Sociologia da violência.pdf - Unijuí
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EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ<br />
VICE-REITORIA DE GRADUAÇÃO – VRG<br />
COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – CEaD<br />
Coleção Educação a Distância<br />
Série Livro-Texto<br />
Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
SOCIOLOGIA<br />
DA VIOLÊNCIA<br />
Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil<br />
2010<br />
1
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
2<br />
© 2010, Editora <strong>Unijuí</strong><br />
Rua do Comércio, 1364<br />
98700-000 - Ijuí - RS - Brasil<br />
Fone: (0__55) 3332-0217<br />
Fax: (0__55) 3332-0216<br />
E-mail: editora@unijui.edu.br<br />
www.editoraunijui.com.br<br />
Editor: Gilmar Antonio Bedin<br />
Editor-adjunto: Joel Corso<br />
Capa: Elias Ricardo Schüssler<br />
Designer Educacional: Jociane Dal Molin Berbaum<br />
Responsabili<strong>da</strong>de Editorial, Gráfica e Administrativa:<br />
Editora <strong>Unijuí</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Regional do Noroeste<br />
do Estado do Rio Grande do Sul (<strong>Unijuí</strong>; Ijuí, RS, Brasil)<br />
Catalogação na Publicação:<br />
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – <strong>Unijuí</strong><br />
S586s Silva, Enio Waldir <strong>da</strong>.<br />
<strong>Sociologia</strong> <strong>da</strong> <strong>violência</strong> / Enio Waldir <strong>da</strong> Silva. – Ijuí :<br />
Ed. <strong>Unijuí</strong>, 2010. 92 p. (Coleção educação a distância.<br />
Série livro-texto).<br />
ISBN 978-85-7429-909-9<br />
1. <strong>Sociologia</strong>. 2. Violência. 3. Conflituali<strong>da</strong>de. 4. Relações<br />
sociais. I. Título. II. Série.<br />
CDU : 316<br />
316.47<br />
316.48
Sumário<br />
Sumário<br />
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
CONHECENDO O PROFESSOR ............................................................................................... 5<br />
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 7<br />
UNIDADE 1 – SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA E DA CONFLITUALIDADE ..................... 13<br />
Seção 1.1 – Violência Como Fato Social .................................................................................. 13<br />
Seção 1.2 – Violência, Agressivi<strong>da</strong>de e Conflito ...................................................................... 30<br />
UNIDADE 2 – RELAÇÕES SOCIAIS E ANSIEDADES ........................................................ 39<br />
Seção 2.1 – Violência e a Cultura ............................................................................................. 40<br />
Seção 2.2 – Mundo do Trabalho e a Violência ........................................................................ 45<br />
Seção 2.3 – Família e Violência ................................................................................................. 48<br />
UNIDADE 3 – AFETIVIDADE E RELAÇÕES SOCIAIS VIOLENTAS ............................... 57<br />
Seção 3.1 – As Mulheres e a Violência ..................................................................................... 57<br />
Seção 3.2 – A Violência Doméstica ........................................................................................... 61<br />
Seção 3.3 – Mídia e Violência .................................................................................................... 69<br />
Seção 3.4 – Juventude e Violência? .......................................................................................... 75<br />
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 85<br />
3
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
4
Conhecendo Conhecendo o o Professor<br />
Professor<br />
EaD<br />
Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
Nasci no segundo dia do mês de fevereiro de 1963. Sou o<br />
décimo quarto filho, o penúltimo, de Oracy Pires Pereira <strong>da</strong> Silva e<br />
Doralia Teixeira Santos <strong>da</strong> Silva. Fui o único deles que saiu <strong>da</strong><br />
lavoura para estu<strong>da</strong>r. Este evento aconteceu no município de Erval<br />
Seco, Rio Grande do Sul, na locali<strong>da</strong>de chama<strong>da</strong> Ponte <strong>da</strong> Guarita.<br />
Permaneci ali até os 15 anos trabalhando nos 15 hectares em que<br />
meu pai era meeiro. Saí quando terminei a 8ª série. Por iniciativa<br />
de minha mãe, me bandeei para a ci<strong>da</strong>de trabalhar pelo estudo.<br />
Redentora, depois Palmeira <strong>da</strong>s Missões. Ali tornei-me gaudério<br />
de carteirinha e coração, no CTG 35. Aprendi também nessa épo-<br />
ca, com 18 anos, a fazer distinção entre os objetivos dos partidos<br />
políticos e compreender a exclusão social. Em uma visita de cam-<br />
panha de vestibular <strong>da</strong>, então, Fidene, entendi que o curso de Fi-<br />
losofia perguntava o “porquê” <strong>da</strong>s coisas, principalmente o “por-<br />
quê” <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, do trabalho, do conhecimento, <strong>da</strong> miséria, <strong>da</strong> rique-<br />
za. Entendi que este era meu curso. Fiz vestibular. Passei. Me<br />
bandeei, de novo, para Ijuí. Após um ano de entrevero entre de-<br />
semprego, capina<strong>da</strong>s de terrenos, servente de pedreiro, boia-fria e<br />
outras ativi<strong>da</strong>des, acabou o dinheiro do Fundo de Garantia que<br />
trouxe de Palmeira, mas empreguei-me em uma serraria. Oito me-<br />
ses depois melhorei de vi<strong>da</strong> quando fui trabalhar como garçom em<br />
um restaurante: ali tinha comi<strong>da</strong>, aluguel, roupa limpa e ganhava<br />
o salário para pagar o curso de Filosofia. Ótimo. Entrei para o<br />
Partido Comunista Brasileiro – PCB –, minha facul<strong>da</strong>de paralela.<br />
No último ano do curso o restaurante em que trabalhava foi ven-<br />
dido. Novamente fiquei desempregado, mas agora, ao menos, com<br />
a “consciência filosófica e comunista” em franco desenvolvimen-<br />
to. Fazer bicos para ganhar a vi<strong>da</strong> agora era mais fácil. Como gar-<br />
çom temporário, como boia fria nas lavouras de soja (final de 1986)<br />
levava o debate político. Não pude mais pagar o curso, devia todo<br />
o último semestre, mas, graças ao esforço de trabalho e ao diálogo<br />
filosófico-político, o amigo e dono <strong>da</strong> granja quitou as prestações<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
5
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
6<br />
do carnê <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de. Um presentão. Até hoje não sei como agra-<br />
decer, posto que um mês capinando nabo na lavoura <strong>da</strong>va apenas<br />
para pagar alguns dias de sobrevivência. Aí surgiu uma grande<br />
chance: o concurso para professor de Filosofia na facul<strong>da</strong>de onde<br />
me formei. Trinta horas de estudo valeram a aprovação e em 2 de<br />
fevereiro de 1987 iniciei a construção desta nova identi<strong>da</strong>de: pro-<br />
fessor do Ensino Superior. Graças ao apoio <strong>da</strong> <strong>Unijuí</strong>, de janeiro a<br />
julho de 1988 estudei, como aluno especial, Ciência Política na<br />
Universi<strong>da</strong>de Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte.<br />
Em julho do mesmo ano iniciei o Mestrado em <strong>Sociologia</strong> na –<br />
Universi<strong>da</strong>de Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Entre mi-<br />
nistrar aulas, estu<strong>da</strong>r e escrever a dissertação final, fiquei meio<br />
doido e casei (hoje continuo nessa e tenho três filhas). Meu pri-<br />
meiro trabalho escrito foi a dissertação de Mestrado: O Ensino Su-<br />
perior Regional – a Região Noroeste do Estado do Rio Grande do<br />
Sul, em 1993. Em 1999 fui cursar o Doutorado na mesma universi-<br />
<strong>da</strong>de e defendi a tese de <strong>Sociologia</strong> intitula<strong>da</strong>: A Extensão Univer-<br />
sitária – Concepções e Práticas, em 2003. Então, desde 1987 de-<br />
senvolvo ativi<strong>da</strong>des de docência na área <strong>da</strong>s Ciências Sociais na<br />
<strong>Unijuí</strong>. Além destas ativi<strong>da</strong>des também atuei na coordenação <strong>da</strong><br />
Formação Geral Humanística; fui membro do Conselho Universi-<br />
tário, representante dos docentes; subchefe do Departamento de<br />
Ciências Sociais e coordenador do curso de <strong>Sociologia</strong>. Continuo<br />
pesquisando sobre o tema relação ciência e socie<strong>da</strong>de, envolvendo<br />
a universi<strong>da</strong>de, atores sociais que se relacionam com ela e o papel<br />
<strong>da</strong> formação universitária na socie<strong>da</strong>de atual.
Introdução<br />
Introdução<br />
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
A vi<strong>da</strong> do ser humano é ampla e complexa em sua decorrência. Não é apenas um<br />
fenômeno biológico. A vi<strong>da</strong> é um fenômeno de dimensão psicológica, cultural, social, políti-<br />
ca, econômica, que se expressa em comportamentos e relações. São múltiplas e dinâmicas<br />
as suas dimensões. Tornamo-nos humanos, propriamente, nas relações sociais.<br />
O ser humano não se encerra em algo acabado. A característica humana é algo que os<br />
homens constroem nas relações entre si, em todos os campos e expressões <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, ao longo<br />
de sua existência, na dinâmica relação de ideais, de valores e conhecimentos. Ela está im-<br />
plícita e explícita nos sistemas religiosos, filosóficos, científicos, econômicos e outros, de-<br />
senvolvidos ao longo de to<strong>da</strong> a história humana.<br />
A natureza humana não é caracteriza<strong>da</strong> por meio de um conjunto fixo de proprie<strong>da</strong>des univer-<br />
sais, mas como relação especificamente humana com o meio ambiente, as pessoas em face do<br />
contexto natural e social no qual existem. A natureza humana deriva <strong>da</strong> rede de relações pela<br />
qual o ser humano se integra à socie<strong>da</strong>de e à natureza (...) Um ser humano aparece, pois, como<br />
ponto no<strong>da</strong>l, um nó em uma vasta rede de relações sociais (Sztompka, 1998, p. 282).<br />
Nessa trama social, o ser humano é construtor de si mesmo, em todos os seus sentidos,<br />
inclusive <strong>da</strong> sua <strong>violência</strong>, mediante suas relações com os demais seres humanos, por meio<br />
do campo <strong>da</strong> cultura, <strong>da</strong> política, <strong>da</strong> economia, <strong>da</strong> educação etc. Como tal, o indivíduo não<br />
existe por si mesmo, mas pela convivência social, pelas diferentes dimensões do desdobra-<br />
mento <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> coletiva. A <strong>violência</strong> tem suas raízes nessas relações de convivência e não na<br />
natureza do indivíduo. A <strong>violência</strong> é uma relação humana; ela não existiria se a vi<strong>da</strong> huma-<br />
na fosse algo individual.<br />
A evolução humana não se dá por estruturas ou caminhos predeterminados, mas pela<br />
determinação de seus próprios caminhos, que nascem do encontro dos indivíduos, dos gru-<br />
pos sociais, <strong>da</strong>s diferentes culturas. A humani<strong>da</strong>de é algo que se supera, que se expande, em<br />
múltiplas dimensões de vi<strong>da</strong>. Nessa característica está a diferença com as outras formas de<br />
vi<strong>da</strong>.<br />
A humani<strong>da</strong>de não pode ser encerra<strong>da</strong> em sistemas concluídos de valores ou conheci-<br />
mentos, sob o risco de ferir a si mesma em sua trajetória histórica. Por essa razão as ditadu-<br />
ras e os sistemas autoritários, mesmo que de pensamento ou de valores, conduzem a isso.<br />
Começam pela intolerância e acabam em alguma forma de <strong>violência</strong>. Sempre que isso acon-<br />
teceu, ao longo <strong>da</strong> História, um dos resultados dessa atitude de fechamento foi a ameaça<br />
aos direitos do ser humano de constituir a si mesmo, na liber<strong>da</strong>de e na digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> convi-<br />
vência social.<br />
7
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
8<br />
A dinâmica <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> convivência entre os homens, deve ter como base o respeito<br />
pelo outro, com to<strong>da</strong>s as suas diferenças de opiniões, de valores e ideologias. Deve ter como<br />
orientação a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de para com o outro, a satisfação <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> em geral<br />
e a cooperação com o outro, a preservação <strong>da</strong>quilo que é comum à humani<strong>da</strong>de, desde o<br />
meio ambiente até a segurança social.<br />
Os valores dessas relações sociais devem ser vivenciados no campo <strong>da</strong> cultura, <strong>da</strong><br />
educação, <strong>da</strong> política, <strong>da</strong> economia, pois constituem a base dos direitos humanos. Valores e<br />
ideologias que incorporam os direitos humanos ao respeito, à soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e à cooperação<br />
entre os homens não se constituem em barreiras de convivência social, antes são expressões<br />
do direito à identi<strong>da</strong>de individual de ca<strong>da</strong> um, na diversi<strong>da</strong>de e na diferença <strong>da</strong>s culturas.<br />
O crime e a <strong>violência</strong>, especialmente, quando sua patologia é de origem social, repre-<br />
sentam o próprio ferimento desses direitos. Isso se dá de modo diverso, em instâncias e pro-<br />
fundi<strong>da</strong>des diversas, por práticas diversas, por autores diversos. Sob esse ângulo <strong>da</strong>s rela-<br />
ções sociais, a socie<strong>da</strong>de produz o crime e a <strong>violência</strong> e, nem sempre os indivíduos que para<br />
isso contribuem, pelo seu modo de viver e de se relacionar com os outros, têm consciência<br />
dessa participação e nem são vistos como infratores <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de.<br />
Essa <strong>violência</strong>, inclusive, pode ser cometi<strong>da</strong> contra os próprios apenados, que as leis<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de já condenaram, em razão do desvio de sua conduta social, ao ferirem os direi-<br />
tos humanos, reconhecidos e garantidos pelas mesmas leis. Uma forma dessa <strong>violência</strong> pode<br />
ser a negação de sua reintegração social por meio de programas de recuperação.<br />
Desse entendimento decorre, na minha opinião, ao mesmo tempo, a base para uma lei<br />
de combate ao crime e a base para um trabalho de reeducação, de ressocialização, de quem<br />
sofreu um desvio de conduta no processo de humanização. A lei e a educação se justificam<br />
pelos mesmos princípios e valores de humanização.<br />
A lei do combate ao crime deve ter como fun<strong>da</strong>mento ético os valores do respeito, <strong>da</strong><br />
soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> cooperação e, como tal, constitui-se em um elemento fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong><br />
ressocialização, <strong>da</strong> reeducação de quem sofreu um desvio de conduta dos valores <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.<br />
Assim, ao mesmo tempo em que se justifica a pena do crime, indica-se o caminho de sua<br />
superação, ain<strong>da</strong> que lento.<br />
O retorno dos caminhos do crime e <strong>da</strong> <strong>violência</strong> não é um processo pe<strong>da</strong>gógico fácil.<br />
Exige muito de todos os envolvidos. É um desafio à capaci<strong>da</strong>de de vivenciar e praticar valo-<br />
res fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia: estimular e apoiar a todos no direito de refazer os caminhos<br />
de suas vi<strong>da</strong>s quando tenham fracassado em sua humani<strong>da</strong>de.<br />
Talvez, hoje, um dos maiores desafios para as políticas de promoção dos direitos humanos<br />
e <strong>da</strong> segurança pública seja o de reconhecer os caminhos sociais do crime, de suas origens, de<br />
sua culpa, seja na aplicação justa dos instrumentos legais de seu combate, seja no encaminha-<br />
mento de um processo pe<strong>da</strong>gógico de sua superação e de recuperação de seus atores.
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
O trabalho de reeducação deve ser dirigido à reconstrução <strong>da</strong>s relações sociais que<br />
produziram o ferimento dos valores do respeito, <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> cooperação. Por isso,<br />
a reeducação não pode ser uma ação isola<strong>da</strong>, apenas junto aos apenados. A educação como<br />
processo de ressocialização deve envolver to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de. Todos somos pe<strong>da</strong>gogos desse<br />
processo de superação que a socie<strong>da</strong>de como um todo precisa construir. Deve ser um proces-<br />
so que a penetre até as origens sociais <strong>da</strong> criminali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> <strong>violência</strong>. Essas <strong>violência</strong>s<br />
podem estar presentes, inclusive, nos espaços sociais <strong>da</strong> cultura, <strong>da</strong> educação, <strong>da</strong> política,<br />
<strong>da</strong> economia, <strong>da</strong> comunicação ou <strong>da</strong> recreação.<br />
A criminali<strong>da</strong>de e a <strong>violência</strong>, em suas formas mais primárias, não respeitam mais<br />
esses espaços sociais. Interiorizam-se sob formas aparentemente inocentes, porém com po-<br />
tencial pe<strong>da</strong>gógico para a <strong>violência</strong> e para o próprio crime. Essa presença pode ocorrer pelo<br />
ferimento ético dessas práticas, seja pelo seu uso social incorreto, pela sua manipulação<br />
interesseira ou pela corrupção em seus mais diferentes estágios.<br />
Exemplos práticos do mau uso desses lugares sociais não são raros. Isso exige, portan-<br />
to, muita qualificação e responsabili<strong>da</strong>de profissional <strong>da</strong>queles que respondem por funções<br />
nesses espaços sociais. Não se pode querer que as estruturas formais de segurança pública<br />
sejam os únicos responsáveis pelo combate ao crime e à <strong>violência</strong> na socie<strong>da</strong>de. Essa é uma<br />
tarefa de todos os ci<strong>da</strong>dãos. 1<br />
Preparar os ci<strong>da</strong>dãos para estas tarefas é um desafio de to<strong>da</strong>s as instituições, haja<br />
vista que a <strong>violência</strong> é quase uma cultura, encontrando-se entranha<strong>da</strong> nas relações sociais.<br />
Este texto pretende colaborar com os esforços de estu<strong>da</strong>r profun<strong>da</strong>mente os elementos societais<br />
que produzem ambientes conflitivos e ações violentas que afetam as relações sociais. Vamos<br />
traçar um panorama dos estudos sobre <strong>violência</strong>, <strong>da</strong> dinâmica desta e <strong>da</strong> conflituali<strong>da</strong>de,<br />
hoje, para fortalecer ações que assegurem nossa digni<strong>da</strong>de.<br />
Nossa abor<strong>da</strong>gem vai tangenciar aspectos que envolvem a regulação, a socialização e<br />
a emancipação concernentes aos fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> organização política para a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, a<br />
organização de espaços apropriados para operacionalização dos instrumentos estatais, a<br />
vali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> legislação, a gestão e ação de atores ou operadores envolvidos diretamente com<br />
grupos sociais em situação de conflitos violentos.<br />
A pluridimensionali<strong>da</strong>de dos fenômenos em estudo nos desafiam a estudá-lo pela li-<br />
nha <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> complexi<strong>da</strong>de, em que se cruzam saberes interdisciplinares, cujos<br />
problemas <strong>da</strong> emancipação humana, <strong>da</strong> paz social e <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s relações sociais têm<br />
alta relevância.<br />
1 Frantz, Walter. Reflexões sobre a origem e o combate à <strong>violência</strong>. 2002. Texto mimeografado usado em aula.<br />
9
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
10<br />
O enfoque <strong>da</strong> <strong>Sociologia</strong> <strong>da</strong> Conflituali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> Violência vem realizando pesquisas<br />
mais autônomas em relação à preocupação com o comportamento desviante considerado<br />
em si mesmo. Em termos amplos, a abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> <strong>violência</strong> pode ser orienta<strong>da</strong> pela crítica<br />
marxista do estrutural-funcionalismo e pela preocupação weberiana com o poder e a domi-<br />
nação em socie<strong>da</strong>des, nas quais se expressa uma multiplici<strong>da</strong>de de interesses conflitantes,<br />
para a ativi<strong>da</strong>de de controle social exerci<strong>da</strong> pelos aparelhos estatais de Justiça e pelos servi-<br />
ços sociais do Estado-providência. Nessa perspectiva, o fun<strong>da</strong>mento e o exercício do con-<br />
trole social passam a se vincular mais diretamente ao problema <strong>da</strong> dominação cultural,<br />
política e econômica de determinados grupos sobre os demais. A reação social ao desvio<br />
evolui, nas socie<strong>da</strong>des modernas, em direção a modos de controle mais formais e mais<br />
institucionalizados (o Direito e as instituições judiciárias estatais), mas também na direção<br />
de técnicas basea<strong>da</strong>s mais na persuasão do que na coerção, com o auxílio dos meios de<br />
comunicação de massa (Azevedo, 2008 ).<br />
Não vamos condicionar nossa abor<strong>da</strong>gem a uma matriz teórica, embora tenhamos a<br />
consciência de que os estudos sobre as conflituali<strong>da</strong>des vêm sendo compostos a partir de<br />
uma abor<strong>da</strong>gem geral que se nutre dos clássicos do pensamento sociológico: em Marx, bus-<br />
ca-se análises sobre o modo de produção do social, as relações de classe, as contradições<br />
estruturais e as análises históricas do conflito social e do papel <strong>da</strong> <strong>violência</strong> na História; em<br />
Weber, retoma-se os textos acerca do poder do Estado – a noção de monopólio legítimo <strong>da</strong><br />
<strong>violência</strong> –, <strong>da</strong> relação entre dominação e legitimação e sobre a burocracia; também foram<br />
úteis as indicações acerca dos conflitos sociais, a gaiola de ferro <strong>da</strong> burocracia; em Durkheim<br />
estu<strong>da</strong>m-se as contribuições sobre a divisão social do trabalho, a relação entre norma e<br />
conflito, o conceito de anomia, o estudo sobre o suicídio e a concepção do crime como fato<br />
social normal; com Elias, discute-se o processo civilizatório e acerca <strong>da</strong> <strong>violência</strong> como prá-<br />
tica social (Tavares dos Santos, 2002).<br />
Em outras palavras, os estudos sobre as conflituali<strong>da</strong>des expressam a postura<br />
epistemológica <strong>da</strong> genealogia do poder-saber, ponto de vista inovador que possibilitou uma<br />
releitura dos clássicos, bem como a incorporação dos conceitos de socie<strong>da</strong>de disciplinar,<br />
dispositivo poder-saber, governabili<strong>da</strong>de e biopolítica. Mais recentemente as interpretações<br />
de Pierre Bourdieu sobre a <strong>violência</strong> simbólica foram importantes para explicar os sentimen-<br />
tos de insegurança e a influência dos meios de comunicação nos fenômenos de <strong>violência</strong>.<br />
No início do século 21 a questão <strong>da</strong>s conflituali<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s formas de <strong>violência</strong>, <strong>da</strong>s<br />
metamorfoses do crime, <strong>da</strong> crise <strong>da</strong>s instituições de controle social e dos conflitos sociais<br />
também tiveram muita relevância, contribuindo com os estudos, configurando-se pela emer-<br />
gência de novas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de ação coletiva, com lutas sociais protagoniza<strong>da</strong>s por outros<br />
agentes sociais e diferentes pautas de reivindicações. Estamos em presença de um social<br />
heterogêneo, no qual nem indivíduos nem grupos parecem reconhecer valores coletivos.
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Esse contexto dá origem a múltiplos arranjos societários, a inúmeras lógicas de condutas.<br />
Predominando tal situação é válido falar em socie<strong>da</strong>de fragmenta<strong>da</strong>, plural, diferencia<strong>da</strong>,<br />
heterogênea. Conformam-se novas questões sociais mundiais, seja porque os processos de<br />
transformação pelos quais vem passando o trabalho afetam sua característica de integração<br />
social, com uma configuração fun<strong>da</strong>mentalmente marca<strong>da</strong> pela fragmentação, seja pela<br />
expansão dos fenômenos <strong>da</strong> <strong>violência</strong> difusa, para cuja explicação poderia ser útil uma<br />
microfísica <strong>da</strong> <strong>violência</strong>. Visualiza-se, niti<strong>da</strong>mente, a construção de um modelo de seguran-<br />
ça do ci<strong>da</strong>dão e <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>dã composto por políticas sociais, por projetos sociais preventivos,<br />
protagonizados pelas administrações públicas, pelo mundo associativo, pelo terceiro setor,<br />
pelas escolas: “trata-se <strong>da</strong> emergência <strong>da</strong> planificação emancipatória no campo <strong>da</strong> segu-<br />
rança, enfatizando a mediação de conflitos e a pacificação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de contemporânea”<br />
(Tavares dos Santos, 2002).<br />
Enfim, o deslocamento do olhar sociológico para a socie<strong>da</strong>de global possibilitou a<br />
passagem para uma sociologia <strong>da</strong>s conflituali<strong>da</strong>des no processo de mundialização. Em suma,<br />
os estudos sobre sociologia <strong>da</strong> conflituali<strong>da</strong>de mostram um vigor investigativo e interpretativo<br />
capaz de nutrir uma forte agen<strong>da</strong> de pesquisas para a <strong>Sociologia</strong>, cuja expressão conceitual<br />
adere ao termo <strong>violência</strong>, crime, agressivi<strong>da</strong>de, desvio, etc.<br />
Este texto é uma proposta de discussão sociológica dessa complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social<br />
atual que se expressa por meio de ações que se embatem contra o próprio homem. Sabemos<br />
que há muitos aspectos que poderiam ser abor<strong>da</strong>dos, mas aqui estaremos dedicados aos<br />
aspectos sociais produtores destas ações. Somente de forma tangente serão abor<strong>da</strong>dos as-<br />
pectos filosóficos, psicológicos, biológicos, físicos, econômicos, históricos, etc.<br />
Apresentaremos inicialmente as abor<strong>da</strong>gens mais teóricas <strong>da</strong> <strong>Sociologia</strong>, as explica-<br />
ções mais macrossociais para a <strong>violência</strong> e a conflituali<strong>da</strong>de. Posteriormente vamos tratar<br />
dos novos contextos de sociabili<strong>da</strong>de que desafiam os mecanismos de controle social e segu-<br />
rança. Por último, trataremos de pesquisas que abor<strong>da</strong>m o impacto <strong>da</strong> <strong>violência</strong> nas convi-<br />
vências e laços sociais, tais como a família, o trabalho, a escola, a juventude, a mídia, a<br />
religião.<br />
11
Uni<strong>da</strong>de Uni<strong>da</strong>de 1<br />
1<br />
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
E DA CONFLITUALIDADE<br />
OBJETIVO DESTA UNIDADE<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
• Estu<strong>da</strong>r a <strong>violência</strong> como objeto de estudo <strong>da</strong>s ciências sociais e a conflituali<strong>da</strong>de como<br />
expressão de vivência em tempos de complexi<strong>da</strong>de social.<br />
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE<br />
Seção 1.1 – Violência Como Fato Social<br />
Seção 1.2 – Violência, Agressivi<strong>da</strong>de e Conflito<br />
Seção 1.1<br />
Violência Como Fato Social<br />
Quando se define os efeitos do poder pela repressão, tem-se uma concepção puramente jurídica<br />
deste mesmo poder; identifica-se o poder a uma lei que diz não. O fun<strong>da</strong>mental seria a força <strong>da</strong><br />
proibição. Ora, creio ser esta uma noção negativa, estreita e esquelética do poder que curiosa-<br />
mente todo mundo aceitou. Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não<br />
ser dizer não, você acredita que seria obedecido? O que faz com que o poder se mantenha e que<br />
seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele<br />
permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo<br />
como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância<br />
negativa que tem por função reprimir (Foucault, 1979).<br />
A <strong>violência</strong> é etimologicamente referencia<strong>da</strong> ao latim violentia, relaciona<strong>da</strong> a vis e<br />
violare, e comporta os significados de força em ação, força física, potência, essência, mas<br />
também de algo que viola, profana, transgride ou destrói. Assim, violentia parece denotar<br />
um vigor ou força que se direciona à transgressão ou destruição de uma ordem <strong>da</strong><strong>da</strong> ou<br />
“natural”. O limite representado por essa ordem, e sua perturbação (pela <strong>violência</strong>), é per-<br />
cebido de forma variável cultural e historicamente (Zaluar, 1999)<br />
13
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
14<br />
Evidentemente que a conceituação de <strong>violência</strong> comporta outras formas, como aque-<br />
las <strong>da</strong><strong>da</strong>s pelo Direito, ou de acordo com a participação dos atores. A disseminação <strong>da</strong> vio-<br />
lência também vem produzindo, para além do desencanto, novas relações de sociabili<strong>da</strong>de e<br />
outras formas de controle social, na esperança de pacificar a socie<strong>da</strong>de, respeitando as dife-<br />
renças, reduzindo as iniqui<strong>da</strong>des e as injustiças e reconhecendo a digni<strong>da</strong>de humana de<br />
todos os ci<strong>da</strong>dãos.<br />
A <strong>Sociologia</strong> é uma ciência que estu<strong>da</strong> as relações sociais produtoras de sociabili<strong>da</strong>-<br />
des humanas. Quando estas relações sociais se tornam tensas e as sociabili<strong>da</strong>des expres-<br />
sam-se de forma agressiva, a ponto de atingir a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s pessoas, é necessário uma<br />
abor<strong>da</strong>gem mais objetiva para entender as dimensões dos fatos sociais ali emergentes. Estes<br />
esforços reflexivos são chamados de <strong>Sociologia</strong> <strong>da</strong> Conflituali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> Violência.<br />
Com certeza não é somente a <strong>Sociologia</strong> que estu<strong>da</strong> os processos de relações sociais<br />
em tensões, mas nos últimos tempos é ela que condensou os principais estudos que estão<br />
servindo para assessorar os debates sobre as causas e as consequências <strong>da</strong> <strong>violência</strong>. A<br />
<strong>Sociologia</strong> vem construindo edifícios conceituais para instituições públicas e priva<strong>da</strong>s pro-<br />
moverem políticas de combate às situações coletivas de conflitos, crimes e <strong>violência</strong>s, princi-<br />
palmente a aderência que os estudos sociológicos possuem nas ativi<strong>da</strong>des de mediação de<br />
conflitos do Judiciário.<br />
A <strong>Sociologia</strong> parte <strong>da</strong> seguinte premissa reflexiva: no tempo atual vive-se no desespero<br />
de entender o homem e, a partir disso, tentar criar formas de convivência razoáveis, dignas e<br />
potencializadoras <strong>da</strong>s lógicas solidárias existentes em ca<strong>da</strong> indivíduo. É esta lógica de ser<br />
sapiens a única capaz de controlar o demens, que é concorrencial, destruidor e ilógico. Pres-<br />
supostos que levam a acreditar que é possível criar estruturas objetivas que protegem as di-<br />
mensões pacíficas e racionais <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> ou, ao menos, de forma mais ampla, se acredita poderem<br />
equilibrar homo sapiens e homo demens pelo fortalecimento <strong>da</strong> cultura humana (Morin, 2002).<br />
Isto pode ser dito, mas é insuficiente para esclarecer os aspectos conflitantes <strong>da</strong>s nos-<br />
sas relações sociais atuais, pois permanecemos seres desconhecidos, embora se viva em uma<br />
época de acúmulo de conhecimentos sobre o homem. Talvez seja porque tais conhecimentos<br />
estão muito separados uns dos outros, necessitando uni-los, ligá-los, articulá-los e organizá-los<br />
para interpretar dialogicamente esses entendimentos do humano, que não se reduzem ao<br />
humano e nem estão sintetizados nos discursos <strong>da</strong>s ciências.<br />
Em um primeiro momento entendemos que a <strong>violência</strong> tem sua origem neste aspecto<br />
social de todo indivíduo, sintetizado na seguinte passagem:<br />
O ser humano é razoável e não é, capaz de prudência e de insensatez, racional e afetivo; sujeito<br />
de afetivi<strong>da</strong>de intensa, sorri, ri, chora, mas sabe também conhecer objetivamente. É um ser<br />
calculador e sério, mas também ansioso, angustiado, embriagado, extático, de gozo; é um ser
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
invadido pelo imaginário e que pode reconhecer o real, que sabe <strong>da</strong> morte, mas não pode aceitá-la,<br />
que destila mito e magia, mas também ciência e filosofia; possuído pelos deuses e pelas idéias,<br />
duvi<strong>da</strong> dos deuses e critica as idéias. Alimenta-se de conhecimentos verificados, mas também de<br />
ilusões e quimeras. Na ruptura dos controles racionais, culturais, materiais, quando há confusão<br />
entre objetivo e o subjetivo, entre o real e o imaginário, hegemonia de ilusões, insensatez, o homo<br />
demens submete homo sapiens e subordina a inteligência racional a serviço dos seus monstros<br />
(Morin, 2002, p. 127).<br />
Diante desta compreensão, com a qual nos congratulamos, partiremos para um esfor-<br />
ço de nos situar no universo social, nas ligações que os indivíduos criam para juntos enfren-<br />
tarem os momentos em que estas duali<strong>da</strong>des (prudência-insensatez, racional-afetivo, riso-<br />
choro, cálculo-gozo, real-imaginário, mitologia-sociologia, deuses-ideias, etc.), estão em fran-<br />
ca tensão.<br />
Diríamos, então, que o descontrole racional-irracional acompanha a história social do<br />
homem, que os potenciais de homo demens e homo sapiens estão sempre juntos, se ancoram<br />
um no outro e, de forma mais objetiva, diremos que a <strong>violência</strong> emergiu quando começou a<br />
dominação do homem pelo homem, as desigual<strong>da</strong>des, a exploração e as classes sociais. A<br />
<strong>violência</strong> evidencia o descontrole humano e sua natureza agressiva que, muitas vezes, é<br />
parte do esforço <strong>da</strong> lógica integradora dos sujeitos, produtora de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de.<br />
Ou seja, o ser humano é solidário e procura constantemente a integração com os<br />
outros para poder diminuir sua dependência e sobreviver. Na medi<strong>da</strong> em que evolui seu<br />
aprendizado, que vai se aculturando, apropriando-se dos bens <strong>da</strong> natureza e lutando para<br />
mantê-los, etc., é que começam a aparecer interesses divergentes, estranhamentos, descon-<br />
fianças e ansie<strong>da</strong>des que levam a agressões violentas.<br />
Ameaçado em algumas de suas dimensões humanas/sociais o indivíduo reage, seja<br />
pela ameaça <strong>da</strong> ordem social ou por algo que o atinge em sua formação interpessoal, em que<br />
há o reconhecimento, a dignificação, a identificação territorial, étnica, familiar, religiosa.<br />
Os estudos sociológicos, nos últimos tempos, têm abor<strong>da</strong>do o problema <strong>da</strong> <strong>violência</strong><br />
não mais a partir <strong>da</strong> ordem, <strong>da</strong> lei, mas <strong>da</strong> relação interpessoal em que um indivíduo se<br />
sente reconhecido ou negado, em vez de definir o sujeito violento como dessocializado,<br />
selvagem. Com isto parte-se do pressuposto de que a ordem de nossas socie<strong>da</strong>des não pode<br />
ser obti<strong>da</strong> pelo reforço <strong>da</strong>s regras e dos comportamentos conformes com elas.<br />
A integração somente será possível se o indivíduo, sua vi<strong>da</strong> e sua palavra, estiverem<br />
no centro <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> coletiva: se o indivíduo puder falar, se for ouvido e entendido (Touraine,<br />
1998, p. 314). Veja bem, não estamos recuando, nos tornando mais selvagens, nem mais<br />
afastados <strong>da</strong>s leis. Não é isso. É que a <strong>violência</strong> característica <strong>da</strong>s nossas socie<strong>da</strong>des deixou<br />
de ser institucionaliza<strong>da</strong> para ser extremamente individualiza<strong>da</strong>:<br />
15
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
16<br />
Nossas socie<strong>da</strong>des de tipo ocidental se mostram ao mesmo tempo relativamente tolerantes no<br />
plano institucional e duras, violentas, no plano dos comportamentos individuais. É o que sem-<br />
pre aconteceu nos EUA, país <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de e do respeito à Constituição, mas também país <strong>da</strong><br />
conquista violenta do Oeste, <strong>da</strong> segregação que atinge os negros e de uma forma brutal de<br />
repressão judiciária e policial... A <strong>violência</strong> é tão central em nossas socie<strong>da</strong>des como o era a<br />
<strong>violência</strong> coletiva nas socie<strong>da</strong>des <strong>da</strong> alta e média moderni<strong>da</strong>des... Hoje, as formas de desinte-<br />
gração que nos parecem mais graves são aquelas que não deixam o indivíduo agir como sujei-<br />
to, que desintegram a sua personali<strong>da</strong>de, que o impedem de ligar seu passado e seu futuro, sua<br />
história pessoal e uma situação coletiva, e o tornam prisioneiro <strong>da</strong> dependência (Touraine,<br />
1998, p. 315).<br />
Para Touraine, o indivíduo desintegrado está sujeito a cometer ações que se voltam<br />
contra ele e atingem o outro, que o complementa e reconhece.<br />
A decomposição <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, considera<strong>da</strong> como um organismo no qual ca<strong>da</strong> elemen-<br />
to cumpre uma função, que elabora suas metas e os meios necessários para atingi-las, que<br />
socializa seus novos membros e pune os que não respeitam as normas, leva, em nosso tipo<br />
de socie<strong>da</strong>de, a um individualismo que se opõe à aplicação <strong>da</strong>s regras <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> coletiva e as<br />
substitui pelas leis do mercado, onde se manifestam preferências múltiplas, inconstantes,<br />
mas influencia<strong>da</strong>s pela publici<strong>da</strong>de comercial tanto quanto pelas políticas públicas (Touraine,<br />
1998).<br />
Poderíamos falar com certeza em uma cultura de <strong>violência</strong>, <strong>da</strong>do ao fato que ela se<br />
espalha por todo o horizonte social e está muito presente nos mínimos espaços de relações<br />
simples e condutas cotidianas. Depois que a produção em massa, após o predomínio <strong>da</strong><br />
fabricação industrial penetrou os domínios do consumo e <strong>da</strong> comunicação, e depois que as<br />
fronteiras e as tradições foram invadi<strong>da</strong>s pela distribuição dos mesmos bens e serviços no<br />
mundo inteiro, grandes áreas de nossas condutas, que imaginávamos protegi<strong>da</strong>s por sua<br />
inscrição na esfera priva<strong>da</strong>, encontram-se expostas à cultura de massa e, por isso mesmo,<br />
ameaça<strong>da</strong>s.<br />
É aqui que ocorre a ligação entre a ampliação e a transformação <strong>da</strong>s coações exerci<strong>da</strong>s<br />
pelos valores, normas e formas de organização, unificação e individualização <strong>da</strong> pessoa,<br />
que não apenas resiste às coações externas, mas sobretudo se substitui a todo princípio<br />
transcendente e se afirma como a meta de sua luta e ao mesmo tempo aquilo que lhe dá<br />
força. Não se assiste a um deslocamento dos campos de conflito, mas a sua integração até o<br />
momento em que é em nome do próprio eu, e não de lutas particulares, que os diversos<br />
movimentos sociais se combinam e se integram uns nos outros, até empenhar-se consciente-<br />
mente numa luta central entre exigências sociais e culturais, de um lado, e, de outro, forças<br />
que podemos chamar de naturais, ou seja, não sociais, como a <strong>violência</strong>, a guerra, os movi-<br />
mentos do mercado etc. A socie<strong>da</strong>de chegou ao caos (Caosmos), no qual se precipitam a<br />
<strong>violência</strong>, a guerra, o fascismo societal, a dominação dos mercados (Sousa Santos, 2004).
