17.10.2016 Views

Revista Dr Plinio 26

Maio de 2000

Maio de 2000

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Um marco<br />

na história<br />

da Igreja


Imagem de<br />

Nossa Senhora<br />

Auxiliadora,<br />

venerada por<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

na Igreja<br />

do Sagrado<br />

Coração<br />

de Jesus,<br />

em São Paulo<br />

N<br />

ossa Senhora é a Auxiliadora por excelência.<br />

É quem acode a todos, de todos<br />

os modos, em todas as circunstâncias<br />

e em todos os lugares. Para agir com tal<br />

largueza, só Alguém de uma riqueza fabulosa, e<br />

de uma bondade ainda mais extraordinária que<br />

essa riqueza, jamais se cansando de ajudar e de<br />

perdoar.<br />

E o perdão é um dos seus dons imensamente<br />

preciosos, de tal modo que, depois de haver perdoado<br />

muito, Ela ainda tem um sorriso de piedade<br />

para quem A ofendeu, quando este A invoca<br />

e suplica misericórdia.<br />

Mais. Ela vem em auxílio da alma que não<br />

pede, da alma que não vê, da alma que não quer,<br />

e a socorre, a bem dizer, pelas costas, alcançandolhe<br />

uma graça que a faz se sentir tocada de amor,<br />

de reverência, de gratidão, de força para rogar novos<br />

auxílios. Sua maternal solicitude é uma espécie<br />

de roldana que leva até o Céu...


Sumário<br />

Na capa, Jacinta e rancisco,<br />

os dois pastorinhos<br />

beatificados este mês pelo<br />

Papa João Paulo II, e a<br />

imagem peregrina de Nossa<br />

Senhora de átima.<br />

Ao fundo, a Basílica de<br />

átima, em Portugal<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

Diretor:<br />

Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />

Jornalista Responsável:<br />

Othon Carlos Werner – DRT/SP 7650<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues erreira<br />

Marcos Ribeiro Dantas<br />

Edwaldo Marques<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Diogo de Brito, 41 salas 1 e 2<br />

02460-110 S. Paulo - SP Tel: (11) 6971-1027<br />

otolitos: Diarte – Tel: (11) 571-9793<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pavagraf Editora Gráfica Ltda.<br />

Rua Barão do Serro Largo, 296<br />

03335-000 S. Paulo - SP - Tel: (11) 291-2579<br />

Esta revista não é órgão oficial nem oficioso da<br />

SBDTP.<br />

Preços da assinatura anual<br />

MAIO de 2000<br />

Comum . . . . . . . . . . . . . . R$ 60,00<br />

Colaborador . . . . . . . . . . R$ 90,00<br />

Propulsor . . . . . . . . . . . . . R$ 180,00<br />

Grande Propulsor . . . . . . R$ 300,00<br />

Exemplar avulso . . . . . . . R$ 6,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./ax: (11) 6971-1027<br />

4<br />

5<br />

6<br />

11<br />

15<br />

19<br />

24<br />

27<br />

32<br />

36<br />

EDITORIAL<br />

Jacinta e rancisco<br />

DATAS NA VIDA DE UM CRUZADO<br />

Presidente da Ação Católica<br />

GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />

Vida de Advogado – I<br />

DONA LUCILIA<br />

Educando os filhos<br />

pela narração de histórias<br />

DR. PLINIO COMENTA...<br />

O “Magnificat”, cântico<br />

de jubilosa despretensão<br />

PERSPECTIVA PLINIANA DA HISTÓRIA<br />

Internacionalismo x nacionalismo<br />

A solução medieval<br />

DENÚNCIA PROÉTICA<br />

Como vencer a crise contemporânea?<br />

ECO IDELÍSSIMO DA IGREJA<br />

átima<br />

LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />

Mistérios e encantos do passado...<br />

ÚLTIMA PÁGINA<br />

O poder da voz de Maria<br />

3


Jacinta e rancisco<br />

Editorial<br />

“queiram, a verdadeira aurora dos tempos<br />

é um marco novo na própria história<br />

da Igreja. átima é, queiram ou não<br />

“átima<br />

novos, cujos albores despertaram no momento em que<br />

Nossa Senhora baixou à terra e comunicou a três pastorinhos<br />

as lições severas sobre o crepúsculo de nossos<br />

dias, e as palavras esperançosas sobre os dias de bonança<br />

que a Misericórdia Divina prepara para a humanidade<br />

quando esta finalmente se arrepender.”<br />

Nestas palavras, brotadas do mais fundo do coração,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> resumia seu entusiasmo e veneração<br />

pelas aparições e mensagem da Santíssima Virgem<br />

em 1917, que ele nutria igualmente pelas três crianças<br />

escolhidas para serem as mensageiras.<br />

Agora, na mesma átima onde o timbre santíssimo<br />

e virginal da voz da Mãe de Deus ecoou há 83 anos, o<br />

Vigário de Cristo proclama as virtudes heróicas de dois<br />

dos pastorinhos, Jacinta e rancisco. Por terem morrido<br />

tão jovens — dez e onze anos, respectivamente<br />

— sua beatificação constituiu outro marco na história<br />

da Igreja: pela primeira vez são elevadas à honra dos<br />

altares duas crianças dessa idade, por uma causa que<br />

não seja a do martírio. E, glorificando-os, o Papa João<br />

Paulo II manifesta uma vez mais seu alto apreço pelos<br />

acontecimentos vividos pelos novos bem-aventurados,<br />

juntos com a Irmã Lúcia, freira carmelita ainda viva.<br />

Tal beatificação foi intensamente desejada por <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong>. Em várias oportunidades, ao longo das décadas,<br />

ele, assim como destacou sua convicção a respeito<br />

da veracidade de átima, fê-lo também sobre a heroicidade<br />

de virtudes dos dois videntes falecidos na<br />

infância, os quais almejava ver elevados à honra dos<br />

altares. Entre os aspectos de alma dos dois pequenos<br />

que mais o enlevavam, estava o fato de terem aceitado<br />

o convite de Nossa Senhora para difíceis missões:<br />

a de Jacinta era rezar e sofrer pela conversão dos<br />

pecadores; a de rancisco, reparar a tristeza de Nosso<br />

Senhor e de Nossa Senhora pelos pecados do mundo.<br />

Considerava <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> que o sacrifício de ambos<br />

os tornava nossos intercessores especiais no Céu, obtendo-nos<br />

graças para atendermos ao apelo da Santíssima<br />

Virgem por sacrifício e reparação.<br />

É preciso haver pessoas que contribuam com sua<br />

dor para que germinem nos corações as palavras de<br />

Nossa Senhora, exortando os homens à conversão.<br />

Todas as grandes obras de Deus se fazem com a participação<br />

de almas que lutam, rezam e sofrem. E acima<br />

dos nossos sofrimentos, quer Deus a retidão e a<br />

pureza, quer almas contritas e humilhadas, que renunciam<br />

a toda forma de orgulho, vanglória e vaidade. “E<br />

isto exatamente nos é dito pelo sacrifício de Jacinta. Devemos,<br />

portanto, pedir a ela que nos alcance de Nossa<br />

Senhora esse senso de sofrimento, indispensável para<br />

que qualquer católico seja verdadeiramente um fiel generoso<br />

e dedicado” — aconselhava <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>.<br />

