02.08.2013 Views

A MORENINHA Joaquim Manuel de Macedo - Fundação Biblioteca ...

A MORENINHA Joaquim Manuel de Macedo - Fundação Biblioteca ...

A MORENINHA Joaquim Manuel de Macedo - Fundação Biblioteca ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

sediças, mas que se dizem sempre <strong>de</strong> parte a parte, com obrigado sorrir nos lábios e indiferença no<br />

coração. Concluída essa verda<strong>de</strong>ira maçada e reparando que todos tratavam <strong>de</strong> conversar, para melhor<br />

passar as horas e esperar as do jantar, ele voltou o rosto com vistas <strong>de</strong> achar uma ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>socupada<br />

junto <strong>de</strong> alguma daquelas moças; porém, ó monfina do pobre estudante!... Ó itempestivo castigo dos<br />

seus maiores pecados!... a segunda das duas velhas, <strong>de</strong> quem há pouco se tratou, esten<strong>de</strong>u a mão e<br />

chamou-o, mostrando com o <strong>de</strong>do carregado <strong>de</strong> anéis um lugar livre junto <strong>de</strong>la.<br />

Não havia remédio: era preciso sofrer, com olhos enxutos e o prazer na face, o martírio que se<br />

lhe oferecia. Augusto sentou-se ao pé da Sra. D. Violante.<br />

Ela lançou-lhe um olhar <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong> e proteção e ele abaixou os olhos, porque os <strong>de</strong> D. Violante<br />

são terrivelmente feios e os do estudante não se po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>morar por muito tempo sobre espelho <strong>de</strong> tal<br />

qualida<strong>de</strong>.<br />

- Adivinho, disse ela, com certo ar <strong>de</strong> ironia, que lhe está pesando <strong>de</strong>mais o sacrifício <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r<br />

alguns momentos conversando com uma velha.<br />

- Ó minha senhora! respon<strong>de</strong>u o moço, as palavras <strong>de</strong> V. S. fazem gran<strong>de</strong> injustiça a si própria<br />

e a mim também: a mim, porque me faz bem cheio <strong>de</strong> ru<strong>de</strong>za e mau gosto; e a si, porque, se um cego as<br />

ouvisse, certo que não faria idéia do vigor e da...<br />

- Olhem como ele é lisonjeiro!... exclamou a velha, batendo levemente com o leque no ombro<br />

do estudante, e acompanhando esta ação com uma terrível olhadura, rindo-se com tão particular estudo,<br />

que mostrava dois únicos <strong>de</strong>ntes que lhe restavam.<br />

Augusto olhou fixamente para ela e conheceu que na verda<strong>de</strong> se havia adiantado muito. D.<br />

Violante era horrivelmente horrenda, e com sessenta anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> apresentava um carão capaz <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>smamar a mais emperreada criança.<br />

A conversação continuou por uma boa hora; o tédio do estudante chegou a ponto <strong>de</strong> fazê-lo<br />

arrepen<strong>de</strong>r-se <strong>de</strong> ter vindo à ilha <strong>de</strong>... Três vezes tentou levantar-se, mas D. Violante sempre tinha<br />

novas coisas a dizer. Falou-lhe sobre a sua mocida<strong>de</strong>... seus pais, seus amores, seu tempo, seu finado<br />

marido, sua esterilida<strong>de</strong>, seus rendimentos, seu papagaio e até suas galinhas. Ah!... falou mais que um<br />

<strong>de</strong>putado da oposição, quando se discute o voto <strong>de</strong> graças. Finalmente parau um instante, talvez para<br />

respirar, começar novo ataque <strong>de</strong> maçada. Augusto quis aproveitar-se da intermitência: estava <strong>de</strong>sesperado<br />

e pela quarta vez ergueu-se.<br />

- Com licença <strong>de</strong> V. S.<br />

- Nada! disse a velha, <strong>de</strong>tendo-o e apertando-lhe a mão, eu ainda tenho muito que dizer-lhe.<br />

- Muito que dizer?... balbuciou o estudante automaticamente, <strong>de</strong>ixando-se cair sobre a ca<strong>de</strong>ira,<br />

como fulminado por um raio.<br />

- O senhor está incomodado?... perguntou D. Violante, com toda a ingenuida<strong>de</strong>.<br />

- Eu... eu estou às or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> V. S.<br />

- Ah! vê-se que a sua <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za iguala à sua bonda<strong>de</strong>, continuou ela com um acento meio<br />

açucarado e terno.<br />

- Oh, castigo <strong>de</strong> meus pecados!... pensou Augusto consigo; querem ver que a velha está namorada<br />

<strong>de</strong> mim?!! e recuou sua ca<strong>de</strong>ira meio palmo para longe <strong>de</strong>la.<br />

- Não fuja... prosseguiu D. Violante, arrastando por sua vez a ca<strong>de</strong>ira até encostá-la à do estudante,<br />

não fuja... eu quero dizer-lhe coisas que não é preciso que os outros ouçam.<br />

- E então? pensou <strong>de</strong> novo Augusto, fiz ou não uma galante conquista?... E suava suores frios.<br />

- O senhor está no quinto ano <strong>de</strong> Medicina?...<br />

- Sim, minha senhora.<br />

- Já cura?<br />

- Não, minha senhora.<br />

- Pois eu <strong>de</strong>sejava referir-lhe certos incômodos que sofro, para que o senhor me dissesse que

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!