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01PORTUGAL POST -Jan. Druck:portugal POST Feb 09

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12 Conversa<br />

Entrevista com Inês Thomas de Almeida, editora do magazine cultural Berlinda<br />

”O meu projecto, o meu cavalo de<br />

Ackermann<br />

Stephan<br />

batalha, é a Berlinda” Foto:<br />

Inês Thomas de Almeida é cantora lírica e a editora da Berlinda - uma revista online que informa<br />

transversalmente sobre os eventos culturais do mundo falante do português na capital.<br />

No passado dia 14 de Dezembro, vivenciámos o teu grande sucesso a nível da organização de eventos<br />

culturais e que foi o culminar de muito trabalho. O “Poema Bar” foi a tua estreia. Preparado com mão<br />

de mestre, o espectáculo estava impregnado do teu carisma. Portanto, estás de parabéns, mas também<br />

nos criaste expectativas – a partir de agora o grau de exigência ainda vai se maior!<br />

Como consegues criar uma revista<br />

cultural online bilingue e,<br />

meteoricamente, chegar onde<br />

estás? Queres-me contar como<br />

tudo aconteceu?<br />

Vou começar pela minha infância.<br />

Desde que me conheço fui sempre<br />

muito disciplinada. Foi assim que<br />

consegui seguir o ensino musical paralelo<br />

ao ensino normal, ambos com<br />

uma carga horária regular. Foi uma<br />

boa preparação para a minha vida<br />

adulta.<br />

Então nessa idade já tinhas um<br />

objectivo que perseguias tenazmente?<br />

O objectivo foi mudando, mas<br />

sempre tive metas na minha vida. Primeiro<br />

quis fazer alguma coisa relacionada<br />

com a música, depois foi o canto<br />

aos 19 anos. Segui esse objectivo até<br />

às últimas consequências e, por isso,<br />

vim para a Alemanha. Fiz muitas coisas,<br />

ganhei um prémio, trabalhei em<br />

ópera, depois quis criar uma família,<br />

e este é o projecto de que mais me orgulho<br />

e que mais alegria me dá. Mais<br />

tarde, quis juntar a parte cultural ao<br />

estar em Berlim. De há dois anos para<br />

cá, estava insatisfeita com o ser apenas<br />

intérprete. Tinha outros interesses.<br />

Comecei a trabalhar nos bastidores:<br />

na assistência da encenação, na música<br />

contemporânea e participei num<br />

festival na Baviera. Fiz coreografia<br />

durante algum tempo, dancei e fui directora<br />

de cena, fiz produção – ganhei<br />

experiência de como as coisas se<br />

fazem. Andava à procura de alguma<br />

coisa e fui juntando as experiências.<br />

Este ano encontrei o que gosto de<br />

fazer numa coisa só e, assim, surgiu o<br />

magazine cultural, transversal ao<br />

mundo da cultura portuguesa. Para<br />

mim foi óptimo, porque juntei a parte<br />

cultural à parte de organização.<br />

Como consegues motivar as pessoas<br />

para colaborarem contigo?<br />

Segui uma estratégia que tenho<br />

aplicado toda a minha vida. Antes de<br />

falar no projecto às pessoas, decidi<br />

primeiro fazer! Sou muito prática.<br />

Não aceito o discurso das pessoas que<br />

se queixam e que dizem, gostava de<br />

fazer mas não há apoios, ninguém<br />

ajuda – eu não me identifico nada<br />

com este tipo de discurso. Quando se<br />

quer fazer, faz-se. Depois vai-se encontrando<br />

maneiras, embora com<br />

consciência dos limites. Fui descobrindo<br />

como é que se faz uma página<br />

na internet e fiz tudo: layout, parte<br />

técnica e aprendi a fazer feeds. Tinha<br />

imensas dúvidas e visitava os fórums<br />

dos Websmaster e fazia perguntas.<br />

