Descarregar PDF - Jornal de Leiria
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<strong>Jornal</strong> <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong> 15 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 2012 39<br />
Almanaque<br />
RICARDO GRAÇA<br />
Não pagamos<br />
a vossa crise<br />
Ana Lázaro actriz e encenadora<br />
“Que <strong>Leiria</strong> possa ser feita dos sonhos<br />
<strong>de</strong> quem nela cresce e vive”<br />
❚ Se não tivesse uma profissão ligada à arte, o que<br />
seria?<br />
Astronauta, claro! Se tivesse a resistência física <strong>de</strong> um<br />
maratonista, não fosse piegas com velocida<strong>de</strong>s, nem<br />
ficasse com enjoos em gravida<strong>de</strong>- zero, não pensava<br />
duas vezes!<br />
O projecto que mais gosto lhe <strong>de</strong>u fazer<br />
O Por um Dia Claro - espectáculo <strong>de</strong> teatro, que agora<br />
nos preparamos para “exportar” na sua versão inglesa,<br />
para o Festival <strong>de</strong> Artes <strong>de</strong> Malta, por se ter tornado uma<br />
pista <strong>de</strong> aprendizagem infindável.<br />
O espectáculo que mais lhe ficou na memória<br />
Gil Moniz e a Ponta do Nariz; o espectáculo que o meu<br />
pai carregava numa só mala, e que revi <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />
vezes em criança. De cada vez irrepetível, apesar <strong>de</strong><br />
começar sempre da mesma maneira: “Senhoras e<br />
senhores… Não vai haver espectáculo, pois os actores<br />
não apareceram”. E que me fez querer vir a ser muitas<br />
vezes irrepetível, também…<br />
O livro da sua vida<br />
A Poesia Completa <strong>de</strong> Herberto Hel<strong>de</strong>r, por ter palavras<br />
inesgotáveis.<br />
Um filme inesquecível<br />
Os dois últimos que vi, vão-me trazer lembranças <strong>de</strong><br />
sobra: Pina – homenagem do Wim Wen<strong>de</strong>rs à falecida<br />
coreógrafa Pina Bausch, que criou imagens <strong>de</strong> tirar o<br />
fôlego. Wasteland – documentário sobre o trabalho do<br />
artista brasileiro Vik Muniz, que retratou os resi<strong>de</strong>ntes<br />
da maior lixeira do mundo, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, num<br />
trabalho <strong>de</strong> que acabou por re-inventar as vidas dos<br />
participantes.<br />
Se tivesse <strong>de</strong> escolher uma banda sonora para si, qual<br />
seria?<br />
Tinha <strong>de</strong> ser um disco pirata com faixas variadas para<br />
a<strong>de</strong>quar a variações <strong>de</strong> humor: do Tom Waits aos<br />
Beatles, do Michael Nyman ao René Aubry, com um<br />
toque do pop para <strong>de</strong>sanuviar, até terminar com<br />
aquelas vozes arranhadas <strong>de</strong> blues que soam bem <strong>de</strong><br />
qualquer maneira.<br />
Um artista que gostaria <strong>de</strong> ter visto no Teatro José<br />
Lúcio da Silva?<br />
Qualquer novo artista, com um nome por contar. Há<br />
muitos e a precisar <strong>de</strong> palcos.<br />
Uma viagem inevitável<br />
Uma viagem sem <strong>de</strong>stino.<br />
Um vício que gostava <strong>de</strong> não ter<br />
Matutar: v.i: cismar; pensar com<br />
insistência; andar preocupado;<br />
imaginar com fixi<strong>de</strong>z… ufff!<br />
Uma personalida<strong>de</strong> que admira<br />
Quino – porque humor com<br />
humor se paga<br />
Um actor que gostasse <strong>de</strong> levar<br />
a jantar<br />
George Clooney (ofereço o<br />
jantar à minha mãe e ela<br />
fica-me a <strong>de</strong>ver uma)<br />
Um restaurante da região<br />
A casa da minha avó Mina –<br />
mesmo sem o licenciamento<br />