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
A penetração de uma dominação múltipla no indivíduo, em suas categorias de ação,<br />
na consciência de seu corpo, etc., corresponde à afirmação do sujeito. As duas tendências<br />
estão interliga<strong>da</strong>s, embora permanecendo opostas uma à outra. Quando separamos a ideia<br />
do sujeito <strong>da</strong>s referências constantes aos conflitos sociais e políticos, o sujeito enfraquece e<br />
corre o risco de se tornar moralizador. A abor<strong>da</strong>gem proposta por M. Foucault em Vigiar e<br />
Punir deve ser completa<strong>da</strong> pela ideia de resistência, que não pode apoiar-se senão na cons-<br />
ciência de si mesmo como sujeito e não deve esquecer jamais a existência destes conflitos.<br />
Aquilo que ca<strong>da</strong> um de nós exige e, sobretudo, os mais dominados e os mais desprotegidos,<br />
é ser respeitado, não ser humilhado e até, exigência mais ousa<strong>da</strong>, ser escutado – e mesmo<br />
ouvido e entendido (Touraine, 1998).<br />
O mundo já assimilou a ideia <strong>da</strong> globalização e não tem mais como voltar atrás, mas<br />
o indivíduo, por si só, poderá resistir à <strong>violência</strong> e encontrar um “sentido” que não é possível<br />
encontrar nas instituições sociais e políticas.<br />
Ca<strong>da</strong> indivíduo descobre em si mesmo, na defesa de sua própria liber<strong>da</strong>de, sua capaci-<br />
<strong>da</strong>de de agir de maneira autorreferencial na busca <strong>da</strong> felici<strong>da</strong>de. A ordem religiosa foi ocu-<br />
pa<strong>da</strong> pela ordem política, que concentra todos os recursos nas mãos de uma “elite” que<br />
coman<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> pública (pelo emprego <strong>da</strong> força e <strong>da</strong> razão), em que foram definidos como<br />
inferiores o trabalho manual, o corpo, o sentimento, o consumo imediato, a vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong>, o<br />
mundo feminino e o <strong>da</strong>s crianças. Surgem, a partir destas definições, tensões e conflitos e a<br />
luta de classes (lutas sociais).<br />
A destruição <strong>da</strong> ideia de socie<strong>da</strong>de só pode nos salvar de uma catástrofe se ela levar à<br />
construção <strong>da</strong> ideia de sujeito, à busca de uma ação que não procura nem o lucro, nem o<br />
poder nem a glória, mas que afirma a digni<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> ser humano e o respeito que ele<br />
merece, capaz de impedir que nossas socie<strong>da</strong>des caiam numa extenuante concorrência ge-<br />
neraliza<strong>da</strong>.<br />
Atualmente o sujeito é aquele que tem consciência do direito de dizer eu, mas o sujei-<br />
to em formação não pode se perder em falsos caminhos (obstáculos), que são reforçados<br />
pelos valores dominantes que tendem a assinalar a ca<strong>da</strong> um seu lugar e a integrá-lo no<br />
sistema social sobre o qual não pode exercer influência.<br />
Quanto mais a vi<strong>da</strong> passou a depender de nós mesmos, mais tomamos consciência de<br />
todos os aspectos de nossa experiência. Nós só nos tornamos plenamente sujeitos quando<br />
aceitamos como nosso ideal nos reconhecer como seres individuais, que defendem e cons-<br />
troem sua singulari<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>ndo, por nossos atos de resistência, um sentido a nossa exis-<br />
tência. A história do sujeito é a <strong>da</strong> reivindicação de direitos ca<strong>da</strong> vez mais concretos, que<br />
protegem particulari<strong>da</strong>des culturais ca<strong>da</strong> vez menos gera<strong>da</strong>s pela ação coletiva voluntária e<br />
por instituições criadoras de pertencimento e de dever (Touraine, 1998 ).<br />
17
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
18<br />
A <strong>violência</strong> manifesta-se hoje como uma cultura do tempo, domina e arrasta a família<br />
para uma situação de caos. Há muitas ações novas que procuram verificar as causas e o agir<br />
para frear esta avalanche que atinge a socie<strong>da</strong>de. To<strong>da</strong> a <strong>violência</strong> é circular e surge <strong>da</strong> explo-<br />
são dos mecanismos que controlam os elementos agressivos <strong>da</strong> <strong>violência</strong> humana. Geralmen-<br />
te a <strong>violência</strong> é mais expressiva nas pessoas que perderam a esperança, já estão sem causa<br />
objetiva, sem razão histórica e são como representantes <strong>da</strong> miséria do mundo, que zombam <strong>da</strong><br />
tentativa <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des de querer impor a ordem sem atacar o que causa a desordem.<br />
Outros estudos tratam as <strong>violência</strong>s conecta<strong>da</strong>s aos temas <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des sociais,<br />
<strong>da</strong>s relações de direitos e deveres dos ci<strong>da</strong>dãos, <strong>da</strong> educação e socialização dos indivíduos.<br />
Muitas pesquisas concluem que a erradicação <strong>da</strong> pobreza e a redução <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des<br />
sociais, produtoras de ansie<strong>da</strong>des em relação ao presente e futuro <strong>da</strong>s pessoas, são o antído-<br />
to para a <strong>violência</strong> social. Ao estar na miséria se tem mais possibili<strong>da</strong>des de confluências<br />
destas ansie<strong>da</strong>des, gerando múltiplas vulnerabili<strong>da</strong>des, estranhamentos e ações<br />
desintegradoras dos laços sociais.<br />
Por outro lado, os mecanismos e os processos criados para a ordenação social mos-<br />
tram-se impotentes para cumprir suas próprias funções, tanto por que não controlam as<br />
determinações maiores que causam esta situação, quanto por não estarem preparados para<br />
criar saí<strong>da</strong>s democráticas e racionais diante <strong>da</strong> nova complexi<strong>da</strong>de social. Grande parte <strong>da</strong><br />
fragili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> atuação na área de conflitos, no entanto, está relaciona<strong>da</strong> à falta de políticas<br />
específicas que garantam espaços e infraestruturas adequa<strong>da</strong>s ao trato dos problemas.<br />
As diferentes formas de <strong>violência</strong> presentes em ca<strong>da</strong> um dos conjuntos relacionais que<br />
estruturam o social podem ser explica<strong>da</strong>s se compreendermos a <strong>violência</strong> como um ato de<br />
excesso, qualitativamente distinto, que se verifica no exercício do poder presente nas rela-<br />
ções sociais de produção do social.<br />
A ideia de força, ou de coerção, supõe um <strong>da</strong>no que se produz em outro indivíduo ou<br />
grupo social, seja pertencente a uma classe ou categoria social, a um gênero ou a uma<br />
etnia, a um grupo etário ou cultural. Força, coerção e <strong>da</strong>no, em relação ao outro, enquanto<br />
um ato de excesso presente nas relações de poder – tanto nas estratégias de dominação do<br />
poder soberano quanto nas redes de micropoder entre os grupos sociais – caracterizam a<br />
<strong>violência</strong> social contemporânea (Tavares dos Santos, 2002).<br />
Estudos têm revelado que a maioria dos conflitos existentes não necessitariam chegar<br />
à alça<strong>da</strong> do jurídico, ou mesmo estando neste espaço, poderiam ser tratados com estratégia<br />
de informalização, desregulamentação <strong>da</strong> Justiça ou democratização do Direito, em que as<br />
intervenções podem ser vistas como mediação, criando as condições de diálogo entre os<br />
sujeitos conflitantes, de forma a expressarem seus interesses, procurando entendimento para<br />
chegar a uma conclusão ou decisão mais universal.
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Muitas iniciativas para diminuir a <strong>violência</strong> partem do interior <strong>da</strong> própria ordem jurí-<br />
dico-estatal; outras surgem <strong>da</strong>s iniciativas <strong>da</strong>s políticas públicas do Estado e outras, ain<strong>da</strong>,<br />
de organizações <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil. Persistem muitas dúvi<strong>da</strong>s, no entanto, sobre a legitimi-<br />
<strong>da</strong>de, a efetivi<strong>da</strong>de, o justo e o legal, os critérios aplicáveis, a natureza alternativa <strong>da</strong>s san-<br />
ções e <strong>da</strong> justiça informal diante dos papéis do Estado e <strong>da</strong>s relações entre Estado e socie<strong>da</strong>-<br />
de. Isto destaca a necessi<strong>da</strong>de de um conjunto de estruturas pe<strong>da</strong>gógicas libertárias para se<br />
criar condições de ter compreensões interdisciplinares que devem estar presentes em sujei-<br />
tos que congregam responsabili<strong>da</strong>des para atuar com situações <strong>violência</strong>s.<br />
Porto (2006, p. 266) afirma: “To<strong>da</strong> vez que a integri<strong>da</strong>de física fosse atingi<strong>da</strong> poder-se-<br />
ia assumir que se está em presença de um ato violento”. A autora busca definir um caminho<br />
teórico para os estudos sociológicos sobre a <strong>violência</strong> por intermédio <strong>da</strong> utilização <strong>da</strong> Sociolo-<br />
gia compreensiva de Weber e <strong>da</strong>s representações sociais como forma de conhecer as crenças<br />
e valores envolvidos nos fatos violentos, considerando assim também a subjetivi<strong>da</strong>de dos<br />
atores e a compreensão que estes têm desses fatos.<br />
Além disso, a técnica busca<strong>da</strong> por Porto é capaz de mapear também manifestações<br />
implícitas <strong>da</strong> <strong>violência</strong> que poderiam passar despercebi<strong>da</strong>s caso o sociólogo se propusesse a<br />
mapear somente determinados tipos de <strong>violência</strong> de forma objetiva, o que poderia mascarar<br />
a reali<strong>da</strong>de, pois de acordo com Wieviorka:<br />
[...] a <strong>violência</strong> jamais é redutível à imagem <strong>da</strong> pura subjetivi<strong>da</strong>de simplesmente porque o que é<br />
percebido ou concebido como violento varia no tempo e no espaço [...]. Mas, por outro lado, a<br />
<strong>violência</strong> não pode ser redutível aos afetos, às representações e às normas que dela propõem tal<br />
grupo ou tal socie<strong>da</strong>de [...] (1997).<br />
Lembramos que é necessário fazer a distinção entre <strong>violência</strong> e crime. A <strong>violência</strong> é um<br />
fato social muitas vezes empregado como forma de representar as forças legais instituí<strong>da</strong>s<br />
(conforme a concepção weberiana de Estado detentor <strong>da</strong> coerção física) e o crime, a trans-<br />
gressão <strong>da</strong>s normas legais constituintes destas forças. Acrescente-se que nos pontos onde a<br />
lei não representa realmente os anseios <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de Durkheim afirma que “às vezes o cri-<br />
minoso seria um precursor <strong>da</strong> moral por vir” (Filho; Machado, 2005, p. 20).<br />
Esta última visão do crime e <strong>violência</strong>, em que os fins justificariam os meios, é seme-<br />
lhante à utiliza<strong>da</strong> pelas organizações que buscavam instaurar repúblicas socialistas por<br />
meio <strong>da</strong> revolução proletária, uma utilização <strong>da</strong> <strong>violência</strong> que tinha por objetivo acabar<br />
com o Estado burguês, que por ser calcado no capitalismo era incapaz de representar por<br />
igual to<strong>da</strong>s as parcelas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, gerando a desigual<strong>da</strong>de e a <strong>violência</strong>. Desta forma, o<br />
fim desse Estado representaria também o fim <strong>da</strong> <strong>violência</strong>.<br />
19
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
20<br />
Este emprego <strong>da</strong> <strong>violência</strong> estatal, assim como outros característicos de determina<strong>da</strong>s<br />
épocas históricas, de acordo com Wieviorka (1997), tornou-se anacrônico, incapaz de ser<br />
justificado nos novos tempos do capitalismo globalizado, em que as relações trabalhistas<br />
são atravessa<strong>da</strong>s pelas regras do mercado, distanciando as classes sociais.<br />
Segundo este autor, a <strong>violência</strong> atualmente apresenta-se predominantemente na forma<br />
infrapolítica, que se rebela contra a situação vigente mas não apresenta alternativa real a ela,<br />
e a <strong>violência</strong> metapolítica, fruto <strong>da</strong>s frustrações <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, atravessa<strong>da</strong> por reivindica-<br />
ções culturais, religiosas, econômicas e identitárias, com este cruzamento de diferentes cam-<br />
pos socioculturais constituindo a principal característica <strong>da</strong>s manifestações violentas na atu-<br />
ali<strong>da</strong>de, o que dificulta tanto a sua identificação para tratamento sociológico quanto a iden-<br />
tificação dos próprios atores sociais quanto à suas reivindicações. Afirma o autor:<br />
Retomando a exposição anterior, pode-se dizer, perfilando Dahrendorf, que o crescimento <strong>da</strong><br />
criminali<strong>da</strong>de e o suposto aumento <strong>da</strong> impuni<strong>da</strong>de resultam na erosão <strong>da</strong> lei e <strong>da</strong> ordem nas<br />
socie<strong>da</strong>des contemporâneas. O Estado aparece como incapaz de cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> segurança dos ci<strong>da</strong>-<br />
dãos e de proteger seus bens, materiais e simbólicos. No cerne <strong>da</strong> “deman<strong>da</strong> por ordem” aloja-se<br />
não apenas o sentimento de que o passado se perdeu inexoravelmente pela avalanche do “pro-<br />
gresso” histórico, sentimento simbolizado nas imagens de pânico moral proporcionados pela<br />
concentração urbana, pela “crise” <strong>da</strong> família, pela irrupção <strong>da</strong>s multidões na arena política. A<br />
per<strong>da</strong> é senti<strong>da</strong> como ausência de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, de esgarçamento dos vínculos morais que<br />
conectam indivíduos às instituições, ausência sacramenta<strong>da</strong> pelo definhamento <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de.<br />
Tudo se passa como se os interesses egoístas suplantassem o bem comum. Seu sintoma, a explo-<br />
são de litigiosi<strong>da</strong>de entre o indivíduo e a socie<strong>da</strong>de, tão bem descrita por Durkheim em inúmeras<br />
de suas obras, resultaria na desobediência civil, na per<strong>da</strong> desse sentimento segundo o qual “agir<br />
bem é obedecer bem” (Wieviorka, 1997, p. 32).<br />
Ao mesmo tempo, o autor adverte para se pensar na <strong>violência</strong> atual: “nas socie<strong>da</strong>des<br />
contemporâneas não há mais espaço para pensar conflitos numa versão liberal”. Ou seja, o<br />
autor parte do pressuposto de que todos sabem que a concepção liberal privatiza tudo, in-<br />
clusive os conflitos. Ora, os conflitos são sociais:<br />
Os conflitos são vistos como conflitos entre indivíduos entre si, entre indivíduos e socie<strong>da</strong>de, entre<br />
indivíduos e Estado. Não é sem motivos que a problemática do crime e <strong>da</strong> punição tenha ocupado<br />
tanta atenção dos sociólogos liberais. No registro liberal, essa problemática diz respeito ao con-<br />
fronto entre a consciência coletiva (consciência de um imperativo categórico, a sanção) e a cons-<br />
ciência individual, materializa<strong>da</strong> em torno <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de penal do criminoso. Dificilmente,<br />
fatos contemporâneos como racismo, genocídio, exclusão, narcotráfico configuram mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des<br />
de conflito e litigiosi<strong>da</strong>de enquadráveis nos estreitos limites ditados pela visão liberal. Portanto, é<br />
preciso pensar esses fatos tendo por eixo não o indivíduo, porém coletivos (p. 34).<br />
Acredita o autor que é preciso, por exemplo, retirar a criminali<strong>da</strong>de do confinamento e<br />
problematizar a deman<strong>da</strong> por ordem do ci<strong>da</strong>dão comum, as autori<strong>da</strong>des, na mídia e nos<br />
debates acadêmicos: “Nas acres crônicas <strong>da</strong> insegurança e do medo do crime, nos fatos e
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
acontecimentos que sugerem a fragili<strong>da</strong>de do Estado em velar pela segurança dos ci<strong>da</strong>dãos<br />
e proteger-lhes os bens, materiais e simbólicos”. Nos cenários e horizontes reveladores dos<br />
confrontos entre defensores e opositores dos direitos humanos, mesmo para aqueles encar-<br />
cerados, julgados e condenados pela Justiça criminal, tudo converge para um único e mes-<br />
mo propósito: o de punir mais, com maior eficiência e maior exemplari<strong>da</strong>de. Trata-se de<br />
propósito que se espelha em não poucas deman<strong>da</strong>s: maior policiamento nas ruas e nos lo-<br />
cais de concentração populacional, sobretudo as habitações populares, considera<strong>da</strong>s celei-<br />
ro do crime e de criminosos; polícia menos tolerante com os criminosos; Justiça criminal<br />
menos condescendente com os “direitos” dos bandidos e mais rigorosa na distribuição de<br />
sanções penais; recolhimento de todos os condenados às prisões, que devem se transformar<br />
em meios exemplares de punição e disciplina. Com nuances entre os mais radicais, que<br />
advogam pena de morte e imposição de castigos físicos aos delinquentes, e os mais “libe-<br />
rais”, que pretendem o aperfeiçoamento dos instrumentos legais de contenção repressiva<br />
dos crimes, todos gravitam em torno de um imperativo categórico: o obsessivo desejo de<br />
punir (Wieviorka, 1997).<br />
Wiewiorka (1997) termina sua reflexão lançando uma hipótese explicativa para uma<br />
questão anteriormente formula<strong>da</strong>: pode ser que a obsessão punitiva de nossa socie<strong>da</strong>de<br />
contemporânea, materializa<strong>da</strong> nas chama<strong>da</strong>s “deman<strong>da</strong>s por ordem social”, explique-se<br />
justamente pelo modo de funcionamento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de de risco que edifica to<strong>da</strong> uma imensa<br />
e resistente superestrutura de prevenção e segurança (pela proliferação <strong>da</strong>s organizações de<br />
seguro e dos mecanismos de vigilância priva<strong>da</strong>) para enfrentar os medos, perigos e ameaças<br />
que tornam a vi<strong>da</strong> humana, social e intersubjetiva, absolutamente incerta. Daí porque, no<br />
bojo de fenômenos aparentemente tão diferentes e distanciados no tempo e no espaço, como<br />
as catástrofes, as epidemias, os acidentes, o desemprego crônico, os extremismos políticos,<br />
os crimes, encontre-se um mesmo e único problema: uma profun<strong>da</strong> crise de racionali<strong>da</strong>de<br />
que atravessa a socie<strong>da</strong>de contemporânea de alto a baixo e que coloca sob suspeição to<strong>da</strong>s<br />
as apostas nas virtudes do progresso técnico, <strong>da</strong> modernização e do bem-estar proporciona-<br />
do pela socie<strong>da</strong>de industrial (p. 38).<br />
Já Wacquant, ao se referir ao pensamento liberal e suas propostas de resolver a violên-<br />
cia, é mais radical:<br />
A penali<strong>da</strong>de neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um “mais Esta-<br />
do” policial e penitenciário o “menos Estado” econômico e social que é a própria causa <strong>da</strong><br />
escala<strong>da</strong> generaliza<strong>da</strong> <strong>da</strong> insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro<br />
como do Segundo Mundo. Ela reafirma a onipotência do Leviatã no domínio restrito <strong>da</strong> manu-<br />
tenção <strong>da</strong> ordem pública – simboliza<strong>da</strong> pela luta contra a delinqüência de rua – no momento em<br />
que este afirma-se e verifica-se incapaz de conter a decomposição do trabalho assalariado e de<br />
refrear a hipermobili<strong>da</strong>de do capital, as quais, capturando-a como tenazes, desestabilizam a<br />
socie<strong>da</strong>de inteira. E isso não é uma simples coincidência: é justamente porque as elites do Esta-<br />
21
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
22<br />
do, tendo se convertido à ideologia do mercado-total vin<strong>da</strong> dos Estados Unidos, diminuem suas<br />
prerrogativas na frente econômica e social que é preciso aumentar e reforçar suas missões em<br />
matéria de “segurança”, subitamente relega<strong>da</strong> à mera dimensão criminal. No entanto, e sobretu-<br />
do, a penali<strong>da</strong>de neoliberal ain<strong>da</strong> é mais sedutora e mais funesta quando aplica<strong>da</strong> em países ao<br />
mesmo tempo atingidos por fortes desigual<strong>da</strong>des de condições e de oportuni<strong>da</strong>des de vi<strong>da</strong> e<br />
desprovidos de tradição democrática e de instituições capazes de amortecer os choques causados<br />
pela mutação do trabalho e do indivíduo no limiar do novo século (2001, p. 7).<br />
Conforme este autor, em vez do tratamento social <strong>da</strong> miséria tem-se o tratamento pe-<br />
nal. Aumentam ain<strong>da</strong> mais as expressões de condenação <strong>da</strong> <strong>violência</strong> em períodos eleito-<br />
rais, pois se usa largamente estes discursos na máquina midiática fora de controle. 1<br />
Na ver<strong>da</strong>de, embora as políticas sociais atenuem as ansie<strong>da</strong>des sociais, elas continuam<br />
a provocar situações de cultura de <strong>violência</strong>. Destacamos as ideias que permeiam as conclu-<br />
sões de Wacquant sobre esta questão: mais Estado policial e menos Estado econômico e<br />
social; Leviatã para a ordem pública e incapaz de conter a decomposição do trabalho assa-<br />
lariado, frear a hipermobili<strong>da</strong>de do capital; conversão do Estado à ideologia-mercado vin<strong>da</strong><br />
dos EUA; relegam a segurança à dimensão criminal; é mais perversa em países com institui-<br />
ções democráticas fracas; pânicos orquestrados <strong>da</strong>s máquinas midiáticas: propagam o crime<br />
e o medo do crime; <strong>violência</strong> criminal como flagelo nas grandes ci<strong>da</strong>des; difusão de armas de<br />
fogo; economia estrutura<strong>da</strong> <strong>da</strong> droga liga<strong>da</strong> ao tráfico internacional; ausência de rede de<br />
proteção social; capitalismo de pilhagem de rua; realização dos códigos de honra masculi-<br />
no; falta de efeito <strong>da</strong> repressão policial; economia de pre<strong>da</strong>ção onde a economia oficial não<br />
se instalou.<br />
No Brasil a insegurança é agrava<strong>da</strong> pela intervenção <strong>da</strong>s forças <strong>da</strong> ordem: clima de<br />
terror para as classes populares; banalização <strong>da</strong> brutali<strong>da</strong>de, desconfiam <strong>da</strong> lei e do poder<br />
legal; tornam visível o problema <strong>da</strong> dominação racial pela hierarquia de classes e estratificação<br />
etnorracial na aplicação <strong>da</strong>s penas e na vigilância; soluções priva<strong>da</strong>s para o problema <strong>da</strong><br />
insegurança; inexistência de Estado de Direito (como tal). No Brasil ain<strong>da</strong> percebe-se res-<br />
quícios <strong>da</strong> ditadura militar na organização do Estado: autoritarismo e bandi<strong>da</strong>gem.<br />
1 Wacquant destaca o avanço <strong>da</strong> cultura de punição para diversos países nos últimos tempos: “um conjunto de razões liga<strong>da</strong>s à sua<br />
história e sua posição subordina<strong>da</strong> na estrutura <strong>da</strong>s relações econômicas internacionais (estrutura de dominação que mascara a<br />
categoria falsamente ecumênica de “globalização”), e a despeito do enriquecimento coletivo <strong>da</strong>s déca<strong>da</strong>s de industrialização, a<br />
socie<strong>da</strong>de brasileira continua caracteriza<strong>da</strong> pelas dispari<strong>da</strong>des sociais vertiginosas e pela pobreza de massa que, ao se combinarem,<br />
alimentam o crescimento inexorável <strong>da</strong> <strong>violência</strong> criminal, transforma<strong>da</strong> em principal flagelo <strong>da</strong>s grandes ci<strong>da</strong>des. Assim, a partir<br />
de 1989, a morte violenta é a principal causa de mortali<strong>da</strong>de no país, com o índice de homicídios no Rio de Janeiro, em São Paulo<br />
e Recife atingindo 40 para ca<strong>da</strong> 100.000 habitantes, ao passo que índice nacional supera 20 para ca<strong>da</strong> 100.000 (ou seja, duas vezes<br />
o índice norte-americano do início dos anos 90 e 20 vezes o nível dos países <strong>da</strong> Europa ocidental). A difusão <strong>da</strong>s armas de fogo e o<br />
desenvolvimento fulminante de uma economia estrutura<strong>da</strong> <strong>da</strong> droga liga<strong>da</strong> ao tráfico internacional, que mistura o crime organizado<br />
e a polícia, acabaram por propagar o crime e o medo do crime por to<strong>da</strong> a parte no espaço público. Na ausência de qualquer rede<br />
de proteção social, é certo que a juventude dos bairros populares esmagados pelo peso do desemprego e do subemprego crônicos<br />
continuará a buscar no “capitalismo de pilhagem” <strong>da</strong> rua (como diria Max Weber) os meios de sobreviver e realizar os valores do<br />
código de honra masculino, já que não consegue escapar <strong>da</strong> miséria no cotidiano. O crescimento espetacular <strong>da</strong> repressão policial<br />
nesses últimos anos permaneceu sem efeito, pois a repressão não tem influência alguma sobre os motores dessa criminali<strong>da</strong>de que<br />
visa criar uma economia pela pre<strong>da</strong>ção ali onde a economia oficial não existe ou não existe mais” (Wacquant, 2001).
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Estaríamos, ao menos na déca<strong>da</strong> de 80, analisa<strong>da</strong> pelo autor, entrando mais profun-<br />
<strong>da</strong>mente neste tratamento penal para responder às desordens sociais resultantes <strong>da</strong>:<br />
desregulamentação <strong>da</strong> economia; dessocialização do trabalho assalariado, pauperização<br />
relativa e absoluta do proletariado com aparelho policial e judiciário. Em vez disso, devería-<br />
mos ter o tratamento social, que significa: aumento do estado social, instituições públicas<br />
respondendo a uma política penalógica; combate às causas <strong>da</strong> criminalização; melhores<br />
condições de vi<strong>da</strong> ao fazer valer os direitos fun<strong>da</strong>mentais: alimento, habitação, saúde, edu-<br />
cação e trabalho. Não há proporção comparável entre nível de crime e nível de<br />
encarceramento.<br />
Especialmente nos Estados Unidos (reflexo do chamado capitalismo desenvolvido),<br />
na déca<strong>da</strong> de 80, cresceu verticalmente a população carcerária, como consequência <strong>da</strong><br />
“flexibilização” que, no fundo, significa: a diminuição dos gastos sociais; erradicação do<br />
sindicatos; diminuição nas regras de contratação e de demissão; trabalho assalariado fle-<br />
xível; fim do emprego e trabalho para os beneficiários de aju<strong>da</strong> social; aumento <strong>da</strong> con-<br />
centração <strong>da</strong> riqueza a privilegiados; desigual<strong>da</strong>de dos salários; aumento <strong>da</strong> rede policial<br />
e pena: alcança amplamente pequenos delinquentes, não perigosos e violentos,<br />
subproletariados de cor que buscam a sobrevivência no mercado informal, nas drogas e<br />
perturbam a ordem pública (de ca<strong>da</strong> 10 presos 6 são negros ou latinos, pobres e desempre-<br />
gados); aumento de prisões e gastos com técnicas de combate e de repressão (mais do que<br />
com programas de aju<strong>da</strong> aos pobres). O autor mostra que nos EUA as técnicas para dimi-<br />
nuir o custo prisional incidem sobre repartir com o setor privado: mercado <strong>da</strong> carceragem.<br />
Teriam quatro técnicas: diminuir o nível de vi<strong>da</strong> nas prisões; inovação tecnológica; trans-<br />
ferir os custos para os familiares dos presos; introduzir trabalho desqualificado dentro <strong>da</strong>s<br />
prisões (Wacquant, 2001).<br />
Para Tavares dos Santos, o aumento dos processos estruturais de exclusão social pode<br />
vir a gerar a expansão <strong>da</strong>s práticas de <strong>violência</strong> como norma social particular, vigente em<br />
vários grupos sociais enquanto estratégia de resolução de conflitos, ou meio de aquisição de<br />
bens materiais e de obtenção de prestígio social, significados esses presentes em múltiplas<br />
dimensões <strong>da</strong> <strong>violência</strong> social e política contemporânea. Aumentou também a <strong>violência</strong> cri-<br />
minal urbana, seja pelas ações do crime organizado, em especial o tráfico de drogas e o<br />
comércio ilegal de armas, seja pela difusão do uso de armas de fogo, ambos provocando uma<br />
maior letali<strong>da</strong>de nos atos delitivos. O autor interpreta como uma <strong>violência</strong> de pobres contra<br />
pobres, pela qual se identifica uma vitimização dos pobres. Ao mesmo tempo está ocorrendo<br />
uma alteração nos autores de delitos, ou seja, nos grupos ligados a práticas ilegais, em<br />
especial o roubo, que apresentam como aspecto notório a contingência e a espontanei<strong>da</strong>de,<br />
em suma, a desprofissionalização <strong>da</strong>s práticas delitivas (1999b).<br />
23
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
24<br />
Na socie<strong>da</strong>de brasileira houve a disseminação <strong>da</strong> <strong>violência</strong> criminal, com uma mu<strong>da</strong>n-<br />
ça <strong>da</strong>s formas de delitos e de <strong>violência</strong>: a) o crescimento <strong>da</strong> delinquência urbana, em especial<br />
dos crimes contra o patrimônio (roubo, extorsão mediante sequestro) e de homicídios dolosos<br />
(voluntários); b) a emergência <strong>da</strong> criminali<strong>da</strong>de organiza<strong>da</strong>, em particular em torno do trá-<br />
fico internacional de drogas que modifica os modelos e perfis convencionais <strong>da</strong> delinquência<br />
urbana e propõe problemas novos para o direito penal e para o funcionamento <strong>da</strong> justiça<br />
criminal; c) graves violações de direitos humanos que comprometem a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> or-<br />
dem política democrática; d) a explosão de conflitos nas relações intersubjetivas, mais pro-<br />
priamente conflitos de vizinhança que tendem a convergir para desfechos fatais (Adorno,<br />
1999).<br />
Partindo <strong>da</strong> visão de que a <strong>violência</strong> é um fenômeno social historicamente construído<br />
Wieviorka, argumenta que a mesma deve ser trata<strong>da</strong> como tal, o que exige novas estratégias<br />
capazes de mapear o seu significado nos tempos globalizados para, a partir desse entendi-<br />
mento, traçar planos de ação capazes de combatê-la no âmbito social, e não no particular.<br />
De acordo com Wieviorka (1997, p. 25), “A tarefa de uma <strong>Sociologia</strong> <strong>da</strong> Violência é mostrar as<br />
mediações ausentes, os sistemas de relações cuja falta ou enfraquecimento criam o espaço <strong>da</strong><br />
<strong>violência</strong>”.<br />
Adorno (1999) observa que apesar de presenciarmos novos tempos, as reivindicações<br />
acerca <strong>da</strong> <strong>violência</strong> são as mesmas do tempo <strong>da</strong> revolução francesa. O estudo deste autor<br />
sobre a obra Law and Order (1985), de Dahrendorf, aponta as reflexões feitas no sentido de<br />
relacionar o aumento <strong>da</strong> <strong>violência</strong> com a dissolução <strong>da</strong> família, a privatização dos conflitos<br />
sociais, a delinquência juvenil aumenta<strong>da</strong> pelo suposto afrouxamento <strong>da</strong>s punições e a<br />
institucionalização dos conflitos sociais. Isso leva a concluir que uma maior eficiência dos<br />
mecanismos de controle social e repressão, alia<strong>da</strong> ao aumento de oportuni<strong>da</strong>des de inserção<br />
dos jovens no mundo do trabalho e retoma<strong>da</strong> do respeito destes pela autori<strong>da</strong>de é a única<br />
forma de modificar a situação. Ou seja, um retorno <strong>da</strong>s formas anteriores de controle social<br />
por meio <strong>da</strong> conjunção entre moral e repressão seria a melhor solução para li<strong>da</strong>r com as<br />
novas formas de <strong>violência</strong>, indo na contramão do pensamento de Adorno (1999).<br />
Adorno (1999, p. 30) desconstrói sistematicamente as afirmações de Dahrendorf neste<br />
sentido, contestando inclusive as próprias pesquisas que revelam o aumento <strong>da</strong> <strong>violência</strong> e<br />
delinquência, e afirma que “[...] o crescimento dos crimes pode ser ou não acompanhado de<br />
um crescimento de sanções, por mais desejável que seja a correspondência entre ambos do<br />
ponto de vista social e político”. Isso não significa que a repressão ao crime deve deixar de<br />
existir, mas sim que deve deixar de ser o foco principal <strong>da</strong> luta pela erradicação do crime. A<br />
própria criminologia neste ponto tem o papel de reforçar esta visão ao tratar apenas do<br />
crime e <strong>da</strong> <strong>violência</strong> e não do contexto social em que estes se desenvolvem, o que mostra<br />
uma miopia acerca <strong>da</strong> questão, para Adorno (p. 33) um foco no “obsessivo direito de punir”.
