Cristo nosso fardo é leve e o carregamos com o 

auxílio de Deus. A "pressão" da escravidão em Cristo nos coloca novamen- 

te na perspectiva do plano de Deus para com toda a humanidade, visto que 

no pecado e sob a lei a própria criação aguarda ansiosamente por restaura- 

ção do cativeiro da corrupção para o propósito inicial de Deus (Rm 8.2 1,22). 

A partir do servir sob a graça, nossas relações humanas são restauradas e 

nesta condição temos uma antecipação da condição eterna. 

2. ASPECTOS PRÁTICOS 

Escravos sob a lei, mas livres sob a graça. A dialética constante em 

nossa vida, que a mensagem cristã nos traz, não cria em nós uma situação 

de apatia frente à revelação de Deus. Portanto, movidos pela graça que 

liberta, lutemos contra o mal que nos escraviza. 

BIBLIOGRAFIA 

LENSKI, R.C.H. The Interpretation of'St. PaulS Epistle to the Romans. 

Minneapolis: Augsburg, 1936. 

MURRAY, John. The Epistle to the Romans. Grand Rapids: Eerdmans, 

1982. 

LANGE, J. P. Romans. Grand Rapids: Eerdmans, sd. 

Clóvis Jair Prunzel


NONO DOMINGO 


O1 de agosto de 2004 

Gálatas 5.16-25 

1. CONTEXTO 

O apóstolo defende a vida em liberdade. Veja: 5.1. Defensores da 

Lei querem reconduzir os gálatas a escravidão. Paulo defende a liberdade 

que Cristo conquistou com vigor e veemência. 

Mas, a liberdade cristã pode ser mal interpretada. A carne, por exem- 

plo, quer usá-la mal. Liberdade não deve ser confundida com licença para 

pecar (v. 13). Fé verdadeira não é egoísta, mas "atua pelo amor" (v. 6). 

2. TEXTO 

V. 16: Se queremos ser cristãos e viver de acordo com a vontade de Deus, 

é preciso que deixemos o Espírito Santo nos guiar. Não somos capazes 

de obedecer a Lei como Deus o quer: com perfeição e santidade abso- 

lutas. A Lei, por isso, não pode nos salvar nem produzir vida agradável 

a Deus. Mas, Cristo nos libertou para a fé e vida que Deus quer. 

Deixemo-nos, pois, guiar pelo seu Espírito. 

Quando Deus, em Cristo, nos justifica, ele nos faz nascer como no- 

vas criaturas, por meio do Evangelho e do Batismo. Ele nos dá novo cora- 

ção, nova mente, novos pensamentos, novo querer. Passamos, então, a lutar 

contra nossa natureza pecaminosa (carne) e seus desejos. Passamos, en- 

tão, a viver a vida num nível onde a Lei com suas ameaças e condenações 

não pode nos tocar. A Lei ainda pode nos aterrorizar mas não mais conde- 

nar. 

Lutero exemplifica o "andar no Espírito" dizendo que um príncipe 

anda no Espírito quando executa seu dever diligentemente, governa bem 

seus súditos, pune os culpados e defende o inocente. Sua carne e o diabo se 

lhe opõe quando ele faz isso, e eles o incitam a começar uma guerra injusta 

ou a ceder a seus próprios desejos cobiçosos. A não ser que ele siga o 

Espírito como seu guia e obedece a Palavra de Deus quando ela lhe dá 

advertência correta e fiel sobre seu dever, ele irá satisfazer os desejos da 

carne.


A "concupiscência da carne" certamente inclui desejos sexuais im- 

puros mas não se restringe a estes. Ela se estende a todos os outros desejos 

pecaminosos, inclusive aqueles que se enquadram na primeira tábua da lei. 

V. 17: (cf. Rm 7.15,23) 0 cristão experimenta dentro de si mesmo o con- 

flito entre a carne e o Espírito. Isso não deve assustá-lo nem surpreendê- 

10. Quem possui o Espírito Santo, diz Lutero, não é logo completamente 

perfeito, puro em todos os sentidos, não mais sensível a Lei e ao peca- 

do. A obra do Espírito Santo é contínua e progressiva. Por isso, não se 

encontra indivíduo perfeito em justiça e felicidade, livre de pecado e 

tristeza, sempre servindo todos com prazer. 

As palavras do apóstolo servem de consolo aos que enfrentam pro- 

vações. É bom e importante saberem que não poderão seguir o Espírito sem 

que a carne coloque algum obstáculo no caminho. Mas o cristão luta contra 

os desejos de sua carne e resiste a eles pelo Espírito para não pecar. 

Mesmo o cristão mais forte, porém, nem sempre vence a luta contra 

sua carne. Por isso, todos dependemos da graça de Deus e necessitamos o 

seu perdão (SI 143.2; 130.3,4; 32.5-6). 

V. 18: Apesar de pecador, o cristão não está mais sob a lei. Ele luta contra 

o pecado e conta com o perdão divino quando fracassa (Rrn 7.25). 

Cristo, a quem nos apegamos com a fé, é nossa justiça. 

Vv. 19-2 1 : A lista de obras da carne serve como um teste para o hipócrita 

que se confessa cristão mas não se deixa guiar pelo Espírito, não luta 

contra a carne e vive no pecado sem arrependimento. O apóstolo não 

apresenta uma lista completa, mas cita apenas alguns exemplos das 

obras da carne. Ao final, ele acrescenta uma advertência dura contra 

os hipócritas procurando conduzi-los ao arrependimento e vida cristã 

verdadeira. 

V. 22: O fruto do Espírito é produzido pelo Espírito Santo por nosso inter- 

médio. O amor engloba todos os demais frutos do Espírito. 

V. 23: O fruto do Espírito está acima da Lei. A Lei não pode produzir 

frutos no coração. O máximo que consegue é coibir e refrear manifes- 

tações externas do pecado. 

Vv. 24-25: A luta contra a carne é séria e dolorida. Resistindo aos seus 

desejos, o cristão crucifica a carne para que ela não possa usar seus 

membros para a prática do pecado. Para o cristão verdadeiro, essa luta 

não é apenas teoria, mas se manifesta na prática do seu dia-a-dia.

Igreja L~iterana - no 1 - 2004 

3. SUGESI.OES HOMII,É'I.ICAS 

O pregador precisa rcsistir à tentação de transforinar uin texto como 

cste num scrmão lcgalista. É fácil sc irar coin as obras da carnc dos rnembros 

c apontar o ideal dos frutos da fé quc cles deveriam estar produzindo. 

Mas, o tcxto c rico cm Evangclho. Ele mostra o rcflcxo da justificação do 

pecador cin sua vida diária ncstc inundo. Esta 6 uma vida dc contínuo conflito. 

Guiado pelo Espírito, o cristão quer fazer a vontade dc Dcus e luta 

contra seus desejos pecaminosos. Mas, sua natureza pecaminosa ainda está 

viva c sc opõc dc todas as maneiras ao novo hoincm. 

Ignorar a rcalidadc dcssa luta intcrna podc Icvar a hipocrisia ou ao 

dcscspcro. É ncccssário que o cristão saiba que essa luta cxistc c quc Deus 

não o abandona cm incio a mcsina. O Espírito Santo conduz o cristão i 

vitória c sc vale dos meios da graça para for-taleccr o cristão em sua luta 

diária. Ncin scmpre o cristão faz o que gostaria de fazer. A graça, a miseri- 

córdia e o pcrdão dc Deus prccisain, por isso, ser anunciados e distribuídos 

gcnerosamcntc c continuamcntc na igrcja de Cristo. 

Algumas possibilidades para o tcrna do sermão: 

- O conflito diário do cristão 

- Os doccs fmtos da graça 

-A maravilhosa obra do Espírito Santo: em nós e por nosso intermédio 

- Nossa liberdadc: contra ou a favor do próximo'? 

Paulo W Bzrss


DÉCIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES 

Filipenses 3.7-11 

08 de agosto de 2004 

I. CONTORNO E T~TULOS 

O texto inicia com uma conjunção adversativa ("mas") que, a rigor, é 

objeto de discussão crítico-textual. Em outras palavras, o "mas" (áhhà, no 

original grego) do início do v.7 está entre colchetes nas edições modernas do 

texto original. Isto se deve, em grande parte, ao fato de estar ausente em 

manuscritos importantes como o papiro 46 (uma das mais antigas cópias das 

cartas paulinas de que dispon~os) e o Codex Sinaiticus. Se, por um lado, a 

omissão do "mas" ajuda a delimitar o início da perícope no v.7, por outro lado a 

sua presença ajuda a lembrar que o texto não começa ali, mas conclui um 

pensamento iniciado no v.2. A edição Nestle-Aland coloca os w. 7- I 1 como um 

sub-parágrafo, ou seja, uma seção dentro de um parágrafo maior (w.2- 1 1). 

Quanto a títulos, a Almeida Revista e Atualizada (ARA) traz "O avi- 

so contra os falsos mestres". A Nova Tradução na Linguagem de Hoje 

(NTLH) tem "Completamente unidos com Cristo". Na Bíblia de Jerusalém 

se lê: "O verdadeiro caminho da salvação cristã". O comentarista Moisés 

Silva vê essa seção como "A essência da teologia de Paulo". Os diferentes 

títulos mostram, logo de saída, que se trata de um texto denso, que permite 

diferentes ênfases ou destaques. 

2. CONTEXTO 

O texto em estudo, e mais ainda os primeiros versículos do capítulo 

três, é um importante texto para a biografia de Paulo. Não menos importan- 

te é esse texto para o ensino paulino da justificação. Talvez seja a mais 

extensa exposição desse ensino, fora de Gálatas e Romanos. Alguém clas- 

sificou essa passagem como sendo de fundamental importância para a teo- 

logia e um clássico da espiritualidade cristã. 

3. 0 TEXTO NO ORIGINAL 

No original, o texto é praticamente um só período, excetuando-se o 

v.7. Uma tradução mais literal, extraída do Novo Testamento Interlinear


Grego-Português, diz assim: "[Mas] as coisas que eram para mim ganho, 

estas tenho considerado por causa de Cristo perda. Mas ainda mais também 

considero todas as coisas perda[2] serem[l] por causa da excelência 

do conhecimento de Cristo Jesus o Senhor[2] meu[l], por causa de quem 

todas as coisas perdi, e considero lixo, para que Cristo (eu) ganhe e seja 

achado nele, não tendo minha justiça a de (a) lei mas a mediante (a) fé de 

Cristo (= em Cristo), a de[2] Deus[3] justiça[l] (baseada) em a fé, para 

conhecer a ele e o poder da ressurreição dele e [a] comunhão [dos] sofrimentos 

dele, sendo conforn~ado à morte dele, se de algum modo (eu) chegue 

à ressurreição dentre (os) mortos". 

4. ALGUNS DETALHES DO TEXTO, VERS~CULO POR VERS~CULO 

V. 7: Aquilo que a tradução coloca no singular ("o que") aparece como um 

plural no texto grego ("as coisas que"). Isto é significativo, pois no 

contexto anterior Paulo havia apresentado uma lista de qualificações 

pessoais, algumas por assim dizer "genéticas", outras adquiridas. 

O termo "ganho" (no texto original é outro plural) é raro no NT: apa- 

rece em Fp 1.2 1, neste texto e em Tt 1.1 1. O verbo "considerei" (ARA) 

está no aspecto perfeito. Trata-se de uma ação concluída cujos efeitos 

perduram. Ou, então, algo completado que ainda é atual. Seria possível 

traduzir por "considero" (notar que no v.8 aparece o presente, "considero"). 

O Interlinear tenta reproduzir o perfeito com a forma "tenho considerado". 

Outro detalhe que apenas se nota no original é a colocação da locu- 

ção "por causa de Cristo" antes de "perda". Isto ajuda a ressaltar que 

aquilo que era vantajoso se torna perda à luz do conhecimento de Cristo. 

Paulo não fala mal das suas realizações no judaísmo, das quais ele tinha um 

orgulho natural. Paulo não trocou "lixo" por Cristo; ele trocou algo que lhe 

era muito caro. 

Já o termo "perda", que está em contraste com "ganho", é outro 

daqueles termos raros no NT. Afora esta passagem, aparece apenas em At 

27.10,2 1, em referência a prejuízo pela perda de carga no mar. Nos papiros 

que remontam ao tempo do NT designa prejuízo nos negócios. 

Ao leitor mais atento não escapa uma certa semelhança entre Fp 3 e 

Fp 2: glória (Fp 2) e lucro (Fp 3) são trocados por humilhação (Fp 2) e 

perda (Fp 3) e no final se tem glorificação (Fp 2) e valor maior (Fp 3). 

V.8: Paulo fala da "sublimidade" ou "excelência" do conhecimento de 

Cristo. Literalmente, trata-se daquilo que vai além, que excede, que é 

"melhor do que". Este texto lembra 2Co 3.10, onde se fala da glória 

que antes era grande, mas que não é mais nada por causa da glória de


agora que é muito maior. A luz desse conhecimento de Cristo, Paulo 

considera todas as outras coisas "refugo" (ARA) ou "lixo" (NTLH). 

O termo grego é o~.úpahha, que, em todo o NT, ocorre apenas aqui, 

embora apareça nos papiros seculares. Parece sugerir aquilo que é 

lançado aos cães. 

V.9: Este v. é uma bela exposição da doutrina da justiça da fé (Rm 1.16). 

Paulo contrasta o que denomina de "minha justiça" (Rm 10.3) com a 

justiça que procede de Deus. Ser justo é uma questão de como a 

pessoa é vista, como ela aparece em seu relacionamento com outras 

pessoas e, especialmente, diante de Deus. Apesar de muitos intérpre- 

tes insistirem, a exemplo do que já era feito no tempo de Lutero, que 

justiça é propriamente um atributo de Deus (em nosso tempo, tese de- 

fendida por Ernst Kaseniann), este texto deixa claro que se trata de 

algo que nos vem de Deus (no grego, I!K 0~03). Uma questão bem 

mais complexa é como Cristo entra nisso e qual o papel da fé. O final 

do versículo deixa bem claro que essa justiça se baseia sobre a fé. O 

que não parece tão claro é o sentido da locução &L& nioz~o~ Xptozoa 

(dia pisteos Christou). Literalmente diz: "fé de Cristo". Em geral se 

traduz por "fé em Cristo" (ver At 3.16). A discussão toda gira em tomo 

do genitivo, que pode ser visto como subjetivo (Jesus é o sujeito de 

"pistis") ou como objetivo (Jesus é o objeto de "pistis"). A mesma 

discussão surge quando se estuda G1 2.16,20; Rm 3.22. Se Cristo é o 

sujeito, então o sentido de "pistis" precisa ser ajustado para algo como 

"fidelidade". (O NT muitas vezes fala de Cristo como objeto da fé, ou 

seja, pessoas crêem nele; nunca se apresenta Jesus como sujeito da 

fé.) Trata-se, então, da justiça que vem de Deus por meio da fidelidade 

de Cristo, baseada na fé nele. Nesta leitura, o final do v. ("baseado na 

fé") não é redundante, ou seja, o nosso ato de crer aparece apenas no 

final. No entanto, se o genitivo for objetivo ("fé em Cristo"), a parte 

final do v. é um tanto redundante. Há uma forte tradição interpretativa, 

reproduzida nas traduções, favorecendo o genitivo objetivo ("fé em 

Cristo"). No entanto, em tempos recentes, exegetas como Richard 

Hays e outros reavivaram a tese de que Paulo estaria usando, aqui, um 

genitivo subjetivo. 

Outro detalhe que tem levantado muita discussão é o que está por 

trás da locução que aparece no início do v.9 ("ser achado nele") e que é o 

conceito do "estar em Cristo". A questão é: como se relacionam o "estar 

em Cristo" (que, em suas diferentes formulações, como "nele", "no Se- 

nhor", etc., aparece mais de 160 vezes nas cartas de Paulo) e a doutrina da 

justificação (que aparece com destaque em G1 e Rin e aqui em Fp 3). Há 

quem, na esteira de Albert Schweitzer, argumente que o "estar em Cristo" é


um conceito primário ou mais abrangente em Paulo, ao passo que "ser jus- 

tificado" é secundário ou menos abrangente. Isto parece se confirmar pela 

abrangência do uso de "em Cristo". Se isto for assim, então Paulo pensa 

mais em termos de uma incorporação em Cristo (pela fé, no batismo) do 

que em termos de justificação (que é uma das metáforas ou imagens que 

Paulo usa, ao lado de "reconciliação", "remissão" e outras). Em Cristo o 

cristão tem a justiça que vem da fé. 

