A MORENINHA Joaquim Manuel de Macedo - Fundação Biblioteca ...
A MORENINHA Joaquim Manuel de Macedo - Fundação Biblioteca ...
A MORENINHA Joaquim Manuel de Macedo - Fundação Biblioteca ...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
6<br />
Augusto com seus Amores<br />
Poucos momentos <strong>de</strong>pois da cena antece<strong>de</strong>nte, a sala <strong>de</strong> jantar ficou entregue unicamente ao<br />
insaciável Keblerc, que enten<strong>de</strong>u, não sabemos se mal ou bem, que era muito mais proveitoso ficar<br />
fazendo honras a meia dúzia <strong>de</strong> garrafas <strong>de</strong> belo vinho do que acompanhar as moças, que se foram<br />
<strong>de</strong>slizar pelo jardim. Outro tanto não fizeram os rapazes, que <strong>de</strong> perto as acompanharam, assim como<br />
pais, maridos e irmãos, todos animados e cheios <strong>de</strong> prazer e harmonia, dispostos a acabar o dia e entrar<br />
pela noite com gosto.<br />
Mas dissemos que não sabíamos se Keblerc havia feito bem ou mal em não imitar os outros.<br />
Sem dúvida já fomos con<strong>de</strong>nados por homem <strong>de</strong> mau gosto, cumpre-nos dar algumas razões.<br />
Enten<strong>de</strong>mos, cá para nós, que por diversos caminhos vão, tanto o alemão como os rapazes, a um<br />
mesmo fim. Em resultado, esgotadas as garrafas e terminado o passeio, haverá mona, não só na sala do<br />
jantar, mas também no jardim; a diferença é que uma será mona <strong>de</strong> vinho e a outra <strong>de</strong> amor. Esta última<br />
costuma sempre ser mais perigosa. Pela nossa parte confessamos que não há cachaça que embebe<strong>de</strong><br />
mais <strong>de</strong>pressa do que uma que se bebe nos olhos travessos <strong>de</strong> certas pessoas.<br />
Passeava-se. Cada cavalheiro dava o braço a uma senhora, e, divagando-se assim pelo jardim, o<br />
dicionário das flores era lembrado a todo o momento. Menina havia que, apenas algum lhe dizia,<br />
apontando para a flor:<br />
- Acácia!<br />
- Sonhei com você! respondia logo.<br />
- Amor-perfeito!<br />
- Existo para ti só! tornava imediatamente.<br />
E o mesmo fazia a respeito <strong>de</strong> todas as flores que lhe mostravam. Era uma doutora <strong>de</strong> borla e<br />
capelo em todas as ciências amatórias; e esta menina era, nem mais nem menos, aquela lânguida e<br />
sonsinha D. Quinquina. Fiai-vos nas sonsas!<br />
Um moço e uma moça, porém, andavam, como se costuma dizer, solteiros; cem vezes <strong>de</strong>la se<br />
aproximava o sujeito, mas a bela, quando mais perto o via, saltava, corria, voava como um beija-flor,<br />
como uma abelha ou, melhor, como uma doudinha. Eram eles D. Carolina e Augusto.<br />
Augusto passeava só, contra a vonta<strong>de</strong>; D. Carolina, por assim o querer.<br />
Augusto viu <strong>de</strong> repente todos os braços engajados. Duas senhoras, a quem se dirigiu, fingiram<br />
não ouvi-lo, ou se <strong>de</strong>sculparam. O inconstante não lhes fazia conta, ou, antes, queriam, tornando-se<br />
difíceis, vê-lo reqüestando-as; porque, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o programa <strong>de</strong> Augusto, cada uma <strong>de</strong>las enten<strong>de</strong>u lá consigo<br />
que seria gran<strong>de</strong> glória para qualquer, o pren<strong>de</strong>r com inquebráveis ca<strong>de</strong>ias aquele capoeira do amor, e<br />
que o melhor meio <strong>de</strong> o conseguir era fingir <strong>de</strong>sprezá-lo e mostrar não fazer conta com ele. Exatamente<br />
intentavam batê-lo por meio <strong>de</strong>ssa tática po<strong>de</strong>rosa, com que quase sempre se triunfa da mulher, isto é ,<br />
pouco a pouco.<br />
D. Carolina, pelo contrário, havia rejeitado <strong>de</strong>z braços. Queria passear só. Um braço era uma<br />
prisão e a engraçada Moreninha gosta, sobretudo, da liberda<strong>de</strong>. Ela quer correr, saltar e enten<strong>de</strong>r com as<br />
outras; agora adiante <strong>de</strong> todos, e daqui a pouco ser a última no passeio: viva, com seus olhos sempre<br />
brilhantes, ágil, com seu pezinho sempre pronto para a carreira; inocente para não se envergonhar <strong>de</strong><br />
suas travessuras e criada com mimo <strong>de</strong>mais para prestar atenção aos conselhos <strong>de</strong> seu irmão, ela está<br />
em toda a parte, vê, observa tudo e <strong>de</strong> tudo tira partido para rir-se: em contínua hostilida<strong>de</strong> com todas<br />
aquelas que passeavam com moços, <strong>de</strong> cada vista d’olhos, <strong>de</strong> cada suspiro, <strong>de</strong> cada palavra, <strong>de</strong> cada<br />
ação que percebia tirava motivo para seus epigramas; e, inimigo invencível, porque não tinha travo por<br />
on<strong>de</strong> fosse atacado, era por isso temido e acariciado. Deixemo-la, pois, correr e saltar, aparecer e