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Para o autor, a máfia é um exemplo para contextualizar a nova reali<strong>da</strong>de sob a qual o<br />
crime e a <strong>violência</strong> apresentam-se na socie<strong>da</strong>de atual, por meio de organizações cria<strong>da</strong>s em<br />
determinados contextos locais específicos que dificultam sua expansão, mas facilitam a forma-<br />
ção de redes de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de criminosa. Essas redes apresentam em comum o fato de que sem-<br />
pre contam com a corrupção estatal para estabelecer e manter seus negócios e influências.<br />
Este estudo funciona como exemplo de delinquência específica dos tempos atuais,<br />
não somente pelo fato de a máfia ser precursora <strong>da</strong>s organizações criminosas atuais, mas<br />
também por demonstrar que o crime e a <strong>violência</strong> não podem ser pensados em termos libe-<br />
rais, individualmente, mas como fenômeno social, estrutural, devendo ser eliminado medi-<br />
ante sua estrutura de geração e reprodução. 2<br />
Outra tendência sociológica tenta explicar a <strong>violência</strong> como fenômeno social, provoca<strong>da</strong><br />
por alguma conturbação <strong>da</strong> ordem, quer pela opressão pelos mais fortes, quer pela rebelião<br />
dos oprimidos, pela falência <strong>da</strong> ordem social ou pela omissão do Estado. Nesse enfoque, a<br />
chama<strong>da</strong> “natureza humana” se manifestaria ao sabor <strong>da</strong>s circunstâncias, surgindo a violên-<br />
cia como consequência <strong>da</strong> miséria e <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de social (Minayo; Souza, 1994).<br />
Segundo essa ideia, um baixo nível de consciência, de liber<strong>da</strong>de e de responsabili<strong>da</strong>de<br />
acaba acarretando um sentimento de insatisfação permanente que se expressa em confron-<br />
tação, oposição, alienação e condutas violentas.<br />
Essas teorias sociológicas tendem a definir as condutas violentas como atitudes de<br />
sobrevivência de determina<strong>da</strong>s pessoas ou grupos vitimados pelas contradições sociais. As<br />
desigual<strong>da</strong>des sociais, o contraste gritante entre os extremos socioeconômicos, as crises de<br />
desemprego, a cegueira e insensibili<strong>da</strong>de social dos privilegiados, enfim, a desigual<strong>da</strong>de na<br />
distribuição dos benefícios que essa vi<strong>da</strong> pode oferecer, levariam os pobres a se rebelarem e<br />
agredirem os ricos (ou não pobres).<br />
A <strong>violência</strong> como revolta dos despossuídos reflete uma explosão colérica <strong>da</strong> fome de comi-<br />
<strong>da</strong> e de prazeres, o rancor pela desigual<strong>da</strong>de de privilégios diante <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de cromossômica.<br />
Nesse caso, a <strong>violência</strong> teria sua origem no exterior do sujeito sob a forma de indignação e, uma<br />
vez internaliza<strong>da</strong> na consciência, explodiria em agressão contra os demais.<br />
Ao reduzir <strong>violência</strong> social à imagem do crime e <strong>da</strong> delinquência, esta tendência so-<br />
ciológica encara a população pobre como criminosa em potencial. Essa visão, contudo, é<br />
limita<strong>da</strong>, pois não leva em conta a <strong>violência</strong> política, do Estado e <strong>da</strong> própria cultura. Fazer<br />
um aposentado viver com um salário mínimo é igualmente uma forma de <strong>violência</strong> estatal,<br />
por exemplo.<br />
2 Sousa, Rodrigo Miguel. Expressões usa<strong>da</strong>s em trabalho escolar apresentado em sala de aula no Componente Curricular <strong>Sociologia</strong> <strong>da</strong><br />
Violência – Curso de <strong>Sociologia</strong>. 2009/1.<br />
25
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
26<br />
Desigual<strong>da</strong>de social e segregação urbana produzem exclusão social, marca<strong>da</strong> pelo<br />
desemprego, pela precarização do trabalho, salários insuficientes e por deficiências do siste-<br />
ma educacional.<br />
As maiores vítimas desta <strong>violência</strong> e também a maior proporção de autores de atos<br />
violentos são os homens jovens: em todo o país, o alvo preferencial dessas mortes compreen-<br />
de adolescentes e jovens adultos masculinos, em especial procedentes <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s classes<br />
populares urbanas, tendência que vem sendo observa<strong>da</strong> em inúmeros estudos sobre morta-<br />
li<strong>da</strong>de por causas violentas. (...) Aumentou a proporção de adolescentes representados na<br />
criminali<strong>da</strong>de violenta. No período de 1980/90, era menor a proporção de crimes violentos<br />
cometidos pelos adolescentes ante a proporção de crimes violentos cometidos na população<br />
em geral. No período 1990/2008, esta tendência se inverte (Adorno, 1999).<br />
Muitas vezes os atos de <strong>violência</strong> representam estratégias de sobrevivência dos jovens.<br />
A chama<strong>da</strong> <strong>violência</strong> juvenil atual pode ser vista como uma <strong>da</strong>s estratégias de reprodução<br />
ou de sobrevivência de setores excluídos em termos educativos e laborais, ou seja, <strong>da</strong> exis-<br />
tência que se supõe outorgue identi<strong>da</strong>de aos jovens (Tavares dos Santos, 2002),<br />
Estudos sobre <strong>violência</strong> urbana revelam que, na vi<strong>da</strong> cotidiana, realiza-se uma<br />
condensação entre mal-estar <strong>da</strong> pós-moderni<strong>da</strong>de: a <strong>violência</strong> simbólica, sentimento de in-<br />
segurança e sentimentos de medo. A <strong>violência</strong> apresenta, além dos custos de dor e sofrimen-<br />
to humano, um componente de mal-estar psicológico derivado do medo que inspira, e um<br />
impacto econômico, pelas vítimas e custos reais, e também pelos gastos e per<strong>da</strong>s que a<br />
prevenção e o medo acarretam. Estamos vivendo em um horizonte de representações sociais<br />
<strong>da</strong> <strong>violência</strong> para cuja disseminação contribuem os meios de comunicação de massa, produ-<br />
zindo a dramatização <strong>da</strong> <strong>violência</strong> e difundindo a espetacularização do crime violento, en-<br />
quanto um efeito <strong>da</strong> <strong>violência</strong> simbólica exerci<strong>da</strong> pelo campo jornalístico. A <strong>violência</strong> passa<br />
a ser consumi<strong>da</strong> num movimento dinâmico em que o consumo participa também do proces-<br />
so de sua produção, ain<strong>da</strong> que como representação (Porto, 2006).<br />
O referencial teórico biopsicossocial não atribui à <strong>violência</strong> um caráter exclusivamen-<br />
te biológico, nem psicológico ou social, mas sim uma combinação de todos com peculiari<strong>da</strong>-<br />
des próprias de ca<strong>da</strong> era, cultura ou circunstância.<br />
Há uma complementação dinâmica entre o biológico, o psicológico e o social, de sorte<br />
que to<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de humana acaba repercutindo nas relações sociais, culturais e emocio-<br />
nais, afetando tanto a constituição biológica quanto a consciência humana.<br />
O psicólogo alemão Mitscherlich (1971) adverte que qualquer modificação nas rela-<br />
ções sociais só será possível se houver mu<strong>da</strong>nças na constituição psíquica do ser humano,<br />
tendo como ponto central a reconstrução de sentimentos e emoções. Essa afirmativa, con-<br />
tudo, merece uma reflexão maior, pois, às vezes, chegamos a pensar exatamente o contrá-
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
rio, ou seja, que as mu<strong>da</strong>nças nas relações sociais acabaram atropelando a constituição<br />
psíquica humana que sucumbiu diante de novas e contundentes exigências de a<strong>da</strong>pta-<br />
ção. Com isso, houve um visível crescimento <strong>da</strong>s tendências antissociais, do isolamento,<br />
do medo coletivo e individual, <strong>da</strong> intolerância extrema<strong>da</strong> e <strong>da</strong> alienação dos indivíduos<br />
(Minayo, 1994b).<br />
A <strong>violência</strong> coletiva também é uma ramificação <strong>da</strong> ansie<strong>da</strong>de e do conflito pessoal.<br />
Quando uma pessoa se interpõe no caminho <strong>da</strong> satisfação ou dos desejos de outra, surgem<br />
os choques, no sentido de uma <strong>da</strong>s partes eliminar os obstáculos levantados pela outra. A<br />
luta, então, torna-se pessoal. Ca<strong>da</strong> um dos contendores tem a consciência de que, para<br />
alcançar os próprios propósitos, precisa fazer com que o outro não atinja os seus. Aí surge a<br />
hostili<strong>da</strong>de, que comumente reforça a energia necessária aos esforços de suplantação. A<br />
esse tipo de luta, consciente e pessoal, dá-se o nome de conflito, ou seja, uma conten<strong>da</strong><br />
entre indivíduos ou grupos, em que ca<strong>da</strong> qual luta por uma solução que exclui a deseja<strong>da</strong><br />
pelo adversário.<br />
A <strong>violência</strong> consitui um dos eternos problemas <strong>da</strong> teoria social e <strong>da</strong> prática política e<br />
relacional <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. Não se conhece nenhuma socie<strong>da</strong>de onde a <strong>violência</strong> não te-<br />
nha estado presente. Pelo contrário, a dialética do desenvolvimento social traz à tona os<br />
problemas mais vitais e angustiantes do ser humano. Desde tempos imemoriais existe uma<br />
preocupação do ser humano em entender a essência do fenômeno <strong>da</strong> <strong>violência</strong>, sua natu-<br />
reza, suas origens e meios apropriados para amenizá-la, preveni-la ou eliminá-la <strong>da</strong> convi-<br />
vência social. O nível de conhecimento atingido, seja no âmbito filosófico, seja no âmbito<br />
<strong>da</strong>s Ciências Humanas e Sociais, permite inferir, no entanto, alguns elementos consensuais<br />
sobre o tema e, os mesmo tempo, compreender o quanto este é controverso, em quase<br />
todos os seus aspectos.<br />
Hoje é praticamente unânime a ideia de que a <strong>violência</strong> não faz parte <strong>da</strong> natureza<br />
humana e que a mesma não tem raízes biológicas. Trata-se de um complexo e dinâmico<br />
fenômeno biopsicossocial, mas seu espaço de criação e desenvolvimento é a vi<strong>da</strong> em socie-<br />
<strong>da</strong>de. Para entendê-la, portanto, há que se apelar para a especifici<strong>da</strong>de histórica. Daí se<br />
conclui que na configuração <strong>da</strong> <strong>violência</strong> cruzam-se problemas <strong>da</strong> política, <strong>da</strong> economia,<br />
<strong>da</strong> moral, do Direito, <strong>da</strong> Psicologia, <strong>da</strong>s relações humanas e institucionais e do plano indivi-<br />
dual.<br />
Na sua dialética de interiori<strong>da</strong>de/exteriori<strong>da</strong>de a <strong>violência</strong> integra não só a<br />
racionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> história, mas a origem <strong>da</strong> própria consciência, por isso mesmo não poden-<br />
do ser trata<strong>da</strong> de forma fatalista, é sempre um caminho possível em contraposição à tolerân-<br />
cia, ao diálogo, ao reconhecimento e à civilização, como mostram Hegel, Freud e Habermas,<br />
entre outros.<br />
27
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
28<br />
Por sua complexi<strong>da</strong>de, a <strong>violência</strong> deve ser analisa<strong>da</strong> no seu contexto (em rede). Suas<br />
formas mais atrozes e mais condenáveis geralmente ocultam outras menos escan<strong>da</strong>losas por<br />
se encontrarem prolonga<strong>da</strong>s no tempo e protegi<strong>da</strong>s por ideologias ou instituições de apa-<br />
rência respeitável. A <strong>violência</strong> dos indivíduos e grupos tem de ser relaciona<strong>da</strong> com a do<br />
Estado, a dos conflitos com a ordem. Se a <strong>violência</strong> faz parte <strong>da</strong> própria natureza humana,<br />
ela aparece de forma peculiar e captável nas suas expressões mais visíveis em socie<strong>da</strong>des<br />
específicas, trazendo para o debate público questões fun<strong>da</strong>mentais, em formas particulares,<br />
e questões sociais, vivencia<strong>da</strong>s individualmente, uma vez que somos, enquanto ci<strong>da</strong>dãos,<br />
ao mesmo tempo sujeitos e objetos desse fenômeno.<br />
Em termos tradicionais, a <strong>violência</strong> pode ser considera<strong>da</strong> uma força prejudicial, física<br />
ou psicológica, aplica<strong>da</strong> contra uma pessoa ou um grupo de pessoas. Em termos genéricos,<br />
a <strong>violência</strong> mantém contornos um tanto imprecisos com a intimi<strong>da</strong>ção e a agressivi<strong>da</strong>de<br />
dirigi<strong>da</strong> ao outro. A espinha dorsal de to<strong>da</strong>s as formas de <strong>violência</strong> é o medo que se desenca-<br />
deia na pessoa que a ela está submeti<strong>da</strong>. O medo produz uma mu<strong>da</strong>nça no funcionamento<br />
orgânico, fazendo com que ocorra uma transformação no comportamento e na personali<strong>da</strong>-<br />
de <strong>da</strong> pessoa. A força física é o estímulo mais simples, podendo chegar, em casos extremos, à<br />
tortura e à morte. O seu objetivo é produzir um sentimento de insegurança e fortes respostas<br />
emocionais de submissão. Nesse processo, a pessoa submeti<strong>da</strong> às formas mais diversas de<br />
<strong>violência</strong> torna-se susceptível a responder ao agressor conforme o seu desejo, anulando-se,<br />
muitas vezes, em sua própria subjetivi<strong>da</strong>de. Não é raro o agredido se ver coagido a mu<strong>da</strong>r o<br />
seu ponto de vista e a sua própria maneira de pensar, chegando a manifestar uma atitude de<br />
empatia e de aceitação do domínio que lhe é imposto.<br />
Em termos jurídicos atuais a <strong>violência</strong> pode ser entendi<strong>da</strong> como um constrangimento<br />
moral exercido sobre alguém por meio de ameaças ou como ofensa à integri<strong>da</strong>de corporal e<br />
à saúde de outrem, podendo disso decorrer lesões corporais de maior ou menor gravi<strong>da</strong>de.<br />
Nesse sentido não se percebe, muito bem, como distingui-la <strong>da</strong> agressivi<strong>da</strong>de exerci<strong>da</strong> sobre<br />
alguém. Em termos etimológicos a palavra agressivi<strong>da</strong>de é defini<strong>da</strong> como a quali<strong>da</strong>de do<br />
agressivo (século 18), que vem do latim agreste, que tem o sentido de “cousa de villão”. Com<br />
o tempo, a palavra foi sendo relaciona<strong>da</strong> a um comportamento rude (campesino) com o<br />
outro, chegando atualmente a ser identifica<strong>da</strong> com condutas hostis e destrutivas.<br />
Além <strong>da</strong>s ações motoras violentas e destruidoras, os comportamentos agressivos po-<br />
dem se apresentar de outras formas, acompanhando as relações cotidianas, como a recusa a<br />
um auxílio deman<strong>da</strong>do ou o uso <strong>da</strong> ironia, por exemplo. A Psicanálise atribui uma impor-<br />
tância crescente à agressivi<strong>da</strong>de, culminando com a tentativa de relacioná-la à pulsão de<br />
morte, tomando-a como uma força desorganizadora e fragmentante. Esta, porém, não é a<br />
única interpretação do termo.
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Arendt (1994), por sua vez, avança na discussão quando desvincula estrutura de po-<br />
der e <strong>violência</strong>. Poder e <strong>violência</strong> são elementos que devem ser distinguidos. Poder não é<br />
<strong>violência</strong> nem dominação. É o que se poderia chamar de “poder democrático”, isto é, poder<br />
enquanto delegação de um grupo para que fins comuns sejam alcançados. Para Arendt<br />
(1994, p. 36),<br />
o poder não é proprie<strong>da</strong>de de um indivíduo, mas se sustenta num grupo ou comuni<strong>da</strong>de,<br />
somente existindo enquanto a coesão desse grupo permanecer. Assim, o poder corresponde à<br />
ação humana em que seu exercício corresponde àquilo que lhe é deman<strong>da</strong>do pelo grupo. O<br />
poder aparece onde quer que as pessoas se unam e ajam em consonância de objetivos. Já a<br />
<strong>violência</strong> caracteriza-se por seu caráter instrumental, aparecendo como último recurso para<br />
conservar intacta a estrutura de poder frente a contestações. Se o poder é a essência de todo<br />
governo, o uso <strong>da</strong> <strong>violência</strong> somente eclodirá quando esse governo procurar manter-se ape-<br />
sar de não ser mais capaz de responder à legitimi<strong>da</strong>de que lhe foi conferi<strong>da</strong> pelo grupo. Dessa<br />
maneira, <strong>violência</strong> e poder são considerados em oposição, pois um só existe na ausência do<br />
outro, ou seja, a <strong>violência</strong> só existe na ausência do poder, e se existe poder não tem sentido a<br />
<strong>violência</strong>.<br />
Esta autora (1994) propõe desvincular a <strong>violência</strong> <strong>da</strong> ideia de algo inerente ao mal e<br />
relacioná-la com o seu oposto, o poder. Considera ain<strong>da</strong> importante separar ambos <strong>da</strong> con-<br />
dição de fenômenos naturais, como manifestações do processo vital, e inseri-los no âmbito<br />
<strong>da</strong> política, dos negócios humanos e, acrescento, <strong>da</strong>s relações intersubjetivas. Afirma ain<strong>da</strong><br />
que a diminuição do poder é um convite à <strong>violência</strong>, sendo difícil àquele que vê o seu poder<br />
diminuir não recorrer à <strong>violência</strong> como forma de retê-lo, seja nas relações sociais, seja nas<br />
relações intersubjetivas.<br />
Tomando o ponto de vista de Arendt (1994), há duas formas por meio <strong>da</strong>s quais a<br />
<strong>violência</strong> contra as mulheres nas relações de gênero se apresenta: “percepção hierarquiza<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des impostas às mulheres com a finali<strong>da</strong>de de domínio, exploração e opres-<br />
são”, e “identificação à coisa”, tomando a mulher não em sua digni<strong>da</strong>de humana, mas<br />
como proprie<strong>da</strong>de pessoal. Nesse sentido, o discurso masculino coisifica a mulher oprimin-<br />
do-a, privando-a de seus desejos, de suas opiniões e de sua fala.<br />
A <strong>violência</strong>, assim entendi<strong>da</strong>, manifesta-se porque, na iminência <strong>da</strong> per<strong>da</strong> do poder, a<br />
força implica desejo de aniquilar, de destruir o outro, buscando a sua supressão ou a sua<br />
morte. A força relaciona-se com um desejo de mando e de opressão, podendo ser exerci<strong>da</strong><br />
por uma classe sobre a outra, por um grupo social sobre o outro ou por uma pessoa sobre a<br />
outra. Já na <strong>violência</strong> há o desejo de preservação do outro, seja ele um grupo ou uma pes-<br />
soa, mas enquanto anulado e submetido à vontade do dominador. A <strong>violência</strong> deseja a<br />
sujeição consenti<strong>da</strong>.<br />
29
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
30<br />
Segundo Chauí (1985, p. 35),<br />
a <strong>violência</strong> é a ação que trata o ser humano não como sujeito, mas como objeto, culminando com<br />
a <strong>violência</strong> perfeita, isto é, a interiorização <strong>da</strong> vontade e <strong>da</strong> ação alheia. Com isso, substitui-se a<br />
própria vontade pela vontade do outro através de uma ação coercitiva proveniente <strong>da</strong> parte<br />
dominante.<br />
Dessa maneira, a autonomia não pode ser entendi<strong>da</strong> apenas como a possibili<strong>da</strong>de de<br />
fazer escolhas ou de fazer o que se quer, uma vez que se pode escolher e fazer o que o outro<br />
deseja que se faça. É isso o que caracteriza a <strong>violência</strong> perfeita, a completa interiorização <strong>da</strong><br />
vontade e <strong>da</strong> ação alheia na submissão ao desejo do outro, de modo que a per<strong>da</strong> <strong>da</strong> autono-<br />
mia não seja percebi<strong>da</strong> nem reconheci<strong>da</strong>. As ações <strong>da</strong>í decorrentes serão vistas como prove-<br />
nientes de uma opção voluntária, embora, na ver<strong>da</strong>de, não se trate disso.<br />
Dito de outra forma, a <strong>violência</strong> perfeita é aquela que resulta na alienação, na identi-<br />
ficação <strong>da</strong> vontade e <strong>da</strong> ação de alguém com a vontade e a ação de quem domina. A per<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong> autonomia se submerge na heteronímia. Chauí (1985) emprega esse termo para indicar a<br />
submissão <strong>da</strong> mulher ao outro e até mesmo a constituição do seu desejo enquanto depen-<br />
dente do desejo de outro, sem que ela se dê conta disso.<br />
Para essa autora, a liber<strong>da</strong>de não deve ser considera<strong>da</strong> a escolha voluntária de uma<br />
possibili<strong>da</strong>de entre as diversas que se apresentam, mas enquanto a capaci<strong>da</strong>de de autode-<br />
terminação para pensar, querer, sentir e agir. Aqui, a autodeterminação é considera<strong>da</strong> no<br />
sentido do exercício <strong>da</strong> autonomia. Essa autonomia não se opõe à necessi<strong>da</strong>de natural ou<br />
social, mas trabalha com ela, num processo de construção e de constituição de si mesma na<br />
autonomia, numa relação de independência <strong>da</strong>s determinações de outro sobre aquilo que<br />
somos e fazemos.<br />
O que somos e o que fazemos pode ter a capaci<strong>da</strong>de aumenta<strong>da</strong> ou diminuí<strong>da</strong> segun-<br />
do a nossa capaci<strong>da</strong>de de nos submetermos ou não à força e à <strong>violência</strong> que contra nós<br />
encontram-se dirigi<strong>da</strong>s. A liber<strong>da</strong>de proviria não <strong>da</strong> vontade para acatar ou não a determi-<br />
nação do outro, mas <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de reflexão <strong>da</strong>s experiências vivi<strong>da</strong>s.<br />
Seção 1.2<br />
Violência, Agressivi<strong>da</strong>de e Conflito<br />
[...] Em ca<strong>da</strong> momento <strong>da</strong> história a dominação se fixa em um ritual; ela impõe obrigações e<br />
direitos; ela constitui cui<strong>da</strong>dosos procedimentos. Ela estabelece marcas, grava lembranças nas<br />
coisas e até nos corpos; ela se torna responsável pelas dívi<strong>da</strong>s. Universo de regras que não é
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
destinado a adoçar, mas ao contrário, a satisfazer a <strong>violência</strong>. Seria um erro acreditar, segundo<br />
o esquema tradicional, que a guerra geral, se esgotando em suas próprias contradições, acaba<br />
por renunciar à <strong>violência</strong> e aceita sua própria supressão nas leis <strong>da</strong> paz civil. A regra é o prazer<br />
calculado <strong>da</strong> obstinação, é o sangue prometido. Ela permite reativar sem cessar o jogo <strong>da</strong> domi-<br />
nação; ela põe em cena uma <strong>violência</strong> meticulosamente repeti<strong>da</strong>. O desejo <strong>da</strong> paz, a doçura do<br />
compromisso, a aceitação tácita <strong>da</strong> lei, longe de serem a grande conversão moral, ou o útil<br />
calculado que deram nascimento à regra, são apenas seu resultado e propriamente falando sua<br />
perversão: “Falta, consciência, dever têm sua emergência no direito de obrigação; e em seus<br />
começos, como tudo o que é grande sobre terra, foi banhado de sangue”. A humani<strong>da</strong>de não<br />
progride lentamente, de combate em combate, até uma reciproci<strong>da</strong>de universal, em que as re-<br />
gras substituiriam para sempre a guerra; ela instala ca<strong>da</strong> uma de suas <strong>violência</strong>s em um sistema<br />
de regras, e prossegue assim de dominação em dominação. É justamente a regra que permite que<br />
seja feita <strong>violência</strong> à <strong>violência</strong> e que uma outra dominação possa dobrar aqueles que dominam.<br />
Em si mesmas as regras são vazias, violentas, não finaliza<strong>da</strong>s; elas são feitas para servir a isto ou<br />
àquilo; elas podem ser burla<strong>da</strong>s ao sabor <strong>da</strong> vontade de uns ou de outros. O grande jogo <strong>da</strong><br />
história será de quem se apoderar <strong>da</strong>s regras, de quem tomar o lugar <strong>da</strong>queles que as utilizam, de<br />
quem se disfarçar para pervertê-las, utilizá-las ao inverso e voltá-las contra aqueles que as<br />
tinham imposto; de quem, se introduzindo no aparelho complexo, o fizer funcionar de tal modo<br />
que os dominadores encontrar-se-ão dominados por suas próprias regras (Foucault, 1979).<br />
Os contextos de <strong>violência</strong> escapam aos instrumentos normais de medi-la ou estudá-la.<br />
Geralmente surge como sequência de relações conflitivas cria<strong>da</strong>s por interesses semelhantes<br />
e de entendimentos diferentes de como poderia ser satisfeito, realizado, este interesse. Insa-<br />
tisfeitos com as diferentes compreensões, os indivíduos se agridem de varia<strong>da</strong>s formas. Frus-<br />
trados com a impossibili<strong>da</strong>de de resolver os conflitos, os homens criaram um ente capaz de<br />
garantir que, ao menos, a <strong>violência</strong> física seja conti<strong>da</strong>, <strong>da</strong>do que esta possui uma natureza<br />
devastadora a todos, ao agredido e ao agressor.<br />
Quase todos os indivíduos desejam a resolução de seus conflitos, aceitam a interven-<br />
ção de outros para aju<strong>da</strong>r a resolvê-los, uma vez que todos sofrem com a conflituali<strong>da</strong>de. As<br />
festas, os jogos esportivos, as artes, etc., tornaram-se lugares para onde os conflitos foram<br />
canalizados e representados, mesmo sem possibili<strong>da</strong>de de substituir os conflitos reais. Tal-<br />
vez o surgimento <strong>da</strong> divisão do trabalho, as religiões oficiais, a educação escolar, o Estado,<br />
as leis e o Judiciário, configurassem os elementos mais eficazes no combate às relações<br />
conflituosas, apesar de ineficazes ou insuficientes para tratar a resolução de conflitos<br />
intrapessoais, interpessoais, intracoletivos, intercoletivos e internacionais.<br />
A busca <strong>da</strong> repreensão mediante o fortalecimento <strong>da</strong>s instituições legais de controle<br />
social como solução para a <strong>violência</strong> confunde esta com a conflituali<strong>da</strong>de e pressupõe a sua<br />
existência como fator anômico 3 <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Ao contrário disto, a conflituali<strong>da</strong>de é um fator<br />
existente em todos os grupos sociais, fortalecido pelas desigual<strong>da</strong>des sociais, e sua livre ex-<br />
3 Anômico significa anormal, sem regra ou controle.<br />
31
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
pressão (de forma não violenta) e na socie<strong>da</strong>de democrática pode ser considera<strong>da</strong> um fator de<br />
fortalecimento e afirmação <strong>da</strong> existência <strong>da</strong> própria democracia. A conflituali<strong>da</strong>de expõe a<br />
existência de pontos de vista e desejos contrários em um grupo social, e a condução correta do<br />
tratamento destas diferentes perspectivas faz com que to<strong>da</strong>s sejam leva<strong>da</strong>s em conta no mo-<br />
mento <strong>da</strong>s toma<strong>da</strong>s de decisão que afetam o grupo, por meio de um consenso mínimo, contra-<br />
riando a regra segundo a qual a democracia aparece antes <strong>da</strong> formação do consenso, sem<br />
conflitos. Na reali<strong>da</strong>de são os conflitos que levam ao consenso, visto que são constituintes <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de. Pensar em decisões toma<strong>da</strong>s sem a existência de conflitos seria negar sua existên-<br />
cia ou omitir a falta de representativi<strong>da</strong>de de determina<strong>da</strong>s decisões. Paradoxalmente a demo-<br />
cracia capitalista incorpora os conflitos sociais previstos pelos marxistas, mas ao contrário do<br />
que estes pensavam, esses conflitos passam a modificar e reforçar a estrutura social vigente,<br />
sendo assimilados por ela, e não agindo no sentido de reformulá-la radicalmente, em um<br />
processo chamado por Dubiel de “milagre democrático” (Hirschman, 1995, p. 36).<br />
32<br />
Hirschman (1995) entende que há distinção entre conflitos positivos, que podem ser<br />
resolvidos pela negociação, sem mu<strong>da</strong>nças estruturais, que acabam por reforçar estas estru-<br />
turas inicialmente existentes, e conflitos negativos, que exigem a reformulação <strong>da</strong> estrutura<br />
inicial. A mediação entre estes conflitos, de acordo com este autor, deve ser feita por meio de<br />
um processo delicado de travessia (muddling through) de conflitos, pelo qual estes são com-<br />
preendidos como fatos constantes, transformando as soluções <strong>da</strong><strong>da</strong>s, mesmo que adequa-<br />
<strong>da</strong>s, também em fatos provisórios, pois é possível que levem a outros conflitos. Assim a de-<br />
mocracia entra em um processo de constante renovação.<br />
Até hoje não conseguimos, nem mesmo teoricamente, apontar uma proposta que re-<br />
fletisse amplamente e de forma convincente sobre a possibili<strong>da</strong>de de uma socialização de<br />
indivíduos de maneira que a <strong>violência</strong> fosse a ele tão estranha quanto impensável.<br />
Muitas pesquisas <strong>da</strong> <strong>Sociologia</strong> dedicam-se a responder às in<strong>da</strong>gações a respeito <strong>da</strong><br />
questão envolvi<strong>da</strong> no conflito, <strong>da</strong> significância de sua motivação e <strong>da</strong> maneira como ele é<br />
expresso, o simbolismo fálico e a intensi<strong>da</strong>de dos sentimentos de rivali<strong>da</strong>de e ansie<strong>da</strong>de e<br />
questões também a respeito do ambiente social no qual ocorreu o conflito.<br />
Esses estudos se ancoram, muitas vezes, nas dimensões psicológicas e antropológicas,<br />
mostrando que os participantes de uma interação social respondem um ao outro conforme<br />
suas percepções e cognições, podendo ou não corresponder à reali<strong>da</strong>de do outro.<br />
O indivíduo, ao estar ciente <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de percepção do outro, é influenciado por<br />
suas próprias expectativas referentes a estas ações, bem como pelas suas percepções <strong>da</strong><br />
conduta <strong>da</strong>quele. Essas expectativas podem ou não ser acura<strong>da</strong>s; a habili<strong>da</strong>de de entrar no<br />
papel do outro e prever seu comportamento não é evidente, seja nas crises interpessoais,<br />
seja nas internacionais.
