A MORENINHA Joaquim Manuel de Macedo - Fundação Biblioteca ...
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E, isto dizendo, Filipe empurrou Augusto para o gabinete das moças e se foi reunir ao rancho<br />
<strong>de</strong>las.<br />
Ai do pobre Augusto!... mal tinha acabado <strong>de</strong> tirar as calças e a camisa, que também se achava<br />
manchada, sentiu rumor que faziam algumas pessoas que entravam na sala.<br />
Augusto conheceu logo que eram moças, porque estes anjinhos, quando se juntam fazem,<br />
conversando, matinada tal, que a um quarto <strong>de</strong> légua se <strong>de</strong>ixam adivinhar; se é sediço e mesmo insólito<br />
compará-las a um bando <strong>de</strong> lindas maitacas, não há remédio senão dizer que muito se assemelham a<br />
uma orquestra <strong>de</strong> peritos instrumentais, na hora da afinação.<br />
Ora, o nosso estudante estava, por sua esdrúxula figura, incapaz <strong>de</strong> aparecer a pessoa alguma;<br />
em ceroulas e nu da cintura para cima, faria recuar <strong>de</strong> espanto, horror, vergonha e não sei que mais, ao<br />
belo povinho que acabava <strong>de</strong> entrar em casa e que, certamente, se assim o encontrasse, teria <strong>de</strong> cobrir o<br />
rosto com as mãos; e, portanto, o pobre rapaz seguiu o primeiro pensamento que lhe veio à mente:<br />
ajuntou toda a sua roupa, enrolou-a, e com ela embaixo do braço escon<strong>de</strong>u-se atrás <strong>de</strong> uma linda cama<br />
que se achava no fundo do gabinete, cuidando que cedo se veria livre <strong>de</strong> tão intempestiva visita; mas,<br />
ainda outra vez, pobre estudante! teve logo <strong>de</strong> agachar-se e espremer-se para baixo da cama, pois<br />
quatro moças entraram no quarto. E eram elas D. Joaninha, D. Quinquina, D. Clementina e uma outra<br />
por nome Gabriela, muito adocicada, muito espartilhada, muito estufada, e que seria tudo quanto tivesse<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser, menos o que mais acreditava que era, isto é, bonita.<br />
Depois que todas quatro se miraram, compuseram cabelos, enfeites e mil outros objetos que<br />
estavam todos muito em or<strong>de</strong>m, mas que as mãozinhas <strong>de</strong>stas quatro <strong>de</strong>moiselles não pu<strong>de</strong>ram resistir<br />
ao prazer, muito habitual nas moças, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sarranjar para outra vez arranjar, foram por mal dos pecados<br />
<strong>de</strong> Augusto, sentar-se da maneira seguinte: D. Clementina e D. Joaninha na cama, embaixo da qual<br />
estava ele; D. Quinquina <strong>de</strong> um lado, em uma ca<strong>de</strong>ira, e D. Gabriela exatamente <strong>de</strong>fronte do espelho,<br />
do qual não tirava os olhos, em outra ca<strong>de</strong>ira que, apesar <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> braços e larga, pequena era para lhe<br />
caber sem incômodo toda a coleção <strong>de</strong> saias, saiotes, vestidos <strong>de</strong> baixo e enorme varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
enchimentos que lhe faziam <strong>de</strong> suplemento à natureza, que com D. Gabriela, segundo suas próprias<br />
camaradas, tinha sido um pouco mesquinha a certos respeitos.<br />
Depois <strong>de</strong> respirar um momento, as meninas, julgando-se sós, começaram a conversar livremente,<br />
enquanto Augusto, com sua roupa embaixo do braço, coberto <strong>de</strong> teias <strong>de</strong> aranha e suores frios, comprimia<br />
a respiração e conservava-se mudo e quedo, medroso <strong>de</strong> que o mais pequeno ruído o pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>scobrir;<br />
para meu mor infortúnio, a barra da cama era incompleta e havia seguramente dois palmos e meio <strong>de</strong><br />
altura <strong>de</strong>scobertos, por on<strong>de</strong>, se alguma das moças olhasse, seria ele impreterivelmente visto. A posição<br />
do estudante era penosa, certamente; por último, saltou-lhe uma pulga à ponta do nariz, e por mais que<br />
o infeliz a soprasse, a teimosa continuou a chuchá-lo com a mais <strong>de</strong>scarada impunida<strong>de</strong>.<br />
- Antes mil vezes cinco batinas seguidas, em tempo <strong>de</strong> barracas no Campo!... dizia ele consigo.<br />
Mas as moças falam já há cinco minutos; façamos por colher algumas belezas, o que é, na<br />
verda<strong>de</strong>, um pouco difícil, pois, segundo o antigo costume, falam todas quatro ao mesmo tempo. Todavia,<br />
alguma coisa se aproveitará.<br />
- Que calor!... exclamou D. Gabriela, afetando no abanar <strong>de</strong> seu leque todo o donaire <strong>de</strong> uma<br />
espanhola; oh! não parece que estamos no mês <strong>de</strong> julho; mas, por minha vida, vale bem o incômodo<br />
que sofremos, o regalo que têm tido nossos olhos.<br />
- Bravo, D. Gabriela!... então seus olhos...<br />
- Têm visto muita coisa boa. Olhe, não é por falar, mas, por exemplo, há objeto mais interessante<br />
do que D. Luísa mostrar-se gorda, esbelta, bem feita?...<br />
- É um saco!<br />
- E como é feia!...<br />
- É horrenda!