Passei meses a aprender coisas que<br />

nunca pensei que iria aprender.<br />

Depois de ter o esboço, que ainda<br />

não está acabado porque ainda estamos<br />

a crescer, comecei a escrever. Eu<br />

era “o homem dos sete instrumentos”.<br />

Fui ter com as pessoas e falei-lhes da<br />

minha ideia e pedi ajuda. Tive uma<br />

adesão óptima desde o início. Consegui<br />

uma equipa de tradução porque<br />

queria uma edição bilingue.<br />

Tenho revisores para o português<br />

e o alemão. Somos onze pessoas a trabalhar<br />

no projecto: alemães, portugueses,<br />

brasileiros, moçambicanos,<br />

angolanos, fotógrafos, jornalistas, etc.<br />

Mas o núcleo duro é de onze pessoas,<br />

para além de outros colaboradores. Eu<br />

ia vendo quem estava ocupado nas<br />

várias áreas. As pessoas iam passando<br />

a palavra. Estes primeiros tempos têm<br />

sido experimentais, depois logo se<br />

verá. Em <strong>Jan</strong>eiro começaremos uma<br />

campanha para angariação de financiamentos.<br />

A organização do “Poema Bar”<br />

foi muito trabalhosa. Os patrocinadores<br />

foram conseguidos indo almoçar<br />

com eles. Foram muitos almoços. Vou<br />

ter com a pessoa que me interessa e<br />

proponho. Não tenho medo de perguntar.<br />

O que é que pode acontecer?<br />

Dizer-me não? Mesmo assim, conheci<br />

uma pessoa nova, almocei bem, e já<br />

estou a ganhar.<br />

A tua infância foi passada na<br />

República Dominicana ouvindo<br />

outras músicas e cheirando outros<br />

perfumes. És filha de um<br />

casal luso-dominicano, bilingue<br />

e transcultural. Disseste numa<br />

entrevista que foste uma miúda<br />

superdotada na escola e que estavas<br />

adiantada um ano e te sentias<br />

isolada das tuas colegas.<br />

Depois foste viver para Portugal!<br />

Conta-me como foi! Como é que<br />

a música e os cheiros dominicanos<br />

influenciaram a mulher que<br />

és hoje? Qual o impacto da reserva<br />

lisboeta?<br />

Lembro-me de pessoas diferentes<br />

e cheiros, sabores e música dominicanos.<br />

A minha mãe cantava-me canções<br />

de embalar em espanhol. Eu falo<br />

português com o meu pai e espanhol<br />

com a minha mãe. Esta base transcultural<br />

faz com que eu goste de estabelecer<br />

pontes entre as culturas. A<br />

minha vida é isso. Eu sou uma mistura<br />

de dois mundos. Há sempre muitas<br />

maneiras de olhar uma coisa, não<br />

há uma verdade única – foi isso que<br />

aprendi. O que é válido num lugar<br />

pode ser totalmente descabido num<br />

outro. Aprendi a respeitar as diferenças<br />

culturais e cedo me apercebi que<br />

há muitas perspectivas.<br />

Tinha quatro anos quando cheguei<br />

a Lisboa. A primeira reacção foi<br />

de horror. Na República Dominicana<br />

brincávamos na rua, os vizinhos con-<br />

hecem-se, há muitas crianças.<br />

Quando se chega lá vê-se logo montes<br />

de crianças. As pessoas são muito alegres<br />

e há muito barulho. Os rádios ligados,<br />

altíssimo. Na Europa tem-se<br />

medo de incomodar os outros. Era o<br />

barulho de Lisboa ao quadrado! Em<br />

Lisboa não podia ir brincar para a rua,<br />

não podia andar descalça e os vizinhos<br />

– nem os conhecia!<br />

Houve a questão da língua. Eu<br />

percebia português mas respondia em<br />

espanhol. Era a língua que toda a<br />

gente falava à minha volta. Em Lisboa<br />

as pessoas não entendiam espanhol.<br />

Ainda estávamos longe do mundo<br />

global. Eu respondia sempre em<br />

espanhol e por isso a adaptação na escola<br />

foi horrível. As educadoras diziam<br />