Quanto à missão reparadora de rancisco, é preciso<br />

considerar que, de 1917 até hoje, o oceano de<br />

pecados não fez senão avolumar-se escandalosamente.<br />

Ora, se assim cresceu a ofensa, deve crescer na<br />

mesma proporção a reparação, alimentando nossa<br />

indignação pelos ultrajes infligidos ao Coração Imaculado<br />

de Maria e acrisolando nosso desejo de sermos<br />

instrumentos de Nossa Senhora para a implantação<br />

de seu Reino sobre a terra. A tal nos exortava<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, dizendo: “Devemos pedir a rancisco que<br />

nos obtenha esse ardoroso anelo de reparar o Coração<br />

Imaculado de Maria e, por meio d’Ele, o Coração Sagrado<br />

de Jesus”.<br />

Sirvam-nos essas palavras como tema de meditação<br />

e estímulo nesta tão jubilosa ocasião.<br />

DECLARAÇÃO: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625<br />

e de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras<br />

ou na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista.Em nossa intenção, os títulos elogiosos não<br />

têm outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


DATAS NA VIDA DE UM CRUZADO<br />

Presidente da Ação Católica<br />

Em 12/05/1940, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> tomou posse do<br />

cargo de presidente da Junta Arquidiocesana<br />

da Ação Católica de São Paulo. Ele<br />

mesmo conta:<br />

O Arcebispo, Dom José Gaspar, mandara-me<br />

convidar para ir falar com ele. No início da conversa,<br />

disse-me:<br />

— Vou constituir a Ação Católica aqui e desejo<br />

que o senhor seja o presidente da Junta Arquidiocesana.<br />

Caso aceite este convite, peço que me<br />

indique os nomes que devem constituir essa Junta.<br />

— Como não, Sr. Arcebispo, com todo o gosto!<br />

Estou aqui para servi-lo.<br />

Indiquei todos os membros do nosso grupo do<br />

Legionário e Dom José aceitou. Recebendo-nos<br />

depois, deu-nos esta palavra de ordem: “Vocês,<br />

que são os líderes marianos, atraiam para a Ação<br />

Católica todos os expoentes das Congregações<br />

Marianas!”<br />

Considerava-se que a Ação Católica recebera um<br />

mandato de fazer apostolado, por força do qual lhe<br />

ficavam subordinadas todas as associações leigas<br />

católicas. Sabedor da importância capital das Congregações<br />

Marianas no apostolado dos leigos, <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, quando<br />

líder da Ação<br />

Católica em São<br />

Paulo. Ao lado, a<br />

cerimônia de<br />

posse da Junta<br />

Arquidiocesana da<br />

Ação Católica<br />

paulista (<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

é o primeiro, da<br />

direita para a<br />

esquerda)<br />

<strong>Plinio</strong> notava com quanto cuidado era preciso atuar,<br />

de modo que elas, assim como as outras associações,<br />

não se vissem sufocadas. Procurando incentivá-las,<br />

pediu a D. José Gaspar que publicasse uma<br />

declaração regulando as relações entre todas, garantindo-lhes<br />

a necessária autonomia para continuarem<br />

a florescer.<br />

Graças a um gesto de inspirada sabedoria do<br />

Exmo. e Revmo. Sr. Arcebispo Metropolitano —<br />

pôde escrever <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> no “Legionário” (10/8/1941)<br />

— as relações entre a Ação Católica e as associações<br />

auxiliares já foram definidas de modo lapidar.<br />

[...] De acordo com esse documento, a Ação<br />

Católica só pode lucrar com o desenvolvimento<br />

das associações auxiliares, que não são para ela<br />

apenas valiosas colaboradoras, mas preciosa sementeira<br />

de membros.<br />

Embora escolhido para presidir a Ação Católica<br />

por três anos — tempo estipulado nos estatutos<br />

— <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> ficará no cargo até 1945.<br />

5


GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />

VIDA DE ADVOGADO – I<br />

6


Nascido de uma estirpe de advogados (bisavô, avô e pai exerceram com muito sucesso<br />

essa profissão), parece natural que <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> também trilhasse o caminho de um<br />

homem de leis. Com efeito, ele optou pela carreira de Direito. Como se saiu nela? Como<br />

conjugou sua vida profissional com seu intenso desejo de se dedicar ao apostolado católico?<br />