Vv. 10- 1 1 : Estes versículos formam a parte menos conhecida ou explorada 

desta seção de Filipenses. E um texto um tanto misterioso, pois se fala 

do poder da ressurreição de Cristo (a que exatamente isto se refere?) e 

da comunhão dos sofrimentos dele (como isto é possível?), sem falar da 

aparente insegurança que transparece no v. 11. A rigor, esse texto 

retoma o tema do conhecimento, que aparecera no v.8. 

No seu todo, estes dois vv. formam uma bela construção quiástica: A 

(ressurreição) - B (sofrimentos) - B7(morte) - A' (ressurreição). 

Paulo, num contexto em que trata da justificação, termina falando da 

ressurreição. Isto lembra Rrn 4.25, onde fica estabelecida a íntima conexão 

entre essas duas realidades. Cristo ressuscitou para a nossa justificação e 

a nossa justificação final será proclamada no momento de nossa ressurrei- 

ção. Agora, como acontece outras vezes em Paulo, junto com ressurreição 

aparece o sofrimento; ao lado da ressurreição de Cristo se menciona a sua 

morte. 

A palavra usada para "ser conforn~ado com", no final do v. 10, aparece 

apenas aqui no NT. Trata-se do verbo o~)ppop@i(co (symmorphízo), 

onde se pode detectar a raiz "morphe", que dá "forma", em português. A 

NTLH traduz por "me tornar como ele na sua morte". Esse tema tem 

semelhança com o que é dito em Rrn 6.4 e 2Co 4.10. Lightfoot comenta: 

"A agonia do Getsêmani ... será reproduzida, ainda que de forma pálida, na 

vida do fiel servo de Cristo". 

O v.11 parece expressar uma certa incerteza ou insegurança do 

apóstolo: "para, de algum modo, alcançar a ressurreição". Ou, como aparece 

no Interlinear, "se de algum modo (eu) chegue ...". (A mesma locução 

EI nco~ aparece em Rm 1.10; 1 1.14.) Segundo Lightfoot, esse "se" expressa, 

não dúvida, mas humildade ou esperança com contornos de modéstia. 

Ao falar da ressurreição, no v. 11, Paulo usa outro termo que é hapax 

legomenon (só aqui no NT): Ecaváo~aot~. Se a ressurreição alcança 

justos e injustos (At 24.15), não haveria razão para esperar alcançar a ressurreição, 

pois ela viria automaticamente. Por isso, aqui Paulo deve estar 

falando da "verdadeira" ressurreição, ou seja, a ressurreição dos justos (Rm


8.11). Paulo não nega uma ressurreição geral; apenas enfatiza a ressurrei- 

ção dos fiéis. 

5. APROVEITAMENTO HOMILÉTTCO - ALGUMAS REFLEX~ES 

O período pós-Pentecostes é, de modo geral, um tempo em que se 

enfatiza o crescimento na fé, a vida da igreja, o risco de investir os talentos, 

como lembra o evangelho deste domingo, Mt 25.14-30. Agora, nunca é demais 

quebrar essa expectativa e voltar a um tema que dá sustentação a tudo 

isso, a saber, a justiça que nos vem de Deus, por meio de Cristo, pela fé. 

Fazendo um contraponto com o evangelho do dia (Mt 25.14-30), tem- 

se um interessante paradoxo: na parábola, quem se mexe ou investe, acaba 

elogiado e recompensado; quem se encolhe e enterra o talento, acaba nas 

trevas exteriores. Já a epístola lembra que as credenciais e o esforço de 

Paulo perdem seu valor diante do valor maior que representam o conheci- 

mento de Cristo, o ser achado nele e receber a justiça que vem de Deus. A 

chave está em Mt 25.24: "sabendo que és homem severo". Ou seja, aquele 

servo tem uma visão legalista de Deus e acaba sendo tratado segundo a lei. 

Quem vive do amor de Deus, investe com ousadia e liberdade, ou seja, vive 

a vida cristã na certeza de que nada pode ter um valor maior do que ser 

achado em Cristo e ter a justiça baseada na fé. 

C/llson Scholz


DÉCIMO PRIMEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSTES 

Romanos 9.1-5; 10.1-4 


1. EVANGELHO DO DIA 

O evangelho (Lc 19.41-48) apresenta Jesus no seu caminho para 

Jerusalém, ou seja, no roteiro da consumação da obra redentora, cuja narrativa 

inicia em 9.5 1. Jesus está montado no jumentinho, sendo aclamado como 

Rei. Aproxima-se de Jerusalém pelo lado oriental, descendo o Monte das 

Oliveiras. É uma vista bonita, com o templo majestoso em primeiro plano. 

Mas, diante do belo e do imponente, Jesus chora. Anarrativa bíblica diz que 

Jesus chora apenas duas vezes: uma na ressurreição de Lázaro e ali é de 

alegria; a outra é em nosso texto e aqui é de tristeza. Seu choro tem dois 

motivos: Jerusalém será destruída (a profecia se cumpre quando os romanos 

tomam a cidade no ano 70 AD) e a razão é evidente no v. 44, a saber, 

"porque não reconheces a oportunidade da tua visitação". No início do cap. 

19, Zaqueu, "filho de Abraão", reconhece em Jesus a sua salvação. Jesus e 

salvação são sinônimos. Hoje é o dia da visitação. Visitação tem a ver com 

salvação. No evangelho de hoje os filhos de Abraão são outros. Deus os 

está visitando na pessoa de Jesus, o Messias, mas eles não o reconhecem e 

o rejeitam. A purificação do templo é para demonstrar a relação do templo 

com o próprio Cristo: "A minha casa...". Ligando-se ao templo, Cristo se 

mostra como Deus. Mesmo assim, nada feito. Contudo, "todo o povo, ao 

ouvi-lo, ficava dominado por ele". Hoje é o dia da salvação. 

2. CONTEXTO 

Romanos 9.1-5 - Esta perícope inicia a terceira grande divisão da 

epístola de Paulo aos Romanos (cap. 9-1 1). Aprimeira apresenta a justificação 

(cap. 1-4) e a segunda a santificação (cap. 5-8). Os cap. 9-1 1 tratam da 

questão da relação de Deus com a nação Israel. O capítulo 8 termina com 

uma nota de certeza. Os que são salvos são cor~hecidos e predestinados por 

Deus. Estes estão certos de que esta convicção os levará a glória e que 

nada os poderá separar do amor de Deus. E agora, a pergunta: O que dizer 

dos israelitas? Não poderiam mais fazer parte do povo escolhido como o 

foram no Antigo Testamento? No cap. 9 o apóstolo quer mostrar que se 

120


esse povo como tal tivesse sido eternamente predestinado por Deus para a 

condenação, Paulo não poderia interceder por eles porque estaria invadindo 

o terreno da majestade divina. A verdade é que Deus quer salvar também 

os israelitas. 

O apóstolo Paulo é fascinado pelo seu amor a Cristo e também pelo 

seu amor para com os irmãos israelitas. Os israelitas receberam esta gran- 

de dádiva de Deus, esta privilegiada herança divina de ser povo de Deus e, 

entretanto, rejeitaram a Cristo como Messias. Paulo fala de Israel, mas fala 

sem rancor, apesar de trazer no corpo as marcas da maldade de Israel (cf. 

2Co 11.24) e, em breve, seria novamente exposto ao ódio fanático "dos 

rebeldes que vivem na Judéia" (1 5.3 1). O apóstolo fala não com a malícia 

de alguém que se alegra com o destino fatal de um povo que o lançou fora, 

uma espécie de Schadenfreude. Não, Paulo fala com afeto, sim, mas com 

grande tristeza, dor no coração, desejando até separar-se de Cristo por amor 

a seus irmãos separados. Cristo é para todos, também para os israelitas. 

Fundamentalmente, a carta aos Romanos é um tratado não apenas da justi- 

ficação e santificação, mas também um tratado sobre a teologia da missão 

e evangelismo. 

3. TEXTO 

Vv. 1-3: O apóstolo demonstra sua profunda tristeza e "incessante dor no 

coração" por causa do destino dos seus irmãos "segundo a carne". 

Paulo os chama de "irmãos": este é um título empregado no NT normalmente 

para designar a unidade dos cristãos. Esta é a única vez que 

Paulo usa o termo ao se referir aos israelitas. A dor do apóstolo sobre o 

destino de seus irmãos "segundo a carne" é tão profunda que o apóstolo 

tem o desejo de ocupar o lugar deles, se isto fosse possível. "Anátema" 

é uma palavra equivalente a hevem no AT, ou seja, parte do espólio 

que é destinado exclusivamente para Deus e que deve ser sacrificado a 

ele. Alguns afirmam que o "anátema" tem um aspecto mais negativo do 

que herem, enfatizando-se a destruição e maldição. Nesse sentido Paulo 

seria "separado de Cristo". O amor do apóstolo pelos seus irmãos o 

leva a assumir um sacrifício vicário para que eles pudessen~ ser salvos. 

Mas Paulo sabe que o seu amor, nessa dimensão, embora cristão, não 

alcançaria os resultados almejados. Paulo sabe que apenas a vida do 

"homem Cristo Jesus" (1Tm 2.6) pode servir de resgate para todos os 

seres humanos. 

V. 4: A palavra é "israelitas", não "judeus". Como sabemos, no AT não há 

"judeus", senão "judaítas", designação dada aos habitantes de Judá depois 

do exílio e que não carregava as conotações religiosas negativas ao


tempo do NT. O termo "israelita" aqui no texto nos transporta para o 

AT, atrelando o povo a "Israel", ou seja, o povo de Deus no AT e porta- 

dor das Suas promessas. "Adoção" implica uma relação não natural. 

Envolve escolha. Israel não tinha méritos para ser povo de Deus. Nin- 

guém pode explicar a eleição de Israel como povo de Deus, assim como 

ninguém pode explicar a minha e tua eleição. Apenas a graça de Deus 

é o instrumental e a certidão de batismo é a prova de que somos filhos 

adotados por Deus. 

"Glória" tem a ver com a manifestação visível de Deus em meio ao 

Seu povo (Êx 16.10; 33.22; 40.34; 1Rs 8.1-11). O termo, no AT, é um dos 

mais importantes para indicar a manifestação pré-encarnada de Cristo e 

que tem sua culminância na Sua própria epifania como Deus-homem (Jo 

1.14). 

"Alianças" - o plural parece aglutinar as diversas alianças que Deus 

fez com o Seu povo nos diversos períodos da História da Salvação, ou seja, 

com Noé (Gn 9.9), com Abraão (Gn 17.2), com Moisés (Êx 24.4), com 

Josué (Js 8.30s) e com Davi (2Sm 23.5). "Legislação" - o termo vopoe~oia 

é melhor traduzido pela NTLH: "lhes deu a lei". "Lei" aqui não tem nenl~u- 

ma conotação legalista. Seu sentido é melhor entendido se o traduzirmos 

por "Palavra de Deus" recebida pelo "ministério de anjos" (At 7.53), no 

monte Sinai. 

O v. 5 tem sido objeto de muito debate. Na verdade, o v. não é uma 

doxologia. É, antes, uma afirmação da divindade de Cristo, como ocorre em 

2C011.31. O Cristo que descende dos seus irmãos "segundo a carne" é 

também o verdadeiro Deus. 

Cap. 10.1 fala sobre a salvação dos israelitas. Embora tenham "tro- 

peçado na pedra de tropeço" (9.32), os judeus não estão predestinados a 

ira. Se assim fosse, Paulo não poderia desejar por eles nem mesmo por eles 

interceder, pois estaria invadindo o terreno da majestade divina. 

Nos vv. 10.2-3, "zelo" é sinônimo de "entusiasmo". Mas entusiasmo 

sem "entendimento" pode levar a resultados desastrosos. Franzmann diz 

que "quando o zelo não é iluminado por conhecimento claro de seu objeto e 

alvo, concentra-se no eu do homem" (A Carta aos Romanos, p. 152). Sem 

o conhecimento da justiça de Deus, o ser humano apega-se a sua própria 

justiça, as suas próprias obras. É o que ocorre com os judeus ao tempo de 

Paulo, ao povo judeu em grande parte ainda hoje bem como aos gentios de 

uma maneira geral. A fé é absolutamente necessária; sem ela não se obtém 

a justiça de que o apóstolo fala. 

V. 4: Uma palavra de Melanchthon (Commentary on Romans, p. 195)


resume o sentido do v.: "O fim da lei é Cristo", ou seja, seu cumprimen- 

to e consumação. Cristo dá o que a lei exige. Aquele que crê em Cristo 

tem o que a lei exige -justiça por imputação - e esta livre do pecado e 

da morte". 

4. SUGEST~ES DE APLICAÇÁO 

1. A ênfase do apóstolo no texto é a preocupação com a salvação dos 

judeus. Este, sem dúvida, é um momento para despertar no povo de 

Deus, especialmente os luteranos, o sentimento de tristeza pelo destino 

eterno daqueles que ignoram a Cristo como Messias. Um dos ingredientes 

da missão entre os judeus hoje começa com a "dor no coração", 

ou seja, sensibilidade, afetividade e não Schadenjreude. Todo projeto 

missionário começa pelo amor as pessoas que são objeto da missão. 

(Isto não significa que haverá reciprocidade em termos de afeição ) 

Neste aspecto nos unimos a Paulo (9.2) e ao próprio SENHOR Jesus 

Cristo (Lc 19.41-44). Nossa resposta em santificação ao amor (escolha) 

de Deus em nós é amar as pessoas e procurar levar Cristo, o 

Messias, para elas. 

2. Nossas atitudes pecaminosas contrastam com a graciosa atitude de 

Deus que demonstram tristeza de um lado e amor de outro pelos judeus, 

gentios e todos os não-cristãos. O amor de Deus se manifesta na sua 

entrega em favor de nós e de todos os seres humanos. Paulo gostaria 

de ser anátema, separado de Cristo, se tal atitude pudesse redentora- 

mente beneficiar seus irmãos segundo a carne. Na verdade, Cristo se 

tornou anátema e foi separado do Pai para que a nossa salvação e a de 

todos pudesse ser adquirida. 

3. Fora da justiça de Cristo, o ser humano, no seu desespero, busca a 

sua própria justiça. Diante de Deus ela é inócua porque leva ao 

legalismo individual e coletivo. O problema do legalismo não foi só 

dos judeus ao tempo de Jesus e, quiçá, do nosso tempo. O legalismo 

está sempre presente como uma tentação também para os cristãos de 

todos os tempos. E comum hoje encontrar crentes legalistas que não 

se apercebem da incoerência de suas posições: confiam em Cristo 

como Salvador, mas sentem que precisam fazer algo para merecer a 

salvação. Pastores se debatem com esse problema em suas congre- 

gações. Parece que a soteriologia legalista do romanismo, espiritismo 

etc., ainda influencia a vida de fé dos membros. Problemas de de- 

pressão espiritual têm, por vezes, como raiz, uma apreensão defeituo- 

sa e distorcida da justificação pela fé. Ademais, na evangelização do 

povo brasileiro é imprescindível focalizar que Cristo põe fim a tendên-


cia humana de pensar que se pode "comprar" com obras a eterna 

salvação. 

4. Cristo é o centro também do AT. Tanto cristãos quanto judeus precisam 

ter consciência de que Cristo é para todos, tanto para cristãos como 

para judeus e gentios. Lutero diz que fora de Cristo ninguém pode co- 

nhecer a Deus. Os cristãos não devem assumir uma posição arrogante 

diante dos não-cristãos; ao contrário, devem manifestar inquietude, 

intranquilidade diante da situação e, sobretudo, demonstrar amor e afei- 

ção para com eles mas, por outro, precisamos ser assertivos no sentido 

de lhes mostrar que só há um único Cristo, um único Messias, Rei e 

Salvador. 

Acir Raymann


1. NOTAS INTRODUT~RIAS 

Apesar de breve, a Epístola de Pcdro tem muito a dizcr sobrc a obra do 

Senhor Jesus Cristo e a vida cristã. Os recipientes da carta são lembrados que 

sua regeneração não aconteceu com dinheiro ou outros bens, mas com o precioso 

sanbac do Filho de Deus (1 Pc 1.19). Não pode haver clareza maior nas 

palavras do apóstolo: "...pois também Cristo sofreu em vosso lugar ... carregando 

ele mesmo em seu corpo, sobrc o madeiro, os nossos pecados.. " (1 Pe 

2.2 1,24). A obra dc Jesus Cristo crn favor da humanidade está consumada. 

Porém, a vida continua c essa obra de Cristo parccc que cstava 

começando a ser ofuscada pelas constantes provações e tribulações a que 

este povo cstava seiido submetido. A alegria da salvação estava sendo aba- 

fada e substituída por apreensões c ansiedades. Por isso, Pcdro começa 

afirmando que no Senhor ressurreto há esperança (1.3), segurança (1.4) c 

alegria, apcsar dc tudo (1.6). Além disso, o valor da fé é incontestável e é 

urna preciosidade (1.7; 2.7) e que, apcsar de tudo, ela pode ser vivida em 

temor diante de Deus (1.17; 2.17), desejando a Palavra para crescer (2.2), 

amando ao Senhor Jesus (1.8) e vivendo de maneira sóbria na sociedade, 

emprego, família c igreja (2.1; 2.11 -1 9; 3.1-7; 3.8-12). 