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Uma interação social não é inicia<strong>da</strong> somente por motivos, mas também gera novos<br />
motivos e pode alterar os já existentes. Não é apenas determina<strong>da</strong>, mas também determinante.<br />
No processo de racionalizar e justificar ações pratica<strong>da</strong>s e efeitos produzidos, novos valores<br />
e motivos emergem. Além disso, a interação social considera os atores modelos e exemplos<br />
que devem ser imitados e com os quais se deve identificar.<br />
A interação social realiza-se em um ambiente social – uma família, um grupo, uma<br />
comuni<strong>da</strong>de, uma nação, uma civilização – que desenvolveu técnicas, símbolos, categorias,<br />
regras e valores relevantes para as interações humanas. Assim, para entender eventos que<br />
ocorrem em interações sociais, deve-se compreender as suas inter-relações com o contexto<br />
social no qual ocorrem.<br />
Apesar de ca<strong>da</strong> participante de uma interação social, indivíduo ou grupo, ser uma<br />
uni<strong>da</strong>de complexa composta por vários subsistemas interativos, pode agir unifica<strong>da</strong>mente<br />
em algum aspecto de seu ambiente. Tomar decisões no plano individual ou no plano coleti-<br />
vo pode desencadear uma luta entre diferentes interesses e valores de controle sobre a ação.<br />
Estrutura e processo internos, embora menos visíveis em indivíduos do que em grupos, são<br />
características de to<strong>da</strong>s as uni<strong>da</strong>des sociais.<br />
Estu<strong>da</strong>r a conflituali<strong>da</strong>de social implica verificar se há ou não algumas noções cen-<br />
trais que iluminam várias situações conflituosas, supondo que este é potencialmente de<br />
valor pessoal e social. O conflito previne estagnações, estimula interesse e curiosi<strong>da</strong>de, é o<br />
meio pelo qual os problemas podem ser manifestados e no qual chegam as soluções, é a raiz<br />
<strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça pessoal e social.<br />
O conflito é frequentemente parte do processo de testar e de avaliar alguém e, en-<br />
quanto tal, pode ser altamente agradável, na medi<strong>da</strong> em que se experimenta o prazer do uso<br />
completo e pleno <strong>da</strong> sua capaci<strong>da</strong>de. De mais a mais, o conflito demarca grupos e, dessa<br />
forma, aju<strong>da</strong> a estabelecer uma identi<strong>da</strong>de coletiva e individual; o conflito externo geral-<br />
mente fomenta coesão interna.<br />
Hirschman traz à tona este tema <strong>da</strong> integração comunitária pelo conflito:<br />
Os conflitos são entendidos como perigosos, corrosivos e potencialmente destrutivos para a<br />
ordem social; precisando, justamente por isso, serem contidos e solucionados com algum supri-<br />
mento reserva de espírito de comuni<strong>da</strong>de. Dubiel argumenta, no entanto, que os conflitos sociais<br />
produzem, eles próprios, os laços valiosos que mantêm as socie<strong>da</strong>des democráticas modernas<br />
uni<strong>da</strong>s, e fornecem-lhes a força e a coesão necessárias. Dubiel sabe perfeitamente estar propondo<br />
um paradoxo, e reconhece prontamente sua dívi<strong>da</strong> para com os teóricos contemporâneos france-<br />
ses <strong>da</strong> democracia, especialmente Marcel Gauchet, que formularam idéias semelhantes em fins<br />
dos anos 70 e início dos 80. Em artigo notável, escrito ostensivamente contra Tocqueville, Gauchet<br />
encarregou-se de mostrar como o conflito se revela “fator essencial de socialização” nas demo-<br />
cracias, e “produtor eficiente de integração e coesão”. Dubiel é ain<strong>da</strong> consciente do paradoxo<br />
33
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
34<br />
que está propondo, pois se refere ao processo como o “milagre democrático”. O milagre aconte-<br />
ce à medi<strong>da</strong> que, em uma democracia, seres humanos e grupos sociais atravessam os mecanis-<br />
mos <strong>da</strong> confrontação absoluta e terminam por construir, dessa maneira esquisita, uma ordem<br />
democrática coesa... A literatura sobre os efeitos positivos do conflito e <strong>da</strong> crise mostra-se bas-<br />
tante rica. Contudo, devo criticá-la, incluindo minha própria contribuição, em um aspecto. Ela<br />
tende a ser tão consciente de estar desferindo um perigoso golpe na ortodoxia que, freqüentemente,<br />
limita-se a executar tal ato de ousadia e não procede a um exame cui<strong>da</strong>doso <strong>da</strong>s condições em<br />
que o paradoxo do conflito e <strong>da</strong> crise gerando efetivamente o progresso é válido ou não. Eviden-<br />
temente, Dubiel não afirma que qualquer tipo de conflito social produzirá a espécie de resíduo<br />
útil que resulta em integração. O próprio verbo hegen (cui<strong>da</strong>r), que ele usa em conjunção com a<br />
palavra “conflito”, evoca o tipo de estímulo controlado do crescimento natural praticado em<br />
jardins botânicos ou berçários; e implica, ao mesmo tempo, que haja tipos de conflito que não se<br />
comportem ou não possam ser administrados satisfatoriamente (1995).<br />
O que o autor está buscando não é a defesa <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de conflitos, mas argumenta<br />
que é necessário fortalecer o espírito de comuni<strong>da</strong>de neste nosso contexto de socie<strong>da</strong>de de<br />
mercado e que os indivíduos criem alguma forma de resistência para manter sua digni<strong>da</strong>de.<br />
Este é um possível lado positivo do conflito, pois em grupos estruturados sobre laços<br />
frouxos e em socie<strong>da</strong>des abertas o conflito, que busca a resolução de uma tensão entre<br />
antagonistas, provavelmente tem funções integradoras e estabilizantes para o relaciona-<br />
mento. Por permitir uma expressão direta e imediata de reclamações rivais, tais sistemas<br />
sociais conseguem reajustar suas estruturas, eliminando as fontes de insatisfação. Os inú-<br />
meros conflitos experimentados podem servir para eliminar as causas de dissociação e resta-<br />
belecer a uni<strong>da</strong>de. Esses sistemas fazem uso, por meio <strong>da</strong> tolerância e <strong>da</strong> institucionalização<br />
do conflito, de um importante mecanismo estabilizante.<br />
Uma distinção útil entre conflitos é a que distingue conflitos destrutivos e construtivos.<br />
Nos extremos, esses termos são fáceis de definir. Assim, um conflito claramente tem<br />
consequências destrutivas se seus participantes mostram-se insatisfeitos com as conclusões<br />
e sentem, como resultado do conflito, que perderam. Similarmente, um conflito tem<br />
consequências produtivas se todos os participantes estão satisfeitos com os efeitos e sentem<br />
que, resolvido o impasse, ganharam. Também, na maioria <strong>da</strong>s vezes, um conflito cujos efei-<br />
tos são satisfatórios para todos os participantes será mais construtivo do que um que seja<br />
satisfatório para uns e insatisfatório para outros.<br />
É, sem dúvi<strong>da</strong>, mais fácil identificar e medir satisfações-insatisfações e ganhos-per<strong>da</strong>s<br />
em simples situações de conflito produzi<strong>da</strong>s dentro de laboratório do que fazê-lo em comple-<br />
xos conflitos coletivos do cotidiano. Mesmo nessas situações complexas, contudo, não é<br />
impossível comparar conflitos em relação aos seus efeitos.<br />
Em algumas ocasiões, negociações sindicais podem conduzir a uma greve prolonga<strong>da</strong><br />
com per<strong>da</strong> considerável e má vontade resultantes para ambas as partes; em outros casos,<br />
tais negociações podem levar a um acordo mutuamente satisfatório no qual ambas as partes
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
obtêm algo que reivindicam. Algumas vezes, uma conten<strong>da</strong> entre um marido e sua esposa<br />
irá clarear desentendimentos não expressos e levá-los a uma grande intimi<strong>da</strong>de; em outras,<br />
pode produzir apenas amargura e estranhamento.<br />
Além disso, o conflito dentro de um grupo frequentemente aju<strong>da</strong> a revitalizar normas<br />
existentes, ou contribui para o surgimento de novas normas. Nesse sentido, o conflito social<br />
é um mecanismo de adequação de normas a novas condições. Uma socie<strong>da</strong>de flexível bene-<br />
ficia-se do conflito por causa desse comportamento, na medi<strong>da</strong> em que aju<strong>da</strong> a criar e a<br />
modificar normas, assegurando sua continui<strong>da</strong>de sob condições diversas. Tal mecanismo de<br />
reajustamento de normas é dificilmente observado em sistemas rígidos: suprimindo o confli-<br />
to, eles abafam um sinal de aviso geralmente útil, aumentando, assim, o perigo de haver um<br />
colapso catastrófico.<br />
O conflito interno pode também servir como um meio para averiguar a força relativa<br />
dos interesses antagônicos dentro <strong>da</strong> estrutura, e a partir <strong>da</strong>í constituir um mecanismo para<br />
a manutenção ou contínuo reajuste <strong>da</strong> balança de poder. Na medi<strong>da</strong> em que a explosão de<br />
um conflito indica a rejeição de uma acomo<strong>da</strong>ção anterior entre as partes, uma vez que o<br />
respectivo poder dos contendores tenha sido averigua<strong>da</strong> no conflito, um novo equilíbrio<br />
pode ser estabelecido e o relacionamento pode prosseguir sobre essa nova base (Deutsch,<br />
1949).<br />
Os termos competição e conflito são frequentemente empregados como sinônimos ou<br />
como substitutos um para o outro. Isso reflete uma confusão básica. Apesar de to<strong>da</strong> com-<br />
petição produzir um conflito, nem todo conflito reflete uma competição. Esta implica uma<br />
oposição entre os objetivos <strong>da</strong>s partes interdependentes, de maneira que a probabili<strong>da</strong>de<br />
de uma parte alcançar sucesso diminui à medi<strong>da</strong> que a <strong>da</strong> outra parte aumenta. Em um<br />
conflito que provém de competição, as ações incompatíveis refletem objetivos também in-<br />
compatíveis.<br />
O conflito, to<strong>da</strong>via, pode ocorrer mesmo quando não haja incompatibili<strong>da</strong>de de obje-<br />
tivos. Assim, se um marido e sua esposa estão em conflito sobre como tratar as pica<strong>da</strong>s de<br />
mosquito em seu filho, não é porque eles têm objetivos mutuamente exclusivos; aqui, seus<br />
objetivos são concor<strong>da</strong>ntes. Essa distinção entre conflito e competição não é feita em vão.<br />
Nomea<strong>da</strong>mente, o conflito pode ocorrer em um contexto cooperativo ou competitivo,<br />
e os processos de resolução mais prováveis de aparecer serão fortemente influenciados por<br />
esse contexto. A ocorrência nem o surgimento de um conflito é completa e rigi<strong>da</strong>mente<br />
determina<strong>da</strong> por circunstâncias objetivas. Isso significa que o destino dos participantes em<br />
uma situação de conflito não é inevitavelmente determinado pelas circunstâncias externas<br />
nas quais eles se encontram.<br />
35
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
36<br />
Tomando o conflito um rumo produtivo ou destrutivo, está aberto a influências mesmo<br />
sob as condições objetivas mais desfavoráveis. Similarmente, até mesmo sob as circunstân-<br />
cias objetivas mais favoráveis fatores psicológicos podem fazer um conflito tomar um rumo<br />
destrutivo. A importância do conflito “real” não pode ser nega<strong>da</strong>, to<strong>da</strong>via, o processo de<br />
percepção e avaliação também é “real”, e está envolvido na transformação de condições<br />
objetivas em um conflito experimentado.<br />
Procurando esclarecer como os conflitos podem ser resolvidos para além do cenário<br />
jurídico Deutsch (1949) destaca os tipos de conflitos mais pertinentes, nem sempre bem<br />
percebíveis: Conflito Verídico; Conflito Contingente; Conflito Deslocado; Conflito Mal-Atri-<br />
buído; Conflito Latente e o Conflito Falso.<br />
Conflito Verídico. Este tipo de conflito existe objetivamente e é acura<strong>da</strong>mente percebi-<br />
do. Não é contingente em relação a algum aspecto facilmente alterado do ambiente. Assim,<br />
se uma mulher quer usar a sala de estar <strong>da</strong> casa como um estúdio para pintura e seu marido<br />
deseja usá-la como um escritório, eles têm um “conflito ver<strong>da</strong>deiro”. É especialmente ver<strong>da</strong>-<br />
deiro se suas agen<strong>da</strong>s estão organiza<strong>da</strong>s de tal forma que ela pode pintar e ele pode estu<strong>da</strong>r<br />
somente ao mesmo tempo e se a sala não puder ser subdividi<strong>da</strong> para permitir ambas as<br />
ativi<strong>da</strong>des simultaneamente. Conflitos verídicos são difíceis de resolver amigavelmente, a<br />
menos que haja cooperação suficiente entre as duas partes para que busquem juntas resol-<br />
ver seu problema mútuo de estabelecer priori<strong>da</strong>des ou que possam concor<strong>da</strong>r sobre um me-<br />
canismo institucional imparcial aceito por ambas para resolver o conflito.<br />
Conflito Contingente. Aqui a existência do conflito é dependente de circunstâncias<br />
prontamente rearranjáveis, mas isso não é reconhecido pelas partes conflitantes. Assim, o<br />
conflito verídico do parágrafo anterior seria classificado como um conflito contingente se<br />
houvesse um sótão ou uma garagem ou em algum outro espaço que poderia ser facilmente<br />
convertido em um escritório ou um estúdio de pintura. O conflito contingente desapareceria<br />
se os recursos alternativos para satisfazer as necessi<strong>da</strong>des “conflitantes” fossem reconheci-<br />
dos. Conflitos contingentes são difíceis de se resolver apenas quando as perspectivas <strong>da</strong>s<br />
partes em conflito são estreitas e rígi<strong>da</strong>s, o que é fruto de recursos insuficientes de cognição<br />
e de solução de problemas ou excessiva tensão emocional. Ademais, é claro, se as questões<br />
em risco no conflito contingente tenham se agravado a ponto de que aceitar um substituto<br />
equivalente implique a per<strong>da</strong> do cerne <strong>da</strong> questão, o conflito perdeu sua contingência.<br />
Conflito Deslocado. Aqui, as partes em conflito estão, por assim dizer, discutindo sobre<br />
a coisa erra<strong>da</strong>. Marido e mulher, por exemplo, podem altercar a respeito <strong>da</strong>s contas domés-<br />
ticas (Estou ganhando o bastante pelo que dou a ela? Ele realmente me dá o bastante?)<br />
como um deslocamento de um conflito não expresso sobre relações sexuais. O conflito<br />
experienciado é o conflito manifesto; já o que não está sendo diretamente expresso é o con-
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
flito subjacente. O primeiro em geral expressará o subjacente de uma forma simbólica ou<br />
idiomática; a forma indireta é um modo mais “seguro” de falar sobre conflitos que pareçam<br />
voláteis ou perigosos demais para serem tratados diretamente. Ou o conflito manifesto pode<br />
simplesmente refletir a irritabili<strong>da</strong>de e a tensão geral nas relações entre as partes conflitantes<br />
que resulta de um conflito não resolvido e subjacente – a tensão não resolvi<strong>da</strong> levando ca<strong>da</strong><br />
lado a ser excessivamente sensível a desprezos, inclinado a controvérsias e a ter outras pos-<br />
turas desse tipo.<br />
Conflitos manifestos têm formas tão diversas como a de uma pessoa obsessiva sobre se<br />
ela deve ou não conferir se realmente desligou o fogão; a discussão de dois irmãos sobre em<br />
que canal a TV deve ser sintoniza<strong>da</strong>; a controvérsia entre o quadro escolar e o sindicato dos<br />
professores pela transferência de um outro professor; ou uma disputa internacional envolven-<br />
do alegações de violação de uma demarcação territorial por uma aeronave estrangeira. Ca<strong>da</strong><br />
um desses conflitos manifestos pode ser sintomático de um outro subjacente. A pessoa obses-<br />
siva pode querer confiar em si mesma, mas ter medo de apresentar impulsos que seriam<br />
destrutivos se não conferidos; os dois irmãos podem estar lutando para obter o que ca<strong>da</strong> um<br />
considera ser a sua parte justa <strong>da</strong>s recompensas familiares, e assim por diante. Não raro um<br />
conflito manifesto pode ser resolvido apenas temporariamente – a não ser que se lide com o<br />
conflito subjacente ou que este seja separado do conflito manifesto e tratado isola<strong>da</strong>mente.<br />
Por outro lado, às vezes a resolução de um conflito subjacente é acelera<strong>da</strong> pelo fato de se li<strong>da</strong>r<br />
com ele inicialmente nas suas formas seguras e desloca<strong>da</strong>s, que geralmente parecem mais<br />
fáceis de alcançar por serem menos cósmicas em suas implicações do que o conflito subjacente.<br />
Conflito Mal-Atribuído. Neste tipo, o conflito dá-se entre as partes erra<strong>da</strong>s e, como<br />
consequência, geralmente sobre questões equivoca<strong>da</strong>s. Tal má-atribuição pode ser incons-<br />
ciente, como quando alguém culpa uma criança por algo que ela foi instruí<strong>da</strong> por seus pais<br />
a fazer, ou então pode ser cria<strong>da</strong> pelos que irão ganhar com ela. “Dividir e conquistar” é<br />
uma estratégia conheci<strong>da</strong> para enfraquecer um grupo, induzindo o conflito interno de ma-<br />
neira a obscurecer o choque entre o grupo e seu conquistador.<br />
Similarmente, quando há uma escassez de bons empregos, o antagonismo, em vez <strong>da</strong><br />
cooperação, entre trabalhadores brancos e negros, pode refletir uma característica errônea:<br />
a origem <strong>da</strong> dificul<strong>da</strong>de de um grupo racial sendo atribuí<strong>da</strong> à competição do outro em vez de<br />
o ser ao sistema industrial ou ao governo. Essa característica errônea pode ser cria<strong>da</strong> indire-<br />
tamente por meio de ideologias que atribuam os problemas econômicos aos defeitos de indi-<br />
víduos e grupos em vez de ao funcionamento do sistema econômico. Uma <strong>da</strong>s preocupações<br />
inevitáveis de grupos interessados em produzir mu<strong>da</strong>nça social é reduzir a má-atribuição e<br />
os conflitos falsos ou contenciosos, fazendo a cooperação efetiva ganhar espaço entre gru-<br />
pos de pequeno poder. A cooperação efetiva irá, presumivelmente, elevar seus poderes mú-<br />
tuos para alcançar a mu<strong>da</strong>nça.<br />
37
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
38<br />
Conflito Latente. Este é, com efeito, um conflito que deveria estar ocorrendo, mas não<br />
está. Alguém pode não estar experienciando conscientemente um conflito <strong>da</strong> maneira como<br />
deveria porque ele foi reprimido, deslocado, ou mal-atribuído, ou porque ele nem sequer<br />
existe psicologicamente. Se uma mulher pensa ser natural homens terem mais direitos le-<br />
gais e econômicos, ela provavelmente pouco contestará os machistas. Mesmo, porém, rejei-<br />
tando a doutrina <strong>da</strong> superiori<strong>da</strong>de masculina, ela pode não ser partidária dos direitos femi-<br />
ninos e até estar consciente <strong>da</strong> discriminação contra as mulheres. Dessa forma, um dos<br />
objetivos <strong>da</strong>queles interessados no melhoramento social é transformar conflitos latentes em<br />
conflitos conscientes. A conscientização ocorre no fortalecimento simultâneo <strong>da</strong> percepção<br />
de uma identi<strong>da</strong>de própria (como uma mulher, como um negro, como um trabalhador) e<br />
torna-se maior na saliência do conflito com outros que denigrem sua identi<strong>da</strong>de.<br />
Conflito Falso. É a ocorrência do conflito quando não há base para ele. Este conflito<br />
sempre indica má percepção ou má compreensão. Da<strong>da</strong> a notória inexatidão na percepção<br />
realiza<strong>da</strong> pelos indivíduos, grupos ou nações, não é improvável que tais conflitos sejam<br />
frequentes. Um conflito pode, logicamente, iniciar-se como falso, mas eliciar novos motivos<br />
e comportamentos que o transformem em ver<strong>da</strong>deiro. Uma transformação como essa é mais<br />
provável de ocorrer em uma atmosfera de competitivi<strong>da</strong>de e suspeição do que em uma de<br />
cooperação e confiança.<br />
O conflito em si não é responsável pelas patologias sociais, desordens ou guerras.<br />
Jamais teremos uma existência livre de conflitos. Muitos controlam seus conflitos internos<br />
e aparentemente a maioria <strong>da</strong>s pessoas procura conflito em esportes competitivos e jogos,<br />
indo ao teatro ou lendo um romance, ouvindo as notícias, no jogo provocante dos encon-<br />
tros íntimos e no seu trabalho intelectual.<br />
Um conflito existe quando ativi<strong>da</strong>des incompatíveis ocorrem. As ações incompatíveis<br />
podem se originar em uma pessoa, em uma coletivi<strong>da</strong>de ou em uma nação; tais conflitos<br />
chamam-se intrapessoais, intracoletivos ou intranacionais. Ou podem refletir ações incom-<br />
patíveis de uma ou mais pessoas, coletivi<strong>da</strong>des ou nações; esses conflitos são denominados<br />
interpessoais, intercoletivos ou internacionais. Uma ação incompatível com outra impede,<br />
obstrui, interfere, <strong>da</strong>nifica ou de alguma maneira torna a última menos provável ou menos<br />
efetiva.
Uni<strong>da</strong>de Uni<strong>da</strong>de 2<br />
2<br />
EaD<br />
RELAÇÕES SOCIAIS E ANSIEDADES<br />
OBJETIVO DESTA UNIDADE<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Estu<strong>da</strong>r mais especificamente os casos de manifestação de conflitos e <strong>violência</strong>s e os<br />
tipos de <strong>violência</strong>s que são abor<strong>da</strong>dos nas pesquisas sociológicas.<br />
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE<br />
Seção 2.1 – Violência e a Cultura<br />
Seção 2.2 – Mundo do Trabalho e a Violência<br />
Seção 2.3 – Família e Violência<br />
O conceito de relação social baseia-se no fato de que o comportamento humano está<br />
orientado de inúmeras maneiras para outras pessoas. Os homens não apenas vivem juntos e<br />
partilham opiniões, valores, crenças e costumes comuns, mas também interagem continua-<br />
mente, reagem uns aos outros e modelam seu comportamento pelo comportamento e pelas<br />
expectativas alheias. Exemplos familiares de comportamentos orientados para as expectati-<br />
vas, desejos e anseios, reais ou imaginados, de outros (o esforço do apaixonado para agra-<br />
<strong>da</strong>r o objeto de suas afeições; as tentativas do político para conquistar o apoio do eleitora-<br />
do, etc.). A ação pode ser modela<strong>da</strong> pela ação de outra pessoa; a criança imita o pai, a<br />
adolescente imita sua estrela de cinema favorita.<br />
O comportamento pode ser calculado para obter respostas dos outros, como esforço de<br />
conquistar a aprovação.<br />
Pode-se dizer que existe relação social quando indivíduos ou grupos têm expectativas<br />
recíprocas em relação ao comportamento uns dos outros, de modo que tendem a agir de<br />
formas relativamente padroniza<strong>da</strong>s. Uma relação social consiste num padrão de interação<br />
humana. Pais e filhos respondem uns aos outros de maneiras mais ou menos regulares,<br />
basea<strong>da</strong>s em expectativas mútuas.<br />
39
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
40<br />
De um ponto de vista sociológico, portanto, a socie<strong>da</strong>de é a “trama <strong>da</strong>s relações soci-<br />
ais”. Dissemos que a vi<strong>da</strong> humana é vi<strong>da</strong> de grupo. Os homens não vivem separados, ca<strong>da</strong><br />
qual está sempre em busca de uma solução particular para os problemas de sobrevivência.<br />
Vivem juntos, partilhando uma forma comum de vi<strong>da</strong> (uma cultura), que lhes regula a exis-<br />
tência coletiva e lhes proporciona métodos para se a<strong>da</strong>ptarem ao mundo que os rodeia e<br />
controlarem e manipularem, até certo ponto, as forças <strong>da</strong> natureza.<br />
Seção 2.1<br />
Violência e a Cultura<br />
O ser humano está potencialmente destinado ao amor, à entrega, à inveja, ao ciúme, à<br />
ambição, ao ódio. Fechado sobre si mesmo ou aberto pelas forças <strong>da</strong> exclusão ou a inclusão,<br />
os sujeitos são bons ou maus, conforme to<strong>da</strong> a gama de afetivi<strong>da</strong>de humana (Silva, 2009a).<br />
É nesse sentido que a <strong>violência</strong> se conecta às ansie<strong>da</strong>des individuais. 1 Atravessamos<br />
uma época de extraordinários avanços <strong>da</strong> <strong>violência</strong>; vivemos em um estado de tensão per-<br />
manente, a <strong>violência</strong> espalha-se por to<strong>da</strong>s as instâncias <strong>da</strong> Terra. Ataca-nos com todos os<br />
seus tentáculos, transformando nossas vi<strong>da</strong>s em paranoias generaliza<strong>da</strong>s. Parece um exage-<br />
ro tal afirmação, mas não o é, a <strong>violência</strong> possui várias máscaras, como se fosse um camaleão<br />
que mu<strong>da</strong> de cor quando se sente ameaçado.<br />
Ela se reproduz desde os pequenos gestos, como aquela doação quando saímos de um<br />
restaurante ou de um supermercado, assim como nos cruzamentos <strong>da</strong>s grandes metrópoles.<br />
Esses gestos de “bon<strong>da</strong>de”, quando se pensa “eu fiz minha parte”, na ver<strong>da</strong>de é um falso<br />
comprometimento social porque não vai resolver em na<strong>da</strong> a degra<strong>da</strong>nte reali<strong>da</strong>de. Ela vai<br />
aparecer mais adiante na forma de morte, talvez por um par de tênis ou por uma jaqueta de<br />
marca, ou pelo dinheiro para comprar droga, ou mesmo pela fome, e também pela necessi<strong>da</strong>-<br />
de <strong>da</strong> satisfação pessoal, porque este sujeito em seu íntimo estando fora <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de de<br />
consumo, sente-se não pertencendo a esta, e cobra seu ingresso, que lhe está sendo negado.<br />
O valor humano se faz pouco presente, ele já foi humilhado quando alcançávamos<br />
aqueles centavos de esmola na saí<strong>da</strong> do restaurante. A <strong>violência</strong>, no entanto, perpassa o<br />
indivíduo e vai também se instalar nas instituições, fazendo delas uma espécie de fonte<br />
geradora desse desequilíbrio social, e nas políticas públicas, representa<strong>da</strong>s pelo Estado, que<br />
tem se revelado uma excelência em corrupção há várias déca<strong>da</strong>s, com isso prejudicando o<br />
desenvolvimento de socie<strong>da</strong>des inteiras.<br />
1 Texto produzido por Dalmiro Volnei <strong>da</strong> Silva, como parte <strong>da</strong> dissertação de Pós-Graduação em <strong>Sociologia</strong>, realizado na <strong>Unijuí</strong> em 2007.
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Na esplendorosa tecnociência, que vem desenvolvendo benfeitorias jamais vistas pela<br />
humani<strong>da</strong>de, também vem gerando uma legião de excluídos, uma massa humana ca<strong>da</strong> vez<br />
maior que não tem acesso a esses benefícios.<br />
Nas escolas, que deveriam ser o berço de nossa educação, assistimos a uma longa luta<br />
pelo poder ideológico dos rumos do aprendizado, políticas pe<strong>da</strong>gógicas, ideologias de Esta-<br />
do, interesses econômicos, exclusão de pessoas, enfim, na escola se aprende de tudo, é onde<br />
o “bem e o mal” se cruzam, e onde nem sempre o bem prevalece.<br />
Nas religiões, assistimos a uma explosão fantástica de <strong>violência</strong>s, surgem <strong>da</strong> noite<br />
para o dia, exploram a latente espirituali<strong>da</strong>de do ser humano, mas muito mais sua fragili<strong>da</strong>-<br />
de diante de um mundo de competição.<br />
Nas famílias, nascedouro e fonte de todo nosso primeiro projeto de vi<strong>da</strong>, pois é dela<br />
que emerge a espécie humana e se a família está doente a socie<strong>da</strong>de adoece. Não cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong><br />
família seria como se atirássemos um bumerangue com to<strong>da</strong> a força, ele vai, mas volta, e o<br />
problema é a volta, que é quando nos deparamos com uma imensa desordem social que se<br />
revela através <strong>da</strong> <strong>violência</strong> apresenta<strong>da</strong> sob várias máscaras.<br />
A mídia tornou-se, com o passar <strong>da</strong>s déca<strong>da</strong>s, uma <strong>da</strong>s estruturas mais poderosas do<br />
mundo moderno. Esta estrutura poderosíssima ganhou espaço e poder nas últimas déca<strong>da</strong>s.<br />
Escora<strong>da</strong> pelo poder econômico ela atinge em cheio o núcleo familiar, a educação, o Esta-<br />
do, as religiões, a cultura, as economias, enfim, tornou-se um quarto poder, revelando-se<br />
um dos braços mais fortes para o espraiamento <strong>da</strong> <strong>violência</strong> nos dias de hoje.<br />
A mídia contribui para não pensarmos na legião de pobres miseráveis e sem instrução,<br />
fora do espaço <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, sujeitos sem autoestima. Derrotados por um modelo de<br />
socie<strong>da</strong>de excludente, eles vão se ramificando e desenvolvendo-se numa marginali<strong>da</strong>de pro-<br />
fissional, e a maioria destes atores, que são quase sempre jovens, em vez de serem braços<br />
para o trabalho e para o sustento e desenvolvimento de sua família e de sua nação, acabam<br />
enchendo as cadeias. São fun<strong>da</strong>mentalmente pessoas, indivíduos, seres humanos que vivem<br />
sob o mesmo sol e sob a mesma democracia, iguais a todos nós.<br />
O advento <strong>da</strong> tecnologia <strong>da</strong> informação também habilitou a <strong>violência</strong> profissional.<br />
Não é mais privilégio <strong>da</strong>s grandes metrópoles a prática de crimes com alta dose de inteligên-<br />
cia, além dos delitos tradicionais. A <strong>violência</strong> hoje está bem mais perto e bem mais presente<br />
do que talvez se possa imaginar. Dentro de sua casa, ou a poucas quadras dela. A Vila Frei<br />
Olímpio, de Três Passos, o Bairro São Francisco, de Tenente Portela, o Getúlio Vargas, de<br />
Ijuí, o Promorar, de Horizontina, o Bairro Santa Fé, de Santo Augusto, o Planalto, de Santa<br />
Rosa ou a Vila Ipê, de Caxias do Sul, hoje, não são tão diferentes <strong>da</strong> Rocinha ou do Comple-<br />
xo do Alemão, do Rio de Janeiro, ou do Morro <strong>da</strong> Cruz, de Porto Alegre, porque a <strong>violência</strong>,<br />
o crime e a barbárie, aproveitaram a on<strong>da</strong> e se globalizaram também. As novas tecnologias<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> informação disponibilizam o tempo real para todos, inclusive para o crime.<br />
41
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
42<br />
O PCC de São Paulo, ou o CV do Rio de Janeiro, ao simples clicar de uma tecla de um<br />
celular, colocam em questionamento todo um modelo de socie<strong>da</strong>de e desencadeia um ver<strong>da</strong>-<br />
deiro caos para uma população que se encontra indefesa, refém de uma <strong>violência</strong> que pare-<br />
ce não ter mais fim, <strong>violência</strong> esta que começa a se desenvolver dentro de nossa própria<br />
casa.<br />
Precisamos ter a compreensão de que a história do povo brasileiro foi marca<strong>da</strong> por<br />
<strong>violência</strong>s sem tréguas contra sua gente: dos colonizadores sobre os índios; dos senhores<br />
sobre os escravos; dos fazendeiros sobre os camponeses do passado e os boias-frias de hoje;<br />
dos latifundiários sobre os que lutam pela liber<strong>da</strong>de, para manterem a situação econômica,<br />
política, social e cultural existente.<br />
No Brasil, a <strong>violência</strong> apresenta-se em franco desenvolvimento, resultado de um siste-<br />
ma político-econômico injusto, <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des sociais como o desemprego, fome, misé-<br />
ria, desrespeito às diferenças culturais (negro, índio, mulher), <strong>da</strong> influência dos meios de<br />
comunicação, como programas, filmes, desenhos, novelas que estimulam e banalizam a vi-<br />
olência, notícias tendenciosas, e tantos outros meios de inserção que invadem nossos lares,<br />
deteriorando ou embatendo com algumas expressões de valores que respeitamos.<br />
Falar de cultura e valores no Brasil é se deter na especifici<strong>da</strong>de do brasileiro, mesmo<br />
sabendo de diferenças marcantes entre os habitantes <strong>da</strong>s diferentes regiões do país. 2<br />
No ensaio em que Sérgio Buarque de Holan<strong>da</strong> apresenta sua tese do Homem Cordial,<br />
caracteriza o brasileiro como um tipo que “(...) é visceralmente inadequado às relações im-<br />
pessoais que decorrem <strong>da</strong> posição e <strong>da</strong> função do indivíduo, e não <strong>da</strong> sua marca pessoal e<br />
familiar, <strong>da</strong>s afini<strong>da</strong>des nasci<strong>da</strong>s na intimi<strong>da</strong>de dos grupos primários (1995, p. 17). 3 Buarque<br />
de Holan<strong>da</strong> define a socie<strong>da</strong>de brasileira, do período colonial, como uma socie<strong>da</strong>de<br />
personalista, afetiva.<br />
Em socie<strong>da</strong>de de origem tão niti<strong>da</strong>mente personalista como a nossa, é compreensível que os<br />
simples vínculos de pessoa a pessoa, independentes e até exclusivos de qualquer tendência para<br />
a cooperação autêntica entre os indivíduos, tenham sido quase sempre os mais decisivos. As<br />
agregações e relações pessoais, embora por vezes precárias, e, de outro lado, as lutas entre<br />
facções, entre famílias, entre regionalismos, faziam dela um todo incoerente e amorfo. O peculi-<br />
ar <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> brasileira parece ter sido, por essa época, uma acentuação singularmente enérgica do<br />
afetivo, do irracional, e uma estagnação ou atrofia correspondente <strong>da</strong>s quali<strong>da</strong>des ordenadoras,<br />
disciplinadoras, racionalizadoras. Quer dizer, exatamente o contrário do que parece convir a<br />
uma população em vias de se organizar politicamente (1995, p. 61).<br />
2 Correa, Ricardo. Texto produzido para discussão no grupo Grupo de Estudo sobre Violência (Gevi), coordenado pelo professor Enio<br />
Waldir <strong>da</strong> Silva na <strong>Unijuí</strong> (2005).<br />
3 “O Homem Cordial não pressupõe bon<strong>da</strong>de, mas somente o predomínio dos comportamentos de aparência afetiva, inclusive suas<br />
aparências externas, não necessariamente sinceras, nem profun<strong>da</strong>s, que se opõem aos situalismos de polidez” (Holan<strong>da</strong>, 1995, p. 17).