Ele próprio responde a estas e a outras questões correlatas.<br />

Tenho inclinação natural para<br />

a advocacia, por haver sido<br />

educado numa família de advogados.<br />

Toda pessoa tende naturalmente<br />

a corresponder a uma transmissão<br />

de caracteres físicos e morais<br />

acentuada pelo ambiente. Suponhamos<br />

que eu fosse transplantado de<br />

modo artificial para um círculo de financeiros,<br />

entendidos em preço de<br />

sapatos, qualidade de graxas, alta do<br />

couro, etc. Tornar-me-ia um homem<br />

meio engarrafado, porque as aptidões<br />

naturais que em mim jazem num estado<br />

germinativo teriam ficado sem a<br />

possibilidade de se expandir. No momento<br />

em que eu quisesse fazer um<br />

rodeio de frases bem feito, uma argumentação<br />

sutil, não encontraria nas<br />

graxas e nos sapatos matéria para tal.<br />

O resultado é que eu poderia talvez<br />

até dar um bom comerciante, mas haveria<br />

algo de irremediavelmente trincado<br />

em minha pessoa.<br />

As forças profundas de minha hereditariedade<br />

pediam que eu fosse<br />

advogado e intelectual; do contrário,<br />

as circunstâncias da vida teriam esmagado<br />

este apelo do meu ser, e me imposto<br />

uma personalidade artificial.<br />

Abraçando a advocacia, tudo o que<br />

em mim havia em estado embrionário,<br />

desabrochou, floresceu e realizou<br />

o pouco que podia realizar.<br />

Numa família onde existe, pois, hereditariedade<br />

de alma, de corpo e de<br />

atmosfera moral, encontramos todo<br />

um ambiente espiritual que acentua o<br />

efeito dessa hereditariedade. Mas esta<br />

última é uma força<br />

cheia de mistérios, da qual é próprio<br />

ter exceções, por vezes berrantes, outras<br />

vezes gloriosas: há homens que<br />

brilhantemente rompem a crosta das<br />

disposições familiares, para virem a<br />

ser qualquer coisa de muito mais alto.<br />

Porém, a regra geral permanece intacta.<br />

No tempo de estudante, uma<br />

opção definitiva<br />

Quando eu estava nos derradeiros<br />

anos da aculdade de Direito, costumava<br />

freqüentar a casa de um advogado<br />

cuja família mantinha assíduo<br />

relacionamento com os meus. Aman-<br />

A velha aculdade de Direito<br />

onde <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> se formou<br />

(detalhe). Na página anterior, o<br />

novo bacharel vestido da<br />

tradicional beca<br />

7


GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />

tes da boa culinária e da mesa farta,<br />

sabiam preparar um esplêndido cuscuz.<br />

Conhecedores de minha predileção<br />

por esse prato, quando o faziam<br />

gentilmente me convidavam para saboreá-lo<br />

com eles.<br />

Por causa de minha posição decididamente<br />

católica, o dono da casa provocava<br />

discussões acaloradas comigo.<br />

Aproveitando-se das relações de família<br />

e do fato de eu ser bem mais<br />

moço que ele, dizia-me algumas coisas<br />

bastante rudes. De minha parte,<br />

redargüia à altura, desconsiderando a<br />

diferença de idade.<br />

Lembro-me de que, certa feita, enquanto<br />

eu conversava com a esposa<br />

dele, notei-o com o olhar fixo em<br />

mim. De súbito, ele nos interrompeu:<br />

— <strong>Plinio</strong>, o que você vai fazer na<br />

vida?<br />

— Ora, vou advogar... Estou me<br />

formando em Direito.<br />

— Se eu o convidasse para trabalhar<br />

no meu escritório de advocacia,<br />

você não aceitaria, não é?<br />

Procurei esquivar-me de uma resposta,<br />

mas ele voltou à carga:<br />

— Eu sei bem por que você não<br />

aceitaria. Você pensa que sou ladrão,<br />

e não quer perder sua alma trabalhando<br />

no meu escritório...<br />

Dei risada:<br />

— É isto mesmo!<br />

Pelo seu modo de ser, eu percebia<br />

que ele não fazia nada além do costumeiro<br />

em alguns dos bons escritórios<br />

de advocacia daquele tempo. Acontece,<br />

porém, que vários desses procedimentos<br />

eram proibidos pela Moral<br />

católica.<br />

Ele continuou:<br />

— Vou lhe dizer uma coisa: com<br />

essa sua honestidade imposta pela<br />

Igreja Católica, seu escritório de advocacia<br />

vai ficar entregue às moscas.<br />

Não há outra saída para você senão<br />

tornar-se juiz. Este será seu futuro:<br />

fazer um concurso, ser nomeado para<br />

uma pequena cidade e passar ali dez<br />

anos. Na melhor das hipóteses, quando<br />

ficar velho será promovido a desembargador.<br />

É o máximo que atingirá.<br />

Você será, portanto, um homem<br />

obscuro e apagado...<br />

Vista da<br />

rua Libero<br />

Badaró, em<br />

São Paulo,<br />

onde<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

abriu seu<br />

primeiro<br />

escritório de<br />

advocacia<br />

Pensei comigo: “Ele tem razão!<br />

Agora preciso escolher: o desprezo, o<br />

isolamento, a pobreza, ou... a perdição<br />

de minha alma”. oi uma luta que<br />

travei. Nossa Senhora me ajudou e<br />

optei pela pobreza e pelo isolamento.<br />

Naquele momento, eu retruquei:<br />

— <strong>Dr</strong>. ulano, se acontecer o que o<br />

senhor prediz, dou por bem acontecido,<br />

porque terei cumprido a Lei de<br />

Deus. Violar essa Lei, eu não quero!<br />

Em todo caso, Nossa Senhora me<br />

protegerá. Se for desígnio d’Ela, não<br />

será esse o futuro que me espera.<br />

Ele deu uma risada e disse:<br />

— Isso... Você e Nossa Senhora,<br />

Nossa Senhora e você... Chegada a<br />

hora “H”, você verá que Nossa Senhora<br />

não lhe protege, porque Ela<br />

não existe...<br />

Eu contrapus:<br />

— Eu confio n’Ela; o senhor, não.<br />

Trata-se de meu futuro, é o que vou<br />

fazer. — Como quem dissesse: “Não<br />

se meta na minha vida, faço o que<br />

quero”.<br />

O primeiro escritório e o<br />

primeiro cliente<br />

Tendo-se formado em dezembro de<br />

1930, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> não se apressou em<br />

exercer a profissão de advogado: de<br />

um lado, porque queria ter mais tempo<br />

livre para suas múltlipas atividades<br />

no Movimento Católico; de<br />

outro, porque até então sua família<br />

gozava de uma folgada situação financeira.<br />

Contudo, tempos depois, em vista<br />

de negócios catastróficos de um parente,<br />

que arruinaram as finanças<br />

da família, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> decidiu ter<br />

chegado a hora de passar a advogar.<br />

Em 23 de março de 1932, inscreveuse<br />

na OAB e no mesmo mês abriu seu<br />

escritório de advocacia, na Rua Líbe-<br />

8


o Badaró, centro de São Paulo. Pouco<br />

depois, surgia a clientela.<br />

Lembro-me do primeiro cliente de<br />

advocacia que tive, um francês, Monsieur<br />

Balerdi. Ele tinha inventado<br />

uma fórmula de sorvete chamada<br />

“flan”, ou, quando acrescentava um<br />

ovo a mais, “superflan”. Vendia seus<br />

produtos em feiras de diversões, circos<br />

e lugares semelhantes, com não<br />

pequeno êxito.<br />

Ora, um outro francês pegou a fórmula<br />

e começou a fabricar um sorvete<br />

idêntico. Monsieur Balerdi, sentindose<br />

lesado, decidiu abrir um processo<br />

contra o concorrente. Este último negava<br />

ser fautor de qualquer imitação,<br />

aduzindo o argumento de que sua invenção<br />

não levava a marca “flan”...<br />

oi-me extremamente enfadonho<br />

advogar para provar que o sorvete<br />

“flan” não pertencia a um, mas a outro.<br />

Afinal, acabei conseguindo que<br />

chegassem a um acordo.<br />

Certas reflexões me tomaram o espírito<br />

naqueles dias: “Meu Deus!...<br />

quantos negócios de advocacia sem<br />

nenhuma graça ainda terei de pegar?<br />

Será que chegarei ao fim de minha vida<br />

pleiteando causas sobre ‘flan’ e<br />

‘superflan’? Não nasci para coisas<br />

desse tipo! Toda a minha alma se volta<br />

para outra direção.”<br />

Entretanto, Nossa Senhora não me<br />

faltaria com seu maternal auxílio: acabei<br />

por ter um escritório de advocacia<br />

movimentado, muito honesto — porque<br />

me procuraram os principais clientes<br />

eclesiásticos de São Paulo — proporcionando-me<br />

o dinheiro suficiente<br />

para uma existência digna e honrosa.<br />

O abade de São Bento pede<br />

conselho ao jovem advogado<br />

Vem a propósito mencionar um fato<br />

bastante curioso, ocorrido naqueles<br />

meus primórdios de advocacia.<br />

Como o escritório levaria certo tempo<br />

para granjear mais clientes, sobravam-me<br />

algumas horas livres, as quais<br />

aproveitava para ir rezar na igreja do<br />

Mosteiro de São Bento, a um quarteirão<br />

de distância. Agradava-me fazer<br />

minhas orações diante de uma bela<br />

imagem da Imaculada Conceição, em<br />

estilo colonial.<br />

Essa imagem ficava perto de um<br />

confessionário utilizado pelo abade.<br />

Eu só o conhecia de vista, e por uma<br />

vez ou outra que me confessei com<br />

ele. Qual não foi minha surpresa<br />

quando, certo dia, estando ali a rezar,<br />

aproxima-se de mim um irmão leigo e<br />

me diz:<br />

— Dom abade manda pedir ao senhor<br />

que, antes de ir embora, suba<br />

até a cela dele.<br />

Terminei calmamente minhas orações<br />

e, após perguntar em que andar<br />

era a tal cela, subi até lá. O abade me<br />

recebeu muito amavelmente. Era um<br />

alemão de altura plutôt média, olhos<br />

azuis muito simpáticos, francos e direitos.<br />

ez-me sentar e me disse:<br />

— Eu tenho um confessionário<br />

num lugar da igreja de onde vejo o senhor<br />

sempre rezar a Nossa Senhora.<br />

Como o senhor é muito devoto d’Ela,<br />

quero deixar nas suas mãos a resolução<br />

de um assunto muito importante.<br />

Aqui está um papel...<br />

E me estendeu uma folha na qual<br />

se podia ler, escrita em letras grandes,<br />

sua renúncia às funções abaciais, colocadas<br />

por ele à disposição de uma<br />

autoridade superior. Em seguida, disse-me:<br />

— Não vou lhe dar as razões disso,<br />

nem lhe dizer nada a mais. Quero<br />

apenas que o senhor diga se acha que<br />

devo pedir demissão ou não.<br />

Minha surpresa cresceu. Ele seria<br />

um homem de seus quase setenta<br />

anos, e eu, um moço com pouco mais<br />

de vinte. Sem falar que se tratava do<br />

abade de uma Ordem muito importante,<br />

superior de um mosteiro histórico<br />

em São Paulo, etc. Ele insistiu:<br />

— Se o senhor me disser: “Sim,<br />

peça demissão”, restitua-me o papel<br />

para eu encaminhá-lo a quem de di-<br />

Acima, panorama do centro de São Paulo, destacando-se o Mosteiro<br />

de São Bento; à direita, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> ao lado de D. Domingos de Silos,<br />

