06.05.2015 Views

Da reserva do possível e da proibição de ... - Revista do TCE

Da reserva do possível e da proibição de ... - Revista do TCE

Da reserva do possível e da proibição de ... - Revista do TCE

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

evista <strong>do</strong> tribunal <strong>de</strong> contas DO ESTADO <strong>de</strong> minas gerais<br />

julho | agosto | setembro 2010 | v. 76 — n. 3 — ano XXVIII<br />

3 A questão <strong>da</strong> <strong>reserva</strong> <strong>do</strong> possível<br />

É interessante que, mesmo assim, esse grupo <strong>de</strong> direitos sociais tem si<strong>do</strong> por boa parte <strong>da</strong><br />

<strong>do</strong>utrina associa<strong>do</strong> à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>reserva</strong> <strong>do</strong> possível, ou, como afirma Canotilho (2003, p. 481),<br />

“os direitos sociais só existem quan<strong>do</strong> e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos”. Tal<br />

associação <strong>de</strong>corre, como lembra Prieto Sanchís (1995, p. 15), <strong>do</strong> fato <strong>de</strong> que quan<strong>do</strong> falamos<br />

nesses direitos “nos referimos a bens ou serviços economicamente avaliáveis”. De fato, isso é<br />

o que ocorre, mas é preciso que se tenha atenção para o correto uso <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ia, ou seja, <strong>de</strong> que<br />

os direitos sociais <strong>de</strong> aplicabili<strong>da</strong><strong>de</strong> diferi<strong>da</strong> “estão sujeitos à <strong>reserva</strong> <strong>do</strong> possível no senti<strong>do</strong><br />

<strong>da</strong>quilo que o indivíduo, <strong>de</strong> maneira racional, po<strong>de</strong> esperar <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>” (KRELL, 2002, p. 52),<br />

ou melhor, o mínimo que ao indivíduo <strong>de</strong>ve ser disponibiliza<strong>do</strong> <strong>de</strong>sfrutar não entra na conta <strong>da</strong><br />

<strong>reserva</strong> <strong>do</strong> possível, mas apenas o que lhe sobejar.<br />

A expressão <strong>reserva</strong> <strong>do</strong> possível foi cria<strong>da</strong> pelo Tribunal Constitucional alemão e a<strong>do</strong>ta<strong>da</strong> pelos<br />

autores alemães, como se po<strong>de</strong> extrair <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> Leonar<strong>do</strong> Martins (2005, p. 663-664), com<br />

o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>veria <strong>de</strong>limitar a razoabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> exigência <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s<br />

prestações sociais, a fim <strong>de</strong> impedir o uso <strong>do</strong>s recursos públicos disponíveis em favor <strong>de</strong> quem<br />

<strong>de</strong>les não necessita, ou seja, foi cria<strong>da</strong> com o objetivo <strong>da</strong> promoção razoável <strong>do</strong>s direitos<br />

sociais, a fim <strong>de</strong> que se realizasse a justiça social através <strong>da</strong> concretização <strong>da</strong> igual<strong>da</strong><strong>de</strong>. No<br />

Brasil, no entanto, a i<strong>de</strong>ia ganhou conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> contornos novos (TORRES, 2009, p. 106).<br />

A <strong>reserva</strong> <strong>do</strong> possível à brasileira, como lembra Fernan<strong>do</strong> Facury Scaff (2004, p. 148), utilizase<br />

<strong>do</strong> argumento <strong>de</strong> que “as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s humanas são infinitas e os recursos financeiros para<br />

atendê-las são escassos”. Não se po<strong>de</strong> a<strong>do</strong>tar, contu<strong>do</strong>, esse entendimento, porque “ninguém<br />

tem necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, porém i<strong>de</strong>ias sobre as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s”, isto é, as pessoas têm “priori<strong>da</strong><strong>de</strong>s,<br />

graus <strong>de</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>” (WALZER, 2003, p. 88). Assim, não se po<strong>de</strong> confundir priori<strong>da</strong><strong>de</strong> com<br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s são, <strong>de</strong> fato, infinitas, mas nem por isso to<strong>da</strong>s <strong>de</strong>vem ser<br />

atendi<strong>da</strong>s, mesmo porque há aquelas supérfluas e aquelas prioritárias. Deste mo<strong>do</strong>, os recursos<br />

financeiros <strong>de</strong>vem ser emprega<strong>do</strong>s para aten<strong>de</strong>r o que é prioritário, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, caso haja sobra,<br />

aten<strong>de</strong>r o que é supérfluo. Esta é, pois, a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira razão <strong>de</strong> ser <strong>da</strong> <strong>reserva</strong> <strong>do</strong> possível.<br />

A<strong>de</strong>mais, as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s prioritárias, melhor referi<strong>da</strong>s como exigências mínimas, possuem um<br />

conteú<strong>do</strong> basea<strong>do</strong> em escolhas genéricas e objetivas, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se quaisquer <strong>de</strong>sejos,<br />

interesses ou condições particulares, ou seja, é tu<strong>do</strong> aquilo que é imprescindível para qualquer<br />

pessoa, seja qual for seu status social (ZIMMERLING, 1990, p. 41; RAWLS, 2002, p. 97-98), mesmo<br />

que seja certo o fato <strong>de</strong> que alguns indivíduos têm maior acesso aos meios necessários para atingir<br />

essas exigências básicas, ao passo que outros não têm essa sorte (RAWLS, 2002, p. 221-222; AÑÓN<br />

ROIG, 1994, p. 28-29). Este mesmo entendimento tem Amartya Sen (2000, p. 10) quan<strong>do</strong> escreve<br />

que “o <strong>de</strong>senvolvimento consiste na eliminação <strong>de</strong> privações <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> que eliminam as escolhas<br />

e as oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>s pessoas <strong>de</strong> exercer pon<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>mente sua condição <strong>de</strong> agente”.<br />

Utilizar um discurso basea<strong>do</strong> na <strong>reserva</strong> <strong>do</strong> possível para justificar a <strong>de</strong>ficiente ou a ausente<br />

concretização <strong>de</strong> direitos sociais <strong>de</strong> aplicabili<strong>da</strong><strong>de</strong> diferi<strong>da</strong> tem si<strong>do</strong> comum. Ora, esse tipo<br />

48

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!