Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
t<br />
talento<br />
G A B R I E L A B R A N T E S<br />
A marca do leopardo<br />
Primeiro a pintura, <strong>de</strong>pois as instalações,<br />
agora o cinema. Em todas as áreas, o mesmo aplauso da crítica.<br />
E a mesma sensação <strong>de</strong> que nada será como dantes<br />
Por Pedro Guilherme Lopes Fotografia Nuno Botelho<br />
ARTE INTERDISCIPLINAR. É este o mundo em que se move Gabriel Abrantes, 25 anos,<br />
nascido na Carolina do Norte, Estados Unidos, on<strong>de</strong> o pai fazia um doutoramento em<br />
Medicina. E era ao lado do pai que, com 5 anos, Gabriel se sentava a pintar, gosto que foi<br />
<strong>de</strong>senvolvendo ao ponto <strong>de</strong>, aos 13, ida<strong>de</strong> em que pintava a pastel, ter escrito uma carta a<br />
Paula Rego on<strong>de</strong> pedia permissão para visitá-la no seu atelier, em Londres.<br />
A artista ace<strong>de</strong>u, não po<strong>de</strong>ndo sequer<br />
imaginar que, uma dúzia <strong>de</strong> anos volvidos,<br />
esse rapaz a quem, vezes sem conta, chamou<br />
Daniel em vez <strong>de</strong> Gabriel viria a estar nas<br />
bocas do mundo por ter vencido o Leopardo<br />
<strong>de</strong> Ouro para Curtas-Metragens, no Festival<br />
<strong>de</strong> Locarno (ver caixa).<br />
Claro que há muito para contar até<br />
chegarmos aos dias <strong>de</strong> hoje, num percurso<br />
on<strong>de</strong> é incontornável falarmos da passagem<br />
pela universida<strong>de</strong> para fazer o curso <strong>de</strong> Fine<br />
Arts and Cinema, na Cooper Union for the<br />
Advancement of Science and Art, <strong>de</strong> Nova<br />
Iorque, on<strong>de</strong> Gabriel teve oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
trabalhar nos mais variados suportes para lá<br />
da pintura, como a escultura, a fotografia,<br />
o ví<strong>de</strong>o ou o cinema. Não admira que,<br />
hoje, Gabriel mostre a mesma facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
trabalhar in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do suporte<br />
que escolha. «A i<strong>de</strong>ia é passar a mensagem<br />
<strong>de</strong> que não é o suporte que <strong>de</strong>fine o artista,<br />
antes pelo contrário», diz. As galerias nova-<br />
-iorquinas Houghton, Gu<strong>de</strong>lsky e Fusebox<br />
acolheram os seus trabalhos antes da “terra<br />
dos sonhos” o ver partir rumo a Paris, com<br />
o objectivo <strong>de</strong> fazer um mestrado em Arte<br />
Contemporânea e Cinema no Le Fresnoy,<br />
Studio National <strong>de</strong>s Arts Contemporains.<br />
Internacionalização<br />
Este experimentar <strong>de</strong> diferentes culturas<br />
acaba por ficar bem expresso nas suas curtas,<br />
on<strong>de</strong> existe como que uma “confusão”<br />
linguística. «Tenho, por exemplo, um<br />
filme, Escadas para a Discoteca, que<br />
foca a Inquisição e on<strong>de</strong> os mouros são<br />
representados por emigrantes brasileiros.<br />
Aliás, a fragmentação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> nacional<br />
por causa da globalização é um dos pontos<br />
mais fortes do meu trabalho», afirma,<br />
não hesitando em apontar o gosto pelo<br />
amadorismo como outro dos traços do seu<br />
trabalho. «Gosto da i<strong>de</strong>ia do amadorismo,<br />
<strong>de</strong> não saber fazer e investir bastante<br />
nisso. Mesmo na pintura, que já faço há<br />
imenso tempo, tento aproximar-me <strong>de</strong> uma<br />
forma um tanto ou quanto amadora. No<br />
cinema, não sei escrever um guião clássico,<br />
enquadrar <strong>de</strong> forma clássica, nem tenho<br />
formação <strong>de</strong> actor. No fundo, acredito que<br />
«NÃO É O SUPORTE<br />
QUE DEFINE<br />
O ARTISTA, ANTES<br />
PELO CONTRÁRIO»<br />
uma pessoa po<strong>de</strong> fazer qualquer coisa <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
que tenha uma i<strong>de</strong>ia e a trabalhe.»<br />
E trabalhar, trabalhar muito, é algo que<br />
Gabriel tem feito, parecendo absorver tudo<br />
o que o ro<strong>de</strong>ia, e, <strong>de</strong>ssa forma, aumentando<br />
<strong>de</strong> forma impressionante a sua bagagem<br />
cultural, o que lhe permite citar Fassbin<strong>de</strong>r,<br />
Mike Kelly, Monet, Fernando Pessoa ou<br />
Marinetti com a maior simplicida<strong>de</strong>. E se<br />
este último, com o seu manifesto futurista,<br />
inaugurava uma nova linha estética no<br />
Print<br />
A CONQUISTA<br />
QUE TUDO MUDA<br />
O Leopardo <strong>de</strong> Ouro,<br />
em Locarno, representa<br />
o atingir <strong>de</strong> um novo patamar.<br />
Este é um ano inesquecível<br />
para Gabriel Abrantes.<br />
Primeiro foi Visionary Iraq<br />
a triunfar no Festival Indie<br />
Lisboa. Depois, a instalação<br />
que integrava Too Many<br />
Daddies, Mommies and<br />
Babies conquistou o Prémio<br />
EDP – Jovens Artistas 2009.<br />
Agora, Gabriel regressa do<br />
Festival <strong>de</strong> Cinema <strong>de</strong> Locarno<br />
com o Leopardo <strong>de</strong> Ouro para<br />
Curtas-Metragens, com A<br />
History of Mutual Respect.<br />
«É sentir que sou aceite<br />
como cineasta e não apenas<br />
como artista que está a fazer<br />
cinema. Um cinema narrativo,<br />
que conta uma história<br />
do princípio ao fim», diz.<br />
seio das artes, Gabriel também tem essa<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer-se notar pela diferença<br />
e pelo cunho pessoal daquilo que faz com a<br />
curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, no caso do cinema, preferir<br />
ter os seus filmes co-assinados. «Acredito<br />
em mais do que uma visão das coisas. Andy<br />
Warhol chamava ao seu atelier “a fábrica”<br />
e eu gosto <strong>de</strong>sse conceito <strong>de</strong> o artista estar<br />
no atelier a trabalhar em várias plataformas<br />
e com várias pessoas, em vez <strong>de</strong> encerrado<br />
sobre si mesmo e unicamente sob a sua<br />
visão», explica.<br />
E, a propósito <strong>de</strong> visão, o Centro Cultural<br />
Vila Flor, em Guimarães, acolhe actualmente<br />
uma exposição, Histories of Mutual Respect,<br />
que faz um balanço dos últimos cinco anos<br />
do trajecto profissional <strong>de</strong>ste cidadão do<br />
mundo <strong>de</strong> quem muitos dizem ter um dom.<br />
«Um dom? Claro que é necessário ter jeito<br />
para fazer algo, mas eu acho que primeiro<br />
vem o trabalho, <strong>de</strong>pois a sorte e só <strong>de</strong>pois<br />
o talento.»<br />
Cx<br />
12 O U T U B R O | D E Z E M B R O 2 0 1 0