durante uma conferência, pouco tempo depois de se conhecerem<br />

9


GESTA MARIAL DE UM VARÃO CATÓLICO<br />

reito. Se o senhor achar que não, pode<br />

rasgá-lo já.<br />

Pensei: “Este homem, que manifesta<br />

tanta confiança em mim por<br />

eu ser devoto de Nossa Senhora, é<br />

melhor que permaneça nesse cargo<br />

decisivo”. Não revelei a ele o que me<br />

andava pela cabeça. Ainda meio perplexo,<br />

respondi:<br />

— Dom abade, eu o aconselho a<br />

não renunciar.<br />

Ele me pediu que rasgasse o papel,<br />

e depois me dirigiu um amável “muito<br />

obrigado!” — como quem diz: “Era<br />

só isso, pode ir embora”.<br />

Levantei-me e desci. Mais tarde,<br />

eu o revi em casa de um conhecido,<br />

de cuja esposa ele era diretor espiritual.<br />

Conversamos de maneira<br />

bastante cordial, mas sem a<br />

menor referência a esse fato.<br />

Compreende-se, pois se passara<br />

em caráter confidencial.<br />

Dom Domingos continuou<br />

como abade e faleceu nessa<br />

função. Ele era, evidentemente,<br />

um devoto de São Luís<br />

Grignion, e este santo nos ensina<br />

como as almas chegadas a<br />

Nossa Senhora são muito preferidas<br />

por Ela. Ora, o superior<br />

beneditino percebia minha<br />

devoção à Santíssima Virgem<br />

— às vezes eu rezava o<br />

rosário inteiro diante daquela<br />

imagem — e me julgou merecedor<br />

daquela predileção apontada<br />

por São Luís Grignion. E,<br />

portanto, também iluminado<br />

por Ela o suficiente para resolver<br />

o seu caso. Quero crer<br />

que assim o foi, para o bem da<br />

alma dele e das de seus monges.<br />

Cargos são instáveis –<br />

o melhor é advogar<br />

No fim de 1932, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

foi nomeado pelo Arcebispo<br />

de São Paulo secretário-geral<br />

da LEC (Liga Eleitoral Católica),<br />

que acabara de se formar,<br />

e indicado candidato a<br />

deputado constituinte, ganhando<br />

as eleições com uma ampla<br />

margem de votos sobre o segundo<br />

colocado. No meio dos incontáveis<br />

compromissos que a campanha eleitoral<br />

e os trabalhos na Câmara lhe<br />

trouxeram, mal lhe sobrou tempo<br />

para cuidar do escritório de advocacia.<br />

Contudo, ao terminar o ano de<br />

1934, findava seu mandato parlamentar.<br />

Embora, nesse ínterim, tivesse<br />

sido nomeado professor de três<br />

instituições universitárias, decidiu<br />

ser mais prudente dar movimentação<br />

aos labores advocatícios.<br />

Eu era professor catedrático de História<br />

da Civilização, do Colégio Universitário<br />

da aculdade de Direito da<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> andando<br />

pelo centro da<br />

capital paulista<br />

Universidade de São Paulo. Era uma<br />

boa profissão, bem remunerada, vitalícia<br />

e inamovível. Era também professor<br />

da aculdade Sedes Sapientiae,<br />

das Cônegas de Santo Agostinho e,<br />

mais tarde, da aculdade São Bento.<br />

Eu pensava comigo: “ui contemplado<br />

com bons cargos. Mas, cargos,<br />

um homem como eu os perde por<br />

qualquer razão. Tenho de conseguir<br />

uma advocacia pessoal, de modo que,<br />

caso me venham a faltar aqueles ofícios,<br />

não me falte a clientela do escritório.<br />

Portanto, vou tentar obter<br />

muitos clientes e equilibrar-me de<br />

maneira a me sobrarem, não os dias,<br />

mas as noites livres, a fim de dedicálas<br />

ao apostolado.”<br />

E foi o que procurei fazer.<br />

Organizei assim meu horário:<br />

de manhã, comunhão; depois,<br />

voltar para casa e preparar as<br />

aulas que daria à tarde... Naquele<br />

tempo, meus deslocamentos<br />

eram quase todos feitos<br />

de bonde, pois ônibus não<br />

os havia, e os táxis eram pouco<br />

freqüentes em São Paulo. Resultado,<br />

grande parte da tarde<br />

era consumida nos trajetos entre<br />

uma faculdade e outra.<br />

Compensava-me, entretanto,<br />

o fato de meu escritório de<br />

advocacia ficar perto da aculdade<br />

de Direito, de maneira<br />

que, às vezes, acabadas as aulas<br />

naquela, eu ia atender meus<br />

clientes. Tarefa a que eu me<br />

dedicava igualmente nas tardes<br />

em que não lecionava. Tudo<br />

isso representava meu tempo<br />

inteiramente tomado.<br />

No fim do dia eu vinha para<br />

casa, para ler antes do jantar e<br />

preparar as aulas do dia seguinte.<br />

Após a refeição, podia<br />

me dedicar ao apostolado até<br />

a meia-noite, hora em que voltava<br />

para minha residência.<br />

Na manhã seguinte, recomeçava<br />

a mesma faina...<br />

(Continua no próximo<br />

número)<br />

10


DONA LUCILIA<br />

Educando os filhos<br />

pela narração de histórias<br />

Sobressaindo entre os excelentes atributos com que<br />

a Providência ornou sua alma de mãe e educadora,<br />

o fino senso psicológico de Dª Lucilia lhe proporcionava<br />

adequado conhecimento dos filhos e dos sobrinhos.<br />

Conhecimento este que ela sabia aplicar, de modo<br />

todo especial, no momento de lhes contar alguma história.<br />

Razão pela qual não nos é difícil compreender como, em<br />

tempos idos, as crianças se apinhavam alegres ao seu redor,<br />

pedindo-lhe mais uma narração.<br />

Todas as noites de quinta-feira, a maior parte da família<br />

se reunia na residência de Dª Gabriela para um longo e cerimonioso<br />

jantar. Os pequenos tomavam a refeição numa<br />

11


DONA LUCILIA<br />

dependência secundária, e naturalmente acabavam antes<br />

dos adultos. Nesse momento, estando a casa cheia de<br />

meninos, estes chamavam Dª Lucilia:<br />

— Queremos histórias de tia Lucilia! Queremos histórias<br />

de tia Lucilia!<br />

Ela, embora muito carinhosa, fazia valer o princípio de<br />

que os mais velhos não são interrompidos pelos mais<br />

moços. Assim, estes não podiam entrar na sala de jantar<br />

enquanto aqueles não terminassem. Do lado de fora,<br />

através da porta entreaberta, os pequenos passavam a dirigir<br />

agradinhos a Dª Lucilia, para obter que fosse logo estar<br />

com eles. Ela não respondia e, tranqüilamente, continuava<br />

a comer. Quando acabava, dizia muito comprazida:<br />

— Vou para o escritório e conto uma história para<br />

vocês.<br />

O aposento ficava apinhado de crianças, todas encantadíssimas,<br />

à espera de mais uma atraente descrição.<br />

Enquanto na sala de jantar os adultos prosseguiam a<br />

conversa sobre assuntos da atualidade, Dª Lucilia se recostava<br />

numa chaise longue do escritório do esposo, e os<br />

meninos, literalmente, se empoleiravam em torno dela, até<br />

mesmo atrás de sua cabeça.<br />

A história do nobre manco<br />

Como já tivemos ocasião de observar (cf. “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>”<br />