2. TEXTO 

Já em tom de despedida, Pcdro faz as últimas rccoincndaçõcs ao 

povo resgatado de Deus, mas que cstava vivendo desconfiado, em perigo 

de desistir da fé c viver a alegria da salvação, por causa das constantes 

adversidades. 

V. 5b: O princípio da humildade vale para todas as idades e posições. 

Tendo aconselhado aos presbiteros c aos jovens a vivê-la (5.1 -5a), Pcdro 

agora passa a dirigir suas palavras a todas as pessoas. O conceito de 

"se vestir" aparece em outros textos - Rin 13.12, vestir-se com as


armas da luz; Ef 6.1 1, com a armadura de Deus; C1 3.12, de atos bondo- 

sos e 1 Ts 5.8, da fé e do amor. 

Humildade é uma das virtudes mais recomendadas para os cristãos 

vestirem. Ela demonstra uma atitude de serviço aos irmãos (At 20.19; Ef 

4.2). Em contraste com a cultura contemporânea, que muitas vezes quer 

fazer prevalecer o direito individual, Pedro reforça o ensino de se levar em 

conta o interesse dos outros (Fp 2.3-4). Para justificar seu conselho, ele 

indica Pv 3.34, cujo ensino é de que Deus se opõe aos arrogantes, mas aos 

humildes concede a sua graça e favor (Lc I .5 1-52). 

V.6: Diante da adversidade, resistir não é a solução. Infortúnios também 

acontecem pela vontade de Deus (3.17; 4.19). O caminlio é se submeter 

a poderosa mão de Deus, que no tempo certo honrará seus filhos. O uso 

de "mão de Deus" tem sua origem no Antigo Testamento e essa figura 

lembra tanto o cuidado e os atos de libertação de Deus (Êx 6.1; 13.3; Dt 

9.26), bem como seus atos de julgamento (Jr 21.5; Ez 20.33-34). Os 

escritores do Novo Testamento também se utilizaram dessa imagem para 

falar de Deus em ambos os sentidos (Lc 1.66; At 4.28; 11.21; 13.1 1). 

Conseguir enxergar por trás do sofrimento, o cuidado de Deus, pode não 

ser tarefa fácil, considerando o sofrimento em si, e também alguns traços 

de parte da teologia contemporânea, cuja linha quase sempre sugere a 

prosperidade física e material como sinais da exaltação divina. 

V.7: Ansiedade é uma força contraproducente em dias de tribulação. Em 

Fp 4.6 o antídoto é a oração. Aqui, em outras palavras, a solução é a 

mesma. Pedro diz que se humilliar diante de Deus é descarregar diante 

dele (ou sobre ele, se olharmos para o mesmo verbo utilizado em Lc 

19.35), todas as preocupações e ansiedades, pois é Deus que toma 

cuidado e se preocupa com tudo isso. Quando as pressões batem a 

porta, a saída não é ansiedade, mas a entrega a Deus Pai, que adminis- 

tra a vida do seu povo, conferindo poder para vencer as dificuldades e 

garantir o cuidado e a segurança. 

V.8: Essa é a terceira vez que Pedro diz que é preciso estar alerta e ficar 

acordado (1.13; 4.7). Nas entrelinhas o apóstolo pode estar reconhe- 

cendo sua própria dificuldade em se manter fiel em momentos difíceis, 

como do Getsêmani (Mt 26.36-46). É interesse do diabo destruir a fé 

dos cristãos e ele pode se utilizar desses momentos de ansiedade como 

fortes aliados a fim de semear a dúvida no coração dos filhos de Deus. 

Atrás do sofrimento pode estar o poder do mal como concorrente mor- 

tal do povo de Deus. 

Aqui vale a pena referir o perigo que pode existir em subestimar a 

força do príncipe do mundo e adversário dos cristãos. É verdade que não 

126


podc~nos lhc atribuir mais podcr quc clc rcalmcntc tem, mas não podc~nos 

dcsconsidcrar sua csfcra dc ação, nem considcrá-lo um inimigo ncutro. Ele 

está na árca c o pcrigo podc auincntar cm tcmpos dc crise.' 

Duas situaçõcs cxigcm cstado dc alcrta: I. O rctorno iminente de 

Cristo; 2. os possíveis "tcstcs da fé", quc podcm vir através do rival, ou 

pressõcs extcrnas c intcrnas. Para aclarar: cm 1 TI^ 3.7 c 2 Tm 2.26, o 

diabo pode agir como armadilha, aqui como Icão quc rugc, inimigo do Evan- 

gelho (2 Tin 4.17) c quc não pára (Jó 1.7). Não há como "cochilar" cspiri- 

tualincntc. 

Nos dias atuais cxistcm alguns que prcfcrcm personificar Satanás 

como força iinpcssoal prcscntc no materialismo, nas drogas, no consumismo 

cxagcrado. O fato C quc uma força pcssoal pode sc aproveitar dcstas situ- 

ações para empreender seu alvo de fazer os cristãos apostatarem. 

V.9: Pcdro cscrcvc para todos sc submctcrcm as autoridades (2.13-14), a 

Dcus (5.6) c as esposas aos maridos (3. l), mas ninguém, c nunca ao diabo. 

A ele é preciso resistir firn~ernente na fé. Fé aqui possivelmente não C no 

sentido doutrinário (1 Tm 1.19; 6.2 I), mas como confiança cm Dcus. 

Aqui C intcrcssantc obscrvar quc o sofrimcnto não tcm frontciras, 

não é só "cu", ncrn somos só "nós", o que poderia fazer parecê-lo injusto, 

mas ele também é globalizado e inseparável de toda comunidade cristã. 

V. 10: É pela graça que Deus guia seu povo e da qual tudo procede. É por cla 

quc já sc faz partc da glória eteina (1 Pe 4.14). Pedro aqui retoma a idéia 

de ser chamado por Deus (1.15; 2.9,2 1). O chamado de Deus é concreto 

c a glória pode ser entendida em ser co-participante dos sofriinentos de 

Cristo (4.1 3-14; 5.1), elou mesmo estar em Cristo. Deus está pessoalmente 

envolvido e transformará o mal da aflição em bem. Através do 

sofrimento Deus efetuará os rcparos produzindo no cristão iiin caráter 

cstável, firmará sua fé, vai deixá-lo forte e lhe dará segurança. 

Pcdro não miniiniza os sofrimcntos, mas Icinbra quc há limitcs cstabelccidos 

por Dcus c o scu tcinpo C rcduzido (4.17), em comparação com a 

eterna glória que há de vir. 

V. 1 I : Essa parece ser uina abreviação da doxologia cncontrada cin 4.11. 

Depois de escrever sobre os planos amorosos e paternos de Deus para 

com seus fillios que sofrem, o louvor C a Dcus ctcrnamcntc. Louvor 

que funciona também como uina garantia adicional para o quc foi dcs- 

crito c promctido até aqui. 

' E intci-cssnritc rclcr o qiic dizciii as Corifissócs 1.iitcrnrins sohrc n nç5o tlc Sniniiis.


3. SUGEST~ES HOMILÉTICAS 

Nas declarações do Planejamento IELB 2010, um dos itens estabelecidos 

é "sermos uma Igreja Luterana Confessional que vai ao encontro das 

necessidades das pessoas". Uma pregação sempre deveria ser dirigida para 

as reais necessidades dos ouvintes e o Evangelho de Jesus Cristo aplicado 

de acordo com situações e problemas específicos do povo de Deus. Infelizmente, 

por uma série de fatores, pode ser que em algumas pregações se 

tem enfatizado sistematicamente muito mais conceitos doutrinários, e pouca 

aplicação a vida do ser humano. Não se pode minimizar o ser humano. É 

preciso vê-lo como alguém com necessidades físicas, materiais e espirituais. 

O modelo de se fazer apenas uma exegese do texto bíblico deve ser 

revista. David Smith escreve que, como o apascentador das almas do povo 

de Deus, o pastor precisa também fazer uma exegese da sua audiência. Ele 

precisa levar em conta a experiência diária do seu povo.2 E, nesse sentido, 

cabe ao pastor fazer aquilo que revelou uma pesquisa sobre a expectativa 

que o povo leigo tem de seus pastores: a resposta mais frequente foi de que 

os membros desejam que seus pastores os conheçam melh~r.~ 

Charles Arand lembra que o objetivo de Lutero com os Catecismos 

é que estes sirvam de acompanhamento a vida do cristão desde a pia batismal 

até o túmu10.~ As pregações também deveriam ser assim. O povo de Deus 

precisa ser ensinado em nossas pregações a viver bem e a morrer bem. Ele 

precisa ficar sabendo que o Evangelho de Jesus Cristo é poder de Deus 

para salvação de todo aquele que crê e que sua força prepara o ser humano 

para a vida na terra e no céu. É saúde para a alma e para o corpo. E 

aplicável para pecadores em suas ansiedades, medos, angustias, desajustes 

familiares, estresse, etc. 

A sugestão para este texto de Pedro é fazer, em forma de conversa, 

uma explanação de cada versículo, tendo também um momento de fazer 

uma ponte com o Evangelho do domingo (Lc 18.9- 14). O objetivo central 

poderia ser focado em devolver ao povo de Deus a alegria e a esperança da 

salvação. 

Anselmo Ernesto Grajj 

' Rcv. David S. Stnith, no Concordia Pulpit Resourccs, Volurnc I I, Part 3, 2001. p. 2. 

' Rcv. Eldon Wcishcit, no Concordia Pulpit Rcsourccs, Volumc 1, Part 3. 1991, p.2. 

' Arand, Charlcs. Thnt I May Be His Own. An Ovcrvicw of Luthcr's Catcchisms. CPH, 2000, p. 

11 5. Araiid C professor dc Sistemática do Seminário Concórdia dos Estados Unidos.

DÉCIMO TERCEIRO DOMINGO 


APÓS PENTECO~S 

2 Corintios 12.6-10 


Alegria nas fraquezas 

1. CONTEXTO 

Paulo fundou a igreja de Corinto durante sua segunda viagem 

missionária. Ao longo de dezoito meses pregou o evangelho de Cristo nesta 

cidade. A igreja vivia numa Corinto que se destacava pela riqueza, pelo alto 

comércio e pela cultura grega. Mas também tornou-se conhecida como a 

"cidade dos pecados" e da imoralidade. Era uma sociedade corrupta. E os 

cristãos, no meio das tentações, praticavam pecados com naturalidade. 

A esta igreja Paulo escreve duas Epístolas. Há pesquisadores que 

acreditam o apóstolo ter escrito quatro Cartas para a igreja de Corinto. 

Duas se perderam. Duas se encontram no Novo Testamento. Não são do- 

cumentos dogmáticos, como Romanos e Gálatas. Mas são Cartas de cunho 

prático e pastoral. Abordam, fundamentalmente, duas grandes questões: a 

necessidade de os cristãos viverem uma vida santificada, e a defesa que 

Paulo faz de sua autoridade apostólica, a qual era questionada por muitos 

paroquianos. 

Em nossa perícope - 2 Co 12.6- 10 -Paulo fala sobre seu apostolado 

e aponta detalhes sobre o orgulho, sobre a autoglorificação, sobre sua en- 

fermidade, sobre os perigos que enfrentou no exercício de seu ministério 

pastoral no "mundo dos gentios", sobre a alegria nos sofrimentos e fraque- 

zas e sobre a histórica resposta que recebeu de seu Deus: "A minha graça 

te basta". 

2. TEXTO 

Gloriar-se (kaúxee - vv. 1,5,6,7,9) - Significa falar de si mesmo, 

exaltar-se a si mesmo, exibir suas virtudes e qualidades, engrandecer-se, 

louvar-se, orgulhar-se, gabar-se - revelando vaidade e soberba.


Paulo diz que ele poderia se exaltar e se gabar, pois tinha muitas 

razões para fazê-lo: as visões, as revelações surpreendentes, o arrebata- 

mento até o terceiro céu ou paraíso, as palavras inefáveis e extraordinárias 

que ouviu (vv. 1,2,4) - experiências indiscritíveis. Se o fizesse, diz o após- 

tolo, estaria apenas falando a pura verdade (v. 6), e provando seu apostolado, 

sua autoridade de ministro de Cristo aos "super-apóstolos", falsos mestres, 

que o criticavam. Mas não o faz. 

Paulo dá uma lição de modéstia e humildade para os "cristãos, mes- 

tres e pastores de hoje". Ele desvia de si a autoglorificação e transfere toda 

honra e glória a Deus. Parece conhecer o provérbio: "Louvor próprio cheira 

mal" ("Eigenlob stinkt"). Cristo fala sobre: "Quem se exalta ... quem se 

humilha ..." A lição de Paulo quer ser aprendida e praticada. 

Espinho (skólops - v.7) - É uma estaca para torturas, uma vara 

pontiaguda, um tipo de aguilhão para fustigar os bois. É o que significa o 

termo. Mas há uma discussão milenar sobre a explicação deste espinho. 

Não há concordância entre os pesquisadores. Mas há muitos "achômetros" 

que anotamos, como estes: Doença dos olhos (G14.159, depressão, epilep- 

sia, doença crônica, moléstia com acessos imprevisíveis. Ninguém sabe pre- 

cisar o que seria este espinho. 

Paulo confessa que tem um "problema na vida" (parece físico), um 

"aguilhão no corpo". E reconhece que este espinho tem um claro objetivo 

em sua vida ministerial: "Para que não me ensoberbecesse", "não ficasse 

orgulhoso", "não me encher de soberba", "esvaziar o meu orgulho". 

Paulo aprendeu e compreendeu o propósito do espinho em sua vida - 

nada de orgulho, vaidade, soberba, mas l~umildade no trabalho do reino de 

Deus. Deus ainda usa ou permite "espinhos" em nossas vidas. Você conhece 

muitos. Eu também. Mais uma lição de Paulo para nós. 

Graça (xáris - v.9) - Termo repetido milhares de vezes na Escritura. 

Tem significado amplo. Sempre se refere a ação de Deus. Sempre Deus em 

direção aos homens. Sempre em favor de Deus. Sempre um presente que vem 

do coração de Deus e engloba tudo que envolve o amor, a bondade, a misericór- 

dia, as dádivas, a salvação de Deus, revelado em e através de Jesus Cristo. 

Paulo pretendia remover o "espinho da carne" de sua vida. E pediu 

(pavakaléu), e orou, e suplicou, e clamou, e implorou, e rogou "por três 

vezes" ao Senhor para "ficar bom de novo", para "afastar de mim o agui- 

lhão". Mas Deus deu uma outra resposta, resposta que virou clássica na 

vida de todos os cristãos de todos os tempos, em situações similares: "A 

minha graça te basta7', "a minha graça é tudo o que você precisa", "eu estou 

com você".


E Deus também justifica a sua resposta: "Porque o meu poder se 

aperfeiçoa na fraqueza", "isso (graça) é tudo que você precisa", "o meu 

poder manifesta-se plenamente na fraqueza", "pois o meu poder é mais 

forte quando você está fraco". 

A lição que Deus dá a Paulo é muito apropriada para nós - e repleta 

de amor e do consolo de Deus. 

Alegria (eudokéu - vv. 9 e 10) - Termo bastante rico, e pode signi- 

ficar: sentir prazer, ânimo, comprazer-se, concordar com vontade, estar sa- 

tisfeito, ter satisfação, sentir orgulho, alegrar-se, sentir-se feliz. Tradução: 

"Eu sinto prazer", "eu me orgulharei", "sinto-me feliz", "estou feliz", "eu me 

comprazo", "eu me sinto mui feliz", "eu me alegro". 

Paulo compreende, aceita, se conforma e se alegra com a resposta 

do Senhor Deus. É uma atitude ou sentimento contraditório ou paradoxal. 

Mas ele justifica esta sua atitude: "para que sobre mim repouse o poder de 

Cristo" e "por amor de Cristo" (vv. 9 e 10); "estou feliz ... vivo do poder de 

Cristo" e "tudo é para o bem de Cristo", "por causa de Cristo". O apóstolo 

aprendeu a orar com alegria: "Pai, seja feita a tua vontade". Ele lembra o 

que Cristo l~avia dito: "Paulo, serás para mim um instrumento escolhido ... eu 

te mostrarei quanto importa sofrer pelo meu nome" (At 9.15). Em outra 

oportunidade Paulo confessa: "Eu aprendi a viver contente em toda e qualquer 

situação" (Fp 4.7). E então recomenda: "Alegrai-vos sempre no Senhor; 

outra vez digo, alegrai-vos" (Fp 4.4) - Que lição de vida cristã sob a 

graça de Deus! 