– mas o que é que ela quer dizer,<br />

quer água, tem fome? A minha irmã<br />

que era mais velha ajudava. Um dia<br />

respondi em português e a partir daí<br />

abriu-se outro mundo. Cheguei a casa<br />

triunfante e disse à minha mãe “lá na<br />

escola, toda a gente sabe falar espanhol!”<br />

Foi o meu primeiro contacto<br />

com o choque de culturas! Adoro Lisboa,<br />

tenho lá a minha família, isto foi<br />

apenas o primeiro embate e, visto de<br />

Berlim, as recordações ainda vêm<br />

mais ao de cima<br />

Aprendeste piano ainda eras<br />

muito miúda. Quando é que descobriste<br />

a tua vocação para o<br />

canto?<br />

Comecei com onze anos. Na realidade,<br />

eu queria ser pianista clássica<br />

– era o meu objectivo. Eu sabia que<br />

era música o que eu queria estudar.<br />

Recebi a minha educação musical no<br />

Instituto Gregoriano onde fiz oito<br />

anos de piano. Quando iniciei a educação<br />

vocal para aprender a colocar a<br />

voz, o professor disse-me que tinha<br />

uma voz com potencial. Para mim foi<br />

uma revelação e senti que era isso<br />

mesmo que eu queria. A certa altura<br />

suspeitei que a formação que estava a<br />

receber não era a melhor. Durante<br />

dois anos seguidos, ganhei uma bolsa<br />

de mérito na Universidade de Évora.<br />

E usei-a para ir treinar a voz na Áustria<br />

e foi aí que me disseram que estava<br />

a arruinar a minha voz. Vim para<br />

a Alemanha em 2003.<br />

Tiveste inúmeros sucessos na<br />

área do canto, primeiro em Portugal<br />

e depois na Alemanha, e<br />

foste mesmo laureada.<br />

Fui laureada na Competição Internacional<br />

de Canto na Deutsche Oper.<br />

Concorreram quatrocentas e cinquenta<br />

pessoas de cerca de quarenta<br />

países diferentes. Vivia em Rostock e<br />

vim a Berlim. Nesse dia, enquanto<br />

subia as escadas da Hauptbahnof,<br />

dizia-me a mim própria: “Vou ser<br />

vencedora, vou vencer”. Estava numa<br />

de ganhar e – ganhei! Fui depois convidada<br />

para a programação desse<br />

verão no Festival de Ópera de Reinsberg<br />

e fiz a “Noite de Reinsberg”<br />

numa moldura em que eu cantava e<br />

dançava flamenco na ópera Carmen.<br />

Participei também numa produção da<br />

ópera “La Dame Blanche” – adoro<br />

Reinsberg! Eles continuam a acompanhar-nos,<br />

seguindo o percurso dos<br />

laureados. É como se fosse uma família.<br />

És uma pessoa obviamente tenaz<br />

e perfeccionista!<br />

Completamente! Mas esta certeza<br />

que ia ganhar não me voltou acontecer<br />

em parte nenhuma. Foi o último<br />

concurso que fiz e foi um dia especial.<br />

Não vou sempre com essa disposição<br />

Como concilias a tua vida privada<br />

com os teus vários projectos?<br />

O meu marido apoia-me incondicionalmente.<br />

Quando tive a ideia da<br />

Berlinda, ele disse-me logo: “Excelente,<br />

é óptimo, força!” Eu gosto de<br />

ser mãe de família e de estar casada<br />

com ele.<br />

Vês-te como um elo entre a cultura<br />

e o público e sem dúvida<br />

tens um papel transcultural no<br />

mundo da língua portuguesa!<br />

Isso do elo foi a propósito de<br />

quando estou em palco. Quando canto<br />

sou um veículo que passa a informação<br />

ao público.<br />

E a Berlinda não é isso também?<br />

As pessoas estão a fazer coisas e<br />

eu quero que outras saibam disso e,<br />

nesse sentido, a Berlinda é um veículo<br />

e um elo entre a cultura e as pessoas.<br />

Tu és a força motriz da Berlinda.<br />

Foste tu que tiveste a ideia, que<br />