nº 10), Dª Lucilia modelava suas descrições no intuito de<br />

favorecer a maturação do espírito de seus jovens ouvintes,<br />

o que constituía um dos principais atrativos de suas<br />

histórias. Levada por maternal carinho, procurava ela incutir-lhes<br />

o amor ao cumprimento do dever e a admiração<br />

pelos atos belos e louváveis. E, em certas ocasiões,<br />

aproveitava os contos para dar às crianças uma lição de<br />

caráter moral e religioso.<br />

O do nobre manco, fato que se havia passado no Ancien<br />

Régime, era característico. Assim descrevia ela:<br />

A pequena distância de uma estalagem, à beira de uma<br />

estrada, conversavam animadamente alguns rapazes do povo<br />

miúdo, fortes, saudáveis e bem dispostos.<br />

Em certo momento aproximou-se uma carruagem puxada<br />

por cavalos brancos, magnificamente ajaezados, e parou diante<br />

da casa. Os ornatos dourados do coche, o brasão pintado<br />

em suas portas, os finos cristais das janelas, os postilhões<br />

vestidos de libré, tudo, enfim, denotava a nobre origem do<br />

ocupante daquele belo veículo.<br />

Saltam em terra os lacaios: um segura com força os cavalos,<br />

outro, ligeiro, corre a abrir a porta, enquanto um terceiro<br />

estende a escadinha até o chão. Os rapazes se apressam, curiosos,<br />

para ver quem era o feliz viajante. Através das cortinas<br />

de damasco vermelho, entreabertas, distinguem o busto de<br />

um jovem de bela aparência que se prepara para sair. Com<br />

elegante gesto, este se cobre com seu tricórnio ornado de<br />

plumas e, lentamente, desce da carruagem... apoiado,<br />

porém, em muletas, pois tinha um pé cortado.<br />

Os jovens, então, caíram em si. Quão pouco<br />

vale o dinheiro, e quão pouco valem as aparências<br />

da terra! Eles, por não terem nenhum pé<br />

amputado, eram mais felizes do que o nobre<br />

manco em meio de toda a sua opulência.<br />

Os Três Mosqueteiros<br />

Vendo Dª Lucilia aproximar-se o<br />

fim da infância de seus filhos e sobrinhos,<br />

julgou adequado<br />

incutir-lhes<br />

o gosto pela literatura.<br />

Sem descurar<br />

daquele seu grande<br />

empenho em fazer<br />

crescer o espírito analítico<br />

das crianças, nas<br />

quais começavam a despontar<br />

as primeiras manifestações<br />

de preferências<br />

ou repulsas, já próprias à<br />

adolescência.<br />

12


Assim, os enredos por ela elaborados sempre terminavam<br />

de modo exemplar: o personagem era premiado<br />

por sua virtude ou, quando derrotado, ela o descrevia em<br />

seu isolamento, na tranqüilidade majestosa de uma consciência<br />

limpa — outro tipo de prêmio do qual, com maestria,<br />

ela sabia realçar os aspectos aprazíveis e gloriosos.<br />

Supérfluo será dizer que os resumos feitos por Dª Lucilia<br />

excluíam qualquer forma de episódios ou detalhes atentatórios<br />

à moral. Para fixar a atenção das crianças naqueles<br />

longínquos tempos prenunciativos de um apogeu cinematográfico,<br />

era preciso que a história fosse novelesca,<br />

recheada de aventuras imprevistas e sensacionais. Se o<br />

tema escolhido fosse diverso, elas logo se alheavam da narração,<br />

que só continuavam a ouvir de olhos distraídos e<br />

distantes.<br />

Nessas circunstâncias, a escolha de Dª Lucilia não podia<br />

recair sobre tema mais apropriado do que Os Três Mosqueteiros,<br />

um dos famosos romances de Alexandre Dumas,<br />

cujas passagens inconvenientes eram por ela censuradas<br />

com todo o cuidado.<br />

A história também se desenrolava em pleno Ancien<br />

Régime, no reinado de Luís XIII. Dª Lucilia, rodeada de<br />

seus pequenos ouvintes, ia pintando na imaginação deles,<br />

com vivas cores, através de suas harmoniosas palavras,<br />

aquela remota época como um período áureo, em que o<br />

Ocidente estava para atingir um ápice de bom gosto, de<br />

boas maneiras, de elegância e de nobreza de atitudes.<br />

Depois da atraente introdução, os meninos, com sua<br />

imaginação presa, já estavam ávidos de ouvir Dª Lucilia<br />

descrever a personalidade de cada um dos mosqueteiros,<br />

com suas virtudes e defeitos. Os quatro mosqueteiros<br />

eram gentis-homens característicos de seu tempo e ela<br />

procurava, ressaltando esse aspecto, incentivar as<br />

crianças a tomarem suas qualidades cavalheirescas<br />

como modelo.<br />

Porém, mais belo do que a descrição sobre os<br />

valentes mosqueteiros era o aparente contraste<br />

entre a narradora e aqueles heróis: ela, suave,<br />

delicada, afável; eles, acostumados aos perigos,<br />

ao risco, às rudezas próprias da guerra. As<br />

palavras de Dª Lucilia eram tão expressivas que<br />

despertavam nos inocentes corações de seus<br />

ouvintes o entusiasmo por feitos heróicos, realizados<br />

por esses insignes batalhadores, entretanto<br />

exímios em brilhar nos salões, com<br />

suas reverências, rendas e panaches.<br />

Excelente educadora, analisava ela<br />

os personagens sob o ponto de vista da<br />

moral católica. Como juiz imparcial, reprovava<br />

com severidade o que neles<br />

merecia censura, e exaltava as virtudes e<br />

outros predicados dignos de louvor.<br />

Quando falava da probidade e correção de Athos, deixava<br />

transparecer sua própria integridade moral. Ao pintar<br />

a coragem de D’Artagnan, fazia-o com tanta admiração<br />

que os meninos pareciam notar o heróico vento da<br />

intrepidez acariciar-lhes a face.<br />

De outro lado, Dª Lucilia procurava mostrar-lhes como<br />

era rejeitável o “ideal” de um Porthos, cuja preocupação<br />

primordial consistia no gozo da vida, e explicava o que<br />

havia de superior na carreira intelectual, na preeminência<br />

do espírito sobre a matéria. inalmente, fazia reluzir aos<br />

olhos das crianças o que havia de mais elevado no tipo humano<br />

de um valente Aramis, eclesiástico e guerreiro.<br />

Com a mente povoada de feitos de armas, grandes<br />

heróis, épocas de esplendor e de fidalguia, mas especialmente<br />

enlevadas com aquela atraente narradora, as crianças<br />

aguardavam, não sem impaciência, o próximo dia em<br />

que ela daria seguimento ao conto.<br />

Assim, em sucessivos e animados encontros, Dª Lucilia<br />

chegou ao epílogo da história, enriquecendo-a sempre de<br />

novos pormenores. Como fecho daquela aventura, descreveu<br />

aos pequenos o que ela, na sua rica e virtuosa imaginação,<br />

pensava ter sucedido a cada um dos briosos mosqueteiros.<br />

O Conde, o Bispo, o “parvenu” e...<br />

Athos, amadurecido pelos reveses da vida, aperfeiçoado<br />

pelo ofício militar, retirou-se para o antigo feudo de sua<br />

13


DONA LUCILIA<br />

família, onde passou a morar só, envolto em sua nobre e<br />

melancólica tristeza.<br />

Era de ouvir como Dª Lucilia pintava aos olhos das<br />

crianças uma tarde no castelo de Athos, quando este, terminados<br />

seus afazeres no campo, se recolhia ao aconchego<br />

de sua morada. Segundo Dª Lucilia, ele atravessava um<br />

pátio interno, adornado de trepadeiras e plantas aromáticas,<br />

em cujo centro se erguia um gracioso chafariz.<br />

Assim continuava ela a narração:<br />

Quem, naquele sereno crepúsculo, espreitasse por entre as<br />

cortinas do salão nobre do castelo, surpreenderia o Conde de<br />

la ère andando de um lado para outro, entregue a profundas<br />

meditações. Chegado o momento do jantar, o Conde se<br />

dirigia à sua grande sala de refeições, onde, à bruxuleante luz<br />

das velas, degustava saborosos pratos e requintados vinhos.<br />

Dentro em pouco, todo o castelo estava imerso no silêncio,<br />

entrecortado apenas pelo ecoar dos passos do Conde que,<br />

novamente, palmilhava o solo de seus ancestrais. Afinal,<br />

recolhia-se ele também a seus aposentos. E quando sua luz se<br />

extinguia, era escuridão em todo o feudo...<br />

