A MORENINHA Joaquim Manuel de Macedo - Fundação Biblioteca ...
A MORENINHA Joaquim Manuel de Macedo - Fundação Biblioteca ...
A MORENINHA Joaquim Manuel de Macedo - Fundação Biblioteca ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Todos tinham tido seu quinhão, maior ou menor, segundo os merecimentos <strong>de</strong> cada um, nas<br />
graças maliciosas da menina. Ninguém havia escapado: Fabrício era a vítima predileta, porque também<br />
foi ele o único que se atreveu a travar luta com ela.<br />
Finalmente D. Carolina acabava <strong>de</strong> entrar outra vez no jardim, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter cantado sua balada.<br />
De todos os lados soavam-lhe os parabéns, mas ela escapou a eles, correndo para junto <strong>de</strong> uma roseira<br />
toda coroada por suas belas e rubras flores.<br />
Fabrício, que ainda não estava suficientemente castigado e que, além disto, começava a gostar<br />
seu tantum da Moreninha, se dirigiu com D. Joaninha para o lado em que ela se achava.<br />
- É <strong>de</strong>cididamente o que eu pensava, disse Fabrício, quando se viu ao pé <strong>de</strong> D. Carolina; e<br />
dirigindo-se a D. Joaninha: sim... sua bela prima ama as rosas, exclusivamente.<br />
- Conforme as ocasiões e circunstâncias, respon<strong>de</strong>u a menina.<br />
- Po<strong>de</strong>ria eu merecer a honra <strong>de</strong> uma explicação? perguntou Fabrício.<br />
- Com toda a justiça e, continuou D. Carolina rindo-se, tanto mais que foi a V. S.ª que me dirigi.<br />
Eu queria dizer que, entre um beijo-<strong>de</strong>-fra<strong>de</strong> ou um cravo-<strong>de</strong>-<strong>de</strong>funto e uma rosa, não hesito em preferir<br />
a última.<br />
Fabrício fingiu não enten<strong>de</strong>r a alusão e continuou;<br />
- Todavia não é sempre bem pensada semelhante preferência; a rosa é como a beleza: encanta<br />
mais espinha; V. S.ª o sabe, não é assim?<br />
- Perfeitamente, mas também não ignoro que a rosa só espinha quando se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguma<br />
mão impertinente que vem perturbar a paz <strong>de</strong> que goza; V. S.ª o sabe, não é assim?<br />
- Oh! então a Sra. D. Carolina foi bem impru<strong>de</strong>nte em quebrar o pé <strong>de</strong>ssa rosa com que brinca,<br />
expondo assim seus <strong>de</strong>licados <strong>de</strong>dos; e bem cruel também em fazê-la murchar <strong>de</strong> inveja, tendo-a <strong>de</strong>fronte<br />
<strong>de</strong> seu formoso semblante.<br />
- Pela minha vida, meu caro senhor! nunca vi pedir uma rosa com tanta graça: quer servir-se<br />
<strong>de</strong>la?<br />
- Seria a mais apetecível glória...<br />
- Pois aqui a tem... Querida prima, nada <strong>de</strong> ciúmes.<br />
E Fabrício, recebendo o belo presente, em vez <strong>de</strong> olhar para a mão que o dava, atentava em<br />
êxtase o rosto moreno e o sorrir malicioso <strong>de</strong> D. Carolina. Ao momento <strong>de</strong> se encontrar a mão que dava<br />
e a que recebia, Fabrício sentiu que lhe apertavam os <strong>de</strong>dos; seu primeiro pensamento foi crer que era<br />
amado; mas logo se lhe apagou esse raio <strong>de</strong> vaida<strong>de</strong>, pois que ele retirou vivamente a mão, exclamando<br />
involuntariamente:<br />
- Ai! feri-me!...<br />
Era que a travessa lhe havia apertado os <strong>de</strong>dos contra os espinhos da rosa. Mas a flor tinha caído<br />
na relva: Fabrício, já menos <strong>de</strong>sconcertado, a levantou com presteza, e, encarando a irmã <strong>de</strong> Filipe,<br />
disse-lhe, em tom meio vingativo:<br />
- Foi um combate sanguinolento, ma ganhei o prêmio da vitória.<br />
- Pois feriu-se?... perguntou D. Carolina, chegando-se com fingido cuidado para ele.<br />
- Nada foi, minha senhora: comprei uma rosa por algumas gotas <strong>de</strong> sangue... valeu a pena.<br />
- Maldita rosa! exclamou a Moreninha, teatralmente... maldita rosa! eu te amaldiçôo!...<br />
E dando um piparote na inocente flor, a <strong>de</strong>sfolhou completamente; não ficou na mão <strong>de</strong> Fabrício<br />
mais que o ver<strong>de</strong> cálice. D. Carolina correu para junto <strong>de</strong> sua digna avó; o pobre estudante ficou<br />
<strong>de</strong>sconcertado.<br />
- E esta! murmurou ele, enfim.<br />
- Foi muito bem feito! disse D. Joaninha, cheia <strong>de</strong> zelos e dando-lhe um beliscão, que o fez ir às<br />
nuvens.<br />
- Perdão, minha senhora... seja pelo amor <strong>de</strong> Deus! exclamou Fabrício, que se via batido por