3. Drs~os~çÁo 

EU ME ALEGRO COM AS FRAQUEZAS (v. 10) 

Por quê? Quais são as razões ou motivos? 

INTRODUÇÁO 

Há verdades bíblicas que se apresentam paradoxais: 

1 - Paulo confessa em Rm 8.28: "Todas as coisas cooperam para o bem 

daqueles que amam a Deus". 

2 - Paulo confessa em Fp 4.11: "Porque eu aprendi a viver contente em 

toda e qualquer situação". 

3 - Paulo confessa em nossa perícope: "Eu me alegro também com as 

fraquezas". 

Por quê?


1 - Porque nas minhas fraquezas eu aprendo a humildade (vv. 6 e 7) 

Falar sobre: 

os paradoxos na vida dos cristãos 

as verdades nos vv. 1-6 

o espinho, as enfermidades 

o significado de alegria 

a palavra de Cristo em Lc 14.11: "Se exalta ..." 

11 - Porque nas minhas fraquezas se manifesta a força de Deus (vv. 

9 e 10) 

Falar sobrc: 

. o que é fraqueza 

o que é poderlforça de Deus 

palavras de Cristo em Jo 15.5: "Sem mim nada podcis fazer" 

as palavras de Paulo em 2 Co 3.5: "a nossa suficiência vem de Deus" 

o que diz o hino 478: "Do poder de Deus...". 

111 - Porque nas minhas fraquezas valorizo a graça de Deus (v.9) 

Falar sobrc: 

o significado da palavra graça 

a salvação pela graça (Ef 2.5-9) 

o preço e valorização da graça de Deus 

a graça no Calvário 

IV -Porque nas minhas fraquezas cresce a minha confiança em Cris- 

to (vv. 9 e 10) 

Falar sobre: 

a necessidade do crescimento espiritual 

o "repouse sobrc mim o poder de Cristo" 

o "sinto prazer por amor de Cristo7' 

as fraquezas do v. 10 

o que Paulo diz em Rrn 8.35-39: " Somos mais que vencedores" 

Conclusão 

"Entrega o teu caminho ao Senhor ..." (Salmo 37.5) 

"Corrainos ... olhando Jesus" (Hb 12.2) 

"Tome a sua cruz e siga-me" (Mc 8.34) 

Uma IELB mais feliz e alegre

Igreja Luteraiia - 11" 1 - 2004 

DÉCIMO QUARTO DOMINGO APÓS PENTECOSTES 

I Jíoão 4.7-11 

05 de setembro de 2004 

1. CONTEXTO 

O propósito central do apóstolo João nesta sua primeira epístola é 

tcstcrnuiihar a respeito do "Verbo der Vider " ( I. I), da fé ein Jesus Cristo e a 

conseqüente certeza da vida eterna, incquivocaincntc garantida "a vcís 

outros que cre&s em o nome do Filho de Deiw " (5.13). 

O conhecimento, a convicção, a crcnça, a certeza de que "Deus c! 

amor" (4.8) - amor cssc que se manifesta "em haver Deus enviado o seu 

Filho Unigênito ao mun h... " (4.9) - leva a concluir que: "amar é conhecer 

a Deus" (4.8) c que essa cornunhão com Deus se transforma autoiiiaticainente 

e imediatamente em algo concreto, visível, pcrccptívcl na 

vivência do amor fraterno, ou seja, do amor "ims LIOS íoz/tros " (4.1 1 ). 

2. TEXTO 

V. 7: "Amados, amemo-nos uns LZOS ozltro.~~, porque o crmor proc~eui. de 

Deus; e lodo aquele que ama c! nascido de Deus e conhece a 

Deus ". Sem dúvida, c um dos mais belos, poderosos c afetuosos apelos 

do Novo Testamento. Trata-se do ainor fraternal, do ainor para com as 

pessoas que C cstabclccido (que surge) a partir da fé. I? Deus que cria 

esse amor no coração e esse ainor passa a ser um reflexo do amor de 

Dcus na vida daqueles que aprenderam, conhcccrarn e crcraiii nesse 

amor de Deus. Caracteriza a assim denominada nova crzalura I? resultado, 

C fruto da fc, ou seja, da percepção, do conheciinento, da 

crcnça na salvação de Dcus. 

V. 8: "Aquele que nMo ama nMío cíonhece LI Deils, pois Bez/.s é amor". 

Onde não lia ainor na direção dos outros ii~obilizando a vida de algucrn, 

certamente não há nem conhecimento, ncin fé na obra salvadora do 

Deus que busca e salva cada ser humano arrependido dos seus pecados. 

V. 9: "Nisto se man~festoz/ 

o crmor de Deus em ncís: enz haver Deils 

envicrdo seu Filho zlnigênilo ao mundo, para vivermos poi. meio 

dele". Dcus é a pcrsoniticação, a cncarnação (em Cristo), a fonte do


amor. Do céu, Deus enviou "o seu Filho unigênito" para esse mundo 

onde imperam a corrupção, o pecado e a morte, para nos salvar, resga- 

tar da condição de perdidos e condenados e nos restaurar, pela fé, a 

condição de verdadeiros filhos e filhas, garantindo, assim, completa e 

eterna vida espiritual. Notícia aparentemente simples, porém, decisi- 

va existencialmente falando. A mais poderosa e confortadora notícia de 

todos os tempos: Deus ama concretamente a humanidade, incondi- 

cionalmente, pelo envio, por intermédio de seu Filho, nosso Sal- 

vador e Senhor Jesus Cristo. 

V. 10: "Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a 

Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como 

propiciação pelos nossos pecados". Todo mérito, todo orgulho hu- 

mano estão excluídos. O amor não surge do pensamento, da razão, do 

esforço humanos. E exatamente o contrário: enquanto ainda pecado- 

res, enquanto ainda inimigos de Deus (Rrn 5.8), Deus nos amou. Uma 

perfeita salvação e redenção foi conquistada para todos e todas as 

bênçãos e benefícios dessa salvação e redenção são recebidos, são 

apropriados unicamente pela fé. 

V. 11: "Amados, se Deus de tal maneira nos amou, devemos nós tam- 

bém amar uns aos outros". O amor de Deus em Cristo é modelo, é 

padrão do amor perfeito. Por isso, somos conclamados pelo apóstolo 

João a sermos imitadores desse amor. Esse amor precisa nos inspirar, 

nos levar, nos constranger a concretizá-lo, a torná-lo real em nossa vida 

prática, diária, no convívio, no relacionamento com os outros. 

3. PROPOSTA HOMILÉTICA 

Deus ama concreta e incondicionalmente a humanidade: 

- enviando seu Filho unigênito para ser nosso Salvador e Senhor; 

- o amor de Deus, em Cristo, é padrão do amor perfeito; 

- sejamos imitadores desse amor uns com os outros. 

Norberto Ernesto Heine

DÉCIMO SUCTO DOMINGO 

Igreja Luterana - nu 1 - 2004. 


2 Coríntios 6.1-10 


1. CONTEXTO 

As relações de Paulo com a congregação de Corinto são um capítulo 

a parte na História da Igreja na era apostólica. Sem entrar em maiores 

detalhes, notamos que 2 Coríntios foi escrita após Paulo ter recebido um 

relatório favorável de Tito, que vinha de Corinto. Em 2 Coríntios (especial- 

mente capítulos 3 a 7) o apóstolo trata do seu ministério, mais do que em 

qualquer outra de suas cartas. O texto em estudo pertence a esta seção da 

carta que trata especificamente sobre o ministério apostólico. É ainda signi- 

ficativo observar que Paulo escreve com um tom polêmico. Sua autoridade 

apostólica estava sendo questionada. A segunda carta aos Coríntios é uma 

resposta pessoal de Paulo a uma congregação que lhe causava muita preo- 

cupação. Dentro de seu cuidado pastoral, foi necessário tratar com mais 

profundidade da doutrina do santo ministério. Para Paulo, não era apenas o 

seu nome que estava em jogo. Como o ministério é dado por Deus, com o 

propósito de proclamar o Evangelho da salvação, ao atacarem o apostolado 

de Paulo, seus adversários - na prática - colocavam em dúvida o próprio 

evangelho que ele proclamava. 

Quanto ao contexto litúrgico, vale lembrar que a Epístola segue uma 

ordem própria, nem sempre (quase nunca!) com um tema que corresponda ao 

das outras leituras. As leituras do dia (S14; 1 Rs 17.8-16; Mt 6.25-33) anunciam 

ao crente que todas as suas necessidades são conhecidas por Deus e por 

Ele graciosamente supridas, ao Seu tempo e modo; por isso, não há motivo 

para angústia, mas para confiança no Senhor. Há um elemento na Epístola do 

dia que pode ser explorado tendo em vista o sermão e que encontrará nas 

demais leituras elementos que podem ser utilizados. Por isso, no exame do 

texto, abaixo, nos resumin~os a examinar um dos seus aspectos. 

2. TEXTO 

Upã~ -para não 

receberdes em vão a graça de Deus. A graça de Deus é eficaz. Ela 

não depende da resposta da pessoa para ter poder. "Não receber em 

V. 1: pj E ~ Ç KEVOV mjv X&PIV ZOU OEOU SE~U(J~UI 

135


vão a graça de Deus" deve ser entendido conforme o contexto. Paulo 

falava a pessoas cristãs que, no entanto, estavam sendo influenciadas 

por falsos apóstolos, de modo a terem uma atitude negativa quanto a 

Paulo. Assim, com esta frase Paulo alerta para o fato de que a incredu- 

lidade leva a pessoa a desprezar, para si mesma, a graça de Deus. No 

caso dos coríntios, rejeitar o ministério de Paulo significaria rejeitar o 

evangelho que ele anunciava e, portanto, a mensagem centrada na gra- 

ça de Deus, no Seu amor reconciliador, em Cristo. Isto seria receber a 

graça de Deus em vão. 

V.2: hÉy~t yáp icatpõ 6~iczõ kxilicouoá oou uai &v qpÉpa 

oo~qpia~ kpoqeqoá oot - pois diz: no tempo(oportunidade) 

aceitável Cfavorável) te ouvi e no dia da salvação te socorri. É 

significativo que o texto inicie por um "pois", fazendo a ligação do que 

vem aqui com o que fora dito antes. Paulo e seus companheiros na 

proclamação do evangelho estão anunciando aos coríntios a palavra da 

reconciliação (5.19). Este é, para os que ouvem esta mensagem, o "tempo 

- época - aceitável". ~EKZÕ (favorável) na maior parte das vezes se 

aplica a aceitação por parte de Deus - Lc 4.19; At 10.35; Fp 4.18 

(exceção - Lc 4.24). Assim sendo, Deus está se manifestando favoravelmente 

na palavra proclamada. Paulo cita Isaías 49.8. No profeta, 

estas palavras são ditas ao Servo, Jesus Cristo, na Sua obra. Agora, 

elas são aplicadas a proclamação do evangelho. O dia da salvação não 

é um ato que fica no passado, dependendo que a pessoa se disponha a 

"mentalmente voltar no tempo". Na verdade, o dia da salvação se torna 

contemporâneo a todas as épocas pela pregação do evangelho salvador. 

Isto fica evidente na afirmação seguinte: 

i606 vCv ~atpò5 EU~T~Ó~~EKZOS i606 VUV flpÉpa ooaqpia~ - 

eis agora o tempo aceitável, eis agora o dia da salvação. 

E6xpóoF~iczo~ é sinônimo de ~EKTOÇ. O termo é usado também tendo 

Deus como sujeito em Rm 15.16; 2 Co 8.12; 1 Pe 2.5. vCv significa "agora", 

"marcando um ponto (ou período) definido de tempo; é o presente imediato 

(objetivo). Paulo responde à questão, "Quando será o tempo em que 

Deus nos aceitará?", afirmando: este tempo é agora, ou seja, sempre que a 

palavra da reconciliação é anunciada. 

A maneira como Paulo aplica o texto do Antigo Testamento a sua 

proclamação apostólica vem lembrar a urgência que sempre está implícita 

no exercício do ministério, que proclama a reconciliação de Deus com o 

mundo. No anúncio do evangelho, o reino de Deus se faz manifesto, com 

suas bênçãos, de perdão e vida. Esta é a necessidade básica de cada pes- 

soa (ver Evangelho do dia) e Deus graciosamente a supre na proclamação

Igreja Lutcrana - nu 1 - 2004 

fcita por intermédio daquelcs a qucm o próprio Dcus chamou c enviou. 

(Obs.: Para uina cxcgcsc dc todo o tcxto, ver: Igreju Luterunu 561 

2, Novembro de 1997, páginas 165-196; ou na página eletrônica do Scininá- 

rio Concórdia - www.scininarioconcordia.com.br : "2 Coríntios 6.1-10") 

3. API,ICACAV IIOMII,ÉI-ICA 

Cristãos não vivcin no passado; inas do passado vein a fonte de vida 

para hoje. Assim é o evangelho, que traz até nós hojc a obra dc Cristo, fcita 

uma vez por todas, e faz dc cada dia "o dia da salvação". Nosso Deus não 

fica no passado, convidando-nos a irmos até li, com nossos esforços, boa 

vontadc c conccntração (csta c a forma como as rcligiõcs pagãs entendem 

a busca humana pclo divino). A fé cristã confessa que Deus vein e se faz 

prcsentc cm nossa vida, por Sua graciosa iniciativa c atuação, no cvangclho. 

A mensagem sobrc o tcxto dc Paulo aos corintios c uina oportunidade 

para cclcbrar cstc fato, da graça dc Dcus, quc atua entrc nós com poder, 

ainda quc por meios aparentcinente fracos (a palavra anunciada, a água no 

batismo, os clcincntos da Ccia). 

Uma tcntação seinprc prcsentc para o pregador é buscar no tcxto- 

base do sermão imperativos para o povo (ouvintes). Assim, não raro se 

ouve sobre o texto em questão: "Nós, cristãos, somos cooperadores dc Deus; 

portanto devemos ...". Além do problema exegético numa aplicação dcstas 

(Paulo não rcfcrc o "coopcradorcs" a todos os cristãos, inas a ele e seus 

companheiros de proclamação apostólica, enquanto anunciadores do evan- 

gellio), ela traz consigo um tom legalista. A sugestão que damos 6 que o 

pregador proclame aos seus ouvintes o que Paulo proclamou aos dclc: hoje 

é tempo de salvação - Deus está entre nós, cm sua graça, no cvangclho. 

Vamos celebrar e viver esta oportunidade!


DÉCIMO S~MO DOMINGO 


1 Corintios 15.1-11 


1. CONTEXTO 

O que era a pregação do apóstolo Paulo? Qual o valor dela perante outras 

pregações? Eram questões que surgiram dentro da igreja de Corinto. Aliás, entre 

outras pregações, havia também uma que negava a ressurreição dos mortos. 

O contexto em Corinto leva-nos a pensar sobre a realidade de hoje e 

pergunta semelhante i exposta no início aparece repetidamente: qual o va- 

lor da pregação dos nossos pastores diante de outras pregações que se 

espalham e chegam aos ouvidos do nosso povo? Os pastores pregam o 

evangelho de Jesus Cristo, assim como também fazia Paulo. Disso se con- 

clui que nunca será demais reafirmar o valor do evangelho, pois Satanás 

gosta de provocar "coceiras nos ouvidos" dos cristãos, tentando-os ao de- 

sejo de dar atenção a outras mensagens. 

Os cristãos de Corinto perseveravam no evangelho, estavam firmes 

na confiança na sua mensagem. No entanto, valeria a pena continuar na- 

quela atitude? Não seria ele incompleto ou, até mesmo, ultrapassado diante 

de outras "verdades" que apareciam? Paulo, por isso, enfatiza a necessida- 

de de recordar o que já se sabe. O evangelho não é algo para ser ouvido 

numa só vez. Não é apenas uma notícia que se dá alguém, mesmo sendo 

uma "boa notícia", como definimos a palavra evangelho. Temos conosco 

um bom texto para nos ajudar a refletir novamente sobre o que é o evange- 

lho que nos cabe anunciar. 

2. TEXTO 

O evangelho e seu poder 

Por meio do evangelho os coríntios eram salvos. Cumpria-se junto a 

eles o dito pelo apóstolo em Rrn 1.16, que o evangelho é o poder de Deus 

para a salvação de todo aquele que crê. Nisto reside o diferencial do evan- 

gelho em relação a todas as outras mensagens. Digam elas o que quiserem, 

prometam o que desejarem prometer, contudo nenhuma outra salva. Que 

verdade portentosa para quem ouve o evangelho e não menos grandiosa 

para quem o anuncia!


