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A MORENINHA Joaquim Manuel de Macedo - Fundação Biblioteca ...

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- Sinto amar-te!<br />

Ora, parece que nada mais faltava a Aí, e que a ela cumpria respon<strong>de</strong>r a este último grito <strong>de</strong><br />

Aoitin, confessando também o seu amor tão antigo; mas a natureza da mulher é a mesma, tanto na<br />

selvagem como na civilizada: a mulher <strong>de</strong>seja ser amada, fingindo não amar; <strong>de</strong>seja ser senhora do<br />

mesmo <strong>de</strong> quem é escrava: e pois Aí nada respon<strong>de</strong>u; mas riu-se, suas lágrimas secaram; porém já a<br />

este tempo as muitas que havia <strong>de</strong>rramado tinham dado origem a esta fonte, que ainda hoje existe.<br />

No dia seguinte veio Aoitin, e viu a sua amada, que já não cantava, nem chorava: mesmo antes<br />

<strong>de</strong> chegar à praia, foi clamando:<br />

- Sinto amar-te!<br />

E Aí não respon<strong>de</strong>u e só sorriu-se.<br />

Nada <strong>de</strong> caça... nada <strong>de</strong> pesca... já o insensível era escravo e não vivia longe do encanto que o<br />

prendia: correu, pois, para a gruta, <strong>de</strong>itou-se, mas não dormiu. Quem ama não dorme; sentiu que em<br />

suas veias corria sangue ar<strong>de</strong>nte, que seu coração estava em fogo: - era a febre do amor... Aoitin teve<br />

se<strong>de</strong>; a dois passos viu a fonte que manava; correu açodado para ao pé <strong>de</strong>la e, ajuntando as suas mãos,<br />

foi bebendo as lágrimas <strong>de</strong> amor. A cada trago que bebia, um raio <strong>de</strong> esperança lhe brilhava; e quando<br />

a se<strong>de</strong> foi saciada, já estava feliz; a fonte era milagrosa.<br />

As lágrimas <strong>de</strong> amor, que haviam tido o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tornar amante o insensível mancebo, não<br />

pu<strong>de</strong>ram escon<strong>de</strong>r a sua origem e fizeram com que Aoitin conhecesse que era amado.<br />

Então ele não mais buscou sua piroga. Saindo da gruta, fez um ro<strong>de</strong>io e foi, <strong>de</strong> manso, trepando<br />

pelo rochedo, até chegar junto <strong>de</strong> Aí, que, com os olhos na praia do lado oposto, esperava ver partir o<br />

seu amante e ouvir o seu belo grito:<br />

- Sinto amar-te!<br />

Mas <strong>de</strong> repente ela estremeceu, porque uma mão estava sobre seu ombro: e quando olhou viu<br />

Aoitin, que sorrindo-se lhe disse num tom seguro e terno:<br />

- Tu me amas!?<br />

Aí não respon<strong>de</strong>u, mas também não fugiu dos braços <strong>de</strong> Aoitin, nem ficou <strong>de</strong>vendo o beijo que<br />

nesse instante lhe estalou na face.<br />

Des<strong>de</strong> então foram felizes ambos na vida, e foi numa mesma hora que morreram ambos.<br />

A fonte nunca mais <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> existir e há ainda quem acredite que por <strong>de</strong>sconhecido encanto<br />

conserva duas gran<strong>de</strong>s virtu<strong>de</strong>s...<br />

Dizem, pois, que quem bebe <strong>de</strong>sta água não sai da nossa ilha sem amar alguém <strong>de</strong>la e volta, por<br />

força, em <strong>de</strong>manda do objeto amado. E em segundo lugar, querem também alguns que algumas gotas<br />

bastam para fazer a quem as bebe adivinhar os segredos <strong>de</strong> amor.<br />

- Terminei aqui a minha história, disse a Sra. D. Ana, respirando.<br />

- E eu sou capaz <strong>de</strong> jurar, disse Augusto, que pela terceira vez sinto ruído <strong>de</strong> alguém que se retira<br />

correndo.<br />

- Pois examine <strong>de</strong>pressa.<br />

Augusto correu à porta e voltou logo <strong>de</strong>pois.<br />

- E então?... perguntou a Sra. D. Ana.<br />

- Ninguém, respon<strong>de</strong>u o estudante.<br />

- E vê alguém no jardim?...<br />

- Apenas a Sra. D. Carolina, que vai apressadamente para o rochedo.<br />

- Sempre minha neta!...<br />

- E eu, minha senhora, tenho que pedir-lhe uma graça.<br />

- Diga.<br />

- Rogo-lhe que, por sua intervenção, me facilite o prazer <strong>de</strong> ouvir sua linda neta cantar a balada<br />

<strong>de</strong> Aí, que tanto me interessou com o seu amor.

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