Desse modo, de acordo com o senso poético de Dª Lucilia,<br />

transcorria a vida de Athos. Em seguida, narrava ela<br />

o que acontecera ao elegante Aramis:<br />

Satisfazendo seus mais ardentes anseios, abandonou a<br />

carreira militar e tomou ordens num convento. A seriedade<br />

coerente e profunda dos estudos eclesiásticos veio assim somar-se<br />

às suas qualidades de tato e de tino no tratar com as<br />

pessoas, predicados estes preciosos para um zeloso pastor de<br />

almas. Assim, Aramis não tardou a atrair sobre si a atenção<br />

de seus superiores, o que, dentro de pouco tempo, ocasionou<br />

sua elevação ao episcopado. Passou assim ele a viver<br />

num pequeno castelo de uma diocese, no interior<br />

da rança.<br />

Depois de ter apresentado às crianças a<br />

dignidade da vida particular de Athos e a<br />

grandeza da condição eclesiástica de Aramis,<br />

Dª Lucilia se voltava, uma vez mais,<br />

para aquele a quem os pequenos não deviam<br />

imitar: o vaidoso Porthos...<br />

Contava-lhes que, fiel a uma concepção<br />

mais bem materialista da vida,<br />

Porthos também abandonou a carreira<br />

militar em troca da fortuna<br />

que lhe prometia uma rica viúva<br />

e, nunca dispensando os prazeres<br />

da mesa, tornou-se ainda mais<br />

avantajado de físico. Passou a ostentar<br />

um luxo desmesurado, bem ao contento<br />

de suas pretensões. Assim, comprou<br />

um castelo que enfeitou e engalanou com um<br />

gosto muito discutível. Adquiriu também uma<br />

carruagem, em cuja porta mandou fixar, esculpida<br />

em madeira e revestida de ouro, uma figura mitológica<br />

tocando uma cornetinha, que era o símbolo de<br />

Monsieur de Porthos.<br />

... D’Artagnan!<br />

— E D’Artagnan?! — perguntavam as crianças.<br />

Com sua invariável amenidade, Dª Lucilia respondia:<br />

Ele foi o único que continuou na carreira das armas.<br />

Combateu em diversas batalhas, e alcançou, por sua coragem<br />

e dedicação, o marechalato de rança.<br />

Havia muito tempo que os quatro amigos não se encontravam,<br />

quando uma arriscada circunstância exigiu que eles<br />

se reunissem em torno de D’Artagnan. Então Athos, Porthos<br />

e o Bispo Aramis vieram socorrer seu antigo companheiro.<br />

oi a última vez em que foram vistos juntos.<br />

Pouco depois, numa guerra contra os holandeses, comandando<br />

as tropas francesas que faziam cerco à cidade de<br />

Maastricht, D’Artagnan, atingido por um tiro, caiu do cavalo.<br />

Estava morto...<br />

Era o desfecho de uma maravilhosa história, que trouxera<br />

o juveníssimo auditório, ao longo de várias noites,<br />

suspenso dos lábios de Dª Lucilia. Assim, ela formava seus<br />

filhos e sobrinhos, recomendando-lhes imitar a nobreza de<br />

sentimentos, a abnegada dedicação, a desinteressada fidelidade<br />

a uma causa superior, que constituíam o verdadeiro<br />

ornato daqueles heróicos personagens.<br />

(Transcrito, com adaptações,<br />

da obra “Dona Lucilia”, de João S. Clá Dias)<br />

14


DR. PLINIO COMENTA...<br />

N<br />

umerosas são<br />

as belíssimas<br />

considerações<br />

de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> a respeito de<br />

Nossa Senhora já estampadas<br />

nestas páginas.<br />

Contudo, elas não constituem<br />

senão ínfima porção<br />

de um sublime e inesgotável<br />

acervo, no qual<br />

encontramos comentários<br />

inéditos a respeito da canção<br />

composta pela própria<br />

Mãe de Deus.<br />

A Visitação, por Dieric Bouts<br />

O “Magnificat”,<br />

cântico de jubilosa despretensão<br />

A<br />

Após haver recebido a excelsa comunicação de<br />

que seria a Mãe do Salvador, Nossa Senhora<br />

apressou-se em partir ao encontro de Santa Isabel,<br />

nas montanhas da Judéia. Ao chegar, exaltada por sua<br />

prima e profundamente reconhecida pelo ápice de dons<br />

com que fora galardoada, Maria entoou seu imortal Magnificat.<br />

Deus, autor da grandeza de Nossa Senhora<br />

O pensamento fundamental desse cântico poderia ser<br />

assim expresso por Nossa Senhora: “Deus realizou em<br />

mim coisas extraordinárias, as quais são obra d’Ele e não<br />

minha. Não sou a autora de toda essa grandeza. oi Ele<br />

que houve por bem depositá-la em mim, e Eu a aceitei em<br />

15


DR. PLINIO COMENTA...<br />

obediência aos seus superiores desígnios. Essa grandeza,<br />

portanto, enquanto habita em mim tornou-se minha, mas<br />

a causa dela vem de fora e do alto. Por mim mesma, não<br />

sou senão uma pequena criatura.”<br />

De fato, embora concebida sem pecado, e tendo correspondido<br />

à graça do modo mais perfeito possível, Nossa Senhora<br />

era uma mera criatura, e assim tais grandezas não<br />

podiam ter origem na natureza d’Ela. Provinham-Lhe de<br />

Deus Nosso Senhor. Este é o pensamento despretensioso<br />

e fundamental do Magnificat.<br />

Cabe aqui uma aplicação a nós, filhos e devotos de<br />

Maria, que tanto desejamos imitá-La. Se era essa a posição<br />

que a Imaculada tomava em face de suas excelências, a fortiori<br />

deve ser a nossa diante das graças que Deus nos concede,<br />

a nós que somos pecadores a dois títulos. Primeiro,<br />

porque concebidos no pecado original; segundo, porque<br />

agravamos essa condição com as faltas perpetradas em<br />

nossa vida, de sorte que, mesmo perseverando no estado<br />

de graça, trazemos conosco o fardo dos pecados que outrora<br />

cometemos.<br />

De outro lado, as honras que possam nos caber são incomparavelmente<br />

menores que as de Nossa Senhora. Desse<br />

modo, é preciso nos esforçarmos em adquirir o mais elevado<br />

grau de despretensão ao nosso alcance. Não incorramos<br />

no erro dos presunçosos, que julgam inerentes à sua<br />

própria natureza, e não a um dom ou misericórdia de<br />

Deus, todas as suas qualidades e aspectos bons.<br />

Pelo contrário, compenetremo-nos de que todo o bem<br />

existente em nós é dado e favorecido pela graça divina,<br />

embora conte com nossa voluntária aceitação e nosso empenho<br />

em desenvolvê-lo. São qualidades e talentos que<br />

não nasceram de nossa natureza decaída, mas foram nela<br />

depositados pela generosidade do Criador. Se formos despretensiosos,<br />

teremos consciência disso, não nos embevecendo<br />

com o que devemos a Deus.<br />

Esse é, precisamente, o ensinamento que nos deixou<br />

Nossa Senhora, quando elevou aos céus o seu Magnificat.<br />

Alegre e contínua retribuição a Deus<br />

Diz Ela: “A minha alma engrandece o Senhor”. Ou seja,<br />

canta, vê, admira, ama e proclama com amor a grandeza<br />

de Deus, Aquele que domina, Aquele que pode, Aquele<br />

que é tudo.<br />

“E o meu espírito exulta em Deus meu Salvador”.<br />

Então a alma d’Ela se transporta em santas alegrias,<br />

porque Deus “lançou os olhos sobre a baixeza de sua serva”,<br />

e por isso “de hoje em diante, todas as gerações me<br />

chamarão bem-aventurada”.<br />

Nossa Senhora proclama a magnitude de Deus por ter<br />

deitado o olhar sobre Ela, por Lhe ter conferido uma tal<br />

excelência que todas as nações passariam a aclamá-La como<br />

bem-aventurada. E ao reconhecer que isto Lhe vem<br />

d’Ele, seu espírito atinge o ápice da alegria!<br />

Grupo escultural no pórtico da Catedral de Reims<br />

Como não ver nessa atitude a perfeição da despretensão?<br />

Nada de falsa e dolorosa probidade: “Ó Senhor! como<br />

gostaria de dizer que tudo vem de mim, mas sou obrigada<br />

a declarar o contrário”, etc. Não! — “Meu espírito<br />

exulta em proclamar que veio de Vós”.<br />

Ao mesmo tempo, porém, Ela afirma a glória que Deus<br />

Lhe outorgou: “Todas as gerações me chamarão bemaventurada”.<br />

A palavra bem-aventurada encerra um matiz<br />

que a faz designar uma pessoa não apenas nimbada de felicidade,<br />

mas também aquela que alcançou êxito em todas<br />