Anunciar o evangelho é, portanto, trazer para o ser humano aquilo 

que o salva. Não pregamos o evangelho para apresentar uma cartilha que 

ensina a alguém a ser mais santo, a ter melhor relacionamento com os pais, 

filhos, cônjuges, vizinhos. Tudo isso se inclui nos efeitos secundários do anún- 

cio do evangelho, porque o efeito principal é tirar da condenação, resgatar 

de debaixo do poder do diabo, do pecado e da morte e colocar na bem- 

aventurada comunhão com o Criador e Senhor. Que se repita sempre: o 

evangelho salva, salva, salva ... ! 

Interessante destacar o seguinte: os coríntios não haviam abandona- 

do o evangelho, pelo contrário, estavam firmes nele. Mesmo assim, o após- 

tolo o estava tornando conhecido a eles. Fica, portanto, sem força a alega- 

ção de alguns de que já ouviram demais o evangelho e, por isso, já sabem 

tudo o que será dito. Nada mais desprovido de fundamento do que tal pre- 

sunção! Afinal, o evangelho não narra sobre o poder de Deus, porém ele é 

poder. Ao anunciá-lo, o pregador não está apenas contando algo sobre o 

poder de Deus, contudo muito mais do que isso: está trazendo aos ouvintes 

o poder divino presente naquilo que o Senhor escolheu como depositário do 

seu poder, ou seja, o evangelho de Jesus Cristo. Confiante nesta verdade, o 

pregador anuncia o evangelho e o faz com oração ao Senhor para que sua 

ação aconteça pelo poder da mensagem. 

O conteúdo do evangelho 

Paulo havia entregue aos coríntios o evangelho. Dentro do texto da 

perícope ele descreve o conteúdo do evangelho. Qual é? É Cristo e sua 

obra. Dois aspectos de sua obra ganham destaque: que Cristo morreu pelos 

nossos pecados, segundo as Escrituras (v. 3) e ressuscitou ao terceiro dia, 

segundo as Escrituras. A morte de Jesus foi a culminância de sua obra 

vicária, porém sua ressurreição proclama ser ele o Filho de Deus e garante 

para a humanidade o valor e a eficácia de sua obra. O texto do evangelho 

para o dia, Lc 7.11-16, também destaca o poder de Cristo sobre a morte, 

narrando a ressurreição do filho da viúva de Naim, operada por Jesus. 

O Cristo morto e ressuscitado foi trazido por Paulo aos coríntios. Pela fé no 

Cristo, os coríntios herdaram a salvação. Para quem confia no Cristo do evange- 

lho, o Senhor é poder para salvar. O evangelho não tem propriamente a missão de 

falar a respeito de Jesus. Há tantas e tantas obras literárias que se preocupam 

com isso. O evangelho é a presença do próprio Cristo, por isso que ele salva. 

Para a morte e ressurreição de Jesus há o testemunho das Escritu- 

ras, o que, por si só, seria suficiente para provar a veracidade daqueles 

fatos. Paulo, entretanto, acrescenta-lhe outro elemento: o Cristo ressuscita- 

do foi visto após sua ressurreição. Ele vive e, porque vive, salva!


O evangelho anunciado por Paulo vale a pena ser retido na confian- 

ça. Afinal, nele está o poder que salva. Parece que Paulo está dizendo: 

"Irmãos e irmãs, fiquem com aquilo que salva, mesmo que outras mensa- 

gens cheguem aos ouvidos de vocês." Fiquem com aquilo que salva pode 

ser o convite ou apelo que brota dos corações dos pastores de hoje e chega 

aos ouvidos de suas congregações. 

A causa da pregação do evangelho 

Surpreende até certo ponto a comparação que Paulo faz dele próprio 

com os demais apóstolos. Num momento ele afirma que não é digno de ser 

chamado apóstolo, que é o menor deles, pois perseguiu a igreja de Deus, e logo 

a seguir afirma que traball~ou mais do que todos os demais. Como entender a 

razão daquela comparação? Vejo nela a intenção de colocar em destaque a 

graça de Deus. A favor do apóstolo está clara a manifestação da graça de 

Deus, diríamos sem muito pensar, afinal faz de um perseguidor um grande mensageiro 

do evangelho. Sim, é evidente isso; creio, todavia, que poden~os dar a 

graça de Deus um outro alcance também. Ela alcançou os coríntios também, 

por meio do grande trabalho de Paulo, levando-lhes o evangelho salvador. 

Quando o evangelho salvador chega a alguém, sempre o chega por 

causa da graça de Deus para com o ouvinte. A pregação de Paulo e dos 

demais apóstolos aconteceu por Deus ter sido generoso para com aqueles 

que a ouviram. Se vieram a crer por intermédio de uma ou de outra, é 

detalhe insignificante. Todos pregaram movidos pela graça de Deus. Para 

os ouvintes não importa quem anuncia, porém o que crêem. A f6 está colo- 

cada no evangelho salvador, cujo conteúdo Paulo deixou claro. Não será 

demais a lembrança dessa verdade. Creio que o texto se presta para que o 

pregador a mencione na sua mensagem. É única e exclusivamente por mi- 

sericórdia divina que recebemos o evangelho salvador, independentemente 

do mensageiro que no-la traz. Importa, pois, que nos apeguemos muito mais 

a mensagem do que ao mensageiro, retendo-a sempre. 

3. SUGESTÃO HOMILÉTICA 

Tema: Convite para reter a fé no evangellio salvador. 

I - A razão (causa) para os coríntios terem corihecido o evangelho. 

Obs.: trazer essa verdade para os ouvintes a nossa frente. 

I1 - O que é o evangelho? Seu poder e o resultado na nossa vida. 

111 - Convite para reter a fé no evangelho salvador. 

Obs.: destacar a ação do próprio evangelho (Cristo) para a retenção da fé. 

Paulo Mois6.s Nevl~us

DÉCIMO OTTAVO DOMINGO 



Gálatas 3. 26-28 

03 de outubro de 2004 

1. CONTEXTO 

Quem são os verdadeiros filhos de Deus? Parece ser esta a pergunta 

que Paulo responde no contexto em que se insere a perícope. Para o após- 

tolo a resposta era clara e definitiva o que, todavia, não se repetia entre os 

destinatários de sua epístola. Os filhos de Deus vêm a ser os filhos de Abraão. 

E estes, quem são? Para os judaizantes infiltrados entre os gálatas, a filiação 

ao patriarca era reconhecida pela via da raça e da sujeição a lei e observân- 

cia dela. A conseqüência dessa conclusão é óbvia: uma restrição cruel ao 

ingresso a filiação a Abraão e a Deus. 

Coube a Paulo a missão de derrubar tal mensagem falsa. Quem são, 

então, os filhos de Abraão? A resposta aparece já antes da perícope em 

análise. No versículo 7 do capítulo 3, Paulo afirma: Sahei, pois, que os da 

fé é que sãofilhos de Abraão e no versículo 9: De modo que os da,fé são 

abençoados com o crente Ahraão. A bênção de Abraão chegou a outros, 

não ficou somente com os da raça dos judeus. Segundo o versículo 14, ela 

chegou aos gentios, em Jesus Cristo, revelando com isso uma abrangência 

da filiação a Abraão e a Deus que não estava sendo percebida entre os 

gálatas e até dada como impossível. 

Da filiação a Deus por meio da fé em Jesus Cristo provém a bem- 

aventurada comunhão com Deus. O assunto comunhão com Deus era, de 

fato, a maior preocupação. Para alguns, ela acontecia através de um cami- 

nho; na pregação do apóstolo Paulo, todavia, o caminho era outro. 

2. TEXTO 

A comunhão com Deus acontece por meio da fé em Jesus Cristo. 

Não há outro caminho para se obtê-la. Por isso, a unio mystica (crente e 

Cristo unidos pela fé) é decisiva e excludente. Tão-somente ela para nos 

manter em comunhão com o Pai. 

Não somente o texto desta perícope, mas também o do evangelho 

(Mt 26.26-29) fornecem elementos preciosos para destacar a ação do pró-


prio Dcus a nosso favor, a fim dc quc tcnhamos tão cxtraordinária comu- 

nhão. Gálatas 3.26-28 refcre-se ao batismo; Mateus 26.26-29 é o relato da 

instituição da santa ccia. Batismo c santa ccia gcram comunhão com Cristo 

e esta, filiação a Deus. 

A abrangência da filiação a Deus, pelo caminho apontado por Paulo, 

C total, ou scja, a todas as raças c pcssoas, indcpcndcntcmcntc dc scxo ou 

status na sociedade. Que verdade fantástica a ser abordada pelo pregador! 

Todos são filhos de Deus em Cristo, o Cristo que nos revestiu no batismo, o 

Cristo quc nos dá scu corpo c sanguc na santa ccia. A filiação a Dcus não 

dcpende de particularidades de raça (judeu ou grego, brasilciro ou alemão), 

de condição social (senhor, cmprcgado), ncm dc scxo (homcm ou mulhcr). 

Todos são um em Cristo com privilégios iguais. 

A comunlião com Deus não se busca nem se conquista com es- 

forços próprios. Pclo contrário, vive-se a partir dela, pois é totalmente 

dom dc Dcus c obra dclc, ofcrccidos c rcalizados por mcio dc Cristo. 

Não há porquc olhar para fulano ou fulana c pcnsar como um fracassa- 

do: "Ah, sc cu conscguissc scr como clc ou cla, cstaria mais pcrto dc 

Deus"! Por quc isso? Não cabc na vida do cristão, pois todos quantos 

fostes batizados em Cristo, de Cristo vos revestistes (v. 27) c, por 

isso, todos sois.fi/hos de Deus (v. 26). Há lugar aqui para colocar cm 

destaque a palavra todos. 

Pela batismo, somos revestidos de Cristo. Só há duas manciras dc 

comparecer diailtc dc Dcus: coin Cristo ou scin clc. Scin Cristo cstamos 

nus c nossa pccaminosidade fica cscancarada diante do Deus santo e justo. 

Não há outra coisa a scr fcita pclo Scnhor, a não scr nos cxpulsar da sua 

prcsença. Com Cristo estamos vestidos e o quc aparccc, cntão, diantc do 

Senhor? A santidade e justiça do seu próprio Filho. Dcus "vê" Cristo c não 

o Paulo, o João, a Maria, a Antônia. Para alguém scr salvo não há razão 

para scr o João e não o Paulo ou a Maria e não a Antônia. Tudo o que é 

preciso é a comunhão com Cristo c os rcsultados dela vêm por si. E que 

rcsultados! Filhos de Dcus, unidade em Cristo, descendência de Abraão e 

hcrdeiros segundo a promessa!!! A comunhão foi dada no batismo c sc 

renova e se fortalece pela santa ceia. Os judaizantcs podcriarn colocar a 

circuncisão como causa dc maior comunhão com Dcus; os grcgos, talvez, 

apelassem para a sabedoria; os homens podcriarn atribuir algum mérito cs- 

pecial a masculinidadc, ou os senhorcs ao scu podcr. Nada disso, porém, 

conta; nada disso traz crédito junto ao Scnhor. Comunhão com clc sc rccc- 

be pela fé cm Jcsus Cristo, coin qucm tcmos comunhão a partir do batismo. 

O rcvestir-se de Cristo é verdade apresentada já no Antigo Testamento (1s 

61.10).


Tcma: Todos crn comunhão corn Jcsus. 

Igreja Luterana - n" 1 - 2004 

I - Caminlios ou caininho para cornunhão corn Deus'! 

I1 - A obra dc Dcus a nosso favor pclo caminho que ele escolheu: 

comunhão coin JCSUS. 

Obs.: Destaquc no batismo e na santa ccia. 

I11 - Os rcsultados da comunhão com Jesus.


DÉCIMO NONO DOMINGO 


Romanos 13.1-1 0 

10 de outubro 2004 

Por que obedecer a autoridade 

1. CONTEXTO 

-Antes de Paulo escrever sua Carta aos Romanos, já existia uma congre- 

gação cristã em Roma, a capital do império. Não há detalhes sobre sua 

origem. O apóstolo pretendia visitar a igreja de Roma, em sua viagem a 

Espanha. O que, mais tarde, aconteceu. 

- Romanos é a Carta de Paulo que recebe destaque especial na teologia 

da igreja. É um denso e claro documento doutrinário da igreja do N.T. É 

fácil perceber a sua divisão: Na primeira parte (1 - 1 l), Paulo expõe toda 

doutrina sobre a salvação pela fé em Cristo Jesus; na segunda parte 

(1 3- 16), o apóstolo aponta para a parte prática da vida cristã - a nova 

vida em Cristo. 

- E um dos pontos altos desta segunda parte é o ensino sobre a autoridade 

civil, no cap. 13. Paulo quer esclarecer, ajudar e confortar os cristãos 

de Roma, que viviam num mundo gentio e sob as ameaças e persegui- 

ções dos imperadores de Roma. Paulo (Rm 13) e Pedro (1 Pe 2.13-17) 

analisam a autoridade civil em harmonia, na mesma perspectiva. Dou- 

trina complexa e sensível no contexto dos "césares de Roma" e no 

contexto dos "césares de hoje" no mundo e no Brasil. Mas é o ensino 

revelado por Deus. Vejamos alguns detalhes sobre a premissa maior de 

Rm 13: Obedeçam a autoridade! 

2. TEXTO 

- Todo homem @asa psyche - v.1) - Isso significa: Toda alma, toda 

pessoa, todo ser humano, os cristãos e gentios. Todos precisam obede- 

cer a autoridade. 

- Autoridades (exusia - v. 1) - É diferente de dúnamis, que significa 

poder, força. Sob autoridade entende-se a ordem Estado, o governo


civil, o poder seczrlar ou corno fala a Confissão de Augsburgo "coisas 

civis" ou "ordem política". Há duas grandes ordens no mundo: A or- 

dem Estado - zela, principalmente, pelo bem-estar material da socie- 

dade; e a ordem Igreja - zela, principalmente, pelo bem-estar espiritual 

da sociedade. Igreja e Estado não são antagônicos nem devem se coin- 

bater, mas em harmonia se complementar na tarefa do bem-estar inte- 

gral do ser humano e da humanidade. Observação própria: " ... todos os 

govcrnos e leis ... instituídas por Deus, e que cristãos podem, sem peca- 

do, ocupar o cargo de autoridade, de príncipe e de juiz, proferir senten- 

ça ... fazer guerras justas ..." (cf. Livro dc Concórdia, p. 35, 70, 235). 

- Obedecer (hypotassoo - v.1) - O verbete significa: estar sujeito, estar 

debaixo, subjugado; é obedecer. É ser súdito. Os cristãos devem obe- 

decer aos magistrados. Mas há um limite: quando a ordem é má e 

pecaminosa, valem as palavras de At 5.29: "Antes importa obedecer a 

Deus do que aos homens." 

- Instituir (tássw - v. 1 e 2) - Deus é o autor da autoridade civil. Procede 

de Deus. Vem dc Deus. É ordcnada por Deus. É colocado por Dcus. 

Não é invenção humana. O governo existe pela vontade, ordem, per- 

missão e instituição de Deus. 

- Espada (maxaira - v.4) - É o símbolo de autoridade, para julgar e punir 

os transgrcssores das leis. 

- Consciência (syneideesis - v.5) - É um atributo especial e particular do 

scr humano. É ter conhecimento peculiar e intcrior. É a faculdade que 

sabe discernir, julgar, separar e diferenciar entre o bem e o mal, entre o 

certo e o errado. É um juiz interno que nos acusa ou nos defende. Já em 

2.15 Paulo fala sobre "a lei gravada nos seus corações, testemunhando 

também a consciência ... acusando-se ou defendendo-se." 

Introdução 

1. "Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (Mt 22.2 1). 

Nesta premissa, Cristo reconhece as duas grandes ordens: Ordem Estado e 

Ordem Igreja. Também faz clara distinção entre as duas. E as duas precisam 

existir em favor do bem-estar material e espiritual da humanidade. 

2. As Coilfissões Luteranas também apresentam posição bem clara sobre 

a autoridade civil. Examinar bem o quc se encontra no Livro de Con- 

córdia, pp. 35,70,235.


3. Pedro (1 Pe 2.13-17) c Paulo (Rm 13.1-10) ensinam a mesma doutrina 

sobre o governo secular e mostram porque os cristãos devem obedecer 

aos magistrados. O cristão tem dupla cidadania: é, ao mesmo tempo, 

cidadão do reino de Cristo e do reino deste mundo. 

Segue uma sugestão para tema e partes do sermão: 

POR QUE OBEDECER A AUTORIDADE CIVIL? 

