17.10.2016 Views

Revista Dr Plinio 26

Maio de 2000

Maio de 2000

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

DONA LUCILIA<br />

família, onde passou a morar só, envolto em sua nobre e<br />

melancólica tristeza.<br />

Era de ouvir como Dª Lucilia pintava aos olhos das<br />

crianças uma tarde no castelo de Athos, quando este, terminados<br />

seus afazeres no campo, se recolhia ao aconchego<br />

de sua morada. Segundo Dª Lucilia, ele atravessava um<br />

pátio interno, adornado de trepadeiras e plantas aromáticas,<br />

em cujo centro se erguia um gracioso chafariz.<br />

Assim continuava ela a narração:<br />

Quem, naquele sereno crepúsculo, espreitasse por entre as<br />

cortinas do salão nobre do castelo, surpreenderia o Conde de<br />

la ère andando de um lado para outro, entregue a profundas<br />

meditações. Chegado o momento do jantar, o Conde se<br />

dirigia à sua grande sala de refeições, onde, à bruxuleante luz<br />

das velas, degustava saborosos pratos e requintados vinhos.<br />

Dentro em pouco, todo o castelo estava imerso no silêncio,<br />

entrecortado apenas pelo ecoar dos passos do Conde que,<br />

novamente, palmilhava o solo de seus ancestrais. Afinal,<br />

recolhia-se ele também a seus aposentos. E quando sua luz se<br />

extinguia, era escuridão em todo o feudo...<br />

Desse modo, de acordo com o senso poético de Dª Lucilia,<br />

transcorria a vida de Athos. Em seguida, narrava ela<br />

o que acontecera ao elegante Aramis:<br />

Satisfazendo seus mais ardentes anseios, abandonou a<br />

carreira militar e tomou ordens num convento. A seriedade<br />

coerente e profunda dos estudos eclesiásticos veio assim somar-se<br />

às suas qualidades de tato e de tino no tratar com as<br />

pessoas, predicados estes preciosos para um zeloso pastor de<br />

almas. Assim, Aramis não tardou a atrair sobre si a atenção<br />

de seus superiores, o que, dentro de pouco tempo, ocasionou<br />

sua elevação ao episcopado. Passou assim ele a viver<br />

num pequeno castelo de uma diocese, no interior<br />

da rança.<br />

Depois de ter apresentado às crianças a<br />

dignidade da vida particular de Athos e a<br />

grandeza da condição eclesiástica de Aramis,<br />

Dª Lucilia se voltava, uma vez mais,<br />

para aquele a quem os pequenos não deviam<br />

imitar: o vaidoso Porthos...<br />

Contava-lhes que, fiel a uma concepção<br />

mais bem materialista da vida,<br />

Porthos também abandonou a carreira<br />

militar em troca da fortuna<br />

que lhe prometia uma rica viúva<br />

e, nunca dispensando os prazeres<br />

da mesa, tornou-se ainda mais<br />

avantajado de físico. Passou a ostentar<br />

um luxo desmesurado, bem ao contento<br />

de suas pretensões. Assim, comprou<br />

um castelo que enfeitou e engalanou com um<br />

gosto muito discutível. Adquiriu também uma<br />

carruagem, em cuja porta mandou fixar, esculpida<br />

em madeira e revestida de ouro, uma figura mitológica<br />

tocando uma cornetinha, que era o símbolo de<br />

Monsieur de Porthos.<br />

... D’Artagnan!<br />

— E D’Artagnan?! — perguntavam as crianças.<br />

Com sua invariável amenidade, Dª Lucilia respondia:<br />

Ele foi o único que continuou na carreira das armas.<br />

Combateu em diversas batalhas, e alcançou, por sua coragem<br />

e dedicação, o marechalato de rança.<br />

Havia muito tempo que os quatro amigos não se encontravam,<br />

quando uma arriscada circunstância exigiu que eles<br />

se reunissem em torno de D’Artagnan. Então Athos, Porthos<br />

e o Bispo Aramis vieram socorrer seu antigo companheiro.<br />

oi a última vez em que foram vistos juntos.<br />

Pouco depois, numa guerra contra os holandeses, comandando<br />

as tropas francesas que faziam cerco à cidade de<br />

Maastricht, D’Artagnan, atingido por um tiro, caiu do cavalo.<br />

Estava morto...<br />

Era o desfecho de uma maravilhosa história, que trouxera<br />

o juveníssimo auditório, ao longo de várias noites,<br />

suspenso dos lábios de Dª Lucilia. Assim, ela formava seus<br />

filhos e sobrinhos, recomendando-lhes imitar a nobreza de<br />

sentimentos, a abnegada dedicação, a desinteressada fidelidade<br />

a uma causa superior, que constituíam o verdadeiro<br />

ornato daqueles heróicos personagens.<br />

(Transcrito, com adaptações,<br />

da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)<br />

14

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!