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Parece que a caracterização feita por Buarque de Holan<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> é váli<strong>da</strong> para a socie-<br />
<strong>da</strong>de brasileira. Na mesma linha de raciocínio Meira Penna escreve:<br />
Num mundo como o nosso, cuja base é o sentimento; numa socie<strong>da</strong>de como a nossa, cuja ordem<br />
é de fundo emocional; numa comuni<strong>da</strong>de flui<strong>da</strong>, cuja estrutura plástica é constituí<strong>da</strong> por laços<br />
afetivos – a única relação possível entre os indivíduos é a relação de amizade (ou inimizade), a<br />
relação pessoal afetiva segundo um critério de sym-pathiai (1972, p. 81).<br />
Dessas teses pode-se inferir que o brasileiro é um tipo que não sabe distinguir entre o<br />
público e o privado, ou melhor, tenta levar para a vi<strong>da</strong> pública suas relações pessoais de<br />
amizade/inimizade. O indivíduo brasileiro vê o mundo público através do privado. Seus sen-<br />
timentos, seus valores de amizade ou inimizade são os mais altos na sua escala, mesmo nas<br />
relações caracteristicamente racionais. Sendo assim, no Brasil o que mais importa é a ques-<br />
tão <strong>da</strong> amizade/inimizade.<br />
Outro aspecto característico do brasileiro é seu amor pelas aparências e seu apego<br />
pelos títulos. Basta lembrar o conto de Lima Barreto para ter uma ideia do respeito que o<br />
brasileiro tem pelo que não entende, mas julga importante. Em “O homem que sabia javanês”<br />
o personagem de Lima Barreto ganha fama e prestígio na ci<strong>da</strong>de por conhecer uma língua<br />
desconheci<strong>da</strong>. No “Brás Cubas” Machado de Assis fala <strong>da</strong>s “aparências rutilantes”:<br />
[essa] preferência pela falsa representação, pelas formas sem conteúdo – um talento um tanto ou<br />
quanto histriônico destinado a demonstrar mais do que realmente se possui; uma encarnação<br />
para efeitos puramente externos, basea<strong>da</strong> na crença, às vezes ingênua, de que o próximo será<br />
iludido; uma tendência a morar em casa cuja facha<strong>da</strong> seja mais bonita do que o recheio (...)<br />
(apud Meira Penna, 1972, p. 73).<br />
Quem nunca se deparou com o ar de superiori<strong>da</strong>de dos bacharéis, mesmo quando<br />
falam <strong>da</strong>quilo que não conhecem, que não estu<strong>da</strong>ram?<br />
Outro aspecto importante do caráter do brasileiro foi colocado por Oliven (1989) em<br />
“A malandragem na música popular brasileira”. O autor mostra como os compositores po-<br />
pulares captaram a aversão do brasileiro pelo trabalho e seu gosto pela malandragem. Se-<br />
gundo Oliven, comentando Da Matta: “[...] apesar do reduzido espaço social que sobra à<br />
vadiagem, a malandragem permanece enquanto uns dos pólos de identi<strong>da</strong>de nacional re-<br />
presenta<strong>da</strong> pela oposição malandro-‘caxias’” (p. 67).<br />
Do exposto podemos concluir que o brasileiro não sabe distinguir entre o público e o<br />
privado, tem amor pelas aparências, procura sempre demonstrar mais do que tem ou é, além<br />
de ser um tipo avesso ao trabalho ou que pretende obter vantagem em tudo.<br />
O que, no entanto, tem isso a ver com a <strong>violência</strong> no Brasil? Creio, como Meira Penna<br />
(1972, p. 226 ), que:<br />
43
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
44<br />
[os] homens estão preparados para a liber<strong>da</strong>de civil na proporção exata de sua disposição a<br />
controlar seus próprios apetites com cadeias morais... A socie<strong>da</strong>de só pode existir se um poder de<br />
controle sobre a vontade e os apetites for colocado em algum lugar; e quanto menos houver<br />
dentro de nós, tanto mais haverá fora de nós.<br />
O problema <strong>da</strong> <strong>violência</strong> no Brasil põem em risco a própria democracia. Simplesmente<br />
não respeitamos nossas instituições. Basta analisar o comportamento do brasileiro perante<br />
as leis. Será que a máxima de Capistrano de Abreu A única lei que falta é a que man<strong>da</strong><br />
cumprir to<strong>da</strong>s as outras é ver<strong>da</strong>deira? É nessa escala de valores do tipo brasileiro que pode<br />
estar um dos motivos <strong>da</strong> <strong>violência</strong> no país.<br />
De qualquer forma, assim como vivenciamos uma certa cultura de <strong>violência</strong> também<br />
mantemos uma cultura <strong>da</strong> penalização. Muitos problemas advêm destas concepções. Surge<br />
como exemplo a seletivi<strong>da</strong>de do sistema penal, baseado no estereótipo do criminoso: pobre,<br />
feio, malvestido, de preferência negro, este tipo é geralmente considerado suspeito, o bandi-<br />
do em potencial.<br />
Por outro lado, a criminali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s elites, os crimes contra a economia popular, frau-<br />
des, crimes financeiros, destruição <strong>da</strong> fauna e <strong>da</strong> flora, poluição ambiental, corrupção, ge-<br />
ralmente não são considerados delitos, ou são convertidos em multas que não afetam em<br />
absolutamente na<strong>da</strong> o infrator.<br />
Ao mesmo tempo é forja<strong>da</strong> na população (por uma mídia tendenciosa) a ideia de que<br />
atacar um índio, um negro, um pobre, é evitar que este agri<strong>da</strong> alguém, ou que castigar um<br />
criminoso que já agrediu é fato aceitável. Lembramos o assassinato do índio Galdino Jesus<br />
dos Santos, em Brasília, que dormia em um banco, sem molestar quem quer que seja. Galdino<br />
agonizou até a morte, foi queimado, atearam fogo em seu corpo, vivo, num ato de horror<br />
inaceitável realizado por cinco jovens <strong>da</strong> classe média.<br />
Perguntados por que praticaram tamanha atroci<strong>da</strong>de, responderam: “Pensamos que<br />
fosse um mendigo”. Terencio, o índio, que também dormia, sozinho, quieto, em paz, sem<br />
molestar ninguém, em uma praça na ci<strong>da</strong>de de Miraguaí, Noroeste do Rio Grande do Sul,<br />
foi morto violentamente a paula<strong>da</strong>s e a pedra<strong>da</strong>s por jovens, sem dizer uma palavra. Gemeu<br />
apenas.<br />
Vemos tantas pessoas sujeitas às <strong>violência</strong>s mais bárbaras, aos massacres de nossa<br />
História, de Palmares a Canudos, do Contestado ao Carandiru, <strong>da</strong> Candelária a Vigário<br />
Geral, de Volta Redon<strong>da</strong> a Eldorado dos Carajás e Corumbiara, de Chico Mendes a Irmã<br />
Dorothy, do menino João Hélio ao ônibus queimado com pessoas (trabalhadores) dentro, no<br />
Rio de Janeiro, e tantos outros crimes que acontecem em nosso cotidiano. Arrastar uma<br />
criança pelas ruas, despe<strong>da</strong>çando seu corpo pelo caminho, ou atear fogo em alguém que<br />
dorme, trancar pessoas dentro de um ônibus e incendiá-lo, ou adicionar detergente e so<strong>da</strong>
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
cáustica ao leite para obter mais lucrativi<strong>da</strong>de, corrupção e roubos de to<strong>da</strong> a ordem contra<br />
a socie<strong>da</strong>de, tudo isso pode estar nos <strong>da</strong>ndo sinais de que talvez tenhamos chegado a um<br />
estado tal de <strong>violência</strong>, muito perto dos limites do estado de barbárie, de um desequilíbrio<br />
social tão grande e tão gigantesco, que nos remete a repensar a atual socie<strong>da</strong>de em que<br />
vivemos. 4<br />
Seção 2.2<br />
Mundo do Trabalho e a Violência<br />
A <strong>violência</strong> tem uma grande comporta aberta e por ela passam e se desenvolvem diver-<br />
sas anomalias sociais. Podemos quase afirmar que este caminho seja o maior causador <strong>da</strong><br />
desregulação social vigente nos duas atuais. Referimo-nos ao trabalho, ou à falta dele, e<br />
isso vem a revelar um ser humano errante e miserável dentro de seu meio.<br />
O conceito de trabalho é a ativi<strong>da</strong>de humana que transforma a natureza nos bens<br />
necessários à reprodução social. É a categoria fun<strong>da</strong>nte do mundo dos homens. É no e pelo<br />
trabalho que se efetiva o salto ontológico (ou antológico) que retira a existência humana<br />
<strong>da</strong>s determinações meramente biológicas. Não pode haver existência social sem trabalho. A<br />
existência social, afirma Lessa (2002, p. 27), é muito mais que trabalho. O próprio trabalho<br />
é uma categoria social, ou seja, apenas pode existir como partícipe de um complexo com-<br />
posto, no mínimo, por ele, pela fala e pela sociabili<strong>da</strong>de (o conjunto <strong>da</strong>s relações sociais).<br />
As relações dos homens com a natureza requerem, com absoluta necessi<strong>da</strong>de, a rela-<br />
ção dos homens com os homens. Esse é o abismo que construímos entre nós, pois elegemos<br />
outros valores para medir nossas relações.<br />
Voltando um pouco no tempo, nos anos 70 convivíamos com uma percepção otimista<br />
fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> na crença de emergência de uma nova fase de avanço político-social,<br />
complementando o progresso conquistado no plano do bem-estar social, que se expressaria<br />
na ampliação <strong>da</strong> participação democrática, basea<strong>da</strong> na concepção de fortalecimento <strong>da</strong> esfe-<br />
ra pública como fator garantidor de níveis mais elevados de participação popular. A presença<br />
marcante dos novos movimentos sociais contribuía para reforçar essa crença. Os anos 80<br />
anunciam uma outra reali<strong>da</strong>de que, ao final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> e no decorrer dos anos 90, mostra-se<br />
em to<strong>da</strong> a sua crueza, desfazendo a ideia de que “o amanhã será melhor do que hoje”.<br />
4 Dalmiro Volnei <strong>da</strong> Silva, é quem tem esta compreensão, pois seu estudo envolveu a cultura de jovens na região de Três Passos /RS.<br />
Consta de sua dissertação de Pós-Graduação em <strong>Sociologia</strong>, realizado na <strong>Unijuí</strong> em 2007.<br />
45
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
46<br />
Os países altamente industrializados experimentaram, nos últimos 15 anos, que<strong>da</strong><br />
dos níveis de vi<strong>da</strong> e de emprego, sugerindo a criação <strong>da</strong> expressão “brasilianização do Pri-<br />
meiro Mundo”. Essa reali<strong>da</strong>de decorre, em grande parte, de transformações que afetam a<br />
economia e o mundo <strong>da</strong> produção, bem como dos abalos sofridos pelo Estado do Bem-Estar.<br />
No mundo do trabalho assiste-se a transformações tecnológicas e organizacionais que pro-<br />
duzem alterações no conteúdo e definição do trabalho, cujas consequências e implicações<br />
se expressam de forma dramática no mercado de trabalho, nos novos conceitos de<br />
empregabili<strong>da</strong>de e no novo perfil de trabalhador. Fenômenos como crescimento do desem-<br />
prego de massa e de longa duração nos países centrais, a desregulamentação do mercado de<br />
trabalho, o futuro do trabalho, passam a exigir uma pauta de discussões em que se incluam<br />
questões como exclusão social e crise do trabalho .<br />
A vi<strong>da</strong> nas ci<strong>da</strong>des tende a apresentar formas comunitárias emergentes basea<strong>da</strong>s em<br />
princípios individualistas. Nos grandes aglomerados urbanos e na sua periferia, o desempre-<br />
go, a promiscui<strong>da</strong>de, a desestruturação familiar, a pulverização social, etc., são fatores que<br />
concorrem simultaneamente para a desestruturação de laços comunitários tradicionais e<br />
para o desenvolvimento de processos que funcionam como suporte para uma espécie de<br />
tribalização, em que a delinquência e a <strong>violência</strong> se apresentam como elementos de uma<br />
microcultura ou uma subcultura.<br />
A centrali<strong>da</strong>de do trabalho parte de duas perspectivas opostas: a) trabalho entendido<br />
como dimensão ontológica, como elemento definidor <strong>da</strong> essência <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de e, nesse<br />
sentido, visto como ativi<strong>da</strong>de natural <strong>da</strong>s pessoas, constituindo-se em suporte do vínculo<br />
social, e b) trabalho como carga penosa, circunscrita ao reino <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> subordi-<br />
nação, que retira dos seres humanos o livre exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />
Na primeira perspectiva, a redução do percentual de empregados, a diminuição do<br />
tempo de trabalho remunerado, o que para os segundos representaria evidência de crise do<br />
trabalho, na<strong>da</strong> mais seria do que a manifestação de crise mais ampla de caráter estrutural,<br />
afetando o mercado de trabalho, não só pelo aumento expressivo do desemprego, mas tam-<br />
bém pelas novas configurações do emprego, ou seja, a descontinui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> situação de em-<br />
prego. A centrali<strong>da</strong>de do trabalho está enraiza<strong>da</strong> na percepção <strong>da</strong>s populações.<br />
O trabalho não é percebido como essencialmente penoso, mas é avaliado sobretudo<br />
por sua função de socialização e de utili<strong>da</strong>de social. O trabalho tem um significado não<br />
apenas econômico, mas também político, psicológico e simbólico, considerando as formas<br />
modernas de garantias do trabalho como manifestação de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia política e social.<br />
A não centrali<strong>da</strong>de do trabalho traz-nos a ideia de que o valor e a ética do trabalho<br />
ajustavam-se a uma socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> escassez, de baixa produtivi<strong>da</strong>de. Esse tipo de socie<strong>da</strong>de<br />
estaria distante; a crise presente seria a de abundância de riqueza gera<strong>da</strong> pela alta produti-
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
vi<strong>da</strong>de. Estaríamos, portanto, ingressando em uma nova era que marcaria o fim do trabalho,<br />
determinando, também, a desarticulação <strong>da</strong> relação hoje existente entre trabalho e sociali-<br />
zação. Haveria, assim, oportuni<strong>da</strong>de para reduzir ao máximo o tempo dedicado ao trabalho,<br />
para que ca<strong>da</strong> um pudesse escolher livremente suas ativi<strong>da</strong>des, possibilitando a emergência<br />
de novo tipo de relações sociais.<br />
Assim, fica evidente, a <strong>violência</strong> está intimamente liga<strong>da</strong> à falta do trabalho, uma vez<br />
que este faz do ser humano um ser social.<br />
Voltamos a Wacquant (2001), que reafirma a onipotência do Leviatã no domínio res-<br />
trito <strong>da</strong> manutenção <strong>da</strong> ordem pública, simboliza<strong>da</strong> pela luta contra a delinquência de rua,<br />
no momento em que este se afirma e mostra-se capaz de conter a decomposição do trabalho<br />
assalariado e de refrear a hipermobili<strong>da</strong>de do capital, as quais, capturando-a como tenazes,<br />
desestabilizam a socie<strong>da</strong>de inteira.<br />
Dessa forma, e sobretudo, a penali<strong>da</strong>de neoliberal ain<strong>da</strong> é mais sedutora e mais funes-<br />
ta quando aplica<strong>da</strong> em países ao mesmo tempo atingidos por fortes desigual<strong>da</strong>des de condi-<br />
ções e de oportuni<strong>da</strong>des de vi<strong>da</strong> e desprovidos de tradição democrática e de instituições<br />
capazes de amortecer os choques causados pela mutação do trabalho e do indivíduo no<br />
limiar do novo século (Wacquant, 2001).<br />
E é Wacquant (2001) quem nos permite afirmar que o novo senso comum penal<br />
neoliberal também está e veio pelo viés de uma rede de “geradores de ideias” neoconservadoras<br />
e de seus aliados nos campos burocrático, jornalístico e acadêmico. Estes estariam articula-<br />
dos em torno <strong>da</strong> maior repressão dos delitos menores e <strong>da</strong>s simples infrações (tolerância<br />
zero), o agravamento <strong>da</strong>s penas, a erosão <strong>da</strong> especifici<strong>da</strong>de do tratamento <strong>da</strong> delinquência<br />
juvenil, a vigilância sobre as populações e os territórios considerados “de risco”, a<br />
desregulamentação <strong>da</strong> administração penitenciária e a redefinição <strong>da</strong> divisão do trabalho<br />
entre o público e o privado. Estaria isto em perfeita harmonia com o senso comum neoliberal<br />
em matéria econômica e social, que nele completa e conforta desdenhando qualquer consi-<br />
deração de ordem política e cívica para estender a linha de raciocínio economicista, o impe-<br />
rativo <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de individual, cujo avesso é a irresponsabili<strong>da</strong>de coletiva, e o dogma<br />
<strong>da</strong> eficiência do mercado ao domínio do crime e do castigo.<br />
A prisão é uma fábrica de miséria, segundo Wacquant (2001, p. 95), que ao fazer um<br />
estudo sobre as penitenciárias <strong>da</strong> França, nos mostra como a trajetória carcerária do preso<br />
pode ser descrita como uma sequência de choques e de rupturas coman<strong>da</strong><strong>da</strong>s, por um lado,<br />
pelo imperativo de segurança interna do estabelecimento, e por outro, pelas exigências e os<br />
éditos do aparelho judiciário, que escondem uma desci<strong>da</strong> programa<strong>da</strong> na escala <strong>da</strong> indigên-<br />
cia, desci<strong>da</strong> tanto mais abrupta quanto mais o detento é pobre na saí<strong>da</strong>. A entra<strong>da</strong> na<br />
prisão é tipicamente pela per<strong>da</strong> do trabalho e <strong>da</strong> moradia, bem como <strong>da</strong> supressão parcial ou<br />
47
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
total <strong>da</strong>s aju<strong>da</strong>s e benefícios sociais. Esse empobrecimento material súbito não deixa de<br />
afetar a família do detento e, reciprocamente, de afrouxar os vínculos e fragilizar as relações<br />
afetivas com os próximos (separação <strong>da</strong> companheira ou esposa, distanciamento dos ami-<br />
gos, etc.). Em segui<strong>da</strong> vem uma série de transferências no seio do arquipélago penitenciário<br />
que se traduzem em outros tantos tempos mortos, confisco ou per<strong>da</strong> de objetos e de perten-<br />
ces pessoais, e de dificul<strong>da</strong>des de acesso aos raros recursos do estabelecimento, que são o<br />
trabalho, a formação e o lazer coletivo.<br />
48<br />
Enfim, seja autoriza<strong>da</strong>, condicional ou por soltura, a saí<strong>da</strong> marca um novo empobre-<br />
cimento, pelas despesas que ocasiona (deslocamentos, vestuário, presentes aos próximos,<br />
sede de consumo, etc.) e porque revela brutalmente a miséria. Como instituição fecha<strong>da</strong> que<br />
não raro considera os investimentos exteriores do detento como secundários, como lugar<br />
em que a segurança prevalece, e que coloca sistematicamente os interesses ou pelo menos a<br />
imagem que temos deles, do corpo social que se pretende proteger, acima <strong>da</strong>queles do detento,<br />
a prisão contribui ativamente para precarizar as magras aquisições de boa parte <strong>da</strong> popula-<br />
ção carcerária e para consoli<strong>da</strong>r situações provisórias de pobreza (Wacquant, 2001, p. 95).<br />
Há, porém, coisas piores: os efeitos pauperizantes do sistema penitenciário não se<br />
limitam apenas aos detentos, e seu perímetro de influências estende-se bem além dos muros,<br />
na medi<strong>da</strong> em que a prisão exporta sua pobreza, desestabilizando continuamente as famíli-<br />
as e os bairros submetidos a seu tropismo. De modo que o tratamento carcerário <strong>da</strong> miséria<br />
(re)produz sem cessar as condições de sua própria extensão: quando mais se encarceram<br />
pobres mais estes têm certeza, se não ocorrer nenhum imprevisto, de permanecerem pobres<br />
por bastante tempo, e, conseguinte, mais oferece um alvo cômodo à política de criminalização<br />
<strong>da</strong> miséria. A gestão penal <strong>da</strong> insegurança social alimenta-se assim de seu próprio fracasso<br />
programado (Wacquant, 2001).<br />
Seção 2.3<br />
Família e Violência<br />
A família é um lócus afetivo e relacional onde se expressam os elementos biológicos <strong>da</strong><br />
pessoa, a cosmologia solidária e pacífica <strong>da</strong>s intuições de vi<strong>da</strong>.<br />
A família contemporânea não se a<strong>da</strong>pta mais às funções inflexivelmente determina<strong>da</strong>s<br />
pelo atributo de se ser homem ou mulher. Os filhos não estão mais sujeitos à obediência<br />
inquestionável ao pai. A nova família não é apenas o seio <strong>da</strong> imortali<strong>da</strong>de dos vínculos<br />
consanguíneos e <strong>da</strong> defesa do nome e de bens patrimoniais dos antepassados, objetivos<br />
estes que, antigamente, se estabeleciam na razão de ser de to<strong>da</strong> a sua constituição.
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
A admissão <strong>da</strong> família moderna no tecido normativo brasileiro ocorreu com o advento<br />
<strong>da</strong> Constituição Federal de 1988 que, a partir dos artigos 226 e parágrafos, constatou<br />
normativamente e por intermédio dos princípios constitucionais que as formas e as organi-<br />
zações familiares são plurais e mais consubstancia<strong>da</strong>s na soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e assistência mútua<br />
dos seus integrantes do que no comando <strong>da</strong> lei.<br />
O teor do texto constitucional no que tange ao direito de família legitimou e reconhe-<br />
ceu juridicamente o que a vi<strong>da</strong> cotidiana na socie<strong>da</strong>de há muito tempo já expressava: múl-<br />
tiplas formas de enti<strong>da</strong>de familiar, em que o lar é o lugar de abrigo e <strong>da</strong> manifestação do<br />
afeto entre seus membros. O modelo clássico de família, assim, vai sendo substituído pela<br />
concepção do modelo contemporâneo de família.<br />
O papel do afeto, com o advento <strong>da</strong> Lei Maior, passa a ter atribuição preponderante<br />
juridicamente no sentido do reconhecimento <strong>da</strong>s novas enti<strong>da</strong>des familiares: casamento,<br />
união estável e a família monoparental, além <strong>da</strong>quelas não previstas expressamente. A Cons-<br />
tituição adotou um “sistema aberto”, pois, ain<strong>da</strong> que tenha abarcado novas formas de famí-<br />
lias, não o fez de forma a incluir to<strong>da</strong>s as uniões afetivas possíveis e já presentes no cenário<br />
social.<br />
No capítulo destinado à família, a Carta Magna deixou de considerar explicitamente<br />
as uniões forma<strong>da</strong>s por pessoas do mesmo sexo, como também não declarou uma tutela<br />
típica para outros arranjos familiares, tais como: os constituídos por avós e netos, irmãos<br />
entre si, tios e sobrinhos, demonstrando que existem situações não envolvi<strong>da</strong>s pelo Direito<br />
positivado, deixando para a jurisprudência e legislação infraconstitucional a incumbência<br />
de construí-las pela concretização dos princípios constitucionais e <strong>da</strong> aplicação dos direitos<br />
fun<strong>da</strong>mentais.<br />
Logo, a ordem constitucional, de forma específica, no artigo 226 e seus parágrafos,<br />
consagrou novos modelos de organização familiar e, de forma ampla, pelo princípio que<br />
direciona o ordenamento infraconstitucional para a promoção <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa hu-<br />
mana, tornou viável juridicamente o reconhecimento de outras formas de expressão <strong>da</strong> se-<br />
xuali<strong>da</strong>de, permitindo formas distintas de constituição de família que não somente aquela<br />
fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no casamento.<br />
A possibili<strong>da</strong>de de reconhecimento <strong>da</strong> união homoafetiva como enti<strong>da</strong>de familiar deri-<br />
va do princípio <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de visto sob o ângulo <strong>da</strong> não discriminação por causa do sexo e,<br />
portanto, em virtude <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de de orientação sexual, decorrente <strong>da</strong> autonomia ética que<br />
lhe deve ser assegura<strong>da</strong> para definir o que entende como seu projeto de realização pessoal.<br />
Essa transição <strong>da</strong> família codifica<strong>da</strong> para família constitucionaliza<strong>da</strong> representa, para<br />
o Direito brasileiro, uma mu<strong>da</strong>nça radical de paradigma, cujo valor fun<strong>da</strong>mental do<br />
ordenamento está alicerçado no princípio <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de humana.<br />
49
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
50<br />
A ordem constitucional é atualmente fonte que regulariza tanto o poder político quanto<br />
a socie<strong>da</strong>de civil. A Constituição “não é mais apenas a ordem jurídico-fun<strong>da</strong>mental do Es-<br />
tado”, tendo se tornado a “ordem jurídica fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de”, pois suas “normas<br />
abarcam também – de forma especialmente clara garantias tais como o matrimônio, a famí-<br />
lia, a proprie<strong>da</strong>de, a educação ou a liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> arte e <strong>da</strong> ciência – as bases de organização<br />
<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> não estatal”.<br />
A constitucionalização do Direito privado, em especial, no que concerne ao Direito de<br />
Família, obteve forte penetração. A digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana, fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> República<br />
Federativa (artigo 1º, III, CRFB/88) e a busca <strong>da</strong> justiça social possibilitaram extrair o valor<br />
jurídico do afeto e as suas manifestações. Mediante a admissibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> primazia dos valo-<br />
res consagrados de maneira democrática no texto constitucional, a constitucionalização do<br />
Direito Civil constitucional, no que respeita à evolução <strong>da</strong>s relações familiares, propiciou<br />
que a Carta Maior estabelecesse novos contornos no campo axiológico, redirecionando o<br />
Direito de Família brasileiro por meio dos princípios <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana, igual-<br />
<strong>da</strong>de substancial e <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de.<br />
A família constitucionaliza<strong>da</strong> representa a concretização de ideais e anseios <strong>da</strong>queles<br />
que não mais acreditavam que pudessem encontrar amparo e reconhecimento jurídico nos<br />
fatos sociais não codificados. Assim, a família contemporânea constitucionaliza<strong>da</strong> inaugu-<br />
ra um novo tempo.<br />
A Constituição Federal de 1988 foi o ponto culminante de to<strong>da</strong>s essas menciona<strong>da</strong>s<br />
transformações, em virtude de determinar como fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> República a digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
pessoa humana, alça<strong>da</strong> pelo seu artigo 1º, inciso III. Com isso o legislador constitucional<br />
suplanta de vez a concepção individualista dita<strong>da</strong> pelo Código de 1916. O caráter abstrato<br />
do homem, que assinalou o tecido normativo codificado, agora caracteriza a pessoa na sua<br />
dimensão humana, colocando-a no centro de todo o ordenamento jurídico. Logo, a Consti-<br />
tuição <strong>da</strong> República estabelece como alicerce um Direito de Família empenhado na valori-<br />
zação do homem, tendo como fun<strong>da</strong>mento valores constitucionais, cuja concretização con-<br />
fere autentici<strong>da</strong>de à digni<strong>da</strong>de humana.<br />
Complemente-se ao exposto que o ser humano não pode ser compreendido como um<br />
ente isolado <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, guiando-se por uma ótica individualista que esbarra na direção<br />
oposta ao sistema constitucional, de vez que o indivíduo não pode viver privado dos relacio-<br />
namentos estabelecidos com os outros, sob pena de distanciar-se <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de em que está<br />
inserido.<br />
Como consequência, a Constituição Federal apresenta em seu artigo 3º, inciso I, um<br />
de seus objetivos fun<strong>da</strong>mentais, qual seja, a construção de uma socie<strong>da</strong>de livre, justa e<br />
solidária. Cui<strong>da</strong>-se do princípio <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, compreendido em razão <strong>da</strong> atuação <strong>da</strong>
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
pessoa humana (CRFB/88, artigo 1º, inciso III). A tutela <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de dos direitos in-<br />
dividuais não se limita aos interesses exclusivamente pertencentes ao sujeito como um ser<br />
sozinho, mas sim como sujeito de direitos individuais sociais, cujo indivíduo está inserido<br />
em uma comuni<strong>da</strong>de, na qual existe uma grande dose de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de que estabelece o<br />
propósito e as bases desses direitos.<br />
Esses direitos são compreendidos como aqueles que pertencem ao ser humano dentro<br />
<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de como meio de sua efetivação, que se volta como forma de fun<strong>da</strong>mentação.<br />
Nesta perspectiva encontram-se como pontos no<strong>da</strong>is o homem em convívio na comuni<strong>da</strong>de<br />
e a comuni<strong>da</strong>de interagindo sobre o homem.<br />
Neste sentido a concepção de família se modifica, pois passa a ser compreendi<strong>da</strong> como<br />
uma comuni<strong>da</strong>de à qual o homem está integrado. A noção de família como instituição por si<br />
só, digna de tutela, dá lugar a um organismo social que somente será amparado se desempe-<br />
nhar sua ver<strong>da</strong>deira função, qual seja, a de proporcionar o pleno desenvolvimento de seus<br />
membros. A família soli<strong>da</strong>rista é o novo paradigma que vem substituir o <strong>da</strong> família patriarcal.<br />
O que confere conteúdo à especial proteção atribuí<strong>da</strong> à família pelo Estado é a digni-<br />
<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana. Observe-se que tanto o organismo familiar quanto a pessoa huma-<br />
na são perfeitamente harmonizáveis, pois se é ver<strong>da</strong>deiro que a comuni<strong>da</strong>de familiar somen-<br />
te é identifica<strong>da</strong> e ampara<strong>da</strong> em função <strong>da</strong> pessoa, então também é igualmente ver<strong>da</strong>deiro<br />
que o indivíduo terá a tutela garanti<strong>da</strong>, desde que não vise a sua própria satisfação ou que<br />
venha a dirigir suas ações para a desestabilização do núcleo familiar.<br />
Nessa esteira, notando a modificação do entendimento de família, a Carta Maior ad-<br />
mitiu expressamente como enti<strong>da</strong>des familiares: o casamento, a união estável entre o ho-<br />
mem e a mulher (artigo 226, § 3º, CRFB/88) e a comuni<strong>da</strong>de forma<strong>da</strong> por qualquer dos pais<br />
e seus descendentes (artigo 226, § 4º, CRFB/88), esta última chama<strong>da</strong>, pelos estudiosos do<br />
Direito, de família monoparental. O casamento, portanto, deixa de ser a única fonte<br />
legitimadora do núcleo familiar.<br />
Além dos princípios <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pessoa humana, <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de,<br />
quatro outros princípios constitucionais recaem de maneira imediata sobre as relações fami-<br />
liares: a) igual<strong>da</strong>de de direitos e deveres, no âmbito <strong>da</strong> conjugali<strong>da</strong>de (artigo 226, § 5º); b) o<br />
planejamento familiar fun<strong>da</strong>do nos princípios <strong>da</strong> digni<strong>da</strong>de humana e <strong>da</strong> paterni<strong>da</strong>de res-<br />
ponsável (artigo 226, § 7º); c) melhor interesse <strong>da</strong> criança e do adolescente (artigo 227) e d)<br />
plena igual<strong>da</strong>de entre os filhos (artigo 227, § 6º).<br />
Cabe ressaltar, ain<strong>da</strong>, que não existe hierarquia entre as três enti<strong>da</strong>des familiares con-<br />
sagra<strong>da</strong>s na Lei Maior, regi<strong>da</strong>s pelos princípios constitucionais, cuja conciliação se firma<br />
para o alcance do propósito máximo <strong>da</strong> família, qual seja: a integral promoção <strong>da</strong> persona-<br />
li<strong>da</strong>de de seus membros, preservando sempre a digni<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> um que a compõe. O que<br />
51
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
não se pode perder de vista é exatamente a real acepção <strong>da</strong> criação desses princípios que<br />
regem todo o funcionamento <strong>da</strong>s relações familiares. Nos princípios reconhecem-se ver<strong>da</strong>-<br />
deiras normas como instrumento de reconstrução do sistema de Direito privado.<br />
52<br />
Na Constituição de 1988 foi consagra<strong>da</strong> uma família comprometi<strong>da</strong> com os valores e<br />
princípios constitucionais que efetivamente enaltecem os vínculos afetivos e de<br />
companheirismo entre os indivíduos em detrimento dos laços biológicos. O centro de sua<br />
constituição deslocou-se do princípio <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de para o <strong>da</strong> compreensão e do amor. A<br />
família com isso se torna mais autêntica, natural e sincera. A valorização <strong>da</strong> afetivi<strong>da</strong>de no<br />
âmbito interno <strong>da</strong> família enfatiza mais uma vez que o patrimônio não é mais o seu valor<br />
fun<strong>da</strong>mental, e sim a pessoa humana.<br />
Com a nova ordem jurídica instituí<strong>da</strong> em 1988, o centro <strong>da</strong> tutela constitucional des-<br />
locou-se do casamento para as relações familiares que não mais se esgotam no vínculo<br />
conjugal; a proteção <strong>da</strong> instituição familiar, como centro de produção e reprodução dos<br />
valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, deu lugar à tutela jurídica <strong>da</strong> família como<br />
núcleo intermediário do desenvolvimento <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de dos filhos e de promoção <strong>da</strong> dig-<br />
ni<strong>da</strong>de dos seus membros.<br />
A família, na Constituição de 1988, deixou de ser uma “enti<strong>da</strong>de abstrata”, ganhou<br />
vi<strong>da</strong> e substância nos indivíduos que a compõem, passando a ser traduzi<strong>da</strong> no pacto afetivo-<br />
jurídico que celebram. Da Grande Família passou-se à Família Nuclear e fala-se agora <strong>da</strong><br />
Família Pós-Nuclear. Dessa forma, com a Carta Magna, pode-se afirmar a existência de um<br />
modelo jurídico plural de família.<br />
Como consequência <strong>da</strong> nova ordem constitucional, foram edita<strong>da</strong>s leis especiais que<br />
serviram para assegurar os direitos ditados pela Lei Maior, quais sejam:<br />
– O Estatuto <strong>da</strong> Criança e do Adolescente – Lei nº. 8.069/90;<br />
– A atualização do texto <strong>da</strong> Lei nº. 6.515, relativa à separação e ao divórcio;<br />
– A normatização do reconhecimento de filhos havidos fora do casamento – Lei nº. 8.560/92;<br />
– As regras sobre a união estável – Leis nº. 8.971/94 e 9.278/96, concedendo aos companhei-<br />
ros direito a alimentos, meação e herança.<br />
Essa compilação de leis atualizou o texto ultrapassado do Código de 1916, com mui-<br />
tos de seus dispositivos tornando-se letra morta, alguns sendo revogados até expressamente<br />
e outros não recepcionados pelo novo sistema jurídico. A ver<strong>da</strong>de é que após a Constituição<br />
<strong>da</strong> República o Código Civil perdeu o papel de lei fun<strong>da</strong>mental, especificamente no Direito<br />
de Família.
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Era preciso, no entanto, <strong>da</strong>r aspecto novo ao ordenamento infraconstitucional, em<br />
virtude do projeto original do atual Código ser <strong>da</strong>tado 1975, antes mesmo <strong>da</strong> Lei do Divór-<br />
cio. Mesmo sendo severamente criticado por vários doutrinadores e elogiado por outros, o<br />
mais importante, atualmente, é retirar as intenções vanguardistas de sua concepção e reco-<br />
nhecer o seu mérito. Assim, o novo Código procurou remodelar o enfoque do Direito de<br />
Família, absorvendo as alterações legislativas que haviam ocorrido por meio de legislações<br />
esparsas.<br />
A nova consoli<strong>da</strong>ção perdeu a chance de fomentar alguns avanços. Por exemplo: não<br />
previu a guar<strong>da</strong> compartilha<strong>da</strong>; omitiu-se do assunto no que tange às famílias monoparentais;<br />
também a filiação socioafetiva, nem mesmo normatizou as relações de pessoas do mesmo<br />
sexo, que vêm recebendo <strong>da</strong> jurisprudência reconhecimento como enti<strong>da</strong>de familiar. Dessa<br />
maneira, o atual Código deve ser lido e interpretado conforme os valores e princípios fun<strong>da</strong>-<br />
mentais contidos no texto constitucional para que se possa <strong>da</strong>r integral eficácia aos direitos<br />
e garantias à pessoa humana.<br />
Ain<strong>da</strong> que a Constituição tenha alargado o conceito de enti<strong>da</strong>des familiares, mesmo<br />
assim, no rol constitucional, não se encontram enumera<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s as conformações familia-<br />
res que se manifestam na socie<strong>da</strong>de. É imperioso que se proce<strong>da</strong> a uma rigorosa interpreta-<br />
ção sistemática no âmbito do nosso ordenamento jurídico, a fim de que se possa compreen-<br />
der que a legislação implicitamente consagra diversas outras formas de enti<strong>da</strong>des familia-<br />
res, tais como: a família monoparental por adoção; a família forma<strong>da</strong> por dois irmãos; por<br />
avós e netos, tios e sobrinhos, a família homoafetiva, entre outras.<br />
O que nos interessa, to<strong>da</strong>via, é a dimensão sociológica que pode ser <strong>da</strong><strong>da</strong> à família. A<br />
família passou por três fases evolutivas. No entender de Roudinesco (2003), a primeira, dita<br />
“tradicional”, assegurava a transmissão do patrimônio e era regi<strong>da</strong> pelo poder do pai, e a<br />
transposição direta, para o seio do privado, do direito divino dos reis reconhecido publica-<br />
mente no regime <strong>da</strong> monarquia, estabeleci<strong>da</strong> num mundo imutável; a segun<strong>da</strong>, fase “mo-<br />
derna”, é regi<strong>da</strong> por uma lógica afetiva, romântica, em que o casal se escolhe sem a interfe-<br />
rência dos pais, procurando uma satisfação amorosa e sentimental, sendo que o poder e o<br />
direito sobre os filhos são divididos entre os pais e o Estado e/ou entre pais e mães. A tercei-<br />
ra, dita “contemporânea ou pós-moderna”, na qual a transmissão <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de vai ficando<br />
ca<strong>da</strong> vez mais complexa em virtude <strong>da</strong>s rupturas e recomposições que a família vai sofrendo.<br />
Avanços <strong>da</strong> tecnociência e dos costumes tornaram possíveis mu<strong>da</strong>nças antes<br />
impensáveis no processo <strong>da</strong> reprodução humana. Lembremos os métodos anticoncepcionais<br />
– desde os seculares contraceptivos, a prática do aborto, o controle de natali<strong>da</strong>de pela tabe-<br />
la Ogino-Knaus, as pílulas anticoncepcionais, o DIU, a inseminação artificial, a inseminação<br />
in vitro, a doação de esperma ou de óvulos, as barrigas de aluguel até, finalmente, a clonagem.<br />
53
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
54<br />
Essas técnicas provocaram uma revolução no próprio conceito de família, se pensar-<br />
mos que por esse nome designamos a união, reconheci<strong>da</strong> e apoia<strong>da</strong> pela socie<strong>da</strong>de, entre<br />
um homem e uma mulher com fins de criar e manter os filhos.<br />
Além dessas inovações tecnocientíficas, os próprios costumes também mu<strong>da</strong>ram. Pou-<br />
co resta <strong>da</strong> antiga família patriarcal, imutável, regi<strong>da</strong> por um pai autoritário, quanto olha-<br />
mos para as famílias de hoje – desfeitas e recompostas muitas vezes.<br />
Mais ain<strong>da</strong>, cortando todos os laços com os costumes anteriores, pares homossexuais<br />
passaram a pleitear a adoção ou mesmo a paterni<strong>da</strong>de ou materni<strong>da</strong>de, usando os novos<br />
recursos que prescindem <strong>da</strong> prática natural do coito entre homem e mulher.<br />
O “desejo de família” expresso pelos homossexuais é surpreendente, pois até bem re-<br />
centemente – pelo menos na França – a postura dos homossexuais era a de pleitear um<br />
“direito à diferença“ e contestavam e rejeitavam a família, considera<strong>da</strong> o funesto lugar <strong>da</strong><br />
opressão patriarcal, cerceadora <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de sexual (Roudinesco, 2003).<br />
As possibili<strong>da</strong>des abertas pela tecnociência no que diz respeito à concepção de novas<br />
vi<strong>da</strong>s são inusita<strong>da</strong>s e ain<strong>da</strong> é cedo para avaliarmos seus resultados. Devemos, porém, refle-<br />
tir sobre a necessi<strong>da</strong>de de parâmetros éticos para a ciência. Ela não deveria ser deixa<strong>da</strong> por<br />
conta de seu próprio desenvolvimento interno, na medi<strong>da</strong> em que ela pode criar situações<br />
intrinsecamente más e perversas, como a execução em massa de seres humanos seguindo<br />
modelos <strong>da</strong> linha de produção industrial, como nos campos de extermínio nazistas.<br />
A família humana surge a partir de um momento na História em que determina<strong>da</strong>s<br />
condições culturais (incluindo aspectos econômicos e políticos) se fizeram presentes e, des-<br />
de então, ela vem respondendo tanto em sua estrutura quanto em seu funcionamento às<br />
condições concretas do meio em que está inseri<strong>da</strong>. Assim, numa linguagem simplista, pode-<br />
mos reservar o termo família a um tipo específico de instituição social que pode ser defini<strong>da</strong><br />
como: “uma associação mais ou menos permanente de marido e mulher, com ou sem filhos”<br />
(Bruschini, 1990).<br />
A Antropologia diferencia família de parentesco, pois a família é um grupo social con-<br />
creto e o parentesco uma abstração, uma estrutura formal, que resulta <strong>da</strong> combinação de<br />
relações de descendência (pais e filhos), de consanguini<strong>da</strong>de (irmãos) e de afini<strong>da</strong>de (pelo<br />
casamento). Sendo assim, a família para os antropólogos é um grupo de procriação e de<br />
consumo, lugar privilegiado no qual incide a divisão sexual do trabalho em função <strong>da</strong> qual<br />
se determina o grau de autonomia ou subordinação <strong>da</strong>s mulheres (Bruschini, 1990).<br />
Hoje, com o avanço <strong>da</strong> Antropologia, <strong>da</strong> Psicologia e <strong>da</strong> própria <strong>Sociologia</strong>, mais par-<br />
ticularmente graças ao refinamento progressivo de nossos instrumentos de análise social,<br />
nos achamos em condições de reconhecer que to<strong>da</strong>s as práticas considera<strong>da</strong>s exóticas, imo-
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
rais ou criminosas, vigentes em contextos culturais distintos do nosso, são produto de de-<br />
termina<strong>da</strong>s condições geográficas, econômicas e culturais, que representam uma resposta<br />
específica aos desafios propostos pela natureza ou por outras socie<strong>da</strong>des humanas.<br />
To<strong>da</strong>s as transformações sofri<strong>da</strong>s pela “estrutura família”, através dos séculos, nos<br />
mostram que houve uma mu<strong>da</strong>nça radical, porém, as consequências de tal transformação<br />
só poderão ser entendi<strong>da</strong>s e controla<strong>da</strong>s se conseguirmos estudá-las no contexto social to-<br />
tal, nunca isola<strong>da</strong>mente. Não podemos ignorar o fato de que a família não existe desliga<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong> estrutura social global e só pode ser devi<strong>da</strong>mente entendi<strong>da</strong> como parte integrante dessa<br />
estrutura.<br />
Na literatura sociológica a reflexão sobre a família predominou na teoria funcionalista.<br />
Segundo esta corrente, a família é sobretudo uma agência socializadora, cujas funções se<br />
concentram na formação <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de dos indivíduos. Tendo perdido ao longo <strong>da</strong> His-<br />
tória as funções de uni<strong>da</strong>de de produção econômica e de participação política, a família<br />
teria a função básica de socialização primária <strong>da</strong>s crianças e de estabilização <strong>da</strong>s persona-<br />
li<strong>da</strong>des adultas <strong>da</strong> população.<br />
Analisados todos esses conceitos, podemos observar que conceituar família é um tra-<br />
balho bastante complexo, devido ao fato de que várias são as áreas científicas que abor<strong>da</strong>m<br />
a questão e ca<strong>da</strong> autor segue uma corrente de pensamento. Para termos uma noção mais<br />
clara do que é família, entretanto, é de suma importância que se combinem os conceitos<br />
citados anteriormente, tarefa essa realiza<strong>da</strong> por Bruschini (1990, p. 74-76 ):<br />
O conceito definidor de família é a convivência sobre o mesmo teto, que implica compartilhar<br />
despesas com o consumo de alimentos e de bens duráveis [...] uni<strong>da</strong>des de reprodução social incluin-<br />
do valores de reprodução biológica, a reprodução de valores de uso e consumo, inseridos num<br />
determinado ponto <strong>da</strong> estrutura social. Foram dividi<strong>da</strong>s também como uni<strong>da</strong>des de relações sociais,<br />
no interior <strong>da</strong>s quais os hábitos, valores e padrões de comportamento são transmitidos a seus novos<br />
membros, configurando assim uni<strong>da</strong>de de socialização e de reprodução ideológica. São espaços<br />
de convivência na qual se dá a troca de informações entre os membros, e onde decisões coletivas a<br />
respeito de consumo, do lazer e de outros itens são toma<strong>da</strong>s. Nesse sentido, são também uni<strong>da</strong>des<br />
nas quais os indivíduos maduros se ressocializam a ca<strong>da</strong> momento, revendo, rediscutindo seus<br />
valores e comportamentos na dinâmica do cotidiano, em função <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des do grupo, que se<br />
renovam a ca<strong>da</strong> etapa <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> familiar e também de acordo com as possibili<strong>da</strong>des ofereci<strong>da</strong>s pela<br />
socie<strong>da</strong>de na qual o grupo se insere [...] a família é também um grupo social composto de indivíduos<br />
diferenciados por sexo e por i<strong>da</strong>de, que se relacionam quotidianamente, gerando uma complexa e<br />
dinâmica trama de emoções [...] não é uma soma de indivíduos, mas um conjunto vivo, contraditó-<br />
rio e cambiante de pessoas com sua própria individuali<strong>da</strong>de e personali<strong>da</strong>de.<br />
A referi<strong>da</strong> autora ain<strong>da</strong> destaca que não há completa harmonia e uni<strong>da</strong>de interna na<br />
família, no entanto é também no cotidiano <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> familiar que surgem novas ideias, novos<br />
hábitos, novos elementos, por meio dos quais os membros do grupo questionam a ideologia<br />
dominante e criam condições para a lenta e gra<strong>da</strong>tiva transformação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />
55
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
56<br />
Finalizando vamos retomar um pequeno texto que escrevi em outro momento sobre o<br />
que diz Edgar Morin sobre a família:<br />
Morin nos mostra que ela surge para tornar-se a uni<strong>da</strong>de básica para a qual se canaliza a<br />
reprodução e concentram-se os cui<strong>da</strong>dos <strong>da</strong>s crianças. Converteu-se num núcleo de autonomia,<br />
um espaço de complexi<strong>da</strong>de humana. Foi, até o seu enfraquecimento no mundo ocidental, um<br />
microcosmo quase fractal <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, comportando dimensões biológica, econômica, cultu-<br />
ral, educativa, psíquica. A família liga o arcaico, o histórico e o contemporâneo. Atravessa os<br />
séculos e as socie<strong>da</strong>des, tendo ain<strong>da</strong> futuro. Para o autor ela sempre foi um centro de transmissão<br />
de valores e uni<strong>da</strong>de psicológica onde fun<strong>da</strong>-se a identi<strong>da</strong>de pessoal e afirma-se o destino pesso-<br />
al. As personali<strong>da</strong>des dos pais imprimem-se nas almas infantis para sempre. Mesmo distantes ou<br />
mortos, os pais imprimem sobre os filhos o imago <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de e do amor. Quando o descontro-<br />
le e o sofrimento atingem as famílias podem ser cantinhos seguros ou prisões... o lar é invadido<br />
pela economia exterior e pela cultura de mídia, gerando o enfraquecimento do papel educativo<br />
dos pais e alimentando sonhos insatisfeitos, bloqueios inibitórios, imaginações inflama<strong>da</strong>s, fan-<br />
tasias obsessivas, transgressões fatais... corremos o risco de a família deixar de ser um lugar onde<br />
se nasce, aprende-se, trabalha-se e morre-se. Nunca o casal foi tão frágil e, contudo, nunca a<br />
necessi<strong>da</strong>de do casamento foi tão forte diante de um mundo anônimo, de uma socie<strong>da</strong>de<br />
atomiza<strong>da</strong>, em que o cálculo e o interesse predominam, o casamento significa intimi<strong>da</strong>de, pro-<br />
teção, cumplici<strong>da</strong>de, soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de. A família está em crise, o casal está em crise, mas o casal e<br />
a família são respostas a essa crise... o amor desestrutura um casamento, mas estabelece outro...<br />
há extravios afetivos e amorosos, mas os imagos fortes do pai, <strong>da</strong> mãe, <strong>da</strong> esposa e do esposo, do<br />
irmão e <strong>da</strong> irmã, enraizados nos espíritos, geram um apelo permanente e profundo... a família<br />
permanece um núcleo insubstituível – seja ela com uma neofamília, forma<strong>da</strong> diferentemente e<br />
influencia<strong>da</strong> por adoções, homossexualismo, esperma anônimo, barriga de aluguel, incubado-<br />
ras, clonagens... (Silva, 2008a, p. 22).
