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DONA LUCILIA<br />
dependência secundária, e naturalmente acabavam antes<br />
dos adultos. Nesse momento, estando a casa cheia de<br />
meninos, estes chamavam Dª Lucilia:<br />
— Queremos histórias de tia Lucilia! Queremos histórias<br />
de tia Lucilia!<br />
Ela, embora muito carinhosa, fazia valer o princípio de<br />
que os mais velhos não são interrompidos pelos mais<br />
moços. Assim, estes não podiam entrar na sala de jantar<br />
enquanto aqueles não terminassem. Do lado de fora,<br />
através da porta entreaberta, os pequenos passavam a dirigir<br />
agradinhos a Dª Lucilia, para obter que fosse logo estar<br />
com eles. Ela não respondia e, tranqüilamente, continuava<br />
a comer. Quando acabava, dizia muito comprazida:<br />
— Vou para o escritório e conto uma história para<br />
vocês.<br />
O aposento ficava apinhado de crianças, todas encantadíssimas,<br />
à espera de mais uma atraente descrição.<br />
Enquanto na sala de jantar os adultos prosseguiam a<br />
conversa sobre assuntos da atualidade, Dª Lucilia se recostava<br />
numa chaise longue do escritório do esposo, e os<br />
meninos, literalmente, se empoleiravam em torno dela, até<br />
mesmo atrás de sua cabeça.<br />
A história do nobre manco<br />
Como já tivemos ocasião de observar (cf. “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>”<br />
nº 10), Dª Lucilia modelava suas descrições no intuito de<br />
favorecer a maturação do espírito de seus jovens ouvintes,<br />
o que constituía um dos principais atrativos de suas<br />
histórias. Levada por maternal carinho, procurava ela incutir-lhes<br />
o amor ao cumprimento do dever e a admiração<br />
pelos atos belos e louváveis. E, em certas ocasiões,<br />
aproveitava os contos para dar às crianças uma lição de<br />
caráter moral e religioso.<br />
O do nobre manco, fato que se havia passado no Ancien<br />
Régime, era característico. Assim descrevia ela:<br />
A pequena distância de uma estalagem, à beira de uma<br />
estrada, conversavam animadamente alguns rapazes do povo<br />
miúdo, fortes, saudáveis e bem dispostos.<br />
Em certo momento aproximou-se uma carruagem puxada<br />
por cavalos brancos, magnificamente ajaezados, e parou diante<br />
da casa. Os ornatos dourados do coche, o brasão pintado<br />
em suas portas, os finos cristais das janelas, os postilhões<br />
vestidos de libré, tudo, enfim, denotava a nobre origem do<br />
ocupante daquele belo veículo.<br />
Saltam em terra os lacaios: um segura com força os cavalos,<br />
outro, ligeiro, corre a abrir a porta, enquanto um terceiro<br />
estende a escadinha até o chão. Os rapazes se apressam, curiosos,<br />
para ver quem era o feliz viajante. Através das cortinas<br />
de damasco vermelho, entreabertas, distinguem o busto de<br />
um jovem de bela aparência que se prepara para sair. Com<br />
elegante gesto, este se cobre com seu tricórnio ornado de<br />
plumas e, lentamente, desce da carruagem... apoiado,<br />
porém, em muletas, pois tinha um pé cortado.<br />
Os jovens, então, caíram em si. Quão pouco<br />
vale o dinheiro, e quão pouco valem as aparências<br />
da terra! Eles, por não terem nenhum pé<br />
amputado, eram mais felizes do que o nobre<br />
manco em meio de toda a sua opulência.<br />
Os Três Mosqueteiros<br />
Vendo Dª Lucilia aproximar-se o<br />
fim da infância de seus filhos e sobrinhos,<br />
julgou adequado<br />
incutir-lhes<br />
o gosto pela literatura.<br />
Sem descurar<br />
daquele seu grande<br />
empenho em fazer<br />
crescer o espírito analítico<br />
das crianças, nas<br />
quais começavam a despontar<br />
as primeiras manifestações<br />
de preferências<br />
ou repulsas, já próprias à<br />
adolescência.<br />
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