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A MORENINHA Joaquim Manuel de Macedo - Fundação Biblioteca ...

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A primeira moça que amei era uma bela moreninha, <strong>de</strong> <strong>de</strong>zesseis anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Fiz-lhe a minha<br />

<strong>de</strong>claração na carta mais patética que um pateta po<strong>de</strong>ria conceber: no fim <strong>de</strong> três dias recebi uma<br />

resposta abrasadora e cheia <strong>de</strong> protestos <strong>de</strong> gratidão e ternura; meu coração se entusiasmou com isso...<br />

Na primeira reunião <strong>de</strong> estudantes contei a minha vitória, li a minha carta e a resposta que havia recebido:<br />

fui vivamente aplaudido; porém, oito dias <strong>de</strong>pois, os mesmos estudantes quase que me quebraram a<br />

cabeça com cacholetas e gargalhadas, porque oito dias, bem contadinhos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ssa resposta, a<br />

minha terna amada casou-se com um velho <strong>de</strong> sessenta anos. Jurei não amar moça nenhuma que tivesse<br />

a cor morena.<br />

Apaixonei-me logo e fui, <strong>de</strong>sgraçadamente, correspondido por uma interessante jovem tão<br />

coradinha, que parecia mesmo uma rosa francesa. Nós nos encontrávamos nas noites dos sábados em<br />

certa casa, on<strong>de</strong> se dava todas as semanas uma partida; era a mais agradável sabatina que podia ter um<br />

estudante; porém, o meu novo amor chegava a ser tocante <strong>de</strong>mais: a minha querida levava o ciúme até<br />

um ponto que atormentava prodigiosamente: se passava algum dia em que a não visse e lhe não mandasse<br />

uma flor, aparecia-me <strong>de</strong>pois chorosa e abatida; se na tal partida eu me atrevia a dançar com alguma<br />

outra moça bonita, era contar com um <strong>de</strong>smaio certo, e <strong>de</strong>smaio <strong>de</strong> que não acordava sem que eu<br />

mesmo lhe chegasse ao nariz o seu vidrinho <strong>de</strong> essência <strong>de</strong> rosas; e tudo mais por este teor e forma. Este<br />

amor já estava um pouco velho, certamente, tinha três meses <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Um sábado man<strong>de</strong>i-lhe prevenir<br />

que faltaria à partida; mas, tendo terminado cedo meus trabalhos, não pu<strong>de</strong> resistir ao <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> vê-la e<br />

fui à reunião; eram onze horas da noite, quando entrei na sala, procurei-a com os olhos e certo moço,<br />

com quem me dava, que me enten<strong>de</strong>u, apontou para um gabinete vizinho. Voei para ele.<br />

Ela estava sentada junto <strong>de</strong> um mancebo e com as costas voltadas para a porta: tomavam sorvetes.<br />

Cheguei-me <strong>de</strong> manso: conversavam os dois, sem vergonha nenhuma, em seus amores!... Fiquei<br />

espantado e tanto mais que, pelo que ouvi, eles já se correspondiam há muito tempo; mas o meu<br />

espanto se tornou em fúria quando ouvi o machacaz falar no meu nome, fingindo-se zeloso, e receber<br />

em resposta as seguintes palavras: - O Augustozinho?... Lamente-o antes, coitado! é um pobre menino<br />

com quem me divirto nas horas vagas!... Soltei um surdo gemido; a traidora olhou para mim e, voltandose<br />

<strong>de</strong>pois para o seu querido, disse com o maior sangue-frio: - Ora aí tem! perdi por sua causa este<br />

divertimento.<br />

Jurei não amar moça nenhuma <strong>de</strong> cor rosada. Sem emendar-me, ainda tomei-me cego amante<br />

<strong>de</strong> uma jovem pálida, e, como das outras vezes, fui correspondido com ardor; mas <strong>de</strong>ste tive eu provas<br />

<strong>de</strong> afeto mui sérias. Antes <strong>de</strong> ver-me, ela amava um primo e até escrevia-lhe a miúdo; eu exigi que a<br />

minha terceira amada continuasse a receber cartas <strong>de</strong>le e que as respon<strong>de</strong>sse; consentiu nisso, com a<br />

condição <strong>de</strong> lhe redigir eu as respostas. Belo! disse comigo: vou também divertir-me por minha vez à<br />

custa <strong>de</strong> um amante infeliz!<br />

E o negócio ficou assentado.<br />

Infelizmente eu não conhecia o primo da minha amada, mas essa era a infelicida<strong>de</strong> mais tolerável<br />

possível.<br />

Um dia tratamos <strong>de</strong> encontrar-nos em certa igreja, on<strong>de</strong> tinha <strong>de</strong> haver esplêndida festa; cheguei<br />

cedo, mas, logo <strong>de</strong>pois da minha chegada, rebentou uma tempesta<strong>de</strong> e choveu prodigiosamente. Pouco<br />

durou o mau tempo, porém as ruas <strong>de</strong>veriam ter ficado alagadas e a bela esperada não podia vir; apesar<br />

disso eu olhava a todos os momentos para a porta e, coisa notável, sempre encontrava os olhos <strong>de</strong> um<br />

outro moço, que se dirigiam também para lá; acabada a festa, ambos nos aproximamos.<br />

- Nós <strong>de</strong>vemos ser amigos, disse ele.<br />

• Eu penso do mesmo modo, respondi.<br />

E apertamos as mãos.<br />

- Sou capaz <strong>de</strong> jurar que adivinho a razão por que o senhor olhava tanto para aquela porta,<br />

continuou ele.

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