Uni<strong>da</strong>de Uni<strong>da</strong>de 3<br />
3<br />
EaD<br />
AFETIVIDADE E RELAÇÕES SOCIAIS VIOLENTAS<br />
OBJETIVO DESTA UNIDADE<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Estu<strong>da</strong>r possíveis alternativas às causas <strong>da</strong> <strong>violência</strong>, abor<strong>da</strong>ndo as perspectivas <strong>da</strong>s<br />
mulheres, o papel <strong>da</strong> mídia, <strong>da</strong> juventude e <strong>da</strong> religião na luta pela paz.<br />
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE<br />
Seção 3.1 – As Mulheres e a Violência Doméstica<br />
Seção 3.2 – Violência Doméstica<br />
Seção 3.3 – Mídia e Violência<br />
Seção 3.4 – Juventude e Violência?<br />
Seção 3.1<br />
As Mulheres e a Violência Doméstica<br />
Inicialmente vamos nos valer de reflexões feitas por Touraine (2006) sobre as mulheres<br />
e posteriormente vamos introduzir o tema <strong>da</strong> <strong>violência</strong> neste contexto cultural. O autor<br />
afirma que nós não avançamos para uma socie<strong>da</strong>de de igual<strong>da</strong>de entre homens e mulheres,<br />
nós já entramos numa socie<strong>da</strong>de de mulheres; os homens têm o poder e o dinheiro, mas as<br />
mulheres já têm o sentido <strong>da</strong>s situações vivi<strong>da</strong>s e a capaci<strong>da</strong>de de formulá-las.<br />
É reivindicando uma sexuali<strong>da</strong>de que seja independente <strong>da</strong>s funções de reprodução e de<br />
materni<strong>da</strong>de que as mulheres se constituem ver<strong>da</strong>deiramente num movimento social e avançam<br />
ca<strong>da</strong> vez mais – mais longe do que por meio <strong>da</strong> luta pela igual<strong>da</strong>de e contra a discriminação.<br />
Esta situação de nova cultura feminista vem vincula<strong>da</strong> à interpretação de que no<br />
decorrer dos dois últimos séculos, as categorias inferioriza<strong>da</strong>s, particularmente os trabalha-<br />
dores, depois os colonizados e quase ao mesmo tempo as mulheres, formaram movimentos<br />
sociais para se libertar.<br />
57
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
58<br />
Conseguiram-no em grande parte, tendo como primeiro efeito atenuar as tensões ine-<br />
rentes ao modelo ocidental, mas também seu dinamismo. Um grande perigo ameaça esta<br />
parte do mundo: o de não estar mais em condições de estabelecer objetivos e de não ser mais<br />
capaz de enfrentar conflitos novos. Um novo dinamismo só poderá surgir a partir de uma<br />
ação que consiga recompor o que o modelo ocidental separou, mas as mulheres é que são e<br />
serão as atores sociais principais desta ação, uma vez que foram constituí<strong>da</strong>s como catego-<br />
ria inferior pela dominação masculina em desenvolvimento, para além de sua própria liber-<br />
tação, uma ação mais geral de recomposição de to<strong>da</strong>s as experiências individuais e coletivas<br />
(Touraine, 2006).<br />
O destaque <strong>da</strong>do ao feminino na reflexão do autor equivale a um papel diferenciado<br />
que as mulheres ocupam em termos políticos, econômicos e culturais. Afinal de contas, sua<br />
participação é preponderante na configuração <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Tome-se como exemplo a en-<br />
tra<strong>da</strong> <strong>da</strong> mulher no mercado formal de trabalho, segui<strong>da</strong> pelo movimento feminista, marcos<br />
<strong>da</strong> contemporanei<strong>da</strong>de.<br />
Diversos fenômenos do mundo atual confirmam as observações do autor sobre as mu-<br />
<strong>da</strong>nças que têm ocorrido em termos de papel sexual e afetivi<strong>da</strong>de. Em síntese, o mundo se<br />
transforma em direção às conquistas do feminino. Resta estu<strong>da</strong>r as mulheres para entender<br />
melhor esse novo mundo. Vamos fazer aqui uma longa citação de Touraine, para que você<br />
possa entender a argumentação do autor:<br />
A “socie<strong>da</strong>de dos homens” produziu muita energia e ao mesmo tempo suscitou tensões que atin-<br />
giram o ponto de ruptura. O pólo dominante foi o <strong>da</strong> conquista, <strong>da</strong> produção e <strong>da</strong> guerra, o dos<br />
homens, enquanto o pólo feminino era a figura principal <strong>da</strong> inferiori<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> dependência.<br />
A mulher, ausente do pólo dirigente, participava do sujeito tanto quanto o homem, mas em<br />
situação de dominação sofri<strong>da</strong>. Existe sem dúvi<strong>da</strong> um só sujeito, mas ele está presente de modo<br />
desigual em ca<strong>da</strong> um dos pólos, o feminino e o masculino. O sujeito criador está presente tam-<br />
bém na mulher procriadora, <strong>da</strong> mesma forma que o sujeito encarnado no corpo amoroso <strong>da</strong><br />
mulher está presente também no poder brutal do homem. O sujeito, definido como transforma-<br />
ção do indivíduo socialmente determinado em criador dele mesmo, está presente tanto no ho-<br />
mem quanto na mulher, mas de maneira diferente. Existem também forças de negação do sujeito<br />
nos dois lados: a ruptura com a “vi<strong>da</strong>” no lado do homem, a submissão às regras biológicas<br />
desta vi<strong>da</strong> no caso <strong>da</strong> mulher. A socie<strong>da</strong>de moderna, em que o homem domina a mulher, não<br />
reduz, porém, a mulher à sua submissão; ela também é a mãe, o corpo, o amor. É o que permite<br />
à mulher, quando o modelo ocidental de modernização se decompõe, quando perde sua elastici-<br />
<strong>da</strong>de, poder eventualmente ocupar uma posição dominante num tipo novo de socie<strong>da</strong>de, na qual<br />
o homem, embora perdendo seu poder, não será reduzido a uma dependência análoga à <strong>da</strong><br />
mulher na socie<strong>da</strong>de masculina... A sabedoria consiste em reconhecer as diferenças profun<strong>da</strong>s<br />
que distinguem a cultura contemporânea <strong>da</strong> cultura relativa a um passado já distante. O sujeito,<br />
então, e até recentemente, não está ain<strong>da</strong> orientado diretamente para si mesmo e para a afirma-<br />
ção consciente em si. Por um lado, ele não se realiza senão através de sua projeção num mundo<br />
supra-humano: o do sagrado e do divino; por outro, defende-se mais facilmente mediante a<br />
rebeldia, a revolta, do que mediante uma complexa toma<strong>da</strong> de consciência. Essa diferença é
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
importante, mas não basta para estabelecer uma diferença níti<strong>da</strong> entre homens e mulheres. Resta<br />
que a ideologia em que se situa esta cultura do passado é a de uma oposição fortemente<br />
hierarquiza<strong>da</strong> entre homens e mulheres... O que estamos vivendo é a inversão do modelo clássico<br />
<strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, tão fortemente polarizado. As categorias domina<strong>da</strong>s – o povo, os trabalhado-<br />
res, os colonizados, as mulheres – transformaram-se em movimentos sociais, que cortaram o<br />
laço de dependência que fazia delas escravas de um senhor. No final do período dos grandes<br />
conflitos, animados por estes movimentos sociais, a modernização, tal como a conheceu o Oci-<br />
dente, ou seja, em ruptura completa com os mundos antigos, perdeu energia, dissolveu-se no<br />
universo do consumo e do prazer, que já não é mais capaz de produzir idéias ver<strong>da</strong>deiramente<br />
criativas, e tampouco de suscitar novos conflitos. Os outros caminhos <strong>da</strong> modernização, por<br />
terem sempre conservado a idéia de que o novo não se faz somente com o novo, mas também com<br />
o velho, podem escapar deste esgotamento que atinge sobretudo o Ocidente, porque este levara<br />
até ao fim a acumulação, a polarização, o confronto dos extremos opostos... O único modelo<br />
cultural capaz de oferecer nova vi<strong>da</strong> a um Ocidente agora disseminado sobre grande parte do<br />
globo é aquele que opõe à polarização de um tipo de modernização, hoje em declínio, o movi-<br />
mento inverso, o <strong>da</strong> recomposição e <strong>da</strong> recombinação dos elementos que haviam sido separados<br />
para que um dominasse o outro. Modelo que propõe também a idéia de que o novo é criado e<br />
administrado por aqueles que haviam sido a principal figura <strong>da</strong> dependência e que agora tentam<br />
superar a oposição homens/mulheres em vez de substituir a dominação masculina pela domina-<br />
ção feminina.<br />
Esta inversão seria impossível se a situação <strong>da</strong> mulher no modelo clássico <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de,<br />
domina<strong>da</strong> pelo homem, pudesse ter sido defini<strong>da</strong> em termos totalmente negativos de dependên-<br />
cia ou de <strong>violência</strong> sofri<strong>da</strong>. Ora, é justamente desta forma que ela é defini<strong>da</strong> o mais <strong>da</strong>s vezes,<br />
sobretudo pelos críticos extremados que julgam a dominação masculina tão completa que não<br />
pode haver lugar para a resistência, e menos ain<strong>da</strong> para a contra-ofensiva. É preciso, portanto,<br />
antes de precisar como as mulheres podem tornar-se os agentes principais <strong>da</strong> criação de uma<br />
nova cultura, examinar de forma crítica esta definição puramente negativa <strong>da</strong> condição feminina.<br />
A imagem mais difundi<strong>da</strong> é que a dependência imposta pelo modelo cultural antigo, quando se<br />
enfraquece, pelo próprio fato <strong>da</strong> transformação geral de uma socie<strong>da</strong>de mais “ativa” e menos<br />
inclina<strong>da</strong> a descrever-se em termos absolutos, se transforma numa dependência pior ain<strong>da</strong> do<br />
que a antiga, embora comporte aparentemente elementos de libertação. Transformando-se o<br />
conjunto <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de num conjunto de mercados, de bens permutáveis, e procurando os atores<br />
sociais, sobretudo, a própria vantagem econômica ou o próprio prazer, as mulheres encontram<br />
neste mundo mercantil uma libertação <strong>da</strong>s coações do antigo modelo; mas sofrem também uma<br />
pressão mais forte, que leva a transformá-las em objetos sexuais que pode ser comprados, vendi-<br />
dos ou trocados. Esta nova dependência torna difícil (e mesmo impossível) a transformação <strong>da</strong>s<br />
mulheres em atores principais <strong>da</strong> construção de um novo modelo cultural. No entanto, a econo-<br />
mia de mercado vem acompanha<strong>da</strong> muitas vezes <strong>da</strong> construção de um espaço ao mesmo tempo<br />
privado e aberto, ao mesmo tempo que as mulheres acedem pelo trabalho assalariado a uma real<br />
autonomia econômica e geral. A hipótese geral que defendo é a <strong>da</strong> passagem de uma socie<strong>da</strong>de<br />
que se percebia e agia em termos socioeconômicos a um tipo societal que chamei de pós-social,<br />
porque to<strong>da</strong>s as categorias que organizam nessa representação e nossa ação já não são propria-<br />
mente sociais, mas culturais. O motivo disto é que nossa experiência já não é mais transtorna<strong>da</strong><br />
pela socie<strong>da</strong>de de massa apenas na ordem <strong>da</strong> produção, mas também na do consumo e <strong>da</strong> comu-<br />
nicação. Na<strong>da</strong> em nós escapa ao conjunto <strong>da</strong>s técnicas e dos conhecimentos que foram acumula-<br />
dos, e nós reagimos a eles preocupando-nos com todos os aspectos de nossa vi<strong>da</strong>, a fim de defen-<br />
der nossa uni<strong>da</strong>de singular, corpo e espírito. Tanto nossas relações com a autori<strong>da</strong>de como as<br />
formas de nossa imaginação, tanto nossa experiência sexual como nossos gostos musicais mu-<br />
59
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
60<br />
<strong>da</strong>m. Ora, à idéia geral <strong>da</strong> passagem de uma cultura volta<strong>da</strong> para o exterior a uma outra, volta<strong>da</strong><br />
para o interior e para a consciência de si mesmo, leva diretamente a idéia de uma cultura<br />
defini<strong>da</strong> e vivi<strong>da</strong> mais intensamente pelas mulheres do que pelos homens. Os ritmos e as imposi-<br />
ções <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> biológica, e sobretudo a dos órgãos de reprodução, que podem ter sido considerados<br />
como obstáculos ao papel <strong>da</strong>s mulheres na vi<strong>da</strong> pública, transformam-se agora em vantagem<br />
para elas, primeiro graças às técnicas <strong>da</strong> medicina, mas sobretudo porque os laços entre indiví-<br />
duos aparecem mais fortes na mulher do que no homem, sem que esta diferença autorize a<br />
levantar uma barreira intransponível entre os dois sexos... A relação com o corpo ocupa na<br />
socie<strong>da</strong>de de hoje um lugar tão central como o ocupado pelo trabalho na socie<strong>da</strong>de industrial ou<br />
pelo estatuto político de liber<strong>da</strong>de ou de escravidão nas socie<strong>da</strong>des políticas. A sexuali<strong>da</strong>de está<br />
presente em todos os aspectos <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de e desempenha um papel importante na constru-<br />
ção de nós mesmos por nós mesmos... Muitas mulheres explicam que, se elas lutam, é para que<br />
sejam abolidos todos os tipos de discriminação e de injustiça. Elas desejam estabelecer uma<br />
completa igual<strong>da</strong>de entre homens e mulheres e, portanto, suprimir to<strong>da</strong> referência ao gênero no<br />
campo do emprego e dos salários. Mas outras querem, sobretudo, fazer reconhecer suas diferen-<br />
ças em relação aos homens, ao mesmo tempo que sua igual<strong>da</strong>de com eles ... Assim como, no vasto<br />
campo do trabalho e do emprego, a palavra de ordem <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de, leva<strong>da</strong> até à eliminação de<br />
to<strong>da</strong> referência ao gênero, tem uma grande força de convicção e contribuiu efetivamente para<br />
reduzir o número dos empregos catalogados como masculinos ou femininos, assim também, no<br />
domínio <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> reprodução, não existem as soluções neutras, pois é precisamente<br />
neste campo que estava arraiga<strong>da</strong> a dominação masculina (que pôde ser defini<strong>da</strong> pelo controle<br />
<strong>da</strong> reprodução, sendo a mulher defini<strong>da</strong>, sobretudo, como reprodutora e, portanto, domina<strong>da</strong><br />
pelo poder masculino). Daí a reivindicação mais forte do feminismo, a que reivindica para as<br />
mulheres o direito de decidir livremente ter ou não ter filhos: “Filho se eu quiser, e quando eu<br />
quiser”. É uma fórmula extrema, mas cuja eficácia provém justamente do fato de as mulheres<br />
inverterem assim a relação tradicional com o homem, que lhe “fazia” um filho ou para o qual ela<br />
“<strong>da</strong>va” um filho. Chegamos assim à hipótese que resume esta análise: é na ordem <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de<br />
que se colocam a afirmação e a vontade de criação <strong>da</strong>s mulheres. Em outras palavras, é reivindi-<br />
cando uma sexuali<strong>da</strong>de independente <strong>da</strong>s funções de reprodução e de materni<strong>da</strong>de que as mulhe-<br />
res se constituem ver<strong>da</strong>deiramente em movimento social e avançam o mais longe possível – mais<br />
longe do que através <strong>da</strong> luta pela igual<strong>da</strong>de e contra a discriminação... as mulheres reivindicam<br />
o direito ao prazer e o reconhecimento de sua sexuali<strong>da</strong>de própria, afirmando que ela não se<br />
reduz a uma resposta às exigências <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de masculina... trata-se de libertação <strong>da</strong> sexua-<br />
li<strong>da</strong>de e não <strong>da</strong> sua sexuali<strong>da</strong>de (Touraine, 2006, p. 212-218).<br />
Assim, vimos que Touraine (2006) argumenta em favor de um direito à diferença. A<br />
dominação masculina é ataca<strong>da</strong> ao mesmo tempo pela liber<strong>da</strong>de de decidir ter ou não ter<br />
filhos e pela reivindicação <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de como elemento central <strong>da</strong> construção <strong>da</strong> persona-<br />
li<strong>da</strong>de feminina.<br />
A dominação não mais se explica pelas respectivas características dos homens e <strong>da</strong>s<br />
mulheres, mas por um pattern (padrão) cultural que atribui um papel central aos homens<br />
conquistadores e aos caçadores. Não é a produção que triunfa sobre a reprodução; não é<br />
nem mesmo o controle do intercâmbio <strong>da</strong>s mulheres por parte dos homens. O que está em<br />
questão aqui é uma visão <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de domina<strong>da</strong>, sob formas diversas, por uma elite que é<br />
dona dos recursos e está encarrega<strong>da</strong> de transformar essa mesma socie<strong>da</strong>de e seu ambiente,
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
elite à qual as outras categorias, como as mulheres, estão subordina<strong>da</strong>s: “a mulher deve ser<br />
defini<strong>da</strong> em relação a si mesma, e não por referência aos seus papéis sociais e às suas rela-<br />
ções com homem. Ela é sujeito” (Touraine, 2006, p. 223).<br />
Touraine procura tornar visível a inversão de modelo cultural que viu as mulheres<br />
ascenderem ao papel central, o que não significa que elas se tenham tornado profissional ou<br />
intelectualmente superiores aos homens, mas que elas ocupam um lugar mais central na<br />
nova cultura.<br />
mos anos.<br />
Seção 3.2<br />
Ao mesmo tempo, pesquisas mostram que a <strong>violência</strong> contra ela têm crescido nos últi-<br />
A Violência Doméstica 1<br />
Dentro de casa geralmente as mulheres vítimas de <strong>violência</strong> têm afeta<strong>da</strong> sua saúde<br />
física e mental, revelam dificul<strong>da</strong>des no emprego, na aprendizagem, uso de drogas, reclusão<br />
e outros comportamentos de risco. É mais comum do que se possa imaginar o comporta-<br />
mento agressivo ou irônico em relação às mulheres.<br />
Qual mulher já não ouviu pia<strong>da</strong>s sobre seu desempenho ou realização em alguma<br />
ativi<strong>da</strong>de? Quem não viu expressas em estampas de camisetas as desqualificações em rela-<br />
ção ao seu caráter ou ao seu físico? Quem, em alguma situação, não se sentiu desrespeita<strong>da</strong><br />
ou teve seu direito usurpado exatamente por ser mulher, cultural e historicamente acredita-<br />
<strong>da</strong>, submissa e inferior?<br />
A <strong>violência</strong> pode ocorrer de maneiras diferentes, mas mesmo em suas formas leves ela<br />
se manifesta na dominação de um gênero sobre o outro. A <strong>violência</strong> contra a mulher tem<br />
outra feição, na maioria <strong>da</strong>s vezes o episódio agudo e mais grave <strong>da</strong> <strong>violência</strong> é o fim <strong>da</strong><br />
linha de uma situação crônica, insidiosa, que aos poucos foi desmontando a defesa <strong>da</strong>s<br />
vítimas até deixá-las completamente à mercê do agressor, sem condições até de pedir aju<strong>da</strong>.<br />
O efeito <strong>da</strong> <strong>violência</strong> contra a mulher, os maus-tratos, as humilhações, as agressões<br />
físicas, sexuais e psicológicas, é devastador sobre a sua autoestima. O medo que elas sen-<br />
tem cotidianamente, a insegurança, pois nunca sabem o que poderá desencadear a fúria do<br />
agressor, a vergonha diante dos familiares e dos vizinhos, provocam ansie<strong>da</strong>de, depressão,<br />
dores de cabeça constantes.<br />
1 Texto colaborativo escrito por Rosa Maria Spaniol, como parte de sua monografia de Graduação apresenta<strong>da</strong> no Curso de <strong>Sociologia</strong><br />
<strong>da</strong> <strong>Unijuí</strong> – 2009 – com o título A Violência Contra a Mulher.<br />
61
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
62<br />
Embora este relato seja ficcional, a convivência constante com atos agressivos e com<br />
a competitivi<strong>da</strong>de, a rivali<strong>da</strong>de nos relacionamentos e o individualismo, resultam e se confi-<br />
guram na representação social <strong>da</strong> <strong>violência</strong> doméstica. Muitas vezes num momento de pro-<br />
blema, estresse, tensão, sem saber como resolver a situação, acaba em <strong>violência</strong>.<br />
Podemos citar vários sintomas <strong>da</strong> <strong>violência</strong>: sintoma de ataque, que inclui a destrui-<br />
ção, a subversão (política, religiosa e econômica) e a repressão (política, econômica e cultu-<br />
ral); sintomas de fuga, marginalização ou a busca de uma nova oportuni<strong>da</strong>de (cultural e<br />
social) e o abuso de <strong>violência</strong> (palavrões, agressões físicas, entre outras). Estes problemas de<br />
<strong>violência</strong> se manifestam em grupos sociais bem específicos (na família, no ambiente social,<br />
na vizinhança, na rua, em lugares públicos...).<br />
Podemos afirmar que a <strong>violência</strong> se expressa por causas varia<strong>da</strong>s: a falta de diálogo,<br />
desrespeito, preconceito, autoritarismo, repercussão <strong>da</strong> sobrecarga de trabalho, comporta-<br />
mento descontrolado, dominação, agressivi<strong>da</strong>de, rejeição, alcoolismo, o desemprego e a fal-<br />
ta de dinheiro, ou também poder econômico muito alto.<br />
A <strong>violência</strong> contra as mulheres apresenta-se nos seguintes núcleos figurativos: repres-<br />
são social, contexto sociopolítico e cultural (pobreza, miséria, falta de dinheiro, machismo,<br />
impuni<strong>da</strong>de, rituais étnicos, <strong>violência</strong> na rua, e a <strong>violência</strong> nos meios de comunicação).<br />
É possível aqui identificar que os padrões de constituição <strong>da</strong> família estão fragilizados,<br />
vulneráveis diante dos ver<strong>da</strong>deiros valores e fun<strong>da</strong>mentos de uma família sóli<strong>da</strong>, causando,<br />
assim, insegurança, desrespeito, infideli<strong>da</strong>de, medo e um não compromisso com a vi<strong>da</strong>, ou<br />
seja, leva ao quadro de <strong>violência</strong> constante nas famílias e na socie<strong>da</strong>de.<br />
Cabe ain<strong>da</strong> destacar que a falta de comunicação entre pais e filhos, a desestrutura<br />
familiar, a falta de amor, respeito e digni<strong>da</strong>de levam à <strong>violência</strong>. A família é uma uni<strong>da</strong>de<br />
grupal na qual se desenvolvem três tipos de relações pessoais: aliança (casal), filiação (pais/<br />
filhos) e consanguini<strong>da</strong>de (irmãos).<br />
Outro fator importante é a emancipação feminina e o ingresso <strong>da</strong> mulher no mundo<br />
do trabalho. Nesta relação de poder emergem a distribuição desigual de autori<strong>da</strong>de e po-<br />
der entre os membros <strong>da</strong> família, ambiente de estresse, com escassez de diálogo e descon-<br />
trole de agressivi<strong>da</strong>de, estrutura de fechamento, quase sem diálogo, com pobre interação<br />
social, dependência econômica/emocional e baixa autoestima entre os membros, alcoolis-<br />
mo e drogas.<br />
No contexto <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças culturais provoca<strong>da</strong>s pela socie<strong>da</strong>de pós-industrial, a fa-<br />
mília reconfigurou seus papéis com uma contribuição desigual de autori<strong>da</strong>de e poder e uma<br />
fragili<strong>da</strong>de de diálogo.
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Hoje temos ain<strong>da</strong> alguns outros aportes surgidos no novo milênio, contextualizados<br />
sob a hegemonia do pensamento neoliberal e voltados para uma crítica às desigual<strong>da</strong>des<br />
produzi<strong>da</strong>s por esse regime socioeconômico, vistas como fun<strong>da</strong>mentais para a disseminação<br />
<strong>da</strong> <strong>violência</strong> social.<br />
A paz é obra <strong>da</strong> justiça, supõe e exige a instauração de uma ordem justa que possibi-<br />
lite a realização humana e permita que to<strong>da</strong>s as pessoas sejam sujeitos <strong>da</strong> própria história.<br />
Onde não existem essas condições ocorre o atentado contra a paz e acontece à <strong>violência</strong>. A<br />
paz é uma tarefa permanente <strong>da</strong> caminha<strong>da</strong> <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. Uma paz autêntica implica<br />
luta, capaci<strong>da</strong>de interativa e inventiva, conquista permanente. Deve ser construí<strong>da</strong> de modo<br />
que to<strong>da</strong>s as pessoas sejam promotoras <strong>da</strong> paz e <strong>da</strong> justiça social. A paz é fruto do amor,<br />
expressão <strong>da</strong> real fraterni<strong>da</strong>de entre as pessoas. Onde a paz social não existe, onde há injus-<br />
tiças, desigual<strong>da</strong>des sociais, políticas, econômicas e culturais, rejeita-se o dom <strong>da</strong> paz.<br />
Muitas vezes a <strong>violência</strong> doméstica vem acompanha<strong>da</strong> de outros problemas como:<br />
pobreza, alcoolismo, uso e abuso de drogas, problemas mentais, etc. Normalmente esses são<br />
problemas adicionais, não são causa <strong>da</strong> <strong>violência</strong>! Muitos alcoólatras nunca agrediram<br />
suas mulheres e muitos homens não precisam do álcool para praticar <strong>violência</strong>.<br />
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a<br />
Mulher (Convenção de Belém do Pará, 1994) define a <strong>violência</strong> contra a mulher como “qual-<br />
quer ato ou conduta basea<strong>da</strong> no gênero, que cause morte, <strong>da</strong>no ou sofrimento físico, sexual<br />
ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera priva<strong>da</strong>:<br />
a) ocorri<strong>da</strong> no âmbito <strong>da</strong> família ou uni<strong>da</strong>de doméstica ou em qualquer relação interpessoal,<br />
quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se,<br />
entre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual;<br />
b) ocorri<strong>da</strong> na comuni<strong>da</strong>de e cometi<strong>da</strong> por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas,<br />
o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição força<strong>da</strong>, sequestro e<br />
assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de<br />
saúde ou qualquer outro local; e<br />
c) perpetra<strong>da</strong> ou tolera<strong>da</strong> pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra. A Convenção<br />
de Belém do Pará foi adota<strong>da</strong> por aclamação na Assembleia Geral <strong>da</strong> Organização dos<br />
Estados Americanos (OEA) e ratifica<strong>da</strong> pelo Estado brasileiro.<br />
Os homens não são naturalmente violentos. Aprendem a ser. A associação entre mas-<br />
culini<strong>da</strong>de, guerra, força e poder é uma construção cultural. Da mesma forma, a paz, a<br />
emoção e a vocação para cui<strong>da</strong>r não são quali<strong>da</strong>des naturais <strong>da</strong> mulher. Também são apren-<br />
di<strong>da</strong>s!<br />
63
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
64<br />
Hoje em dia muitos homens já descobriram que há várias maneiras de “ser masculino”<br />
e que eles também podem ser cui<strong>da</strong>dores e promotores <strong>da</strong> paz. Em vários países foi cria<strong>da</strong><br />
uma campanha de “Homens pelo fim <strong>da</strong> <strong>violência</strong> contra a mulher”<br />
A <strong>violência</strong> doméstica contra a mulher não se caracteriza somente por aquilo que é<br />
visível e que é tipificado no Código Penal. É muito mais do que isso. O hematoma, o arra-<br />
nhão e a ameaça que levam a mulher a pedir a aju<strong>da</strong> são, não raras vezes, apenas a ponta<br />
de um iceberg. Por trás dessas manifestações aparentes pode haver: um risco real e iminente<br />
de homicídio; meses, anos ou déca<strong>da</strong>s de abusos físicos, emocionais ou sexuais; um medo<br />
profundo que enfraquece e paralisa a vítima; uma longa história que envolve pequenos<br />
atos, gestos, sinais e mensagens subliminares, empregados, dia após dia, para manter a<br />
vítima sob controle.<br />
A <strong>violência</strong> emocional vai muito além <strong>da</strong> ameaça! Ela se manifesta também por atos<br />
como: intimi<strong>da</strong>r (fazer ameaças sutis); diminuir, fazer a pessoa sentir-se mal consigo mesma,<br />
xingar, levar a pessoa a pensar que está louca, provocar confusão mental, fazer a pessoa se<br />
sentir culpa<strong>da</strong>; humilhar (desqualificar, criticar continuamente, desvalorizar, ironizar publi-<br />
camente, desconsiderar a opinião <strong>da</strong> pessoa, etc.); coagir, cercear, controlar os movimentos<br />
e perseguir; usar os filhos para fazer chantagem; isolar a vítima dos amigos e parentes; con-<br />
trolar, reter, tirar o dinheiro <strong>da</strong> vítima.<br />
Violência física não é só bater! Além de espancar, os agressores podem: empurrar, ati-<br />
rar objetos, sacudir, esbofetear, estrangular, chutar violentamente, torcer os braços, quei-<br />
mar, perfurar, mutilar e torturar, usar arma branca ou arma de fogo.<br />
Já a <strong>violência</strong> sexual não se caracteriza apenas pelo estupro cometido por um desco-<br />
nhecido! O marido também estará praticando <strong>violência</strong> se: forçar as relações sexuais (com<br />
ou sem <strong>violência</strong> física) quando a pessoa não quer, quando está dormindo ou doente; forçar<br />
a prática de atos que causam desconforto ou repulsa; obrigar a mulher a olhar imagens<br />
pornográficas, quando ela não deseja; obrigar a vítima a fazer sexo com outras pessoas.<br />
A <strong>violência</strong> doméstica segue, muitas vezes, um ciclo composto por três fases:<br />
1ª Fase: A construção <strong>da</strong> tensão no relacionamento – Nessa fase podem ocorrer incidentes<br />
menores, como agressões verbais, crises de ciúmes, ameaças, destruição de objetos,<br />
etc. Nesse período de duração indefini<strong>da</strong>, a mulher geralmente tenta acalmar seu<br />
agressor, mostrando-se dócil, prestativa, capaz de antecipar ca<strong>da</strong> um de seus capri-<br />
chos ou buscando sair do seu caminho. Ela acredita que pode fazer algo para impedir<br />
que a raiva dele se torne ca<strong>da</strong> vez maior. Sente-se responsável pelos atos do marido<br />
ou companheiro e pensa que se fizer as coisas corretamente os incidentes podem<br />
acabar. Se ele explode, ela assume a culpa. Ela nega sua própria raiva e tenta se<br />
convencer de que “... talvez ele esteja mesmo cansado ou bebendo demais”.