a desenvolveste, que angariaste<br />

os colaboradores. Como é que<br />

isso funciona?<br />

A minha ideia é que a Berlinda<br />

seja cada vez mais autónoma. Que as<br />

pessoas façam as coisas por elas próprias<br />

para eu me poder dedicar à parte<br />

da produção e arranjar os contactos.<br />

Quero confiar na minha equipa. Não<br />

quero ser omnipresente. Expliquei<br />

que não quero gerir um Blog de uma<br />

portuguesa em Berlim. Quero uma<br />

coisa universal. A Berlinda é um magazine,<br />

uma revista cultural online.<br />

Para mim é feminino, mas para muita<br />

gente isto não é evidente. O meu projecto,<br />

o meu cavalo de batalha, é a<br />

Berlinda.<br />

Queres-me falar do teu elo e interesse<br />

pela música sefardita?<br />

PORTUGAL <strong>POST</strong> Nº 210 • <strong>Jan</strong>eiro 2012<br />

Não tenho elo nenhum a não ser<br />

um grande interesse pela música sefardita.<br />

Fascina-me pensar que houve<br />

um tempo em que as três religiões<br />

monoteístas conviveram em paz e<br />

algo cultural se desenvolveu entre<br />

elas na Península Ibérica. Devíamos<br />

aprender todos com isto. A mistura de<br />

culturas é o meu “roter Faden”, fascina-me.<br />

Depois eles levaram essa<br />

mistura para vários sítios. Tive o prazer<br />

de fazer o meu curso de canto com<br />

uma israelita que me ensinou a pronunciar<br />

o hebraico. Neste momento,<br />

interessa-me a parte teórica. Como é<br />

que tudo isso se passou e o percurso<br />

dos sefarditas, sobretudo, daqueles<br />

que vieram para a Alemanha. Quero<br />

escrever sobre os sefarditas em Berlim.<br />

É uma investigação que ando a<br />

fazer há anos. E gostaria de fazer um<br />

documentário sobre isso.<br />

Queres falar dos teus projectos<br />

futuros?<br />

Vamos continuar a publicar em<br />

português e em alemão. Depois de<br />

cada espectáculo, juntamo-nos para<br />

fazer o balanço e decidir o que deveria<br />

ser diferente da próxima vez.<br />

Estamos a trabalhar num projecto de<br />

festival da Berlinda de língua e cultura<br />

portuguesas, planeado para meados<br />

de Outubro a meados de<br />

Novembro. Queremos juntar manifestações<br />

culturais de língua portuguesa<br />

aqui em Berlim – cinema, literatura e<br />

artes plásticas com pessoas convidadas<br />

e locais. O objectivo é a divulgação<br />

dos países de língua portuguesa.<br />

Durante um mês inteiro a cultura e a<br />

língua portuguesas vão estar presentes<br />

em Berlim. Temos parcerias com instituições<br />

de Portugal, Brasil e Angola,<br />

e estamos a trabalhar para fazer<br />

uma mostra grande da cultura de língua<br />

portuguesa. Todos os eventos vão<br />

ser traduzidos. Vamos ter sessões literárias<br />

com Mia Couto e Ondjaki com<br />

os tradutores dos livros deles. O cineasta<br />

Pedro Pimenta também vai estar<br />

presente. Já estão todos confirmadissimos.<br />

E o teu canto lírico, tens espectáculos<br />

previstos?<br />

Não há nada previsto. Quando<br />

criei a Berlinda decidi fazer uma<br />

pausa nas outras coisas. Recebi convites<br />

de todo o lado. Estive recentemente<br />

na Festa do Avante e tive o<br />

privilégio de cantar com cantores de<br />

ópera que admiro desde criança. A<br />

minha posição agora é a de não correr<br />

atrás de ninguém. Fico muito contente<br />

se for convidada, mas não ando atrás<br />

de ninguém porque o que estou a<br />

fazer activamente é a Berlinda.<br />

Cristina Dangerfield-Vogt

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