12.02.2014 Views

Caixa Geral de Depósitos

Caixa Geral de Depósitos

Caixa Geral de Depósitos

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

e<br />

entrevista<br />

um «facilitismo alastrante». Este termo, que inventei para lhe<br />

respon<strong>de</strong>r, nunca tinha dito isto na minha vida, sintetiza a sua<br />

questão. Consi<strong>de</strong>ro este facilitismo absolutamente inaceitável,<br />

como pai, avô – bisavó não chegarei lá. Há, por outro lado, uma<br />

incapacida<strong>de</strong> ou uma vonta<strong>de</strong> colectiva <strong>de</strong> não transmitir exigência,<br />

conhecimento, disciplina e rigor. Como se fosse algo <strong>de</strong> errado,<br />

quando é a única coisa certa. Um sistema ou uma pessoa que, quando<br />

está a transmitir conhecimento e a educar, rejeita transmitir a exigência<br />

está a auto-negar-se. Nega-se a si própria e perante os alunos. O aluno,<br />

com o tempo, vai verificar que foi enganado e nunca perdoará aos<br />

seus professores. Eu não sei o que faria se me lembrasse dos meus<br />

professores como me tendo enganado.<br />

Cx: Ensinar é saber dar?<br />

EL: Ensinar é dar-se. É dar-se a si próprio, é algo irrepetível. Esta<br />

noção é inseparável do acto <strong>de</strong> ensinar e apren<strong>de</strong>r. Caso contrário,<br />

é mentira; os professores vão ficar com uma má consciência até<br />

morrerem e os alunos vão <strong>de</strong>scobrir mais tar<strong>de</strong> que foram enganados<br />

e não vão perdoar… Por outro lado, os exemplos negativos<br />

abundam. Temos <strong>de</strong> valorizar os professores <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e que<br />

vivem a vida nesse acto <strong>de</strong> transmitir e <strong>de</strong> se darem e, ainda, <strong>de</strong><br />

perceber que é a activida<strong>de</strong> mais nobre do ser humano. Importa<br />

referir que há muita gente boa em Portugal, mas que não se vê…<br />

Cx: Essas pessoas não se vêem por que razão?<br />

EL: Porque se vê, sobretudo, o facilitismo alastrante que é<br />

transmitido ao longo da ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> comando. Este é um quadro que<br />

dura há décadas e cujo custo irá projectar-se para várias décadas.<br />

Cx: No final <strong>de</strong> 2009, sobre a forma como se fazem negócios em<br />

Portugal, disse: «Vale tudo para enriquecer <strong>de</strong> qualquer maneira<br />

e <strong>de</strong>pressa…» Não acontecerá o mesmo em todo o mundo? Ser<br />

materialista não fará parte da raça humana?<br />

EL: Sim, mas o problema é o modo <strong>de</strong> baixa qualida<strong>de</strong>. Importa<br />

ter presente que o capitalismo industrial assentou nas virtu<strong>de</strong>s<br />

ditas burguesas da parcimónia, do trabalho, do reinvestimento dos<br />

lucros, e não do glamour e do exibicionismo. Isto está tudo escrito na<br />

Riqueza das Nações, <strong>de</strong> Adam Smith, <strong>de</strong> 1776.<br />

Cx: Falava ainda dos golpes dos «ordinarecos» que acham que quando<br />

morrerem levam isso tudo… O que levarão, então?<br />

EL: Ninguém leva nem o que sabe nem o que tem. Já pensou nisso?<br />

Todos levaremos a consciência das acções que praticámos. Creio<br />

que alguns <strong>de</strong> nós, que temos a graça da fé (com maiúsculas), têm a<br />

OS INVISÍVEIS «Importa referir que há<br />

muita gente boa [a ensinar] em Portugal,<br />

mas que não se vê»<br />

felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber que nos iremos apresentar tal como somos face<br />

a Deus todo-po<strong>de</strong>roso e eterno. O eterno e o infinito são o que fica,<br />

naquilo que conta, que é o plano espiritual. Todo o resto não conta.<br />

Seria uma gigantesca gargalhada colocar algumas décadas <strong>de</strong> vida<br />

biológica em comparação directa com esse plano. Não me faça rir…<br />

Cx: On<strong>de</strong> vai buscar essa energia <strong>de</strong> quem não tem nada a per<strong>de</strong>r?<br />

EL: Em bom rigor, não dou por isso. Tenho uma visão muito<br />

distanciada – sobretudo, nos últimos dois anos –, muito mais<br />

profunda da vida, pela única razão <strong>de</strong> que estive quase morto. A<br />

minha vida foi salva por uma das minhas filhas, quando percebeu<br />

que eu ia morrer e me levou para o IPO. Estive um mês e meio<br />

sem saber se morria, se ficava vivo. Hoje, olho para as coisas com<br />

um distanciamento e uma profundida<strong>de</strong> muito maiores. Sei <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

há muitas décadas e verifico, permanentemente, que o homem é o<br />

único ser vivo que tem a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar conscientemente,<br />

porque os outros ou não trabalham ou trabalham por instinto: as<br />

abelhas, as formigas ou, forçado, o burro na nora ou na carroça.<br />

Nós trabalhamos conscientemente, uns com mais gosto, outros com<br />

menos. É inequívoco para mim que o homem com essa capacida<strong>de</strong> é<br />

o único ser vivo que po<strong>de</strong> colaborar na obra da criação. Sendo certo<br />

que esta obra não é um ponto <strong>de</strong> partida, é algo que se constrói ao<br />

longo do tempo. Quando trabalhamos, temos a consciência <strong>de</strong> que<br />

estamos a cooperar na obra da criação.<br />

Cx<br />

58 O U T U B R O | D E Z E M B R O 2 0 1 0

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!