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
2ª Fase: A explosão <strong>da</strong> <strong>violência</strong> (descontrole e destruição) – A segun<strong>da</strong> fase é marca<strong>da</strong> por<br />
agressões agu<strong>da</strong>s, quando a tensão atinge seu ponto máximo e ocorrem os ataques<br />
mais graves. A relação se torna inadministrável e tudo se transforma em descontro-<br />
le e destruição. Algumas vezes a mulher percebe a aproximação <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> fase e<br />
acaba provocando os incidentes violentos, por não suportar mais o medo, a raiva e<br />
a ansie<strong>da</strong>de. A experiência já lhe ensinou, por outro lado, que essa é a fase mais<br />
curta e que será segui<strong>da</strong> pela fase 3, <strong>da</strong> lua de mel (Soares, 2005).<br />
3ª Fase: A lua de mel (arrependimento do agressor) – Terminado o período <strong>da</strong> <strong>violência</strong><br />
física, o agressor demonstra remorso e medo de perder a companheira. Ele pode<br />
prometer qualquer coisa, implorar por perdão, comprar presentes para a parceira e<br />
demonstrar efusivamente sua culpa e sua paixão. Jura que jamais voltará a agir de<br />
forma violenta. Ele se mostra novamente o homem por quem um dia ela se apaixo-<br />
nou (Soares, 2005).<br />
Essas situações tanto podem ocorrer <strong>da</strong> forma como foram descritas aqui, como podem nunca<br />
acontecer. Esse é apenas um padrão geral que em ca<strong>da</strong> caso vai se manifestar de modo diferen-<br />
ciado. Mas é importante conhecer o ciclo <strong>da</strong> <strong>violência</strong> para aju<strong>da</strong>r as mulheres a identificá-lo,<br />
quando for o caso, e a impedir que ele se reproduza (p. 25).<br />
Talvez você pense: “Se elas ficam tanto tempo sendo agredi<strong>da</strong>s; se elas denunciam<br />
seus parceiros e depois retiram a queixa; se elas não se separam logo é porque devem gostar<br />
disso, não têm caráter, são doentes ou covardes”. Não é bem assim. Existem muitas razões<br />
para uma mulher não conseguir romper com seu parceiro violento. Vejamos algumas delas:<br />
1. O maior de todos os riscos é justamente romper a relação; 2. Procurar aju<strong>da</strong> é visto como<br />
algo vergonhoso e gera muito medo; 3. Sempre resta a esperança de que o marido mude o<br />
comportamento; 4. A vítima, muitas vezes, está isola<strong>da</strong> <strong>da</strong> sua rede de apoio; 5. Nossa socie<strong>da</strong>-<br />
de ain<strong>da</strong> está desprepara<strong>da</strong> para li<strong>da</strong>r com esse tipo de <strong>violência</strong>; 6. Concretamente, há<br />
muitos obstáculos que impedem o rompimento; 7. Algumas mulheres dependem economica-<br />
mente de seus parceiros violentos; 8. Deixar uma relação violenta é um processo: ca<strong>da</strong> um<br />
tem o seu tempo (Soares, 2005).<br />
1. Riscos do rompimento – talvez você já tenha tido notícia de vários casos de mulheres que<br />
são mortas quando estão tentando deixar o agressor. A <strong>violência</strong> e as ameaças contra a<br />
vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> mulher e dos filhos se tornam mais intensas no período <strong>da</strong> separação. O homem<br />
violento percebe que perdeu o controle sobre sua parceira. Exigir que a mulher em situa-<br />
ção de <strong>violência</strong> abandone o agressor pode ser uma enorme irresponsabili<strong>da</strong>de, se não<br />
pudermos oferecer a ela as condições mínimas de segurança para que possa <strong>da</strong>r esse pas-<br />
so tão arriscado (Soares, 2005).<br />
65
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
2. Vergonha e medo – Imagine o que significa para uma mulher denunciar seu próprio par-<br />
66<br />
ceiro! Não é a mesma coisa que apontar um ladrão desconhecido que lhe rouba a bolsa<br />
na esquina. Além disso, há o perigo de ele se tornar ain<strong>da</strong> mais violento, por ela tê-lo<br />
denunciado. Ain<strong>da</strong> considere que a vergonha de ter de reconhecer que seu romance fra-<br />
cassou e seu projeto de ser feliz ao lado <strong>da</strong> pessoa ama<strong>da</strong> acabou em uma Delegacia de<br />
Polícia (Soares, 2005).<br />
3. Esperança de que o marido mude o comportamento – um homem violento faz mais do que<br />
pedir perdão durante a fase de lua de mel. Ele pode pedir aju<strong>da</strong> e começar a fazer algum<br />
tipo de tratamento: entrar para os Alcoólicos Anônimos, procurar um psiquiatra ou uma<br />
igreja. Ele pode demonstrar o amor, admitir seus erros e jurar que vai fazer o que estiver ao<br />
seu alcance para mu<strong>da</strong>r. Se a mulher ama seu companheiro, ela tenta evitar o fim <strong>da</strong><br />
relação. Quem irá julgá-la por isso? (Soares, 2005).<br />
4. Isolamento – As mulheres em situação de <strong>violência</strong> perdem seus laços familiares e sociais.<br />
Os maridos violentos são muito ciumentos e controlam os movimentos <strong>da</strong> parceira. Que-<br />
rem saber onde ela foi, com quem falou ao telefone, o que disse, porque usou tal roupa,<br />
para quem olhou na rua, etc. Em muitos casos, elas acabam restringindo as relações com<br />
a família e com os amigos para esconder as dificul<strong>da</strong>des que estão atravessando. Tornar a<br />
<strong>violência</strong> um fato público significa encher-se de vergonha e reduzir as esperanças de re-<br />
compor o casamento (Soares, 2005).<br />
5. Negação social – quando pedem aju<strong>da</strong>, as vítimas de <strong>violência</strong> se defrontam com pessoas<br />
desprepara<strong>da</strong>s e desinforma<strong>da</strong>s sobre o problema que elas estão vivendo. Ca<strong>da</strong> vez que<br />
um médico, um psicólogo, um líder religioso, um policial ou um advogado as tratam com<br />
indiferença, desconfiança ou desprezo, contribuem para aumentar a <strong>violência</strong>. Quando<br />
isso acontece as vítimas perdem a esperança de encontrar apoio externo e acabam se<br />
recolhendo novamente ao seu inferno particular (Soares, 2005).<br />
6. Barreiras que impedem o rompimento – ao ver que a mulher está disposta a sair <strong>da</strong> relação<br />
violenta, o agressor recorre a todo tipo de chantagem e ameaça: requisita a custódia dos<br />
filhos, nega a pensão alimentícia, interfere no trabalho <strong>da</strong> esposa, difama-a, mata a mu-<br />
lher e os filhos, se suici<strong>da</strong>, etc. São muitas as dificul<strong>da</strong>des e são poucos os recursos dispo-<br />
níveis em nossa socie<strong>da</strong>de. Essa mulher precisa de apoio e de pessoas dispostas a ajudá-la<br />
a ser capaz de vencer as barreiras. Se, ao contrário, ela encontra apenas crítica e julga-<br />
mento, tenderá a desistir de buscar apoio, ficando exposta ao risco e sentindo-se isola<strong>da</strong><br />
e desampara<strong>da</strong> (Soares, 2005).<br />
7. Dependência econômica – muitas mulheres em situação de abuso não têm capacitação<br />
profissional para iniciar uma vi<strong>da</strong> no mercado de trabalho ou para estabelecer novas rela-<br />
ções de trabalho em outra ci<strong>da</strong>de ou Estado, onde poderiam encontrar as condições ideais<br />
de segurança (Soares, 2005).
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
8. Deixar a relação é um longo processo – Ao perceber a necessi<strong>da</strong>de de escapar <strong>da</strong> relação<br />
violenta, a mulher tem um longo caminho a percorrer: preparar-se afetivamente para o<br />
desenlace; preparar-se com segurança para a fuga; preparar-se economicamente. Essas<br />
iniciativas podem levar anos, principalmente se a mulher não contar com nenhum apoio.<br />
Esse esforço envolve i<strong>da</strong>s e vin<strong>da</strong>s, avanços e recuos, tentativas e desistências, acertos e<br />
erros. Não se pode culpar a vítima. Essas oscilações são típicas de quem está em situação<br />
de <strong>violência</strong>. O maior desafio é ajudá-la a encontrar saí<strong>da</strong>s e vencer as dificul<strong>da</strong>des e<br />
hesitações (Soares, 2005).<br />
Concluindo, dentre todos os tipos de <strong>violência</strong> contra a mulher existentes no mundo,<br />
aquela pratica<strong>da</strong> no ambiente familiar é uma <strong>da</strong>s mais cruéis e perversas. O lar, identificado<br />
como local acolhedor e de conforto passa a ser, nestes casos, um ambiente de perigo contí-<br />
nuo que resulta num estado de medo e ansie<strong>da</strong>de permanentes. Envolta no emaranhado de<br />
emoções e relações afetivas, a <strong>violência</strong> doméstica contra a mulher se mantém, até hoje,<br />
como uma sombra em nossa socie<strong>da</strong>de.<br />
Crimes hediondos são cometidos contra as mulheres e não são penalizados, apurados<br />
e tratados devi<strong>da</strong>mente. Um fato acompanhado pela mídia brasileira foi o crime cometido<br />
pelo jovem Lindenberg, cuja gravi<strong>da</strong>de do crime foi ameniza<strong>da</strong>, diminuí<strong>da</strong>, pois se tratava<br />
de uma atitude impulsiona<strong>da</strong> pelo amor, visto como um ato passional cometido por um<br />
jovem apaixonado, e não por um assassino em potencial. Homens matam suas esposas, ex-<br />
esposas ou companheiras por motivos banais, por ciúme, por não aceitar suas decisões,<br />
embora o ato de assassinar alguém jamais tenha justificativa.<br />
Hoje é difícil acreditar que aquele que deveria amar é o mesmo que agride a mulher,<br />
contudo é exatamente o que acontece. A <strong>violência</strong> sofri<strong>da</strong> pelas mulheres ocorre principal-<br />
mente no espaço doméstico, e é cometido por parceiros, ou outras pessoas com quem as<br />
vítimas mantêm relações afetivas ou íntimas.<br />
Muitas mulheres têm dificul<strong>da</strong>de de assumir que sofreram ou sofrem com situações de<br />
<strong>violência</strong>, seja por vergonha, medo de serem discrimina<strong>da</strong>s, ou até por acreditarem que seus<br />
companheiros têm o direito de castigá-las.<br />
Eu penso que é no seio <strong>da</strong> família que o ser humano aprende a ser “ver<strong>da</strong>deiramente<br />
humano”. A experiência do perdão, <strong>da</strong> partilha, <strong>da</strong> correção, do acolhimento, do amor, <strong>da</strong>s<br />
alegrias e tristezas vivi<strong>da</strong>s em família, forma o ambiente privilegiado e insubstituível para<br />
desenvolver a cultura <strong>da</strong> paz.<br />
Assim as relações familiares, embora muitas vezes sejam enfrenta<strong>da</strong>s com dificul<strong>da</strong>-<br />
des, devem contribuir eficazmente para o aprendizado <strong>da</strong> superação de problemas e confli-<br />
tos e o desenvolvimento de uma mentali<strong>da</strong>de em favor <strong>da</strong> paz.<br />
67
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
68<br />
Nas últimas déca<strong>da</strong>s tivemos a infelici<strong>da</strong>de de assistir terríveis acontecimentos que mar-<br />
caram a família no Brasil, desde simples questões de convivência até sua base conceitual trans-<br />
forma<strong>da</strong> por uma forte crise de valores. Mais do que nunca somos alertados pelo bom senso e<br />
pela sã consciência de que o mundo precisa saber quais são os pilares <strong>da</strong> instituição familiar e<br />
reassumir esses pilares, se quisermos, um dia, pensar em paz e segurança para todos.<br />
Não precisamos ser especialistas para saber constatar o vínculo entre a atual situação<br />
<strong>da</strong> família e questões liga<strong>da</strong>s à <strong>violência</strong>. Assim, comprometer-se com a segurança, a luta<br />
contra a <strong>violência</strong>, implica, necessariamente, valorizar e defender a família e seus valores<br />
essenciais. São estes os reais motivos e intenções que me levaram a aprofun<strong>da</strong>r, pesquisar e<br />
estu<strong>da</strong>r este tema.<br />
A <strong>violência</strong> sexual é a agressão que atinge os aspectos mais íntimos <strong>da</strong>s relações hu-<br />
manas. As transgressões sexuais acabam acarretando culpa, vergonha e medo na vítima e<br />
mesmo nos possíveis denunciantes solidários a vítima. Assim, a ocorrência desses crimes<br />
sexuais tende a ser oculta<strong>da</strong>. Temos visto inúmeras mães que negam a ocorrência <strong>da</strong> violên-<br />
cia sexual por parte do marido contra as filhas porque temem suas consequências sociais e<br />
policiais, temem os efeitos intrafamiliares, preferem viver junto do que separa<strong>da</strong>s, enfim, há<br />
uma complacência omissa que pode ser tão criminosa quanto a agressão.<br />
Aqui, cabe uma breve referencia a lei Maria <strong>da</strong> Penha, estu<strong>da</strong><strong>da</strong> de forma especial por<br />
Azevedo (2008): em seu entendimento, com a criminalização <strong>da</strong> <strong>violência</strong> que ocorre no<br />
espaço doméstico, redefinem-se os sentidos <strong>da</strong> individuali<strong>da</strong>de, dos direitos, <strong>da</strong>s responsabi-<br />
li<strong>da</strong>des e as fronteiras entre o mundo público e o mundo privado. Se estas fronteiras nunca<br />
foram estáveis e definitivas na história do Ocidente, é certo, também, que o espaço público<br />
nunca esteve tão confundido com a intimi<strong>da</strong>de e com a vi<strong>da</strong> em família como nesse início de<br />
século, em nome de expectativas igualitárias e do amplo acesso aos direitos.<br />
As medi<strong>da</strong>s não-penais de proteção à mulher em situação de <strong>violência</strong>, previstas nos artigos 9º, 22<br />
e 23 <strong>da</strong> Lei Maria <strong>da</strong> Penha, mostram-se providências muito mais sensatas para fazer cessar as<br />
agressões e, ao mesmo tempo, menos estigmatizantes para o agressor, assim como a ampliação <strong>da</strong><br />
definição <strong>da</strong> <strong>violência</strong> contra as mulheres. Entretanto, inseri<strong>da</strong>s em um contexto criminalizante,<br />
pode-se imaginar que logo estaremos assistindo à colonização <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s protetivas pelas inicia-<br />
tivas tendentes à punição (mesmo antes <strong>da</strong> condenação) dos supostos agressores, nos casos que<br />
conseguirem ultrapassar a barreira do inquérito e alcançarem uma audiência judicial, quem sabe<br />
quanto tempo depois do momento <strong>da</strong> agressão (Azevedo, 2008, p. 130).<br />
O autor destaca que o conflito de gênero que está por trás <strong>da</strong> <strong>violência</strong> doméstica não<br />
pode ser tratado pura e simplesmente como matéria criminal. O retorno do rito ordinário do<br />
processo criminal para apuração dos casos de <strong>violência</strong> doméstica não leva em considera-<br />
ção a relação íntima existente entre vítima e acusado, não sopesa a pretensão <strong>da</strong> vítima<br />
nem mesmo seus sentimentos e necessi<strong>da</strong>des.
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Conforme observação de Gregori (1993), as mulheres atendi<strong>da</strong>s não buscam, necessa-<br />
riamente, a separação de seus parceiros. A autora entende que não há uma simples domina-<br />
ção <strong>da</strong>s mulheres pelos homens, estas não são meras vítimas de seus companheiros, não<br />
existe, numa relação, um estabelecimento dualista e fixo dos papéis de gênero.<br />
Embora a duali<strong>da</strong>de vítima-agressor facilite a denúncia <strong>da</strong> <strong>violência</strong>, Gregori (1993, p.<br />
134) destaca que deve haver limites para essa visão jurídica dualista: a construção de duali<strong>da</strong>des<br />
– como “macho” culpado e mulher “vítima” – para facilitar a denúncia e indignação, deixan-<br />
do de lado o fato de que os relacionamentos conjugais são de parceria e que a <strong>violência</strong> pode<br />
ser também uma forma de comunicação, ain<strong>da</strong> que perversa, entre parceiros (p. 131-134).<br />
Assim, a leitura criminalizante apresenta uma série de obstáculos para a compreensão<br />
e intervenção nos conflitos interpessoais, e não corresponde às expectativas <strong>da</strong>s pessoas<br />
atendi<strong>da</strong>s nas Delegacias <strong>da</strong> Mulher e tampouco ao serviço efetivamente realizado pelas<br />
policiais naquelas instituições. Certamente o mais adequado seria li<strong>da</strong>r com esse tipo de<br />
conflito fora do sistema penal, radicalizando a aplicação dos mecanismos de mediação, re-<br />
aliza<strong>da</strong> por pessoas devi<strong>da</strong>mente treina<strong>da</strong>s e acompanha<strong>da</strong>s de profissionais do Direito, Psico-<br />
logia e Assistência Social. Os Juizados Especiais Criminais abriram espaço para experiências<br />
bem-sucedi<strong>da</strong>s neste âmbito, como as várias alternativas de encaminhamento do caso (com-<br />
promisso de respeito mútuo, encaminhamento para grupo de conscientização de homens<br />
agressores, etc.) dão conta. A falta de adesão normativa e institucional a mecanismos efeti-<br />
vos para a mediação dos conflitos, no entanto, e o equívoco <strong>da</strong> banalização <strong>da</strong> cesta básica<br />
deflagraram a reação que agora assistimos (Azevedo, 2008, p. 133).<br />
Seção 3.3<br />
Mídia e Violência<br />
A <strong>violência</strong> aparece no cenário mundial como um problema urbano que alimenta e<br />
ecoa nos debates internacionais, que irrompe num continuum que parece não ter fim, inva-<br />
dindo o cotidiano sob holofotes que emolduram atores e lugares que se sucedem rapi<strong>da</strong>men-<br />
te, desven<strong>da</strong>ndo “casos” que, logo em segui<strong>da</strong>, recaem na escuridão dos bastidores. Ela é<br />
trata<strong>da</strong>, <strong>da</strong> mesma forma que a corrupção, como se fosse um vírus ou bactéria altamente<br />
contagiosa, como uma endemia ou epidemia, como planta que estende suas raízes, seus<br />
brotos, suas ramificações, com ímpeto sempre renovado, gerando a sensação de ter “tomado<br />
conta do mundo”. A emergência <strong>da</strong> <strong>violência</strong> (ou <strong>da</strong> corrupção) como um problema social<br />
revela a disposição de um confronto. Quem luta e quais são os objetos que estão sendo<br />
disputados? Quais são as configurações de poder que emolduram este confronto?<br />
69
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
70<br />
Este enfrentamento parece ter um território bem demarcado: as periferias urbanas.<br />
Parece contar com um alvo central: jovens pobres, imigrantes de primeira ou de segun<strong>da</strong><br />
geração. E aponta para a disputa sobre as formas de controle social, em socie<strong>da</strong>des em<br />
transformação. Um ponto comum na construção contemporânea sobre o que é “<strong>violência</strong>”<br />
– e, portanto, sobre qual será o objeto prioritário <strong>da</strong>s políticas públicas – é a sua associação<br />
quase exclusiva com a <strong>violência</strong> <strong>da</strong> criminali<strong>da</strong>de urbana.<br />
Há uma interação muito forte entre a <strong>violência</strong> representa<strong>da</strong> nos meios de comunica-<br />
ção de massa e a vi<strong>da</strong> real. A mídia pode contribuir para consoli<strong>da</strong>r uma cultura agressiva,<br />
ao mesmo tempo em que pessoas já agressivas a utilizam para a reafirmação de suas crenças<br />
e atitudes, as quais, por sua vez, são reforça<strong>da</strong>s pelo conteúdo <strong>da</strong> programação divulga<strong>da</strong>.<br />
Essa interação confirma-se de maneira mais marcante em relação a processos de longo prazo.<br />
A essa altura do estudo mostra-se importante apresentar algumas correlações entre a<br />
<strong>violência</strong> na mídia e na vi<strong>da</strong> “real”. Não se pode supor que exista um efeito unidirecional,<br />
em âmbito global, tampouco testá-lo empiricamente. O estudo concentra-se no papel <strong>da</strong><br />
mídia no âmbito <strong>da</strong> complexa cultura <strong>da</strong> <strong>violência</strong>, paralelamente a outras influências.<br />
Groebel (1997) destaca o relatório <strong>da</strong> pesquisa <strong>da</strong> Unesco. Na conclusão deste relató-<br />
rio são apresentados os resultados do estudo global sobre <strong>violência</strong> nos meios de comunica-<br />
ção de massa, entre 1996 e 1997. O autor assim se refere:<br />
A questão central que se coloca diz respeito a saber se as crianças são capazes de distinguir entre<br />
reali<strong>da</strong>de e ficção. Outra refere-se à percepção quanto à semelhança entre o que é mostrado na<br />
mídia e as experiências do cotidiano. Comparamos crianças oriun<strong>da</strong>s de ambientes com níveis<br />
altos e baixos de agressivi<strong>da</strong>de e perguntamos se o que elas viam na mídia assemelhava-se às<br />
suas próprias experiências. Em todos os casos, o grupo oriundo de áreas altamente violentas<br />
revelou existir maior superposição entre reali<strong>da</strong>de e ficção do que o grupo que vive em áreas<br />
onde os níveis de <strong>violência</strong> são mais baixos (cinema: 46% versus 40%; TV: 72% versus 69%; rádio:<br />
52% versus 48%; estórias em quadrinhos: 26% versus 22%). De modo geral, trata-se de uma<br />
tendência homogênea. Portanto, as crianças que vivem em ambientes com altos níveis de<br />
agressivi<strong>da</strong>de deparam-se, mais freqüentemente do que as crianças de ambientes menos agressi-<br />
vos, com mensagens semelhantes tanto na vi<strong>da</strong> real como na mídia. Obviamente, o conteúdo <strong>da</strong><br />
programação <strong>da</strong> mídia reforça a crença, já menciona<strong>da</strong> anteriormente, de que a maioria <strong>da</strong>s<br />
pessoas é má. Muitas crianças vivem em ambientes onde tanto as experiências <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> “real”<br />
quanto aquelas observa<strong>da</strong>s na mídia sustentam a visão de que a <strong>violência</strong> é um fato natural. A<br />
fascinação pela <strong>violência</strong> está quase sempre relaciona<strong>da</strong> a personali<strong>da</strong>des fortes, que têm o<br />
controle <strong>da</strong> situação, são recompensados (no final) por sua agressivi<strong>da</strong>de e podem li<strong>da</strong>r com<br />
quase todos os tipos de problema. A mensagem tem, pelos menos, três desdobramentos: a agres-<br />
são é um meio eficaz de resolver conflitos; a agressão oferece status; e a agressão pode ser<br />
diverti<strong>da</strong>. O herói acima do bem e do mal é, naturalmente, um tema antigo na arte e na literatu-<br />
ra, servindo de compensação pelas próprias limitações e de referencial para o comportamento<br />
<strong>da</strong>s pessoas. Relativamente nova, no entanto, é a uniformi<strong>da</strong>de global de tais heróis, cria<strong>da</strong> por<br />
meios de comunicação de massa, e seu peso comercial. Uma dessas figuras cria<strong>da</strong>s pela mídia é<br />
a personagem “O Exterminador ”, de dois filmes do mesmo nome, estrelando o ator Arnold
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Schwarzenegger. Os resultados alcançados pela nossa pesquisa confirmam ser “O Extermina-<br />
dor” um herói transcultural. Cerca de 88% <strong>da</strong> população infantil do mundo (se nossa amostra for<br />
representativa) o conhecem. Comparando as áreas de altos e baixos níveis de agressivi<strong>da</strong>de, é<br />
importante destacar que 51% <strong>da</strong>s crianças oriun<strong>da</strong>s de ambientes com altos níveis de <strong>violência</strong><br />
gostariam de ser como ele, enquanto 37% pensam assim nas áreas onde os níveis de agressivi<strong>da</strong>de<br />
e <strong>violência</strong> são baixos. Tal personagem parece ter as características que as crianças pensam ser<br />
necessárias para li<strong>da</strong>r com situações difíceis. O mesmo sucesso fazem heróis como “Rambo” e,<br />
naturalmente, heróis “locais” dos respectivos mercados <strong>da</strong> mídia local, como, por exemplo, <strong>da</strong><br />
Índia, do Brasil ou do Japão. Um herói agressivo <strong>da</strong> mídia é particularmente “bem-sucedido”<br />
como um modelo de papel na socie<strong>da</strong>de, em regiões onde os níveis de <strong>violência</strong> e agressivi<strong>da</strong>de<br />
são altos. Alguns desses heróis tornaram-se ícones que ultrapassaram as barreiras culturais.<br />
Existem padrões sistemáticos nas percepções <strong>da</strong> agressivi<strong>da</strong>de, vinculando motivações pessoais,<br />
meio ambiente real e conteúdo <strong>da</strong> mídia? Analisamos, por um lado, a correlação entre diferentes<br />
formas de “busca de sensações” (motivação para ficar excitado pelo risco e a aventura), um traço<br />
de personali<strong>da</strong>de relativamente estável, e, por outro, diferentes ambientes <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> real e exibidos<br />
pela mídia. Não houve diferença no que se refere à busca de sensações entre os ambientes de altos<br />
e baixos níveis de <strong>violência</strong> e agressivi<strong>da</strong>de. Isso parece plausível, uma vez que esse traço <strong>da</strong><br />
personali<strong>da</strong>de é altamente determinado geneticamente, sendo, até certo ponto, independente de<br />
influências do meio ambiente. No entanto, quando dividimos a amostra em dois grupos, tendo<br />
um deles maior acesso à infra-estrutura tecnológica desenvolvi<strong>da</strong> e o outro infra-estrutura me-<br />
nos desenvolvi<strong>da</strong> do ponto de vista tecnológico, o quadro se modifica (critério: distribuição de<br />
computadores, corte <strong>da</strong> “mediana” = 50% dicotomia alta/baixa). O dobro <strong>da</strong>s crianças do grupo<br />
de “alta tecnologia”, em relação àquele de “baixa tecnologia”, revelaram tendência para a<br />
busca de situações de risco (20% versus 10%). Controle centralizado e censura não são eficazes<br />
nem compatíveis com os princípios <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des democráticas, portanto, três importantes<br />
estratégias devem ser considera<strong>da</strong>s:<br />
• Debate público e conversações “em comum” entre políticos, produtores e professores.<br />
• Desenvolvimento de códigos de conduta e autodisciplina para produtores.<br />
• Formas inovadoras de educação sobre a mídia, para criar usuários competentes e com capaci-<br />
<strong>da</strong>de de crítica.<br />
Além dos profissionais <strong>da</strong> mídia, podem desempenhar importante papel nessa questão as organi-<br />
zações não-governamentais em geral e os agentes de educação informal com uma perspectiva<br />
global como a do Escotismo. Com a existência de sistemas de comunicação como a Internet, a<br />
mídia será ain<strong>da</strong> mais onipresente e universal. Como conseqüência, o novo ambiente digital<br />
deman<strong>da</strong> atenção semelhante àquela dirigi<strong>da</strong> à cultura e à educação no mundo tradicional<br />
(Groebel, 1997. Disponível: . Violência juvenil –projeto: Percepção dos Jo-<br />
vens Sobre a Violência nos Meios de Comunicação de Massa. Universi<strong>da</strong>de de Utrecht, Holan<strong>da</strong>.<br />
Projeto conjunto de pesquisa realizado sob a responsabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Unesco (Setor de Comunicação,<br />
Informação e Informática), a Organização Mundial de Escotismo e a Universi<strong>da</strong>de de Utrecht).<br />
É inconteste que o principal organizador <strong>da</strong>s relações sociais na atuali<strong>da</strong>de é a mídia,<br />
que tem profundo poder de penetração nas diferentes cama<strong>da</strong>s <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. A televisão, em<br />
especial, tem ampla difusão junto a maioria <strong>da</strong> população, constituindo-se no principal veí-<br />
culo <strong>da</strong> ideologia, expressão privilegia<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>violência</strong> simbólica. É a ideologia que sustenta a<br />
hegemonia <strong>da</strong> classe dominante: a burguesia. Privilegiei a análise <strong>da</strong> <strong>violência</strong> simbólica que<br />
71
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
é orquestra<strong>da</strong> pela indústria cultural para gerir a construção do “tipo psicológico ordinário”<br />
(Costa, 1986), isto é, aquela forma de individuação e de vínculos sociais que mantêm o status<br />
quo. Os modelos identificatórios são construídos e difundidos pela mídia para a manipulação/<br />
padronização dos indivíduos, o que facilita manter a todos sob controle social.<br />
72<br />
A televisão, por exemplo, tem como função implícita a formação de públicos para o<br />
mercado, e faz isso de maneira mais eficiente ao reduzir o discurso a um denominador co-<br />
mum, o mais baixo possível, apelativo e criador de seu público cativo, ou seja, cria o consu-<br />
midor e oferta o produto para este consumir, fazendo a realimentação dos mesmos sonhos,<br />
partilhando o mesmo universo, gostos, desejos e esperanças.<br />
Falsifica cotidianos e de tantos atos repetidos que promove incha o que se vê e se ouve<br />
e garante um grau zero dos sentidos, como se a televisão quisesse provar que a vi<strong>da</strong> é banal<br />
como seus programas (especialmente os chamados reality shows). Com o tempo o público se<br />
identifica com o que vê e já não consegue distinguir o que é imaginário e real: “aceito tudo<br />
como ver<strong>da</strong>de, caso contrário, não me divirto”. Esse é uma espécie de pacto simbólico, como<br />
se a TV dissesse que dá ao público um programa parecido com as expectativas culturais que<br />
ele tem e este fica ligado nela, e na medi<strong>da</strong> em que o público entende os programas sem<br />
esforço, se diverte, se torna cúmplice de tudo aquilo que a televisão oferece. Embora esta<br />
cumplici<strong>da</strong>de não aconteça por imposição, ela se dá pelo fato de o público fazer parte dela e<br />
não como vítima, pois ele tem o livre-arbítrio de ligar e desligar a TV. Mesmo em momentos<br />
que a televisão demonstra o lixo, os feios, os disformes, os miseráveis, há aí um<br />
autorreconhecimento de um determinado público e uma diferenciação por parte dos outros,<br />
garantindo assim o equilíbrio e o preconceito. É como um meio de hierarquizar as diferenças<br />
de classe e preferências sociais. Hoje a TV, em termos gerais, cultua a estética do grotesco<br />
notabilizado. O povo se torna apenas em público (Silva, 2010).<br />
As relações violentas que caracterizam a vi<strong>da</strong> em socie<strong>da</strong>de atualizam-se de forma<br />
disfarça<strong>da</strong> por meio <strong>da</strong> poderosa tecnologia <strong>da</strong> indústria cultural. Exprimem o disfarce cíni-<br />
co <strong>da</strong> <strong>violência</strong> que penetra profun<strong>da</strong>mente no âmago <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> subjetiva e de relações dos<br />
indivíduos. Homens, mulheres e crianças, em diferentes partes do mundo, são empurrados<br />
para a fragilização no estado de desamparo, sem conseguirem se organizar em ações de<br />
sujeitos participantes para a constituição de um poder político ver<strong>da</strong>deiramente protetor e<br />
voltado para o bem de todos.<br />
Nesse contexto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dos indivíduos, a <strong>violência</strong> social se configura, preferencial-<br />
mente, como exercício de manipulação político-ideológica e de opressão/conformação por<br />
meio de diferentes estratégias e instrumentos de ameaças, mais ou menos sutis. É, portanto,<br />
uma <strong>violência</strong> simbólica, a qual, segundo Costa (1986), se encarrega de capturar o mundo<br />
interno dos sujeitos para substituí-lo pela internalização de formas de ser, desejar, sentir,<br />
pensar e agir que interessam à manutenção <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
A emergência de indivíduos autonômos é conti<strong>da</strong> pela difusão maciça de modelos<br />
identificatórios que promovem a estan<strong>da</strong>rdização <strong>da</strong>s pessoas, torna<strong>da</strong>s “máscaras<br />
mortuárias” . O mascaramento do real e a imposição social de formas-de-ser-indivíduo –<br />
padronização – viabilizam um controle social mais eficaz que não seria possível sob a per-<br />
missão <strong>da</strong> diferença e <strong>da</strong> diversi<strong>da</strong>de. Esses modelos são difundidos, em especial, pela mídia<br />
e, para melhor controle social, eles são ca<strong>da</strong> vez mais comuns a todos os indivíduos do<br />
planeta.<br />
Outro estudo sobre a relação entre a <strong>violência</strong> e os meios de comunicação é realizado<br />
por Porto (2006). A principal conclusão <strong>da</strong> autora diz respeito à importância <strong>da</strong> não genera-<br />
lização de tal temática, ou seja, de não incorrermos em análises equivoca<strong>da</strong>s (como a de<br />
que os meios de comunicação de massa são os únicos responsáveis pela <strong>violência</strong>, ou, pelo<br />
contrário, que não possuem nenhuma responsabili<strong>da</strong>de com relação a essa temática), mas<br />
de entendermos os conceitos e as conexões entre eles de forma relativa.<br />
Isso porque a autora trabalha, ao longo de todo o texto (e aqui está o aspecto mais<br />
importante do texto), a <strong>violência</strong> como algo empírico, que depende fun<strong>da</strong>mentalmente <strong>da</strong><br />
reali<strong>da</strong>de social de ca<strong>da</strong> território (e não <strong>da</strong> teorização abstrata). Além disso, Porto (2006)<br />
considera a <strong>violência</strong> uma forma de sociabili<strong>da</strong>de contemporânea, um fenômeno capaz de<br />
reestruturar laços sociais em uma época de permanente fragmentação. Já os meios de co-<br />
municação possuem funções paradoxais, no sentido de que, ao mesmo tempo em que po-<br />
dem ser uma preciosa fonte de informações, de indignação e provocadora de reações <strong>da</strong><br />
população com relação à <strong>violência</strong>, pode também (como comumente tem sido) um veículo<br />
de sensacionalismo, que transforma a <strong>violência</strong> num produto bastante caro – e ca<strong>da</strong> vez<br />
mais requisitado pelo próprio público.<br />
Apesar disso, existe o esforço <strong>da</strong> autora em deixar claro que os meios de comunicação<br />
de massa aparecem apenas como mais um ator que interage com a <strong>violência</strong> (não sendo o<br />
único responsável por ela, mas tampouco podendo ser eximido de culpa). Por isso, acho que<br />
a grande conclusão trazi<strong>da</strong> pelo texto, e defendi<strong>da</strong> também por mim, refere-se à problemáti-<br />
ca <strong>da</strong> generalização ou relativização do tema <strong>violência</strong>, que, ao mesmo tempo em que deve<br />
ser considerado de forma contextualiza<strong>da</strong>, considerando a reali<strong>da</strong>de em que está inserido e<br />
os sujeitos nele envolvidos, não pode mais deixar de ter uma referência (por menor que ela<br />
seja) universal.<br />
Isso significa que, embora um mesmo ato possa ser considerado <strong>violência</strong> em um de-<br />
terminado local e em outro não, não se pode abrir espaço para uma total relativização de<br />
uma questão tão importante, pois corre-se o risco de tolerar as agressões mais absur<strong>da</strong>s aos<br />
direitos mais fun<strong>da</strong>mentais em nome <strong>da</strong> diferença e <strong>da</strong> multiplici<strong>da</strong>de de culturas.<br />
73
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
74<br />
Um dos problemas é a falta de meios de comunicação de massa que permitam a<br />
bilaterali<strong>da</strong>de (ou seja, uma resposta ao que se ouve), pois, embora exista a Internet e sites<br />
de interação e trocas de opinião, o acesso a estes meios ain<strong>da</strong> é bastante restrito (não é à<br />
toa que se fala constantemente em inclusão digital). Assim, soa estranho que “todos tenham<br />
o direito a <strong>da</strong>r sua opinião”, mas apenas alguns possam ser ouvidos (de forma unilateral).<br />
A “resposta” àquilo que é dito pelos meios de comunicação não acontece, a meu ver,<br />
por dois motivos: primeiro, a educação (vista como a oportuni<strong>da</strong>de de desenvolver um pen-<br />
samento próprio, crítico e independente), que falta para grande parte <strong>da</strong> população brasilei-<br />
ra que, diante do sensacionalismo e <strong>da</strong> apresentação de um ponto de vista como “ver<strong>da</strong>de<br />
natural”, sente-se (e de fato é) incapaz de responder ou mesmo pensar algo que contrarie o<br />
que está sendo dito pela grande mídia. Segundo, a própria democracia, que permite que<br />
todos que quiserem – e puderem, detalhe – podem ter seus meios de comunicação.<br />
No Brasil, a mídia tem lado – e o grande problema é que ela está contra o próprio<br />
Estado. A mídia brasileira, controla<strong>da</strong> por poucas famílias, não está interessa<strong>da</strong> em defen-<br />
der a inclusão social, a intervenção do Estado em defesa <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> justiça, por meio<br />
de políticas públicas que se preocupem em melhorar a coletivi<strong>da</strong>de.<br />
Com relação à <strong>violência</strong> é mais fácil atribuir a culpa pelos crimes ao próprio<br />
indivíduo delituoso do que fazer uma leitura histórica <strong>da</strong> situação social. É isso que a mídia faz:<br />
busca a punição do sujeito (não a solução do problema). Valoriza tudo fora de seu contexto,<br />
fazendo surgir a técnica sem finali<strong>da</strong>de (ou com finali<strong>da</strong>de em si mesma), a especialização exa-<br />
gera<strong>da</strong> e a visão ca<strong>da</strong> vez mais individualiza<strong>da</strong> <strong>da</strong>s coisas, com per<strong>da</strong> <strong>da</strong> dimensão coletiva.<br />
A <strong>violência</strong> é apresenta<strong>da</strong> em casos específicos não como um problema social de to-<br />
dos, mas por intermédio de casos, nos quais sempre há alguém a ser cruelmente punido. Há,<br />
no entanto, um abismo entre justiça e vingança (tendo clareza de que o que se deve buscar é<br />
a primeira), e o que se tem constatado é que as pessoas respondem à agressivi<strong>da</strong>de venera<strong>da</strong><br />
pela mídia com gritos de “quero mais”.<br />
Quanto mais sangue, bombas, tiros, sequestros e homicídios, melhor, mais interessan-<br />
te. Qualquer ação pública que busque compreender as situações e tratar de forma humaniza<strong>da</strong><br />
os delituosos (sim! embora nos esqueçamos, os “bandidos” também são seres humanos!)<br />
será indubitavelmente julga<strong>da</strong> pouco eficiente. Por quem? Pela mídia. Bom mesmo, na opi-<br />
nião dela (e, por consequência, <strong>da</strong> maioria de nós) é prender para o resto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e, se<br />
possível, eliminar aqueles que atrapalham o “bom desenvolvimento” <strong>da</strong> nossa socie<strong>da</strong>de.<br />
Não há dúvi<strong>da</strong> de que as formas de <strong>violência</strong> efetuam a repressão dos indivíduos na<br />
socie<strong>da</strong>de e estão a serviço <strong>da</strong>s injustiças e <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des sociais: o controle social dos<br />
indivíduos é exercido para a sustentação de privilégios de classe de uma minoria que retém<br />
os bônus <strong>da</strong> lucrativi<strong>da</strong>de na produção e no consumo <strong>da</strong>s mercadorias.