Destacamos três razões: 

I - Porque a autoridade civil é instituída por Deus (vv. 1-4) 

O que significa obedecer 

O que C autoridade civil 

O que significa instituído 

A diferença entre Estado e Igreja 

I1 - Porque a autoridade civil promove o bem e combate o mal 

O que é promover e combater 

O que significa o mal e o bem 

Os cristãos podem participar da política 

Obedecer mais a Deus do que aos homens 

I11 - Porque a autoridade civil é aprovada pela consciência 

O que é a consciência 

Porque a consciência acusa ou defende 

Apontar para a compção com "consciêi~cia morta" 

A oração da igreja pelas autoridades 

Conclusão 

Repetir e sublinhar tema e partes 

O cristão e o patriotismo 

O cristão e as eleições 

O cristão e os impostos (vv. 6,7) 

Acima de todas as ordens e leis, está o amor (v. 10) 

Leopoldo Heimann

Igreja Luterana - no I - 2004 

VIGÉSIMO DOMINGO APÓS PENTECOSTES 

I7 de outubro de 2004 

Efésios 4.22-30 

1.0 CONTEXTO MAIOR DA CARTA 

A epístola aos Efésios se caracteriza por uin estilo solene e pleonástico, 

apresentando períodos longos, recheados de locuções preposicionais, parti- 

cípios, cláusulas relativas, e um acúmulo de termos no caso genitivo. Trata- 

se, como disse alguém, de uin tratado teológico no formato de uma carta. 

Outro exegeta disse tratar-se de uina "homilia litúrgica". 

Coino um todo, a carta é feita de duas partes: 1) A igreja é obra de 

Deus, criada em Cristo Jesus (caps. 1-3); 2) a igreja é criada para boas 

obras (caps. 4-6). O texto para esse domingo é tirado da segunda parte, o 

que significa que se trata de uin texto mais prático ou parenético. 

2. O CONTEXTO DO CAP~TULO QUATRO 

O apóstolo começa o capítulo 4 pedindo aos cristãos que vivam de 

modo digno da vocação a que foram chamados (v. 1). Isto inclui manter a 

unidade do Espírito (v.3). A razão para tanto aparcce nos vv. 4-6. No interesse 

dessa unidade Deus deu o ministério (vv.7- 13). A unidade resulta ern 

maturidade (vv. 13- 16). No v. 17, Paulo volta ao teina da vida, isto é, do 

andar de modo digno. Isto significa, antes de tudo, não viver como vivem os 

gentios (vv. 17-19), pois os cristãos aprendcrain a Cristo (v.20). Estc aprendizado 

envolve um despojar do velho homem (v.22), ser renovado no espírito 

(v.23), e o revestir-se do novo homem (v.24). As in~plicaçõcs práticas 

("por isso") seguem no v. 25 e seguintes. 

3. OS CONTORNOS DA PERÍCOPE 

A perícope prevê a leitura dos vv. 22-30. Fica difícil coineçar a leitu- 

ra no v.22, pois ali não se inicia o parágrafo (ao menos não na ARA). A 

sugestão é ampliar o texto da leitura, começando no v. 17. Já o final no v. 30 

parece bem apropriado, pois não há nada melhor do quc terininar coin urna 

referência ao "dia da redenção".


4. DETALHES DO TEXTO 

O texto é rico em detalhes e também apresenta aspectos estruturais 

interessantes. 

4.1. Ao falar do modo de vida dos gentios, Paulo não apresenta uma lista 

de vícios. Ele apresenta, isto sim, o que está por trás de toda "impure- 

za" (v. 19): a mente obscurecida (v. 18). Aqui o leitor percebe uma inte- 

ressante estrutura quiástica ou invertida: A. Futilidade da mente (v. 17: 

"vaidade dos pensamentos", segundo ARA); B. Entendimento obscu- 

recido (v. 18); C. Alienação da vida de Deus; B'. Ignorância; A'. dureza 

do coração. Nessa estrutura, a ênfase recai sobre o elemento central: 

separação da vida de Deus! 

4.2. É bom notar o paralelo entre mente e coração. "Mente" (nozrs, v. 17) 

é um termo favorito de Paulo. Ele o emprega 2 1 vezes, especialmente 

em Rrn e 1Co (fora de Paulo, só em Lc 24.45 e Ap 13.18; 17.9). Já o 

conceito de "coração" não fica longe de "mente", podendo-se até dizer 

que o homem bíblico pensa com o coração. Segundo a definição de um 

dicionário semântico (Louw-Nida), o coração é "a fonte causativa da 

vida psicológica de uma pessoa em seus vários aspectos, mas com 

ênfase especial nos pensamentos". 

4.3. Ao falar daquilo que fomos ensinados em Cristo (v.20), Paulo traz outro 

arranjo quiástico, no formato de A-B-A'. A: Despojar (v.22); B: ser reno- 

vado (v.23); A': revestir-se (v.24). Também aqui a ênfase repousa sobre 

o elemento central, ou seja, o ser renovado. A propósito: O texto do v. 23 

de fato deve ser traduzido por "ser renovado" (anuneousthai é forma 

passiva). Faz bem a NTLH: "É preciso que o coração e a mente de 

vocês sejum completamente renovados". A forma passiva é um recur- 

so que se tem para não explicitar o sujeito da ação. 

4.4. Na seção que trata da "roupa nova" (vv.22-24), chama a atenção o 

fato de, no grego, as ações de "despir" c "vestir" serem concebidas 

como não progressivas, pois ambas são expressas por verbos que estão 

no aspecto aoristo. Já a corrupção do velho hoincrn (v.22) e a renova- 

ção do espírito (v.23) são vistas como processos, pois aparecem no 

aspecto presente. No entanto, mais importante do que isto é a afirma- 

ção do lugar onde se processa a renovação, a saber, "o espírito do 

entendimento" (v.23). Em outras palavras, exatamente ali onde está o 

problema do homem sem Deus, isto é, na mente (vv. 17,18). 

4.5. No v. 25 o apóstolo nos surpreende com a razão para falarmos a 

verdade com o próximo: "porque somos membros uns dos outros". 

Somente mais tarde (5.30) ele dirá o que fica pressuposto: "somos 

membros do seu corpo", isto é, do corpo de Cristo. 

148


4.6. Será que existe inais um quiasino nos vv. 25-29? Por que não? A. 

Dcixar a incntira c fàlar a vcrdadc (v.25 - oitavo mandamento); B. Não 

ficar o dia intciro com raiva (v.26 - quinto ii~andainento); C. Não dar lugar 

ao diabo (v.27); B'. Não fùrtar (v.28 -sétimo maiidamciito); A'. Controlar 

a língua (v.29 - oitavo ~i~andaniento). Sendo assim, a ênfase inais uma vcz 

está no elemento do incio (C): "não dar lugar ao diabo" (v.27). 

4.7. Dar lugar ao diabo C uma tradução bem literal do tcxto grcgo. No 

entanto, lugar C usado nuin sentido figurado para "opor-tunidadc" (NTLH). 

Paulo está dizendo: "Não dêem nenhuma cliance ao diabo". .I5 a rek- 

rência ao diabo C significativa pela sua raridade. Nas Paulinas, aparccc 

aqui, cin Ef6.11 c nas Pastorais. Paulo hla mais do pccado c da cainc. 

4.8. Ob-jcto dc inuita discussão teni sido o v. 26: "lrai-vos c não pcqueis". 

E possível irar-sc c não pecar, cspccialmcntc à luz de Mt 5.22 c Ef 

5.3 l? Trata-sc, C bcm verdade, de uma citação direta de SI 4.4, conlòr- 

inc a Scptuaginta. O imperativo "irai-vos" pode scr interpretado coino 

um iinpcrativo dc permissão: "Vocês podein até ficar irados, inas, ao 

fàzê-lo, não pequem". Este o caminho seguido pela NTLH: "Sc vocês 

ficarem coin raiva, não dcixcin quc isso faça coin que pcqucm". A 

segunda metade do v.26 parece indicar quc o pecado reside no fato dc 

sc alimentar a raiva, ou seja, deixar que o sol sc ponha sobrc ela, ou, 

como diz a NTLH, ficar coin raiva o dia inteiro. Ncstc caso, diríamos: 

Ficar com raiva é liuinano; alimentar a raiva é anti-cristão. 

4.9 O clímax do texto C o v.30. Dar lugar ao diabo c pecar contra o 

próximo C algo sério porque entristece o Espírito Santo de Deus. Neste 

vcrsículo, cxistcni coisas novas c coisas vcllias. Entrc as novas, o fato 

dc Paulo fàlar do "Espirito Santo", quando norinalmentc clc diz apcnas 

"Espírito". Mais raro ainda e "Espírito Santo de Deus". ("Espírito San- 

to" aparccc só aqui nas Paulinas; "Espírito Santo dc Dcus" aparccc só 

aqui 110 NT.) Entre as coisas "vclhas" estão as referências ao selar 

(syhí.c~gizo) e à redenção (apolytrosis). Paulo volta a teiiias aborda- 

dos ein Ef 1.13-14. Ali, bcm coino no v. 30, aparece o iiidicativo que 

fùndaincnta os iinpcrativos da perícope destc domingo. 

5. POSSIBII,II)AI>ES HOMII,~ I ICAS 

O pcrdão - quc aparccc com destaque no cvangclho do domingo 

(Mc 2.1-12) - tein iinplicações práticas, que são articuladas no v. 30 do 

texto da epístola. O período do pós-Pentecostes é um tempo apropriado 

para sc aprofùndar cssas qucstõcs mais práticas quc o tcxto apresenta. 

Vll\Ot7 Scl1olz


VIGÉSIMO PRIMEIRO DOMINGO APÓS PENTECOSES 

Romanos 10.9-1 7 

24 de outubro de 2004 

1. NOTAS TNTRODUT~RTAS 

Nos capítulos 9 a 11 dc Romanos, Paulo faz uma descrição da justiça 

de Deus e a incredulidadc de partc de Israel (Rm 9.6). O ponto relevante 

está no fato de que o apóstolo quer convencer seus lcitorcs de que tudo 

proccde de Dcus, que ninguém está em condições de exigir alguma coisa e 

que não há injustiça da sua parte (Rm 9.14-18). Outra vcrdade é que a 

salvação não cstá limitada a Israel (Rm 9.19-29), mas que a graça também 

está dcstinada a alcançar aos gentios. 

Nessc scntido os judcus cstavam cnganados. Além dc insinuarcm 

certa exclusividade, eles forain na contramão da justiça dc Dcus, procuran- 

do cstabcleccr a sua própria. Eles só não contrariaram o princípio quc Dcus 

usa para tratar seus filhos, não se submetendo a justiça que procedc dcle 

(Rm 9.32; 10.3), como pretendiam dcsenvolver um sistcma em quc as boas 

obras funcionariam como compensações dos inales praticados, ou então 

seriam a senha de acesso a graça divina. 

Esta posição equivocada fez Paulo dcscnvolvcr a apologia da justiça 

que procedc de Deus, baseada na fé (Rrn 1.17; 3.2 1-22). Esta não pode ser 

alcançada nem por dcsccndiincia biológica (Rm 9.7-8), pois é cstcndida a 

todos (o Evangelho do domingo, Mt 15.21 -28, contempla cssc fato), ncm 

por realizações oricntadas pela lei' , pois graças a Cristo, o cristão não cstá 

sujcito a ela (Rrn 10.4), corno mcio de salvação, mas pelo Espírito, sua 

função é rcvclar a prcscnça c o fato do pccado (Rm 7.7) c preceituar a vida 

moral e ética do cristão (Rin 8.4). 

' Os judcus cxaini~iarain os livros de Gn a Dt c descobriram que Iiá h13 niandaiiicritos iicsta partc 

da Escritura. 248 positivos c 365 iicgativos (Lcon Morris, The Go.sl~e/ Accoi-ding /o Mcitlheit: 

p. 107). Parccc sugestivo co~icluir que isto Ilics proporcioiiava um Icquc variado dc opções para 

cuiiiprir a agenda da justiça que clcs instaurarain.


2. TEXTO 

V.9: Nessa fórmula confessional cstá o cernc da fé cristã. Confessar a 

Jesus como Senhor é confessá-lo como o Senhor ressuscitado c exalta- 

do (Rm 1.4; 14.9). Isto pressupõe toda a sua obra salvífica, dcsdc a sua 

cncarnação até seu reinado universal. Crcr quc Jesus ressuscitou é 

compartilhar da sua rcssurrcição (Rm 6.4) c é scr reconciliado com 

Deus Pai (Rm 5.1, 11). É interessante observar essa confissão com a 

de Mt 7.22-23 e Tt 1.16. Confissão sem fé é em vão. Conceber fé sem 

confissão também não funciona (Lc 12.8; Jo 9.22; 1 Tm 6.12; 2 Jo 7). 

Confessar com a boca é uma evidência da autcnticidadc da fé, assim 

corno as boas obras podem scr (Rm 12.1 ; 14.17; Tg 2.17-22) 

Vv. 10,ll: Além da ordem invertida, cm relação ao versículo antcrior, há 

um detalhe adicional nessa frasc: "crer para a justiça e confessar para 

salvação". A fé é a justiça dc Deus, não as obras. Para ser declarado 

justo basta crcr de coração e a confissão cxtcrioriza essa rcalidadc. 

Paulo defende, especialmente, o primeiro aspecto, citando outra vez 1s 

28.16, cujo contexto indica que os contcmporâncos de Isaías estavam 

recorrendo ao dispositivo da auto-suficiência para nortear a sua vida. 

Além disso, o firme fundamento estava sendo substituído por urna ali- 

ança estranha (1s 28.1.9, possivelmente com a nccromancia c culto a 

ídolos (1s 8.19). 

Vv. 12,13: Paulo parece ter esclarecido o primeiro ponto. Ajustiça de Deus 

é a fé. Agora elc rcforça essa verdade e a aplica a todos, pois não há 

exclusivismo por parte de Dcus. Todos estão no mesmo barco quando o 

assunto é salvação. Todos são depcndentes da glória dc Dcus (Rrn 

3.23), porque todos pecaram. Jesus Cristo é Senhor de todos e todos 

são justificados pcla fé. Para sustentar cstc fato, Paulo lembra o texto 

dc Joel 2.32, que, por sua vez, estava releinbrando ao povo de sua 

época que o cancelamento do julgamento de Deus sobre eles está no 

invocar o nomc do Senhor. Essc Scnhor agora é Jesus Cristo e é ele 

que deve ser "chamado" para scr salvo (At 9.14,2 1 ; 22.16; 1 Co 1.2; 2 

Tin 2.22). A fórmula "invocar o nomc do Scnhor" é característico do 

Antigo Testamento e se refere normalmente ao culto dirigido a Deus, e 

mais especificamente em forma dc súplica (Gn 4.26; 12.8; 1 Rs 18.24; 

2 Rs 5.11; S1 1 16.4).2 

' Talvcz cssc principio não scja ncccssariamcntc aplicivcl a todas as passagciis cm quc aparccc 

cssa fórmula. Lutcro, por cxcinplo, citando Gn 12.8. diz quc Jacó não apcnas suplicou, mas cm 

scu culto clc instruiu a igrcja, fcz adinocstaçõcs a vivcr dc niaricira santificada, fortalcccu sua fc 

c cspcrança c orou com clcs. Para Lutcro o vcrbo original inclui todos csscs aspcctos (Volkcr 

Stollc, The Chiirch Con2e.s Frotrl A11 Nation.~ - Luthcr Tcxts 011 Mission. CPH, 2003, p. 15).


Vv. 14- 17: A lógica de Paulo parece que nem precisa de explicação adici- 

onal. Todos os que crêem no Senhor Jesus e o invocam serão salvos; 

para crer, a Palavra da fé precisa ser feita acessível através da prega- 

ção; para haver pregação, é preciso que haja envio de pregadores, que 

proclamarão o Evangelho de Cristo, que produzirá a fé. É importante 

observar que o crer não acontece no vácuo, nem automaticamente. 

Cada um precisa ouvir o Evangelho da justificação pela fé. Ajustiça de 

Deus não sc torna eficaz naturalmente, mas necessita ser apropriada 

pela fé, que só é possível com o ouvir do Evangelho (v. 17). 

Há ainda dois detalhes adicionais. O primeiro é Rm 10.15b, que é 

uma citação de 1s 52.7, cujo contexto aponta para as boas notícias anuncia- 

das ao povo de Israel, que estava sendo libertado da escravidão babilônica. 