as suas realizações. Portanto, acertar na vida, ser bemaventurado,<br />

é tornar-se santo e servir a Deus.<br />

E Nossa Senhora continua a cantar: “Porque fez em<br />

mim grandes coisas Aquele que é poderoso, e cujo nome é<br />

santo”. O adjetivo poderoso tem aí todo o cabimento, pois<br />

Ela se reconhece objeto de maravilhas tais, que só um Ser<br />

onipotente as poderia operar. Ora, Maria se sabia não-<br />

16


uma imensa série de misericórdias que, desde o início até<br />

o fim do mundo, alcança os que têm o temor de Deus.<br />

Pode-se dizer que este seria o Everest, o ponto muitíssimo<br />

mais alto da compaixão divina, acima de um universo de<br />

montículos, colinas, montes e montanhas de misericórdias<br />

que ao longo da história têm sido espargidas sobre os homens.<br />

É como se Maria Santíssima dissesse: “Essa misericórdia<br />

é ainda mais bela porque é o marco central de um<br />

incontável número de excelsas benevolências dispensadas<br />

por Ele, o Rei, o Deus, o Pai de todas as misericórdias”.<br />

A soberba é causa de decadência<br />

(à esquerda, a Anunciação; à direita, a Visitação)<br />

onipotente. Logo, proclamava que apenas Deus podia ter<br />

feito n’Ela aquelas “grandes coisas”.<br />

É um modo indireto de dizer: “O que foi realizado<br />

comigo é tanto que eu, simples escrava, por mim mesma<br />

jamais o teria alcançado. O Todo-Poderoso, cujo nome é<br />

santo, fez essas maravilhas, essas excelências que só poderiam<br />

sair de suas divinas mãos”. Em última análise, tratase<br />

de uma contínua e alegre retribuição a Deus da grandeza<br />

d’Ela.<br />

Uma cordilheira de misericórdias<br />

“E cuja misericórdia se estende de geração em geração,<br />

sobre aqueles que O temem”.<br />

Nossa Senhora manifesta neste trecho a idéia de que a<br />

misericórdia da qual Ela foi objeto é o lance supremo de<br />

Continua a Santíssima Virgem: “Manifestou o poder de<br />

seu braço; transtornou aqueles que se orgulhavam nos<br />

pensamentos de seu coração”.<br />

Ou seja, ao passo que estende sua misericórdia aos que<br />

O temem, Nosso Senhor mostra o poder de seu braço confundindo<br />

os desígnios dos soberbos. Quem são estes? Os<br />

que se vangloriam e se exibem pretensiosos em relação a<br />

Deus, que não consideram a grandeza d’Ele, nem Lhe têm<br />

temor. E que, portanto, não O amam. Para estes não há<br />

misericórdia. Então Deus os humilha, os quebra, os dissipa,<br />

mostrando sua força.<br />

Essa atitude de Nosso Senhor com os que se afirmam<br />

independentes d’Ele é um belo convite para estabelecermos<br />

uma filosofia da história. Para isto, temos de observar<br />

não só os acontecimentos históricos, mas também os fatos<br />

de nossa vida cotidiana, e neles verificar a confirmação<br />

desta regra: os homens tementes a Deus, conscientes de<br />

que não valem nada, atribuindo seus predicados e aptidões<br />

à misericórdia divina, progridem na vida espiritual.<br />

Os que são voltados a adorar-se a si próprios, a considerar<br />

tudo quanto têm como vindo deles mesmos, estes são os<br />

soberbos que Deus dissipa, e declinam na prática da virtude.<br />

Quantas vezes não observamos, nessa ou naquela alma,<br />

um processo de decadência cuja causa é a pretensão? Em<br />

determinado momento, a pessoa começou a se embevecer<br />

consigo mesma: “Que maravilhosa, grande e estupenda<br />

criatura sou eu, considerada nos predicados morais de minha<br />

natureza!” É o primeiro passo de uma lamentável deterioração.<br />

Portanto, Nossa Senhora lança o princípio: os soberbos<br />

não vão para a frente, enquanto progridem os que temem<br />

a Deus. Donde tudo nos coloca em relação a Ele numa<br />

postura de inteira despretensão.<br />

O triunfo dos humildes<br />

“Depôs do trono os poderosos, e exaltou os humildes.”<br />

Temos aqui uma seqüência do pensamento anterior. O<br />

poderoso é o que atribui a si todo o poder, que precede a<br />

17


DR. PLINIO COMENTA...<br />

Deus e não O teme, julgando-se capaz de tudo fazer sem<br />

Ele. Esse é deposto de seu trono, ou seja, daquilo do que<br />

se ensoberbece. O humilde, pelo contrário, é glorificado e<br />

favorecido por Nosso Senhor, obtém resultados nas suas<br />

ações, na sua vida interior, no seu apostolado, etc.<br />

Completando essa linha de pensamento, Maria acrescenta:<br />

“Cumulou de bens os famintos, e despediu os ricos<br />

com as mãos vazias”.<br />

Os famintos são os necessitados, os que se abaixam<br />

diante de Deus e Lhe suplicam auxílio. Estes são atendidos,<br />

e saem repletos de bens. Os ricos são os orgulhosos,<br />

aqueles que se aproximam de Nosso Senhor dizendo não<br />

precisarem de nada. Então são mandados embora sem receberem<br />

qualquer benefício.<br />

Cumpre-se a promessa do Messias<br />

Em seguida, a Santíssima Virgem faz uma referência à<br />

exaltação do Povo Eleito, por nele ter se verificado a Encarnação<br />

do Verbo. Diz Ela: “Tomou cuidado de Israel, seu<br />

servo, lembrado da sua misericórdia; conforme tinha dito a<br />

nossos pais, a Abraão, e à sua posteridade para sempre”.<br />

Com efeito, Deus havia misericordiosamente prometido<br />

que o Messias, seu ilho unigênito, se encarnaria e nasceria<br />

do povo de Israel. Ele se lembrou de sua promessa,<br />

gerando Jesus Cristo nas entranhas puríssimas de Maria.<br />

A Igreja, muito belamente, completa esse hino maravilhoso<br />

com o “Glória ao Pai, ao ilho e ao Espírito Santo;<br />

assim como era no princípio, agora e sempre, pelos séculos<br />

dos séculos. Amém”.<br />

Esta seria uma interpretação do<br />

Magnificat como o cântico da despretensão<br />

jubilosa de Nossa Senhora.<br />

“Minha alma engrandece<br />

a Igreja Católica!”<br />

“Como eu gostaria de cantar: minha alma engrandece a Santa Igreja Católica!” —<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> contemplando a maravilhosa fachada da Catedral de Notre-Dame de Paris<br />

Para concluir, cabe ainda um último<br />

desdobramento dessas considerações.<br />

Como eu gostaria de, com toda<br />

a alma, poder cantar o Magnificat<br />

em relação à Igreja Católica! Como<br />

é verdadeiro dizer: Magnificat<br />

anima mea Ecclesiam, et exultavit<br />

spiritus meus, in matre salutari mea<br />

— A minha alma engrandece a<br />

Igreja Católica e o meu espírito<br />

exulta na Igreja minha mãe!<br />

E assim por diante, que lindíssima<br />

paráfrase do Magnificat poderíamos<br />

fazer contemplando a Igreja,<br />

que é a Arca da Aliança, a imagem<br />

visível de Deus e de Nossa Senhora<br />

na terra.<br />

Sirvam, pois, estas palavras de<br />

incentivo para que reportemos todos<br />

os nossos dons, nossas virtudes<br />

e predicados a Deus em Jesus, a Jesus<br />

em Maria, e a Maria na Santa<br />

Igreja Católica Apostólica Romana,<br />

da qual nos vem tudo o que<br />

temos de bom. Dessa maneira, o<br />

enlevo, o encanto, o entusiasmo, a<br />

fidelidade, a dedicação de nossa vida,<br />

nossa alma e nosso sangue sejam<br />

inteiramente oferecidos para o<br />

serviço e glorificação da Esposa<br />

Mística de Cristo. v<br />

18


PERSPECTIVA PLINIANA DA HISTÓRIA<br />

Iluminura medieval representando a construção de quatro novas cidades<br />

Internacionalismo x Nacionalismo<br />

– A solução medieval –<br />

D<br />

ilemas tão atuais como este, causas de intermináveis polêmicas e profundo<br />

antagonismo em nossa época de “aldeia global”, receberam respostas originais<br />

na Idade Média. Porém — note-se —, dadas não por institutos de planejamento,<br />

gabinetes governamentais ou ONGs, mas pela vida orgânica e rotineira da população,<br />

sujeita à benéfica influência do espírito católico.<br />

A tal propósito, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> destaca a peculiar organização política medieval.<br />