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Os demais indivíduos vivem sob a vigilância ca<strong>da</strong> vez mais acirra<strong>da</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. A<br />
invasão <strong>da</strong> privaci<strong>da</strong>de se coloca como normatização cínica, mostrando-se ca<strong>da</strong> vez mais<br />
pratica<strong>da</strong> por agências priva<strong>da</strong>s que recebem essa incumbência dos Estados. Essas ações de<br />
<strong>violência</strong> são justifica<strong>da</strong>s como exigência para uma suposta segurança dos membros <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de e, embora venham sendo ca<strong>da</strong> vez mais invasivas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong> dos indivíduos,<br />
são também maciçamente difundi<strong>da</strong>s sob formas hilariantes, para não dizer debocha<strong>da</strong>s,<br />
tais como “sorria, você está sendo filmado” (Caniato, 2008).<br />
Seção 3.4<br />
Indignação, como? Para onde pode levar essa inquietude que começa a vibrar dentro dele? Mas<br />
ele está só e todos ao seu redor estão apáticos, ignoram o que ocorre com eles mesmos. Não<br />
encontra quem mostre qualquer inquietude; ele chega a se achar anormal. Ninguém sinaliza<br />
sentir sequer a estranheza de uma “vi<strong>da</strong> desperdiça<strong>da</strong>”, mergulha<strong>da</strong> na hostili<strong>da</strong>de e na amargu-<br />
ra, e que queira fazer alguma coisa para mu<strong>da</strong>r em nome de um apelo de vi<strong>da</strong>. Talvez os outros<br />
nem saibam que isso existe; tão habituados estão à infideli<strong>da</strong>de e à traição. Mas ele continua<br />
inquieto!... E impotente! Se se revoltar, não encontrará quem lhe seja solidário e corre o risco de<br />
ser preso. O medo de ser punido se intensifica, pois certamente a polícia virá pegá-lo; os outros<br />
apáticos irão para a cadeia sem saber por que, pois estavam silenciosos e não estavam fazendo<br />
baderna alguma. Ninguém se mexe, todos estão acuados, assustados, até, e se afastam correndo<br />
<strong>da</strong>quele “maluco” que pensa. Ele sozinho na<strong>da</strong> conseguirá fazer, pois o grande aparato de vio-<br />
lência e repressão já desconfiou de sua alegria e a polícia foi aciona<strong>da</strong> pelos vizinhos de sua<br />
residência. Não, não pode e não adianta mu<strong>da</strong>r na<strong>da</strong>!... A perplexi<strong>da</strong>de toma conta dele nova-<br />
mente, pois sempre ouviu dizer que só Deus ou o destino sabem dos caminhos para o homem...<br />
Mas algo dentro dele já não está mais do mesmo jeito: ele começou a pensar e a sentir-se com<br />
direitos?!!... Dentro dele floresce a vi<strong>da</strong> que não é entendi<strong>da</strong> por quem o cerca; mas ele não se<br />
deixa enganar pela mensagem do amor que começa a nutrir to<strong>da</strong> a sua vi<strong>da</strong>... Mas ele é só um...<br />
Se não quer ter a rejeição de todos ou ser punido terá de adiar o imperativo de viver o “mundo <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong>” e, afinal, o seu sonho fala disso. Agora terá que desistir ou adiar porque está só... Milhares<br />
de milhões de seres humanos vivem com fome, sem alimentos suficientes, medicinas, roupas,<br />
sapatos, casas, em condições sub-humanas, sem os mínimos conhecimentos e suficiente informa-<br />
ção para compreender sua tragédia e do mundo que vivem (Caniato, 2008).<br />
Juventude e Violência?<br />
Segundo Sposito, em seu artigo A sociabili<strong>da</strong>de juvenil e a rua: novos conflitos e ação<br />
coletiva na ci<strong>da</strong>de (1993), as novas formas de sociabili<strong>da</strong>de que se gestam entre os jovens<br />
nascem principalmente <strong>da</strong> socialização no mundo <strong>da</strong> rua, onde esses sijeitos desenvolvem<br />
relações de amizade e lazer, enfrentam mecanismos <strong>da</strong> <strong>violência</strong> urbana e vivem na luta<br />
pela sobrevivência. Neste espaço buscam construir identi<strong>da</strong>des coletivas e diversas formas<br />
de sociabili<strong>da</strong>de. Algumas formas de ação reúnem ativi<strong>da</strong>des expressivas em torno <strong>da</strong> músi-<br />
75
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
ca e <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça de rua. Agrupando jovens em sua maioria negros e pobres o rap, por meio <strong>da</strong><br />
<strong>da</strong>nça e <strong>da</strong> música, denuncia a exclusão cultural, a <strong>violência</strong> policial e critica a discrimina-<br />
ção perpetra<strong>da</strong> no mundo do trabalho e <strong>da</strong> escola.<br />
76<br />
O movimento hip-hop, ao aglutinar pequenos grupos a partir dos 14 anos de i<strong>da</strong>de,<br />
contempla questões importantes para a análise <strong>da</strong> sociabili<strong>da</strong>de juvenil no espaço urbano e<br />
suas formas de agir, apontando para outras imagens possíveis <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de coletiva e do<br />
conflito social na ci<strong>da</strong>de.<br />
A caracterização do jovem deve ser traça<strong>da</strong> sob o ponto de vista relacional, ou seja, a<br />
partir de uma forma peculiar de relação que ele mantém com o mundo adulto e,<br />
consequentemente, de sua busca de se distanciar do universo infantil.<br />
A busca de autonomia, em redefinição constante ante os laços de dependência com a<br />
família, e a transitorie<strong>da</strong>de, constituem elementos estruturadores <strong>da</strong> sociabili<strong>da</strong>de juvenil.<br />
O processo de saí<strong>da</strong> do mundo <strong>da</strong> infância ocorre na interação contínua com um conjunto<br />
de agências socializadoras encarrega<strong>da</strong>s de preparar os imaturos para o exercício pleno <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong> adulta (Sposito, 1993).<br />
Na juventude os laços com a família tendem a se tornar mais difusos, paralelamente a<br />
uma inserção mais forte em outras instituições que pode, muitas vezes, repercutir no próprio<br />
padrão socializador desenvolvido pelo grupo familiar de origem. Dentre as agências privile-<br />
gia<strong>da</strong>s nessa fase <strong>da</strong> socialização secundária estaria a escola, encarrega<strong>da</strong> de transmitir os<br />
valores sociais mais amplos e de preparar para a divisão social do trabalho.<br />
Instala-se uma relação intermitente com a escola, caracteriza<strong>da</strong> pela exclusão defi-<br />
nitiva precoce ou por um eterno retorno que não significa necessariamente frequência efeti-<br />
va às aulas ou continui<strong>da</strong>de nos vários níveis de escolari<strong>da</strong>de. Tanto pela ausência quanto<br />
pela sua incapaci<strong>da</strong>de em atender as suas aspirações, a escola tende a ocupar um espaço<br />
menor no âmbito <strong>da</strong> socialização dos jovens. Assim, a instituição escolar pouco contribui<br />
para a estruturação efetiva de referências ao oferecer escassa capaci<strong>da</strong>de de propiciar arran-<br />
jos que assegurem um conjunto de relações sociais significativas.<br />
As ruas se inscrevem na sociabili<strong>da</strong>de urbana em vários momentos. Nos últimos anos<br />
as ruas <strong>da</strong>s grandes ci<strong>da</strong>des se transformaram em local de trabalho e moradia, passando a<br />
ser ocupa<strong>da</strong>s por crianças e adolescentes, excluídos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de que lhes nega o direito à<br />
vi<strong>da</strong> em família, à escola e, sobretudo, o direito de serem crianças.<br />
A rua, porém, não é apenas local de trabalho precoce, tornando-se, também, espaço<br />
de <strong>violência</strong> que atinge adolescentes e jovens na interação com o mundo <strong>da</strong> delinquência,<br />
do consumo de drogas, do crime, <strong>da</strong>s agressões policiais ou de exterminadores.
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Enfim, não é possível desconhecer as alterações no padrão <strong>da</strong>s relações sociais que<br />
ocorrem nas ruas e bairros <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, quando o pano de fundo é a agudização <strong>da</strong> crise<br />
social, o crescimento do crime e do tráfico de drogas ao lado <strong>da</strong> convivência e <strong>da</strong> corrupção<br />
do sistema policial. Essa apropriação perversa, entretanto, não esgota to<strong>da</strong>s as possibili<strong>da</strong>-<br />
des de uso do espaço urbano, o qual apresenta arranjos diversos em grandes ci<strong>da</strong>des. Ruas<br />
e esquinas de um mesmo bairro ou em relação aos espaços do centro traduzem diversas<br />
formas de viver, conceber e imaginar o tecido social e o uso do espaço. Territórios menos<br />
visíveis no interior <strong>da</strong>s metrópoles acenam para novas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des <strong>da</strong> sociabili<strong>da</strong>de juvenil<br />
(Sposito, 1993).<br />
A juventude é um momento em que as transformações biológicas <strong>da</strong> pessoa estão em<br />
evidência. Nesta fase <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> o ego do jovem se apresenta instável e vulnerável às pressões<br />
pulsionais e às influências externas, sendo altamente suscetíveis aos fenômenos sociais;<br />
momento oportuno para a incorporação de valores, adequados ou não a uma relação cons-<br />
trutiva dentro <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />
A adolescência é a fase <strong>da</strong> trajetória de vi<strong>da</strong> em que a pessoa está abandonando a<br />
infância e indo ao encontro <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de adulta. Por ser uma fase de passagem é um período de<br />
crise subjetiva, própria de um momento rico na constituição <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>-<br />
de. A interação sujeito e momento social tem na adolescência um estágio crucial: o novo ser<br />
na<strong>da</strong> tem de seguro ou o que se lhe apresenta não é na<strong>da</strong> amigável; os elogios ao corpo e ao<br />
belo, são vistos como idealizados por alguns lugares sociais, já ocupados pelos adultos, e,<br />
ao mesmo tempo, estes lugares servem a objetivos instrumentais (lucro, comércio, etc.), e,<br />
muitas vezes, longe <strong>da</strong>s fontes parentais (familiares).<br />
Neste sentido, no adolescente o jovem, a imagem do outro é sempre força desviante e<br />
ele se torna anormalizador: embate-se com tudo e com todos, principalmente com os pais,<br />
professores e governantes.<br />
109):<br />
Nessa linha de argumentação, recorremos ao sociólogo Tavares dos Santos (1999, p.<br />
A prática <strong>da</strong> <strong>violência</strong> revela-se como um procedimento que apresenta uma racionali<strong>da</strong>de espe-<br />
cífica, a qual envolve o arbítrio à medi<strong>da</strong> que o desencadear <strong>da</strong> <strong>violência</strong> produz efeitos<br />
incontroláveis e imprevisíveis. A <strong>violência</strong> é fun<strong>da</strong>dora de uma socie<strong>da</strong>de dividi<strong>da</strong>, atingindo<br />
mais alguns grupos sociais do que outros. Subjacente a to<strong>da</strong>s as formas possíveis de <strong>violência</strong>,<br />
percebe-se como foco ordenador <strong>da</strong> lógica de coerção social, como efetivi<strong>da</strong>de ou virtuali<strong>da</strong>de<br />
nunca esqueci<strong>da</strong>, ou como princípio operatório <strong>da</strong>s relações – o exercício <strong>da</strong> <strong>violência</strong> física.<br />
Temos, então, o recurso à força e a aplicação <strong>da</strong> coerção como pertencentes às relações sociais de<br />
<strong>violência</strong>. A prática <strong>da</strong> <strong>violência</strong> vai se inserir em uma rede de dominações, de vários tipos –<br />
classe, gênero, etnia, por categoria social, ou a <strong>violência</strong> simbólica – que resultam na fabricação<br />
de uma teia de exclusões, possivelmente sobrepostas.<br />
77
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
78<br />
O ato infracional de pessoas em i<strong>da</strong>de ain<strong>da</strong> tenra é uma <strong>da</strong>s formas de expressão <strong>da</strong><br />
<strong>violência</strong>. Muitos são os estudiosos que se debruçam sobre essa temática.<br />
Leviski et al. (1997) trabalham o tema pelo viés <strong>da</strong> Psicanálise, tentando esclarecer a<br />
forma como se dá a organização do pensamento no interior dessa socie<strong>da</strong>de globaliza<strong>da</strong>,<br />
com este último constituindo um fator adicional aos conflitos <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de nacional. Os<br />
autores enfatizam também que segundo suas observações, dentro de grupos ocorrem meca-<br />
nismos regressivos levando à per<strong>da</strong> <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de individual, prevalecendo a grupal: “a identi-<br />
<strong>da</strong>de em seus múltiplos aspectos será agente multiplicador <strong>da</strong> cultura e sofrerá as conseqüên-<br />
cias de tais mu<strong>da</strong>nças” (1977, p. 22). Estas consequências são verifica<strong>da</strong>s na <strong>violência</strong> que<br />
atinge de forma ampla a socie<strong>da</strong>de atual.<br />
Estes autores (1997) entendem que durante a adolescência o ego se apresenta instá-<br />
vel e vulnerável às pressões pulsionais e às influências externas, mostrando-se altamente<br />
suscetível às influências dos fenômenos sociais. A <strong>violência</strong> é passiva, está presente e se<br />
expressa pela negligência, pela corrupção, pela indiferença, pela atitude de fazer vista gros-<br />
sa, que por sua vez são reveladores de um clima de conivência refletora de uma <strong>violência</strong><br />
estrutural à organização social e psicológica, com profun<strong>da</strong> desvalorização <strong>da</strong>s relações<br />
humanas, do ser e do viver. O fator familiar é outro componente complexo gerador de violên-<br />
cia e decorrente do enfraquecimento dos elos que unem pais e filhos. 2<br />
Leviski et al. (1997) ain<strong>da</strong> observam que este fato se <strong>da</strong>ria em virtude do distanciamento<br />
que vem ocorrendo nas últimas déca<strong>da</strong>s, pelo fato de os pais estarem, na maior parte do<br />
tempo, ausentes na vi<strong>da</strong> dos filhos. Para estes autores, o pai simboliza o eixo e os limites do<br />
filho, ao mesmo tempo que lhe serve de “escora”. E concluem apresentando seu diagnóstico:<br />
A própria socie<strong>da</strong>de não se dá conta de que estes procedimentos, associado à passivi<strong>da</strong>de, e aos<br />
conluios sociais, se transformam em valores a serem incorporados pela própria juventude que irá<br />
nortear suas relações e quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>, não falta dinheiro, existe má distribuição <strong>da</strong> ren<strong>da</strong>. Não<br />
falta comi<strong>da</strong>. Há desperdícios. É a terra em que se plantando tudo dá. É preciso querer mu<strong>da</strong>r (p. 28).<br />
Fatores decorrentes <strong>da</strong> globalização <strong>da</strong> economia são considerados pelos autores os<br />
maiores responsáveis pelos problemas locais geradores de <strong>violência</strong>, e os identificam como:<br />
má distribuição de ren<strong>da</strong>, mortali<strong>da</strong>de infantil, crescimento <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des sem planejamento<br />
urbano, acrescidos de uma crise que atinge os valores éticos e morais.<br />
O Estatuto <strong>da</strong> Criança e do Adolescente traz em seu bojo princípios garantidores de<br />
cui<strong>da</strong>dos e promoção do bem-estar <strong>da</strong>s crianças e dos adolescentes. O Brasil se destaca<br />
como signatário deste importante documento, no entanto a reali<strong>da</strong>de brasileira aponta que<br />
a <strong>violência</strong> contra a infância e juventude continua e se agrava.<br />
2 Monografia de Graduação de Erotil<strong>da</strong> Girardi. Texto contempla o estudos no Gevi, antes referido.
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Para contribuir com esta reflexão consideramos a obra de Dimenstein (1994), O Ci<strong>da</strong>-<br />
dão de Papel, que ilustra o ver<strong>da</strong>deiro ci<strong>da</strong>dão brasileiro, que na reali<strong>da</strong>de usufrui de uma<br />
ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia aparente, que se vê apenas no papel. A obra é um discorrer do colapso social, de<br />
uma socie<strong>da</strong>de que se encontra aparta<strong>da</strong> de um ideal democrático, do domínio público dos<br />
iguais, para a qual a diferença é traduzi<strong>da</strong> em hierarquia e esta em privilégio. O autor faz<br />
um alerta para a socie<strong>da</strong>de, cujo alvo desse discurso somos nós, ouvintes de razão.<br />
Estou convencido de que a infância frágil como um papel, é o mais perfeito indicador do desen-<br />
volvimento de uma nação. Revela melhor a reali<strong>da</strong>de do que o ritmo de crescimento econômico<br />
ou ren<strong>da</strong> per capita. A criança é o elo mais fraco e exposto <strong>da</strong> cadeia social. Se um país é uma<br />
árvore a criança é um fruto. E está para o progresso social e econômico como a semente para a<br />
plantação. Nenhuma nação consegue progredir sem investir na educação, o que significa inves-<br />
tir na infância. Por um motivo bem simples: ninguém planta na<strong>da</strong> se não tiver uma semente<br />
(Dimenstein, 1994, p. 17).<br />
Esse quadro configura o desrespeito aos direitos humanos e à ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, fazendo uma<br />
provocação para a necessi<strong>da</strong>de de enfrentarmos as causas que se encontram dentro dos<br />
estágios de desenvolvimento econômico, político e social. Em outras palavras, ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia<br />
não pode ser trata<strong>da</strong> somente como questão jurídico-política, é uma questão de identi<strong>da</strong>de<br />
social, passando pela necessi<strong>da</strong>de de caráter nivelador e igualitário.<br />
A política <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de que consagra o Estado de Direito e a democracia está<br />
corporifica<strong>da</strong> no aprender a conviver, na construção de uma socie<strong>da</strong>de solidária por meio <strong>da</strong><br />
ação cooperativa e não individualista. Para Touraine (1994, p. 22), o que faz a ligação entre<br />
liber<strong>da</strong>de negativa e liber<strong>da</strong>de positiva é a vontade democrática de fornecer àqueles que<br />
estão sob sua tutela e são dependentes, a capaci<strong>da</strong>de de agirem livremente e discutirem de<br />
igual para igual a respeito de direitos e garantias com os detentores dos recursos econômi-<br />
cos, políticos e culturais.<br />
Dentro desse cenário a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia é a questão central na construção do indivíduo, na<br />
concretização <strong>da</strong>s suas lutas pelos direitos humanos e na possibili<strong>da</strong>de de <strong>da</strong>r um sentido<br />
ético nessas lutas e que venha a garantir espaço aos indivíduos e condições dignas de sobre-<br />
vivência.<br />
Vivemos numa socie<strong>da</strong>de que encurrala a criativi<strong>da</strong>de, a curiosi<strong>da</strong>de, o desejo e fomenta<br />
a competitivi<strong>da</strong>de, o consumismo e a aceitação. Na socie<strong>da</strong>de capitalista o Estado é constitu-<br />
ído por uma relação de classes, na qual os grupos dominantes têm necessi<strong>da</strong>de de apresentar<br />
seus interesses particulares, situados no plano prático, como interesses comuns a todos.<br />
Exclusão social como expressão <strong>da</strong>s relações sociais e fenômenos sociológicos presen-<br />
tes no cotidiano, é outro fator gerador de <strong>violência</strong>. Fruto <strong>da</strong> dinâmica perversa <strong>da</strong> acumu-<br />
lação e reprodução do capital, a exclusão social consiste em condenar a sobreviverem, no<br />
79
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
nível <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de e do imediato, extensas parcelas <strong>da</strong> população. Configurando como<br />
marca inquestionável do desenvolvimento capitalista acrescenta-se a pobreza como resul-<br />
tado <strong>da</strong> exclusão social.<br />
80<br />
Embora muito próximas, pobreza e exclusão social não são conceitos sinônimos. A<br />
exclusão social como processo complexo e multifacetado, dotado de contornos políticos,<br />
sociais, materiais, relacionais e subjetivos, tem seu dinamismo fundido na união de diversos<br />
fatores. Nesse sentido, e seguindo a mesma esteira de raciocínio, nos valemos <strong>da</strong> reflexão de<br />
Vieira (1997, p. 60), que considera como de mais violento e perverso na socie<strong>da</strong>de:<br />
É o fato de a própria estrutura que exclui, dispor de mecanismos para levar todos, inclusive e<br />
principalmente, os excluídos a acreditarem numa suposta “força própria de vontade” e a se<br />
verem desprovidos de tal “força” e demais atributos que pretensamente os tornariam “incluí-<br />
dos”, como por exemplo: ser branco em primeiro lugar ou, ao menos ser “negro de alma branca”,<br />
ter boa fisionomia, ter saúde, ter instrução, ter automóvel, casa própria, etc. Como se a posse<br />
desses bens, assim como de outros, desempenhasse a função de emblema identificatório, apesar<br />
de estes não serem tangíveis para a maioria <strong>da</strong> população brasileira, sua não posse retorna ao<br />
indivíduo de modo a culpabilizá-lo por seu fracasso pessoal.<br />
Nesse contexto podemos ain<strong>da</strong> elencar alguns dos efeitos perversos que estão direta-<br />
mente associados à exclusão, ou seja:<br />
– Falta de perspectivas acresci<strong>da</strong>s do não reconhecimento <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia de milhares de pes-<br />
soas e a rejeição social de que são alvos.<br />
– Sensação de insegurança que atua como elemento organizador, impossibilitando ao indi-<br />
víduo caminhar para o processo emancipatório que auxilia a transformar a reali<strong>da</strong>de em<br />
que está inserido.<br />
– Per<strong>da</strong> do capital social e humano, incapacitando a socie<strong>da</strong>de para superar os desafios do<br />
desenvolvimento.<br />
– Desarticulação <strong>da</strong>s famílias pelos efeitos prolongados de desemprego, desprovendo-as <strong>da</strong>s<br />
condições materiais básicas de existência e, consequentemente, excluindo-as do acesso<br />
aos bens culturais.<br />
– O desemprego, além de desestruturar as famílias, as impede de sonhar com o futuro. O<br />
tecido social tem como fun<strong>da</strong>mento a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> família e a sua desagregação é uma<br />
sociopatia de tal ordem que compromete, por fragilização, todo o liame social.<br />
No domínio sociológico, dentro do aspecto educacional, acreditamos que a educação<br />
é o melhor caminho rumo a uma socie<strong>da</strong>de mais justa e pacífica. A difusão <strong>da</strong> educação<br />
como estratégia intrínseca à política <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de propicia aos indivíduos meios para ame-<br />
nizarem as consequências negativas que o processo de transformação econômica provoca.
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Mediante a centrali<strong>da</strong>de de uma educação escolar libertadora é que se oportuniza aos indi-<br />
víduos superarem o senso comum e a cultura primeira, podendo dessa forma ter acesso às<br />
ferramentas culturais e científicas.<br />
Morin (2001, p. 18) argumenta que: “A educação deve contribuir não somente para a<br />
toma<strong>da</strong> de consciência <strong>da</strong> nossa terra-pátria, mas também permitir que esta consciência se<br />
traduza em vontade de realizar a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia terrena”. Os direitos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia tornam-se<br />
qualitativamente mais compreendidos e realizáveis quando o indivíduo desenvolve a capa-<br />
ci<strong>da</strong>de de leitura do mundo pelo processo de apropriação de informações, conceitos e habi-<br />
li<strong>da</strong>des para interpretar a reali<strong>da</strong>de que o cerca.<br />
Vivemos em uma época de <strong>violência</strong>, de fragmentação do social e de crise nas institui-<br />
ções socializadoras. Pelo fato de acreditarmos que a <strong>violência</strong> tem estreita correlação com a<br />
educação recebi<strong>da</strong> pelo indivíduo, recorremos à reflexão de Vasconcellos (1997, p. 111-112),<br />
que afirma:<br />
Crianças que tiveram pouca educação de suas emoções são incapazes de identificar seus confli-<br />
tos. A educação insuficiente para conter comportamento agressivo de uma criança diante de<br />
frustração a conduz a adotar a agressivi<strong>da</strong>de como um padrão de conduta. [...] existe a <strong>violência</strong><br />
<strong>da</strong> criança e do adolescente contra o meio ambiente, mas também <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> escola e <strong>da</strong><br />
família contra a criança e o adolescente. Vamos, portanto, salientar a importância <strong>da</strong> educação<br />
e <strong>da</strong>s emoções como forma de diminuir a <strong>violência</strong> que existe no mundo atual. O que é educar?<br />
Para alguns, é o processo de construção do conhecimento real, por meio <strong>da</strong> apreensão dos fatos<br />
e do desenvolvimento crítico <strong>da</strong> curiosi<strong>da</strong>de. Para outros, é uma arte, um mistério no qual o<br />
homem transforma, dá um significado à natureza. Ao se comunicar, através <strong>da</strong> linguagem, ao<br />
conhecer e apreender, forma conceitos que permitem a compreensão <strong>da</strong> sua própria experiência<br />
e, a partir dela pode pensar e refletir sobre o seu existir.<br />
Esta autora explica que o processo educativo fornece os valores <strong>da</strong> cultura onde ca<strong>da</strong><br />
um vive, e é por meio <strong>da</strong> educação que se estabelecem as normas de conduta básica. Medi-<br />
ante essas normas o indivíduo se a<strong>da</strong>pta à socie<strong>da</strong>de e desenvolve sua criativi<strong>da</strong>de para<br />
transformar e modificar aquilo que não coincide com seus desejos e que pode ser passível de<br />
modificação. Para os jovens adolescentes em especial, este tipo de atitude pode definir o seu<br />
papel dentro <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, contribuindo para a melhoria e o progresso <strong>da</strong> sua cultura.<br />
A família, segundo Vasconcellos (1997), tem uma função primordial na educação dos<br />
filhos, começando por lhes repassar ensinamentos para que possam cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> própria vi<strong>da</strong>.<br />
Do ponto de vista <strong>da</strong> autora os pais estão transferindo a educação para a escola, e a escola<br />
inadverti<strong>da</strong>mente está assumindo este papel. O que ocorre nesse processo é que a criança<br />
passa a ser atendi<strong>da</strong> minimamente em suas necessi<strong>da</strong>des de sobrevivência física, mas não<br />
do ponto de vista afetivo, emocional e intelectual, e esses modelos oferecidos para a criança<br />
e a juventude atual constituem uma <strong>violência</strong>.<br />
81
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
82<br />
A autora conclui reafirmando que a socie<strong>da</strong>de moderna quer que a criança se desen-<br />
volva “a jato”, porque estamos na era moderna, em que tudo tem de ser rápido. Ela faz,<br />
entretanto, um alerta para que pais, educadores e socie<strong>da</strong>de pensem nas limitações do ser<br />
humano, respeitando-os como tal, pois o estudo sob pressão leva a consequências trágicas,<br />
num processo bastante grave, que ela denomina de “inteligência contra si mesmo”, ou seja,<br />
crianças que por problemas emocionais e como forma de defesa atacam a sua percepção e se<br />
alienam do real (Vasconcellos, 1997).<br />
Com base na discussão apresenta<strong>da</strong> até aqui, consideramos importante, antes de pros-<br />
seguir, apresentar alguns conceitos que serão utilizados ao longo do trabalho. Nesse senti-<br />
do, O Sujeito Adolescente será assumido como sujeito em condição peculiar de desenvolvi-<br />
mento. Vamos, em um primeiro momento, tentar esclarecer o que é ser sujeito, para mais<br />
adiante, então, trabalharmos a questão adolescência, visto que existe uma interligação en-<br />
tre os termos abor<strong>da</strong>dos.<br />
O Estatuto <strong>da</strong> Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, apre-<br />
sentou inovadoras propostas na gestão <strong>da</strong>s políticas de atendimento à criança e ao adoles-<br />
cente, tratando-os como sujeitos de direitos e deveres, conferindo-lhes priori<strong>da</strong>de absoluta,<br />
sobretudo na elaboração e execução de políticas públicas. Mais uma vez a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />
políticas para a infância e juventude encerra uma grave violação de direitos. Cabe referir que<br />
a violação desses direitos encontra-se diretamente liga<strong>da</strong> ao processo antagônico que amplia<br />
a distância entre os direitos assegurados na Lei e aqueles concretizados na prática.<br />
To<strong>da</strong>s essas dimensões (sociais, culturais, políticas, históricas...) não podem ser enten-<br />
di<strong>da</strong>s como partes estanques que se isolam ou se complementam, mas como elementos <strong>da</strong><br />
totali<strong>da</strong>de, profun<strong>da</strong>mente entrelaçados e articulados. A construção de uma socie<strong>da</strong>de que<br />
queira <strong>da</strong>r vi<strong>da</strong> às leis exige uma atuação determina<strong>da</strong>, em que os direitos humanos não são<br />
apenas retórica. Precisamos denunciar a <strong>violência</strong> <strong>da</strong> injustiça, do não cumprimento <strong>da</strong>s<br />
leis, <strong>da</strong>s relações de poder, de coerção e de ameaça, quando o ser humano é prisioneiro <strong>da</strong><br />
ausência de direito, caso contrário corremos o risco de perdermos a capaci<strong>da</strong>de de nos sen-<br />
sibilizar, o que significa uma ameaça a nossa existência.<br />
Salientamos ain<strong>da</strong> outro fator importante, qual seja, a falta de perspectivas e de futu-<br />
ro que recai na baixa escolarização encontra<strong>da</strong> nesses adolescentes, que não estão aptos<br />
para o mercado de trabalho, pois não atendem às exigências <strong>da</strong> crescente complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
industrialização e do setor produtivo.<br />
Diante de todos os problemas levantados aqui, é preciso ressaltar que medi<strong>da</strong>s<br />
socioeducativas imputa<strong>da</strong>s a estes adolescentes têm se mostrado eficazes quando adequa-<br />
<strong>da</strong>mente aplica<strong>da</strong>s e supervisiona<strong>da</strong>s, porém ain<strong>da</strong> é necessário criar mecanismos de con-<br />
trole para o efetivo cumprimento do ECA.
EaD<br />
SOCIOLOGIA DA VIOLÊNCIA<br />
Essas medi<strong>da</strong>s representam um avanço porque incorporam a discussão que se realiza<br />
em âmbito mundial de que a privação <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de só deve ser adota<strong>da</strong> em casos extremos,<br />
uma vez que é comprova<strong>da</strong> a ineficiência do sistema penal tradicional, baseado na prisão,<br />
para a reintegração do jovem à socie<strong>da</strong>de. Cabe às políticas estaduais e federal adequar<br />
programas pe<strong>da</strong>gogicamente formulados para atender ao tipo de adolescente e ao tipo de<br />
criminali<strong>da</strong>de próprios <strong>da</strong>s locali<strong>da</strong>des, exigências <strong>da</strong> Constituição e do ECA.<br />
Tudo nos leva a crer que, mais do que um acabado, e porque não dizer, um frio estudo,<br />
estamos diante de um desafio que nos leva a construir possibili<strong>da</strong>des de pensar diferente-<br />
mente do que se vem pensando a respeito desses jovens, para que desta forma esta pesquisa<br />
cumpra seu papel, ou seja, o de contribuir para a reflexão sobre formas de efetivação de<br />
intervenções sociais, culturais e políticas.<br />
Urge refletir a respeito de como o ser adolescente infrator vem sendo apresentado e defi-<br />
nido como um problema social, e desnaturalizar este discurso, buscando ver aquilo que não é<br />
visto e ouvir aquilo que não é dito. É nessa perspectiva que pensamos ser possível vislumbrar<br />
outras discursivi<strong>da</strong>des a respeito destes sujeitos, pois não se pode continuar ignorando que,<br />
sobre a base <strong>da</strong> exclusão, se constrói diariamente o adolescente em conflito com a lei. 3<br />
Concluindo: o enfrentamento <strong>da</strong> <strong>violência</strong> e dos conflitos se dá por intermédio <strong>da</strong><br />
discussão <strong>da</strong> dinâmica cultural que supere as circunstâncias materiais de onde eles emer-<br />
gem. Recursos como espaço, dinheiro, proprie<strong>da</strong>de, poder, prestígio, alimentos e outros po-<br />
dem ser vistos como impartilháveis, e se duas ou mais partes buscam a posse ou o uso exclu-<br />
sivo de um recurso ou de uma parte disponível dele, abre-se a possibili<strong>da</strong>de de nascer um<br />
conflito entre elas. Conflitos desse tipo são difíceis de serem resolvidos construtivamente<br />
quando há rígi<strong>da</strong> fixação no recurso específico em questão e poucas possibili<strong>da</strong>des de en-<br />
contrar um substituto satisfatório para ele.<br />
Muitos conflitos surgem porque as ativi<strong>da</strong>des ou os gostos de um indivíduo ou de um<br />
grupo chocam-se com as preferências, a sensatez ou a sensibili<strong>da</strong>de de um outro. Uma noi-<br />
va adora seus gatos e quer ficar com eles; seu futuro marido não gosta de gatos e não os<br />
quer. Um vizinho toca piano mal e incessantemente; as paredes são finas. A questão não é o<br />
direito abstrato de alguém as suas preferências ou ativi<strong>da</strong>des, mas sim se ele pode exercer<br />
esse direito na medi<strong>da</strong> em que, fazendo isso, cria um incômodo ou um distúrbio para outro.<br />
Tal conflito é, em geral, prontamente tratado com fuga e segregação, de maneira que<br />
as sensibili<strong>da</strong>des ou preferências opostas não entrem em jogo ao mesmo tempo ou no mes-<br />
mo lugar. Às vezes, contudo, as sensibili<strong>da</strong>des opostas veem-se emaranha<strong>da</strong>s em uma luta<br />
mais profun<strong>da</strong> de poder ou amor relativos (Ele me ama o bastante para aturar meus gatos?),<br />
e essa luta simbólica torna-se difícil de resolver se a questão subjacente não é clara.<br />
3 Girardi, Erotil<strong>da</strong>. Adolescente em conflito com a lei. 2005. Monografia (Pós-Graduação em <strong>Sociologia</strong>) – Unijui, 2005. Mimeo.<br />
Disponível na Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques, <strong>Unijuí</strong>.<br />
83
EaD Enio Waldir <strong>da</strong> Silva<br />
84<br />
Outros conflitos compreendem o que “deveria ser”. Uma pessoa pode preferir um siste-<br />
ma de governo que enfatize a justiça social; já outra, um que priorize a liber<strong>da</strong>de individual.<br />
Conflitos de valor podem se <strong>da</strong>r sobre questões relativamente isola<strong>da</strong>s (Deveria ser usado<br />
spray químico contra nuvens de mariposas?) ou tomar a forma de conflitos ideológicos ou<br />
religiosos em que sistemas de valores são postos um contra o outro.<br />
Não é a diferença de valores em si que conduz ao conflito, mas, antes, a alegação de<br />
que um valor deveria dominar ou ser aplicado universalmente, mesmo por aqueles que de-<br />
fendem diferentes valores. Um conflito de valor é mais provável de ocorrer quando valores<br />
opostos estejam implicados em uma ação legal ou política, quando a legislatura estatal tem<br />
de decidir se deve aprovar ou não um projeto de lei banindo o aborto ou quando o conselho<br />
<strong>da</strong> vila deve votar se deve ou não permitir vaporização química nas árvores sob sua jurisdi-<br />
ção. Uma perspectiva de valor que não alega uma superiori<strong>da</strong>de intrínseca e não procura<br />
forçar seus pontos de vista morais sobre descrentes provavelmente estará menos envolvi<strong>da</strong><br />
em algum conflito de valor.<br />
Muitos conflitos se dão sobre o que “é”: sobre fatos, informações, conhecimento, ou<br />
crenças sobre a reali<strong>da</strong>de. Os conflitos podem ser sobre algo tão aberto e direto como as<br />
percepções de duas pessoas olhando a mesma coisa. O notório depoimento conflitante de<br />
testemunhas de um acidente é uma ilustração. Ou o conflito pode ser mais sutil, como na<br />
diferença de suposições básicas sobre como as coisas relacionam-se entre si.<br />
Um economista pode acreditar que a melhor maneira de prognosticar tendências na<br />
economia nacional é verificar as variáveis X, Y e Z; outro pode pensar que A, B e C são<br />
indicadores mais confiáveis. Tais conflitos podem ser emocionalmente preocupantes quan-<br />
do o oponente ou seus pontos de vista não podem ser dispensados sob a alegação de serem<br />
incompetentes ou malévolos. A oposição às crenças fun<strong>da</strong>mentais seguramente guar<strong>da</strong><strong>da</strong>s<br />
de um indivíduo é um desafio para o seu apego à reali<strong>da</strong>de.<br />
Nem to<strong>da</strong>s as discrepâncias de crença levam ao conflito. Uma esposa pode acreditar<br />
que banho de sol é bom para a pele e seu marido pode pensar o oposto, mas nenhum conflito<br />
haverá, a menos que eles precisem agir juntamente em uma área relevante às suas crenças,<br />
ou que um ou ambos deci<strong>da</strong>m que uma <strong>da</strong>s duas crenças deve dominar e ser aceita pelo<br />
outro, ou caso suas crenças sejam tão fun<strong>da</strong>mentais para seus pontos de vista sobre a rea-<br />
li<strong>da</strong>de e tão basea<strong>da</strong>s no consenso social que disputas para eles devem ser nega<strong>da</strong>s.<br />
Para além destas dimensões práticas, diríamos que a cultura de paz exige novas<br />
racionali<strong>da</strong>des para orientar as ações e isso depende de uma dinâmica complexa de muitos<br />
elementos como a educação, a família, o Estado, o Direito, a comuni<strong>da</strong>de, o trabalho, os<br />
meios de comunicação, etc., integrados em um novo sistema social.
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