As notícias eram valiosas: "o teu Deus reina" (1s 52.7), os pés dos portado- 

res delas também. De valor inestimável também são os pés dos condutores 

do Evangelho de Jesus Cristo, pois eles conduzem as boas novas que Jesus 

é o Senhor, ele reina e concede perdão, vida, salvação e a libertação da 

escravidão do pecado. O segundo detalhe é o v.16. A justiça de Deus é 

loucura. É absurdo pensar que no servo desfigurado haveria o poder reden- 

tor. Paulo não volta ao assunto por acaso citando 1s 53.1, porque esse é um 

dos principais pontos a ser esclarecido, a incredulidade de Israel. Cristo é 

preciosidade para os que crêem, mas pedra de tropeço e rocha de ofensa 

para os que o ignoram e presumem poder estabelecer a sua própria justiça 

(1 Pe 2.7; Rm 9.33; 1 Co 1.18-19), para alcançar o favor divino. 

3. SUGEST~ES HOMILETICAS 

Sugiro essas duas abordagens para esse texto: 

A. O cristão não está livre de tentar criar um sistema de coi-ilpensação por 

seus pecados e culpas. Ele pode ignorá-los, responsabilizar outros, ou pro- 

curar realizar obras que acalmem sua consciência, mas que apenas aba- 

fam ou deslocam as culpas. Porém, o Evangelho é poder de Deus para 

converter, acalmar consciências, livrar dos pecados e culpas. "Mas quem 

crer nela (a Rocha - Cristo) não ficará desiludido" (Rm 9.33b - NTLH). 

B. O cristão também pode estar sujeito e tentado a separar a fé da confis- 

são, que pode ser por palavras e ações. Mas o Evangelho é poder de 

Deus para fortalecer a fé no coração e desenvolver o senso evangelístico 

de compartilhar como sacerdotes do Rei (1 Pe 2.9) o Evangelho Salva- 

dor do Rei Jesus. 

Anselmo Eunesto Gurffj

VIGÉSIMO SEGUNDO DOMINGO 



Apocalipse 14.6,7 (Mateus 11.12-15) 

31 de outubro de 2004 - Reforma 

1. ASPECTOS TEXTUAIS 

O capítulo 14 é explicitamente cristológico. Cristológico aqui entendido 

como escatologia em andamento, início de nova era (ver Mateus 11.12- 

15), que tem na encarnação de Deus em Cristo Jesus seu ponto inicial. É a 

irrupção da eternidade de Deus no tempo dos homens, que oferece as realidades 

eternas aos homens, trazendo a mensagem do juízo de Deus que 

tem como ponto culminante a segunda vinda de Cristo. 

Desde os primeiros versículos, que descrevem a vitória do Cordeiro e o 

canto dos santos, acrescenta-se o juízo sobre toda a criação (os três anjos e 

suas performances, vv. 6- 12), passando pelo v. 13, que afirma que são bem- 

aventurados os que "morrem no Senhor", pois sobre eles o "evangelho eter- 

no" já se mostrou eficaz, culminando com o momento da "ceifa" (vv. 14-20). 

Os três anjos que aparecem no capítulo 14 (63 e 9) trazem o anúncio 

do juízo de Deus sobre as duas bestas aliadas do dragão. Cada anjo é intro- 

duzido como "outro anjo". Parecem ser anjos do grupo dos anjos que apare- 

cem constantemente em Apocalipse, distintos dos sete que tocam as trom- 

betas (Ap 8). 

O primeiro anjo proclama do "meio do céu". "Meio do céu" 

(p~ooupavfipa~t) refere-se a parte do céu acima da cabeça. Termo só 

usado no Apocalipse (8.13; 14.6; 19.17), descreve metaforicamente o local 

no qual o julgamento de Deus será anunciado e executado. O que o anjo 

proclama vai além das "boas novas" que Paulo descreve em Rm 1.16,17, as 

boas novas da obra de Cristo que trazem alegria. Trata-se do "evangelho 

eterno", a proclamação de "temor a Deus ... pois é chegada a hora do juízo" 

(v.7). O "evangelho eterno" refere-se a proclamação do juízo de Deus e do 

gracioso chamado e convite do evangelho. 

A proclamação é destinada aos que residem na terra, especificamen- 

te aos homens que não são contados entre os fiéis adoradores de Deus.


(Prigent, 265). É uma oportunidade missionária da parte de Deus para com 

toda a humanidade pecadora. 

Assim como em 15.4, aqui também o temor e a glória a Deus são 

colocados lado a lado. O temor a Deus se manifesta no culto quando se 

reconhece o que Deus fez pelo homem. Temor a Deus é o "princípio da 

sabedoria" (SI 11 1.10 e Jó 28.28) e este temor é aprendido pelo ouvir da 

Palavra (Dt 4.10). Temer a Deus é parte essencial como parte da confissão 

de pecados e arrependimento (At 9.3 1 ; Ap 1 1.18). 

Com uma linguagem cúltica ou litúrgica, "glórias" são rendidas a Deus 

quando Deus nos aceita em Cristo (Ap 4 e 5). Este é o motivo e conteúdo 

de nosso culto: glórias rendidas pelo ato salvador. E este é o verdadeiro 

temor. Como diz Prigent (265): "O culto da Igreja (e o seu niodelo celeste 

está em Ap 4 e 5) não tem outra finalidade senão confessar e celebrar a 

glória de Deus e do seu Cristo (4.9,11; 5.12s; 19.7). Quando homens se 

convertem e querem reencontrar-se no verdadeiro lugar de criaturas sub- 

metidas ao criador, o único adorável, então o Ap nos diz que "dão glória a 

Deus" (1 1.13; 16.9). A dupla exortação é, pois, um chamado a conversão, 

solenemente dirigido a todos os 'habitantes da terra'. A urgência deste cha- 

mado é motivada pela imanência do juizo: a hora é chegada." E isto é feito 

na revelação do Apocalipse não de forma cronológica, mas de uma forma 

circular colocando todas as situações a luz da certeza cristológica. Por isso, 

pode-se afirmar que o julgamento está realizado, o testemunho cristão atualiza 

este julgamento, que é destinado aos pagãos, e há urgência deste anúncio 

que proporciona comurihão com Cristo, que é uma relação que vai além do 

juízo. 

2. ASPECTOS PRATICOS 

O prof. Rottmann (p.241) sugere que esses três anjos de Ap 14 representam 

aqueles que anunciam o evangelho eterno desde o dia de Pentecostes 

até o dia da segunda volta de Cristo (Ap 14.14-20). Segundo ele, a 

proclamação do "evangelho eterno" causa separação entre o monte Sião e 

Babilônia, entre o povo que ouve a voz do Senhor e aqueles que vivem no 

seu próprio camirilio. 

Como estamos na Reforma, prudente lembrar o "temer e amar a 

Deus" do Catecismo Menor de Lutero. Com vistas a proclamação de lei e 

evangelho, o temer e amar é tanto um ato confessional (reconhecimento da 

ação de Deus por nós), como uni testemunho vivo da fé (atos que são 

produzidos em cada mandamento). A igreja que caminha em Cristo rumo a 

eternidade precisa assumir estes dois atos: confessar e testemunhar. Con-


fessar sua fé na obra redentora de Deus em Cristo Jesus; testemunhar 

desta obra, visto que o tempo é agora. 

Bibliografia 

BRIGHTON, Louis. Revelation. Saint Louis, Concordia, 1999. 

CORSINI, Eugênio. O Apocalipse de São João. São Paulo, Edições 

Paulinas, 1983. 

PRIGENT, Pierre. O Apocalipse. São Paulo, Edições Loyola, 1993. 

ROTTMANN, Johannes. Vem, Senhor Jesus. Apocalipse de Jesus. 

Porto Alegre, Concórdia Editora, 1993. 

Clóvis Jair Prunzel


ANTEPEN~LTIMO DOMINGO DO ANO ECLESIÁ~CO 

Romanos 14.7-11 

07 de novembro de 2004 

Nesta parte final da carta de Paulo aos Romanos, o assunto é o julgamento. 

Mas em pauta estão dois julgamentos: aquele que acontece entre 

irmãos na fé e aquele que o apóstolo denomina "o tribunal de Deus". Mas o 

apóstolo não estabelece comparação entre estes dois julgamentos. Ele pa- 

rece estar vinculando estes dois julgamentos a dois conceitos de vida que, 

no seu entender, são mutuamente exclusivos. 

A pergunta que está feita não é sobre a qualidade do julgamento 

como se fosse possível ao ser humano antecipar o julgamento de Deus e 

julgar. O apóstolo também não está estabelecendo princípios que permitam 

alguém acertar nos seus julgamentos. 

A respeito de julgamentos, ele faz algumas observações e dá alguns 

indicativos. Obviamente, o apóstolo não está dizendo que o ser humano não 

deva julgar. Pelo contrário, o cristão precisa distinguir permanentemente 

entre as "obras das trevas e armas da luz" (13.12). O cristão também cres- 

ce nesta tarefa para finalmente ser alguém de "opinião bem definida" nesta 

tarefa de distinguir entre o que é próprio e impróprio (13.14). 

Entretanto não é qualquer julgamento que é válido. Há limites que 

não podem ser ultrapassados sob pena de alguém ser desqualificado pelo 

próprio ato de julgar. 

O primeiro critério é o conceito de vida que cada um assume como 

seu. Esta questão que Paulo aborda no final da carta a respeito do julgar as 

coisas então não é simplesmente uma questão secundária ou lateral desta 

carta. Nem cai sob a categoria de conselhos finais da carta. Está, isso sim, 

profundamente identificado com o conteúdo maior da carta: a vida que Deus 

oferece ao mundo em Jesus Cristo. 

Julgar as coisas tem um ponto de partida: a vida que temos em Cristo. 

Ora, a vida já não é a nossa vida. A nossa vida, aquela com que viemos ao 

mundo, é a vida em corrupção da qual nada se aproveita. O que somos 

agora está oculto naquele Jesus, o Cristo de Deus.


Assim é também com todas as demais pessoas. E não só as pessoas, 

mas também a própria natureza aguarda a sua libertação deste estado de coisas 

a qual está sujeita em virtude da corrupção humana. Fazemos parte desta ex- 

pectativa da outra vida unicamente porque nos foi dado confiar que Deus é 

verdadeiro na sua afirmação de que somos seus filhos por causa de Jesus. 

Isto tudo nos coloca diante do próximo e diante das demais criaturas 

não mais corno os juízes que por natureza queremos ser. O fato de termos 

esta vida de presente nos coloca como devedores e servos diante de todos 

nesta outra vida que nos foi doada em Cristo. 

O que entendemos por vida define também a nossa atitude diante 

dos outros. Se vida é vida que temos como graça absoluta de Deus, então 

essa vida também pertence aos demais por graça absoluta de Deus. 

É deveras enganoso o título que a versão Almeida dá ao capítulo 14. 

Passa a impressão de que aí se inicia um novo assunto. Na verdade toda a 

exposição teológica da carta é o pano de fundo no qual as recomendações 

práticas são autenticadas. Tolerância, caridade e liberdade são aspectos da 

vida cristã cuja natureza se define em Cristo e por causa dele. Por causa de 

Cristo a humanidade está diante de uma realidade dupla: uma é a experiên- 

cia marcada pelo pecado e pela lei; outra é a experiência marcada pela 

promessa e vivida em fé. Isso leva o apóstolo a conversar com os crentes 

em Cristo para dizer que nenhum de nós vive para si mesmo. 

"Foi para esse fim que Cristo morreu e ressurgiu: para ser Senhor" 

(v.9). "Jesus é Senhor" é afirmação poderosa e desafiadora no contexto 

apostólico. Nós confessamos diante do mundo que ele está acima e além de 

todos, mortos e vivos. E, para que fim? Com o fim de calar todos os julga- 

mentos humanos e estabelecer o seu julgamento. E este é o julgamento que 

somente ele se pode permitir: isentar de culpa o pecador, o faltoso, o conde- 

nado pela lei. 

Então Paulo aponta para a realidade em que esta visão de vida é 

essencial: "Tu, porém, porque julgas o teu irmão? E tu, por que desprezas o 

teu?" (v. 10). 

A Reforma luterana expressa essa compreensão quando estabelece 

que o objetivo da pregação do evangelho e da palavra de Deus tem por 

pressuposto a absoluta corrupção do gênero humano. O objetivo da prega- 

ção está oculto no evangellio. Tão oculto que somente a ação do Espírito 

Santo atuando por meio do evangelho pode revelar esta nova realidade ao 

ser humano e levá-lo a fé. 

Não estanios no mundo para julgar as pessoas nas suas fraquezas e 

fragilidades porque este não é objetivo pelo qual Deus se aproxima do ser 

157


humano cm Cristo. Pcla sua mortc c rcssurrcição Jcsus sc torna Scnhor, sc 

apropria das vidas e as guarda e protege na graça de Deus para a vida 

ctcrna. 

Em função disto é inútil julgar o irmão. Julgando-o, a obra de Cristo é 

ignorada c desprezada. Cristo vcio para que o pecador não seja desprezado 

ou julgado no scu pccado. Lutcro acrcsccnta: "Pois quem julga ou dcsprcza 

aqueles que Deus acolhe (v.3) já não dcsprcza ou julga ao scu irmão, mas a 

Deus" (LW 25, 501). 

O que fazer, então? Acollicr, aconselhar, dar apoio (suportar), lcvar 

as cargas dos fracos e caídos são verbos quc conclamam atitudcs diante dc 

uma nova pcrspectiva dc vida. Nas comunidadcs conhccidas pclo apóstolo 

cra constante o engano de as pessoas julgarem os outros a partir do seu 

próprio padrão de vida. Cada época c cada grupo ncccssitam argüir-se quanto 

a fidelidade das açõcs dc salvação quc realiza cin nome dc Cristo. 

Aquilo quc Cristo cspcra dos seus é contrario ao impulso natural do 

ser humano. Aquclc quc frcqücnta os cultos tcndc a julgar os quc a clc 

faltam. Os quc cstão ausentes, tendem a duvidar da sinceridade do culto 

dos quc têm participação regular. Não é esta a atitude que trouxe Jesus até 

nós. Ele se tornou nosso scrvo "sendo nós ainda pccadorcs". E continua 

scndo o nosso servo "sendo nós ainda pecadorcs". Sendo assim, nada exis- 

tc cm nós quc nos dê o direito de olhar para o próximo a não ser a vontade 

exprcssa dc Cristo dc amarmos os pequeninos (Mt 18. 1-14). Deus nos 

rcúne em comunidade para quc o fraco seja rcstabclccido cm amor pclos 

mcios da graça quc clc disponibilizou na sua morte e ressurreição. 

Os cargos e funçõcs quc alguém ocupa na vida c também na igreja 

são sempre de serviço. Pessoas c gmpos quc sc organizain cstão no scrvi- 

ço de Jesus. "O quc tcns tu quc não tcnlias recebido?" 6 cxatamcntc na 

maneira com que a congregação e scus grupos sc relacionam que pode scr 

sentida a prcscnça da palavra do evangellio pelo qual vamos crescendo "em 

Cristo". 

SUGESTAO HOMILÉTICA 

Tcma: A comunidade que nós queremos ser 

A. Não a comunidade de pessoas que vivem para si 

1. Em geral as pessoas pcnsam: O quc é bom para mim, dcvc servir tam- 

bém para os outros. 

2. O apóstolo mostra como isso também acontccc na comunidade de cris- 

tãos.


3. Assim pessoas e grupos se dividem, julgam e são julgados. 

4. Regras e regulamentos tentam achar soluções "democráticas". Estas, 

por sua vez, se tornam leis que oprimem os fracos. 

5. Finalmente, as pessoas são vistas como uns sendo melhores do que 

outros. 

6. Onde está o problema? Por natureza, mesmo os cristãos querem "viver 

para si." 

B. Mas, a comunidade que é feliz em viver para o Senhor 

1. Paulo aponta para Cristo: ninguém vive para si, mas para Cristo. 

2. A encarnação, morte e ressurreição de Jesus mostram que é inútil vi- 

vermos para nós mesmos. 

3. Nele estamos todos julgados e todos estamos, ao mesmo tempo, resga- 

tados do nosso próprio modo de viver. 

4. Todos são igualmente objetos do amor de Cristo. 

5. Resta-nos louvar a Cristo e, em humildade, buscarmos a paz entre nós. 

6. Sejamos comunidade que "vive para o Senhor" 

Paulo i? Weirich


PEN~LTIMO DOMINGO DO ANO DA IGREJ 

O que somos realmente? 

Romanos 8.18-23 (24-25) 


A criação suporta sofrimento esperando ver o que os filhos de Deus 

são realmente! 

Esperamos a revelação final. 

Estamos indo ao encontro de algo - grandioso e sublime. 

Já temos mas ainda não somos. 

Muito se comenta hoje a respeito da desilusão que as pessoas sen- 

tem em relação ao que se chama de perspectiva de futuro. Programas na 

televisão se multiplicam oferecendo novas perspectivas ao ser humano. 