da ASAE.<br />
Um prato <strong>de</strong> eleição<br />
Morcela <strong>de</strong> arroz e uma fatia <strong>de</strong><br />
broa caseira, e nem é preciso prato.<br />
Um refúgio (no distrito)<br />
Qualquer cantinho torto da Rua Direita.<br />
Um sonho para <strong>Leiria</strong>?<br />
Que se possa ser feita dos sonhos <strong>de</strong> quem nela cresce e<br />
vive.<br />
Por um<br />
dia claro<br />
Mesa <strong>de</strong><br />
Cabeceira<br />
Carlos<br />
Martins<br />
George<br />
Clooney<br />
Quino<br />
❚ Não pagamos a vossa crise<br />
Ouve-se por todo o país em<br />
manifestações, em cafés, na rua,<br />
no autocarro, po<strong>de</strong> dizer-se com<br />
alguma tranquilida<strong>de</strong> que é um<br />
sentimento largamente<br />
partilhado pelos portugueses. No<br />
entanto, palavras, se não as levou<br />
já, levá-las-á o vento. Na Irlanda<br />
um grupo <strong>de</strong> <strong>de</strong>putados sugeriu<br />
uma i<strong>de</strong>ia assim meio tonta, <strong>de</strong>ulhes<br />
para achar que quem manda<br />
nisto é o povo e este pensou que<br />
tal noção é esquisita o suficiente<br />
para ser verda<strong>de</strong>. Vai daí não<br />
pagamos mesmo a vossa crise.<br />
Setecentas mil casas <strong>de</strong>cidiram<br />
não pagar o imposto sobre<br />
proprieda<strong>de</strong> (100€) e o estrago é<br />
fazer as contas mas ainda é para lá<br />
duma fortuna. Se não faz rombo<br />
pelo menos assusta porque vai<br />
que se espalha ao resto? Sou todo<br />
a favor <strong>de</strong> manifestações e vou<br />
per<strong>de</strong>r a voz no meio <strong>de</strong>las<br />
sempre que posso mas acho que<br />
entretanto era <strong>de</strong> organizar várias<br />
frentes. Pelo que tenho lido, o<br />
nível <strong>de</strong> segurança dos ministros<br />
subiu à bruta, por isso o medo<br />
físico já existe (outro dia o Paulo<br />
Rangel saiu do carro para ajudar<br />
não sei quem na rua, foi topado e<br />
"ala que ainda me fico aqui"). Mas<br />
há um outro medinho para<br />
explorar e este muito mais<br />
perigoso, se não houver dinheiro<br />
não há palhaço (diz-me a minha<br />
avó) e sem palhaços po<strong>de</strong>mos<br />
finalmente começar a falar a<br />
sério. Digo eu que seria <strong>de</strong><br />
organizar o pessoal a pagar só o<br />
que acha que <strong>de</strong>ve, tipo<br />
Radiohead ou Unicef. "Epá, este<br />
ano a coisa não está famosa e<br />
parece-me que com o dinheiro<br />
que vos envio todos os meses não<br />
está a ficar melhor <strong>de</strong> modos que<br />
agora não dou mais." Que<br />
conceito estranho. O povo a<br />
mandar. Outra frente a explorar<br />
seria o que o Eric Cantona disse<br />
entre whiskys há uns anos: "O<br />
problema é o sistema? O sistema<br />
são os bancos? Que tal tirar <strong>de</strong> lá o<br />
guito?" E ainda lhe saiu um<br />
magnífico: "É simples". A imagem<br />
agressiva do homem que<br />
pontapeou um fã do Crystal Palace<br />
em 1995 quase que se esfumou ali<br />
em 2 minutos. Voltando a nós,<br />
somos tão bons a <strong>de</strong>senrascar<br />
soluções, parece-me que se calhar é<br />
hora <strong>de</strong> activar o modo<br />
<strong>de</strong>senrascanço, não lhe chamemos<br />
"organizar" porque isso <strong>de</strong>pois dá<br />
muito trabalho. Não, o que nós<br />
vamos fazer é <strong>de</strong>senrascar uma<br />
revolução, vai-se fazendo, em<br />
guardanapos <strong>de</strong> pastelaria, com fita<br />
cola, com cuspo, com berros,<br />
dinheiro no colchão e com menos<br />
viagens às finanças.<br />
músico