8 <strong>de</strong>monstrando a preocupação dos livreiros em estarem afinados com a conjuntura política da época. Muitas outras obras vinham a público na informação do jornal, que também registrava a chegada <strong>de</strong> títulos recentes vindos do exterior, comprovando a conexão entre seu estabelecimento e as novida<strong>de</strong>s europeias: a loja <strong>de</strong> J. B. Bompard “recebeu pelo último Navio, uma porção <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> Medicina e Política, impresso [sic] <strong>de</strong> 1824 em francês 20 ”; “Na Loja <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> Bompard, rua dos Pescadores n. 49, lhe tem chegado pelo Navio vindo da cida<strong>de</strong> do Porto 21 [...]”; e, “Na loja <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> Bompard [...] lhe tem chegado ultimamente <strong>de</strong> França as obras a saber 22 ”. Nesta última remessa, havia exclusivamente livros sobre medicina. Quanto ao seu Catálogo, trata-se <strong>de</strong> uma cópia manuscrita, uma espécie <strong>de</strong> levantamento dos livros que <strong>de</strong>viam existir em seu estabelecimento. O número <strong>de</strong> títulos totaliza 4305. Sem dúvida, um repertório extraordinário para a época, no <strong>Brasil</strong>. Comparando-se com o catálogo <strong>de</strong> outro importante livreiro francês, Pierre Plancher, estabelecido no Rio <strong>de</strong> Janeiro e analisado pelo historiador Marco Morel, po<strong>de</strong>-se verificar que este, em 1827, estampava 317 títulos 23 . A maioria dos livros do Catálogo era em língua francesa, 64,40% do total, incluindo o que o livreiro <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> feuilletage em francês. Seguiam-se os livros em português (29,7%), e, com menor expressivida<strong>de</strong>, aqueles em espanhol, italiano, inglês e alemão (estes últimos constituíam-se em um dicionário, uma gramática e um texto traduzido para o alemão – Robinson le Jeune, um livro do século XVIII, <strong>de</strong> Joachim Heinrich Campe). * * * Este é um projeto em andamento, em que outras investigações ainda <strong>de</strong>vem ser realizadas, por exemplo, a busca em diversos periódicos portugueses e franceses para se localizar o envio <strong>de</strong> livros do <strong>Brasil</strong> para o outro lado do Atlântico. Algumas consi<strong>de</strong>rações parciais, no entanto, po<strong>de</strong>m ser anunciadas. Em primeiro lugar, po<strong>de</strong>-se afirmar que os livreiros, naquela época do oitocentos, para além <strong>de</strong> comerciantes e homens <strong>de</strong> negócio, constituíam-se em “transmissores culturais ativos 24 , que contribuíram para a circulação <strong>de</strong> idéias culturais e políticas entre o <strong>Brasil</strong> e os países do outro lado do Atlântico. I<strong>de</strong>ntifica-se, por conseguinte, a existência dos diversos intercâmbios culturais, ocorridos naquela conjuntura, <strong>de</strong>monstrando o papel atribuído aos livros, que possibilitavam que idéias se transformassem em mercadoria e estas se constituíssem em i<strong>de</strong>ologia 25 . 20 21 22 23 24 25 Diário do Rio <strong>de</strong> Janeiro, nº 7, 8 agosto 1825. Diário do Rio <strong>de</strong> Janeiro, nº 9, 10 agosto 1826. Diário do Rio <strong>de</strong> Janeiro, nº21, 25 agosto 1826. Marco Morel, As transformações dos Espaços Públicos. Imprensa, atores políticos e sociabilida<strong>de</strong>s na cida<strong>de</strong> Imperial (1820-1840), São Paulo, Hucitec, 2005. Expressão <strong>de</strong> Diana Cooper-Richet. Cf. em Richet, Diana Cooper-Richet, Jean-Yves Molier &Ahmed Silem (orgs.), Passeurs culturels dans le mon<strong>de</strong> <strong>de</strong>s médias et <strong>de</strong> l’édition en Europe: XIX e e XX e siècle, Villeurbanne, E.N.S.S.I.B., 2005. Para o conceito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia, ver F. Furet & J. Ozouf, “Trois siècles <strong>de</strong> métissage culturel”, Annales. Economies, Sociétés. Civilisations, Paris, 32 (3): 488- 502, mai- juin 1977.
9 Em segundo, verifica-se que a análise dos laços familiares e <strong>de</strong> negócios entre os Martin e os Bompard, oriundos da pequena Briançon, confirma a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>s que se estabelecia entre esses homens que tratavam dos livros. Certamente, não apenas por ligação afetiva, mas pelo po<strong>de</strong>r do dinheiro 26 que envolvia tais questões, levando a casamentos que uniam famílias e consolidavam as livrarias mais importantes <strong>de</strong> muitas cida<strong>de</strong>s, como as do Rio <strong>de</strong> Janeiro e as <strong>de</strong> Lisboa. 26 Cf. Jean-Yves Mollier, O Dinheiro e as Letras . História do Capitalismo Editorial, São Paulo, Edusp, 2010.