Desde a massagem relaxante de shiatzu até novas formulações para a fé 

procuram preencher no ser humano aquilo que em última análise se resu- 

me a desilusão a respeito de si próprio e da vida. O culto da saúde, a 

forma física, o estar de bem com a vida são tentativas de devolver as 

pessoas a esperança de que é possível evitar o momento da desilusão com 

a vida. 

Falando assim fica a impressão de que esse esforço de viver bem ou 

de prolongar a juventude e a qualidade de vida deva ser visto como negativo 

pela fé cristã. Num primeiro momento as palavras do apóstolo Paulo real- 

mente apontam nessa direção. Vivemos nesse mundo sem sabermos quem 

nós realmente somos. Ora, isso quer dizer que as pessoas que estão insatis- 

feitas com aquilo que vêem em si poderia e deveria ser muito melhor. As 

pessoas, com razão, buscam de toda e qualquer maneira viver uma vida 

melhor. E cada um faz uma idéia própria do que isso significa para si mes- 

mo. 

O apóstolo chega a afirmar que a própria natureza sabe disso e tam- 

bém está na expectativa de ver o que o ser humano realmente é. Como se 

a natureza, o Universo, também participasse dessa fmstração e tentasse 

entrever o que realmente somos como seres humanos.


Nós, seres humanos, imaginamos o perfeito e o belo. Produzimos 

obras de arte, conhecimento, projetamos coisas brilhantes para o futuro so- 

mente baseados naquilo que é da nossa experiência. 

A NTLH traduz o v. 20 como "Pois o Universo se tomou inútil", 

enquanto que ARA traduz "Pois a criação está sujeita à vaidade". Já o NT 

interlinear prefere: "Pois à futilidade a criação foi sujeita". 

O programa Polêmica da Rádio Gaúcha AM discute se a mídia passa 

a idéia de que o salvamento de uma baleia encalhada na praia merece uma 

atenção maior do que um pobre morrendo na calçada de uma rua qualquer. 

"Toda a criação geme e suporta angústias até agora" é a constatação de 

Paulo no seu tempo. Paulo observa o comportamento humano e diz que "o 

tempo presente" não merece o crédito que se lhe tenta atribuir. Tudo que se 

promete ou toda expectativa que se projeta sobre o ser humano e sobre 

"este Universo" é inútil, é vaidade, é futilidade. 

Esta constatação é a lei que deve ser anunciada. Mesmo quando 

cristãos se aproximam de Deus em oração na impressão de que a sua pes- 

soa, o seu grupo ou na sua vida Deus possa preservá-lo da experiência 

dessa realidade que sempre de novo se mostra inútil e fútil. Pois ao desejar 

ser preservado o ser humano revela a falta de solidariedade que é a carac- 

terística mais marcante que ficou do pecado dos nossos pais. A natureza 

humana quer inclusive que Deus esteja a seu serviço para idolatrar-se a si 

própria. Há até quem pregue que o sacrifício e a ressurreição de Cristo 

justificam que o crente pode esperar de Deus uma vida neste mundo livre 

de dor, doença, sofrimento e pobreza. 

Os que assim pensam ou crêem não reconhecem suficientemente a 

profundidade da queda em pecado. O apóstolo faz eco à palavra de Cristo: 

"Ajuntai tesouros onde a traça e a ferrugem não corroem." 

A redenção que aguarda os filhos de Deus não se compara a nada do 

que nós pensamos ou sonhamos. É uma glória capaz de apagar da memória 

qualquer reminiscência de dor ou sofrimento. O universo anseia por ver os 

filhos de Deus tomarem posse dessa glória porque essa glória implica na 

nova criação, no novo céu e na nova terra, de que testemunha João no 

Apocalipse. 

Em Cristo somos cidadãos dessa eternidade. O corpo que constante- 

mente nos lembra da mortalidade e da fraqueza, esse corpo foi redimido na 

cruz e aguarda a sua redenção definitiva. Mas até lá, a vida nada mais é do 

que vaidade. É um esforço inútil iludir-nos com os sonhos de juventude, de 

sucesso, de riquezas com que o mundo e até alguns movimentos religiosos 

nos bombardeiam na mídia.


Entretanto, algo já podemos fazer: Viver em função dessa nova realidade. 

Que realidade é essa? A liberdade de estar diante de Deus livres do 

pecado que quer nos deixar cegos para ver a obra de Deus. A obra de Deus 

é estender a sua graça a mim, pecador. Ao fazê-lo, Deus não se limitou a 

alguns. "Deus amou o mundo". A sua graça é universal. Deus nos devolve 

em Cristo a nossa verdadeira l~umanidade, aquela que ele demonstrou em 

palavras e obras. Quando ele comeu com os pecadores ele demonstrou o 

reino dos céus que aguarda na glória: Estar na presença de Deus como 

filhos amados para sempre e definitivamente. Jesus revelou a relação que 

Deus tinha com o seu povo na Antiga Aliança. Deus uniu a humanidade a si 

e dessa maneira uniu a humanidade entre si e revelou a obra para a qual 

somos chamados em Cristo. 

Amar o próximo não é uma opção para o cristão. A fé nos une a 

Deus e a toda a sua obra, desde a criação. Amar a Deus e amar tudo que 

brota da mão criadora de Deus. E, ao mesmo tempo, é amar por antecipa- 

ção o novo céu e a nova terra. 

Ao vivermos em função do que seremos já vivemos a vida que será 

eterna. Amamos, não porque merecem ou fizeram por merecer. Amamos 

tudo o que Deus ama da maneira como Deus amou pela e na pessoa de 

Jesus, seu Filho. 

Isto é querer demais de nós? Isso é amar com sentido e objetividade, 

com direção. É amor cuja caminhada é uma linha reta entre o Éden e o céu, 

tendo como referência o Calvário. Mas é amar olhando para a frente, com 

as mãos e o coração estendidos para os lados, sendo amparados e ampa- 

rando, pois ainda não chegamos lá. Assim o pecado perde a sua força. Pois 

esse amor é feito de amor, compreensão, paciência e tantas coisas lindas 

que o Espírito desperta em nós e nisso nos instrui. É esperança que se faz 

presente na vida dos filhos de Deus. 

TEMA: O que somos realmente (NTLH, v. 19) 

Muitas respostas nos são oferecidas: 

Expectativas pessoais que são projetadas sobre nós individualmente 

Na família 

Na profissão 

Na vida social 

Nós temos expectativas a respeito de nós mesmos:

O que somos? 

O que ainda podemos ser? 

O que é a realidade diante de tantas expectativas? 


Stress, fi-ustração, perdas e angústias são palavras pelas quais se 

descreve o sofrimento de que fala o apóstolo. 

O medo permanente de que tudo venha a ser inútil (v.20). 

Soluções aparecem muitas: 

Promessas de solução rápida. 

Curas para as dores do corpo e os sofrimentos da alma. 

MAS tudo acaba diante da palavra final de Deus: 

Toda expectativa que fixada em coisas deste Universo é futilidade (v. 20). 

Tudo mesmo? 

Com Jesus Cristo e ao lado dele nada é inútil, nada é vaidade, nada é 

fútil. 

Com Cristo aprendemos o sentido do sofrimento. 

Junto de Jesus aceitamos que as coisas deste Universo devem desaparecer 

Junto de Jesus conhecemos a expectativa da nova vida. 

Junto dele começamos a viver agora a nova vida. 

Na família, no trabalho, na sociedade vamos ao encontro das fnistrações 

e do sofrimento com a paz que nos vem da esperança que nos 

anima. 

Oferecemos a expectativa que está acima e além da realidade deste 

Universo. 

Paz110 R Weirich


ÚLTIMO DOMINGO DO ANO ECLES~CO 

Apocalipse 21.1 - 7 


1. CONTEXTO 

O livro de Apocalipse conta a história da vitória dc Cristo sobre o mal, 

especialmente focalizando a atenção no período entre a ascensão e a 

parousia. De maneira cíclica, a mesma verdade é mostrada mais de uma 

vez (assim, por exemplo, os 7 selos, as 7 trombetas e os 7 flagelos tratam do 

mesmo período). O capítulo 21, porém, inicia outra seção do livro, agora 

mostrando a realidade após aparousia. Sua ênfase esta na bem-aventurança 

trazida pela presença graciosa de Deus junto ao Seu povo, na nova criação. 

No que se refere ao contexto litúrgico, o último domingo do ano ecle- 

siástico enfatiza a escatologia. Cada leitura o faz de certa forma. O texto do 

Antigo Testamento (1s 65.17-25) é um pano-de-fundo apropriado para a 

leitura de Apocalipse. Numa visão profética, a era messiânica se confunde 

com a nova criação. O Salmo 130 traz como um dos seus temas a expecta- 

tiva do povo de Deus pela vinda do Senhor. O Evangelho do dia (Mt 25.1- 

13) faz parte do "Sermão escatológico" de Jesus, sendo um chamado a 

vigilância, diante da vinda do Senhor. Um tema específico em comum deste 

texto com o texto de Apocalipse é a descrição do relacionamento de Deus 

com Seu povo através da imagem de casamento. 

2. TEXTO 

V. 1 : A nova criação é descrita na Bíblia com urna linguagem figurada, 

para denotar a beleza e perfeição reinantes (1s 65.17-25; 11.6-9); J1 

3.18;Am 9.13,14; Ez47.1-12;Ap21;22). 

"Novo céu e nova terra" - a palavra ~atvo5 normalmente significa 

novo no que se refere a natureza ou i qualidade, em contraste com outro 

termo (vÉo~), que normalmente designa aquilo que não cxistia antes e passa 

a existir agora, ou seja, que é novo no que se refere ao tempo ou origem. 

Há uma série de novas realidades na promessa de Deus a Sua Igreja, conforme 

o Novo Testamento: novo homem, nova aliança, novo ensino, novo


mandamento, nova Jerusalém, nova criação, novo cântico, novos céus e 

nova terra. "Não é a origem recente do Evangelho - sua v ~ózq~, mas sua 

~atvózqç, sua infatigável novidade, para a qual a atenção é chamada." 

(SWETE, H. B., The Apocalypse of St. John, 41). "Como Irineu nota, o 

novo céu e nova terra correspondem ao novo homem, cuja renovação foi 

completada pela ressurreição." (SWETE, 275) 

"O mar já não mais existe" - no Apocalipse, o mar é local que lembra 

os poderes do mal. É do mar que vem uma das bestas que faz frente ao 

reino de Cristo (Ap 13) e é também o mar que separa João - no seu exílio 

em Patmos - das Igrejas da Ásia. O fato de não haver mar no novo mundo 

salienta o aspecto figurado, simbólico desta visão (do cap. 21) como de 

resto no Apocalipse. Afinal, o mar faz parte da criação de Deus e também 

sobre ele valeu o julgamento dado no Gênesis: "Muito bom". Nada há de 

intrinsecamente mau no mar. Ele se torna, no Apocalipse, um símbolo do 

mal, mas em nossa realidade continua sendo criação de Deus. Não se pode 

querer fazer uma imagem física do mundo após o grande julgamento, com 

base no "retrato" mostrado no Apocalipse. Daí também ser errônea a idéia 

de que haverá dois lugares: o novo céu e a nova terra, como locais separa- 

dos. "Os céus e terra serão unidos em harmonia, corno o lugar da presença 

de Deus. Este é o ponto de Ap 3.12 e 21.2,3, que descreve a Jerusalém 

celeste descendo. Então os seres humanos estarão em perfeito relaciona- 

mento com Deus, vendo-o como Ele é (1 Jo 3.2)." (Os Tempos do Fim, 

Concórdia, p. 35) 

V. 2: "A cidade santa (Nova Jerusalém) é a igreja, ... os verbos 

flzotpaopÉvqv 'preparada' e ~~~oopqpevqv 'adornada belamente' 

são particípios perfeitos passivos. ... é uma cena gloriosa, mas não 

há aqui teologia da glória. A beleza nupcial da igreja é uma beleza recebida, 

uma beleza batismal, uma dádiva de Deus. É o resultado da purificação 

da fé, um lavar na vida e morte sacrificiais do Cordeiro que 

prepara a noiva para a vida nos novos céus e nova terra." (VOGEL, 

Leroy, Concordia Journal Abri111992, p. 176). Na figura do noivo e 

noiva representando Cristo e a Igreja possivelmente duas verdades são 

igualmente enfatizadas: 1) a comunhão amorosa entre o Salvador e Seu 

povo; 2) tudo o que é do noivo, é da noiva - a Igreja recebe de Cristo 

Seus méritos, a começar pelo perdão purificador e renovador, justiça 

diante de Deus e vida eterna. 

V. 3: A promessa de Deus de que Ele viria a fazer Seu tabernáculo entre 

os homens, habitando com eles, sendo-lhes Deus e eles sendo Seu povo, 

se encontra no Antigo Testamento, especialmente nos profetas, que 

viam no futuro uma nova era da presença de Deus com Seu povo (Lv


26.1 1s; Ez 37.27; Jr 3 1.33; Zc 8.8). Uma interessante diferença deste 

texto para os textos do AT é que lá se fala do haó~ (povo) de Deus e 

em Ap 2 1.3 temos haot (povos)! E uma referência aos muitos povos 

da humanidade que, redimidos por Cristo, estarão com Deus. 

O verbo oqvów é significativo, pois é usado também referindo-se a 

encamação do Verbo (Jo 1.14). Alie-se a isto o fato de que Jesus é chama- 

do "Deus conosco" (Mt 1.23). Na vinda de Cristo se cumpriu de forma 

sublime e concreta o que no Antigo Testamento fora tipificado pelo 

Tabernáculo - a presença de Deus junto ao Seu povo. Agora, com o novo 

céu e nova terra, a nova Jerusalém é uma figura para a presença constante 

e plena de Deus com Seu povo. A Igreja conta com a presença do Seu 

Senhor já agora. É uma presença mediada por instrumentos escolhidos pelo 

próprio Senhor, a Sua Palavra e os Sacramentos. No novo céu e nova terra, 

a presença de Deus é imediata. Ao vir a nós através de meios, Deus pode 

ser rejeitado pelo pecador. Quando Ele estiver no meio do Seu povo de 

forma imediata, não haverá mais possibilidade de rejeição, de abandono, de 

pecado. 

V. 4: "A verdadeira felicidade no céu nos é aqui descrita em negativos, 

porque é impossível com palavras humanas descrever a totalidade da 

bem-aventurança no céu; porque 'nem olhos viram, nem ouvidos ouvi- 

ram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem prepa- 

rado para aqueles que o amam', 1 Co 2.9." (ROTTMANN, J. H. Vem, 

Senhor Jesus, 297). "As primeiras coisas" - tudo aquilo que está ligado 

ao velho céu e terra, ao velho mundo, que deixa de existir, dando lugar 

a nova criação de Deus. A presença de Deus plenamente com Seu 

povo significa a negação de tudo o que caracterizava negativamente a 

vida passada. Todo o mal deixa de existir, pois o mal não pode conviver 

com a presença imediata de Deus. 

V. 5: O próprio Pai dá agora Seu testemunho, falando diretamente pela 

primeira vez neste livro. Assim como criou o mundo pelo poder da Sua 

palavra, o Pai novamente irá criar, agora um novo mundo, onde reinará 

plenamente justiça e santidade. O propósito da primeira criação será 

plenamente realizado. Não haverá nenhuma possibilidade de queda. 

Todas as coisas serão novas, eternamente novas, sem jamais se torna- 

rem corruptas ou corruptíveis. 

V. 6: O primeiro título empregado (Alfa e Ômega) acentua a eternidade 

de Deus. Na literatura rabínica as letras Aleph e Tau representavam 

totalidade e serviam para representar a manifestação gloriosa de Deus. 

Este título é usado tanto pelo Pai (1.8) como por Jesus (22.13). O se- 

gundo título (Princípio e Fim) relaciona Deus com sua criação. Elc é o


Deus criador e mantenedor. Ele colocou no novo jardim a árvore da 

vida e a água da vida, que traz vida a todos os habitantes da nova 

criação. "Água da vida" lembra as palavras do próprio Jesus (Jo 4.13,14; 

7.37), a fonte da água da vida eterna. 

V. 7: Um dos grandes temas do Apocalipse é retomado: a vitória de Cristo, 

que é compartilhada com os crentes. Esta vitória é apresentada como o 

receber da herança e a linguagem empregada remete a aliança de Deus 

com seu povo (cf. Jr 3 1.33). 


O fim do ano (eclesiástico) nos brinda com uma mensagem que não 

e de fim, mas de começo, um (re)começo glorioso, da nova criação que 

aguardamos, e que desde já vivemos antecipadamente, pela fé em Cristo. 

Um tema para o sermão poderia ser: O que caracteriza a expectativa cristã 

não é o aguardar pelo fim, mas pelo recomeço bendito na presença de Deus. 

Gerson Luis Linden

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