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no Bairro Alto? - Fonoteca Municipal de Lisboa - Câmara Municipal ...

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ADRIANO MIRANDA<br />

O homem que<br />

inventa<br />

as mulheres<br />

Um homem é a soma das suas obsessões e o brasileiro<br />

João Paulo Cuenca tem as suas: inventar mulheres e<br />

viver muitos dias Mastroianni. Isabel Coutinho<br />

João Paulo Cuenca acredita que a graça<br />

da literatura está <strong>no</strong> po<strong>de</strong>r ser maravilhosamente<br />

inútil. Quando lhe vêm<br />

com histórias <strong>de</strong> como é difícil ser<br />

escritor, contrapõe: “Isso é muito<br />

chato, então vai fazer outra coisa, não<br />

enche o saco! Não amola.”<br />

A mãe <strong>de</strong>ste carioca ensi<strong>no</strong>u-o a ler,<br />

em casa, com a ajuda <strong>de</strong> bloquinhos<br />

<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira com letrinhas. Por isso<br />

quando João Paulo entrou para o colégio<br />

<strong>de</strong> freiras, já sabia ler. Rapidamente<br />

percebeu que tinha que “driblar”<br />

as freiras da biblioteca para ler<br />

o que elas não queriam que ele lesse,<br />

e foi ao ler Dostoiévski que <strong>de</strong>sgraçou<br />

a vida para sempre.<br />

Licenciou-se em Eco<strong>no</strong>mia, criou o<br />

seu primeiro blogue em 1999 (teve<br />

algum sucesso, hoje renega-o) e mais<br />

tar<strong>de</strong>, ao mesmo tempo que escrevia<br />

“uma narrativa longa e fragmentada”<br />

que viria a ser o primeiro romance<br />

(“Corpo Presente”), fez na Internet um<br />

diário on<strong>de</strong> contava aos leitores as suas<br />

“paranóias, angústias, bloqueios, motivações<br />

espúrias” e on<strong>de</strong> falava <strong>de</strong> “tudo<br />

o que envolve o processo <strong>de</strong> escrever,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> substâncias químicas até joguinhos<br />

mentais e auto-ajuda”. Mandou,<br />

então, um excerto daquela narrativa<br />

longa (a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> um baile funk)<br />

para a revista brasileira “Ficções” e foi<br />

publicado. “Teve imensa repercussão.<br />

A partir daí surgiu o convite <strong>de</strong> publicar<br />

o romance na editora Planeta. Tive<br />

muita sorte. Acho que não teria essa<br />

força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ficar procurando<br />

editora”, afirma o brasileiro que participou<br />

<strong>no</strong> encontro <strong>de</strong> escritores <strong>de</strong><br />

expressão ibérica, Correntes d’Escritas,<br />

na Póvoa <strong>de</strong> Varzim.<br />

É um livro “muito forte”. Logo <strong>no</strong><br />

primeiro capítulo <strong>de</strong> “Corpo Presente”,<br />

Carmen está a dar <strong>de</strong> mamar, está a<br />

apanhar com chupa<strong>de</strong>las <strong>de</strong> um bebé,<br />

e enquanto o “bebê chupa e chupa,<br />

indiferente”, ela masturba-se e “então<br />

“Se você se vê numa<br />

cobertura <strong>de</strong> hotel,<br />

tomando ‘dry<br />

martini’, numa festa<br />

da agência Elite<br />

<strong>de</strong> Nova Iorque isso é<br />

um dia<br />

Mastroianni”<br />

explo<strong>de</strong>”. João Paulo diz que não sabe<br />

se a mãe chegou a ler o livro. “Ela foi<br />

ao lançamento, lhe <strong>de</strong>i o livro mas <strong>de</strong>diquei<br />

dizendo que ela não o podia ler.<br />

A abertura é muito pesada para a mãe<br />

do escritor ler.”<br />

Foi assim que aos 25 a<strong>no</strong>s, João<br />

Paulo Cuenca (o pai é argenti<strong>no</strong>) viu<br />

nas livrarias uma obra que escreveu<br />

durante três a<strong>no</strong>s, julgando que nunca<br />

iria ser publicada, que nunca seria lida.<br />

Um dia, Chico Buarque, numa entrevista<br />

à BBC, disse: “Há um autor <strong>no</strong>vo<br />

<strong>de</strong> que gosto muito, o João Paulo<br />

Cuenca”. Para o escritor brasileiro Marçal<br />

Aqui<strong>no</strong> “fazia tempo” que uma narrativa<br />

não o impressionava tanto; para<br />

outro autor brasileiro, Marcelo Rubens<br />

Paiva, o livro era “<strong>de</strong>slumbrante”,<br />

explorando Copacabana e os seus personagens<br />

ao limite.<br />

João Paulo Cuenca começou então<br />

a receber cartas, emails <strong>de</strong> leitores,<br />

principalmente <strong>de</strong> leitoras. Interpretavam<br />

o livro, diziam-lhe que as arrebatara.<br />

Um dia, uma <strong>de</strong>ssas leitoras até<br />

o seguiu por Copacabana. É claro que<br />

Cuenca acabou por escrever um conto<br />

sobre isso.<br />

Era uma menina que lhe escrevia a<br />

dizer que o tinha visto <strong>no</strong> metro <strong>no</strong> dia<br />

anterior, com <strong>de</strong>terminada roupa, e<br />

confessava que o seguira durante vários<br />

quarteirões. “Eu nesse dia realmente<br />

estava vestido daquela maneira, como<br />

ela <strong>de</strong>screvia e foi estranho. Muito<br />

estranho, muito assustador. Se você<br />

entra nesse jogo literário, nessa brinca<strong>de</strong>ira<br />

com o peito aberto, está sujeito<br />

a muita coisa. Muita coisa boa e ruim.<br />

Porque as pessoas fazem do que você<br />

escreveu o que elas querem.”<br />

Aquilo que parecia ser um<br />

sonho para qualquer<br />

jovem escritor, gerou<br />

uma pressão e<strong>no</strong>rme.<br />

Cuenca per<strong>de</strong>u a i<strong>no</strong>-<br />

Livros<br />

Cuenca traça<br />

o retrato <strong>de</strong><br />

uma geração<br />

que tem<br />

muitos<br />

projectos<br />

e não faz<br />

nada. As<br />

personagens<br />

brindam aos<br />

escritores sem<br />

livros, aos<br />

músicos sem<br />

discos, aos<br />

cineastas sem<br />

filmes. O “Oito<br />

e Meio” <strong>de</strong><br />

Fellini<br />

(à esquerda)<br />

é influência<br />

em “O Dia<br />

Mastroianni”<br />

22 • Ípsilon • Sexta-feira 27 Fevereiro 2009

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