ESPINOZA-Tratado da correcção do intelecto.pdf - adelinotorres.com
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<strong>Trata<strong>do</strong></strong> <strong>da</strong> Correção <strong>do</strong> Intelecto - Spinoza<br />
Page 17 of 29<br />
que tal definição não explica de mo<strong>do</strong> algum a essência <strong>do</strong> circulo, mas só uma<br />
proprie<strong>da</strong>de sua. E ain<strong>da</strong> que, <strong>com</strong>o disse, isto pouco importe quan<strong>do</strong> se trata de figuras<br />
e outros seres de Razão, muito contu<strong>do</strong> significa no atinente a seres físicos e reais; a<br />
saber, porque as proprie<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s coisas não se entendem enquanto se ignoram suas<br />
essências, 100 pois, se deixarmos estas, necessariamente perverteremos a concatenação<br />
<strong>do</strong> <strong>intelecto</strong>, que deve reproduzir a concatenação <strong>da</strong> Natureza, e afastar-nos-emos<br />
totalmente <strong>do</strong> nosso escopo. [96] Portanto, para livrar-nos desse erro, devemos observar<br />
o seguinte na definição:<br />
I. Se a coisa for cria<strong>da</strong>, a definição deverá, <strong>com</strong>o dissemos, abranger a causa próxima.<br />
O círculo, por exemplo, conforme essa norma, deve ser defini<strong>do</strong> <strong>com</strong>o a figura descrita<br />
por uma linha <strong>com</strong> uma extremi<strong>da</strong>de fixa e a outra móvel, definição que claramente<br />
contém a causa próxima.<br />
II. Requer-se um tal conceito ou definição <strong>da</strong> coisa que to<strong>da</strong>s as suas proprie<strong>da</strong>des<br />
(quan<strong>do</strong> a coisa é vista isola<strong>da</strong>mente, mas não junto <strong>com</strong> outras) possam concluir-se<br />
dela, <strong>com</strong>o se percebe nesta definição <strong>do</strong> círculo, pois dela claramente se infere que<br />
to<strong>da</strong>s as linhas tira<strong>da</strong>s <strong>do</strong> centro para a circunferência são iguais. Que isto seja uma<br />
exigência necessária <strong>da</strong> definição é tão manifesto ao observa<strong>do</strong>r que não parece valer a<br />
pena demorar-nos em sua demonstração, nem provarmos que, devi<strong>do</strong> a essa segun<strong>da</strong><br />
condição, to<strong>da</strong> definição deve ser afirmativa. Falo <strong>da</strong> afirmação <strong>do</strong> <strong>intelecto</strong>, pouco<br />
cui<strong>da</strong>n<strong>do</strong> <strong>da</strong> verbal, que, pela falta de palavras, talvez possa exprimir-se, às vezes,<br />
negativamente, conquanto se enten<strong>da</strong> de mo<strong>do</strong> afirmativo. 101<br />
[97] Os requisitos, porém, <strong>da</strong> definição <strong>da</strong> coisa incria<strong>da</strong> são os seguintes:<br />
I. Que exclua to<strong>da</strong> causa, isto é, que o objeto não exija na<strong>da</strong> mais que seu próprio ser<br />
para sua explicação.<br />
II. Que, <strong>da</strong><strong>da</strong> a sua definição, não reste lugar para a pergunta: “Existe ou não” 102<br />
III. Que não contenha, no senti<strong>do</strong> real, substantivos que possam ser adjetiva<strong>do</strong>s, ou<br />
seja, que não possa ser explica<strong>da</strong> em termos abstratos.<br />
IV. Exige-se, por último (embora isto não necessite muito ser anota<strong>do</strong>), que de sua<br />
definição se concluam to<strong>da</strong>s as suas proprie<strong>da</strong>des. Tu<strong>do</strong> isso são coisas manifestas a<br />
quem prestar bem atenção.<br />
[98] Disse também que a melhor conclusão há de ser tira<strong>da</strong> de alguma essência<br />
particular afirmativa, pois quanto mais especial for a idéia, mais distinta será e, portanto,<br />
mais clara. Logo, o que acima de tu<strong>do</strong> devemos procurar é o conhecimento <strong>da</strong>s coisas<br />
particulares.<br />
[99] Quanto à ordem, porém, e para que to<strong>da</strong>s as nossas percepções se coordenem e<br />
se unam, exige-se que, o mais ce<strong>do</strong> que se possa fazer e que a Razão postula, investiguemos<br />
se existe algum ser (e ao mesmo tempo qual é) que seja a causa de to<strong>da</strong>s as coisas,<br />
a fim de que sua essência objetiva seja também a causa de to<strong>da</strong>s as nossas idéias. Aí<br />
então nossa mente, <strong>com</strong>o dissemos, reproduzirá a Natureza no máximo grau possível,<br />
pois terá objetivamente tanto sua essência, <strong>com</strong>o sua ordem e união. Disso podemos ver<br />
ser-nos antes de tu<strong>do</strong> necessário que sempre deduzamos to<strong>da</strong>s as nossas idéias <strong>da</strong>s<br />
coisas físicas, ou seja, <strong>do</strong>s seres reais, in<strong>do</strong>, quanto se pode fazer segun<strong>do</strong> a série <strong>da</strong>s<br />
causas, de um ser real para outro ser real, de mo<strong>do</strong> a não passarmos a idéias abstratas e<br />
universais, quer não deduzin<strong>do</strong> delas na<strong>da</strong> de real, quer não as concluin<strong>do</strong> de coisas<br />
reais. Ambas as coisas, <strong>com</strong> efeito, interrompem o ver<strong>da</strong>deiro progresso <strong>do</strong> <strong>intelecto</strong>.<br />
[100] Note-se, porém, que por série <strong>da</strong>s causas e <strong>do</strong>s seres reais não enten<strong>do</strong> aqui a série<br />
<strong>da</strong>s coisas singulares e móveis, mas apenas a série <strong>da</strong>s coisas fixas e eternas. Realmente,<br />
seria impossível para a fraqueza humana alcançar a série <strong>da</strong>s coisas singulares e<br />
mutáveis, tanto devi<strong>do</strong> à sua quanti<strong>da</strong>de, que ultrapassa to<strong>do</strong> número, <strong>com</strong>o devi<strong>do</strong> às<br />
infinitas circunstâncias numa e mesma coisa, <strong>da</strong>s quais ca<strong>da</strong> um pode ser a causa de que<br />
ebook:<strong>intelecto</strong>.html<br />
18-07-2007