19


PERSPECTIVA PLINIANA DA HISTÓRIA<br />

Adesagregação do mundo<br />

ocidental partiu de um ponto<br />

inicial de equilíbrio que<br />

foi a Idade Média, período histórico<br />

feito da justaposição harmônica de<br />

tendências opostas as quais, no mundo<br />

contemporâneo, de fato dão lugar<br />

a furiosas batalhas.<br />

Consideremos então, em linhas gerais,<br />

de que modo a civilização medieval<br />

realizou tal síntese.<br />

Entrelaçamento de<br />

estados e regiões<br />

Erguida nos limites da<br />

rança com a Alemanha,<br />

esta fortaleza dez vezes<br />

secular foi testemunha<br />

de uma época em que<br />

eram instáveis e<br />

indefinidas as fronteiras<br />

dos estados e países<br />

Comecemos por analisar como a<br />

Idade Média se situava perante as noções<br />

de nacionalismo e internacionalismo.<br />

Em nossos dias, o contraste entre<br />

estes dois conceitos tem gerado acerbos<br />

confrontos. Por exemplo, na Europa<br />

contemporânea, pessoas há que se<br />

deleitam com a idéia da União Européia,<br />

e que já viam na comunidade<br />

econômica constituída em torno do<br />

carvão e do aço [precursora da CEE]<br />

um elemento prenunciativo dessa unidade.<br />

Elas confiam no exército unificado,<br />

na moeda comum, na fusão de toda<br />

a Europa para formar um só Estado.<br />

Entretanto, se de um lado existe<br />

grande entusiasmo por essa idéia, de<br />

outro há pessoas que nutrem verdadeiro<br />

horror à concepção de uma Europa<br />

unida, afirmando o princípio do<br />

nacionalismo. Nacionalismo este que,<br />

no século XX, apresentou-se com extrema<br />

violência no caso da Alemanha<br />

nazista, sendo um dos pretextos para<br />

a Segunda Guerra Mundial. Tratavase,<br />

na verdade, de uma hipertrofia do<br />

nacionalismo, ou seja, o ideal de uma<br />

nação englobando todas as outras e<br />

estendendo seu domínio sobre a terra.<br />

Na Idade Média, porém, o equilíbrio<br />

entre nacionalismo e internacionalismo<br />

era realmente admirável.<br />

Em primeiro lugar, porque os medievais<br />

não entendiam o significado<br />

de nação como nós o compreendemos<br />

hoje, quer dizer, um bloco completamente<br />

definido que absorve em si todas<br />

as relações, e fora do qual se desenvolvem<br />

outros mundos.<br />

Tome-se, por exemplo, a rança da<br />

Idade Média. Ela tinha fronteiras<br />

com o Sacro Império Romano, a Itália<br />

e a Espanha. Ora, em todos esses<br />

limites havia regiões que nem eram<br />

bem francesas, nem bem alemãs, ou<br />

italianas ou espanholas. Eram feudos<br />

situados nas fímbrias do território<br />

francês, porém mantinham relações<br />

de dependência com o Imperador do<br />

Sacro Império. Ou o contrário: feudos<br />

alemães do Sacro Império que<br />

tinham contratos de vassalagem com<br />

o rei da rança.<br />

O mesmo se dava com o Ducado<br />

da Sabóia e os pequenos estados ao<br />

longo da fronteira franco-italiana. E<br />

de um modo ainda mais visível, o fato<br />

se repetia na divisa espanhola, onde<br />

havia o Reino de Navarra, resquício<br />

de um antigo reino existente nas duas<br />

vertentes dos Pirineus, e que vinha a<br />

ser um diminuto estado semi-espanhol<br />

e semifrancês.<br />

O último vestígio dessa tradição de<br />

dupla nacionalidade nas fronteiras é a<br />

pequena República de Andorra, que<br />

tem à sua frente dois chefes: o Presidente<br />

da República rancesa e o Bispo<br />

de Urgel, na Espanha. Ela é, portanto,<br />

meio francesa, meio espanhola,<br />

20


governada por dois co-dirigentes para<br />

assegurar uma espécie de mista nacionalidade<br />

a esse país de fronteira, sem<br />

lesar os direitos da rança e tampouco<br />

os da Espanha.<br />

ronteiras indefinidas e<br />

instáveis<br />

Cumpre notar que essa situação de<br />

indefinição de fronteiras era, na Idade<br />

Antigos feudos do<br />

Sacro Império<br />

apresentam,<br />

ainda hoje,<br />

típicas<br />

paisagens do<br />

regionalismo<br />

medieval<br />

(Ao lado e<br />

abaixo,<br />

aspectos do<br />

Tirol italiano)<br />

Portanto, o Estado medieval não<br />

era um bloco definido. Antes, muito<br />

indefinido e instável: seus limites e<br />

carta política, constituídos em cima<br />

de uma certa base, facilmente podiam<br />

se alterar pelo enlace matrimonial de<br />

um príncipe ou princesa que, como<br />

dote, levava ou trazia consigo uma<br />

província, um feudo, etc. Eram estados<br />

“desmontáveis”, ligados e desligados<br />

ao sabor das combinações de família.<br />

Média, agravada pelo sistema feudal.<br />

Pois aquelas famílias nobres freqüentemente<br />

se casavam com soberanos<br />

estrangeiros ou com a nobreza de outro<br />

país, pelo que não era raro encontrar,<br />

por exemplo na rança, feudos<br />

subordinados ao rei da Inglaterra. E<br />

este, por sua vez, prestava homenagem<br />

ao monarca francês pelos feudos<br />

que possuía em seu território.<br />

Por outro lado, dava-se o fato de<br />

um só rei ser, ao mesmo tempo, soberano<br />

de dois reinos separados por<br />

longa distância. Era o que se verificava<br />

no sul da Itália, onde o reino de<br />

Nápoles pertencia à casa de Aragão,<br />

da Espanha. Tal casa tinha domínio<br />

sobre as duas monarquias. Assim,<br />

uma sucessão dinástica assegurava a<br />

unidade de vários reinos.<br />

Religião: o elo da unidade<br />

O que, então, representava verdadeiro<br />

valor?<br />

Era, para cada homem, a sua própria<br />

vida. Quer dizer, o indivíduo se<br />

interessava, em primeiro lugar, por si,<br />

pelos seus negócios, pela sua indústria,<br />

sua classe, sua terra, pela sua<br />

profissão. Em segundo lugar, interessava-se<br />

pelo seu município e, muito<br />

mais remotamente, pela sua província.<br />

A nação era uma entidade relativa,<br />

boiando pelos páramos. E o rei,<br />

por sua vez, para ele personalizava<br />

(de maneira muito vaga) o país; porém,<br />

não como alguém ligado a uma<br />

entidade abstrata e coletiva, mas enquanto<br />

associado à terra dele, indivíduo,<br />

sobre a qual o monarca tinha o<br />

senhorio direto.<br />

21


PERSPECTIVA PLINIANA DA HISTÓRIA<br />

Quer isto significar que não havia uma certa<br />

noção de país? Em que sentido se entende, por<br />

exemplo, Santa Joana d’Arc expulsando os ingleses<br />

da rança?<br />

Cumpre notar que a arrebatadora epopéia de<br />

Santa Joana d’Arc foi levada a cabo para conservar a<br />

existência da rança, contra a qual intentavam os ingleses.<br />

A missão dela se compreendia num período<br />

em que os britânicos se serviram do fato de terem<br />

feudos na rança, não mais para aceitarem a equilibrada<br />

situação de súditos e vassalos da coroa francesa,<br />

em território desta, mas para dominarem o país<br />

vizinho e fazerem dele um prolongamento da Inglaterra.<br />

Era, pois, uma espécie de investida nacionalista<br />

dos ingleses contra a rança, com esteio no<br />

abuso de uma situação feudal em si mesma delicada.<br />

Santa<br />

Joana d’Arc<br />

Artífices medievais construindo igrejas — A religião católica era o<br />

fator que conferia solidez e unidade à civilização da Idade Média<br />

Então aparecia aí, realmente, a<br />

idéia de nação (no caso, a francesa)<br />

como um todo que é preciso<br />

manter face aos seus invasores.<br />

Mas esse país, essa unidade<br />

grande era considerada<br />

pelo indivíduo enquanto realizada<br />

na sua pequena terra,<br />

de tal maneira que, na rança, engendrara-se<br />

uma mesma palavra para designar<br />

o Estado e a região a que pertencia<br />

cada um: le pays. Assim, para<br />

o francês, a pátria era a projeção de<br />

uma realidade que ele sentia e conhecia<br />

no seu respectivo pays.<br />

Poder-se-ia perguntar, então, o que<br />

conferia à sociedade medieval a sua<br />

impressionante solidez. Mapas e fronteiras<br />

tão fluidos, costumes, culturas,<br />

linguagens e dialetos tão diversos, e entretanto<br />

uma unidade poderosa! Tão<br />

forte que os estranhos àquele corpo<br />

da Cristandade — ou seja, os pagãos e<br />

os hereges — sentiam ali um organismo<br />

pujante, como também sentiam o<br />

árduo que era estar fora dele.<br />

Temos aí a resposta: aquela solidez,<br />

aquela unidade era de caráter religioso,<br />

que tinha seus reflexos políticos<br />

e abrangia todas as nações cristãs.<br />

Razão pela qual nunca se dizia, por<br />

exemplo, “ulano, o homem mais rico<br />

da rança”, mas “o homem mais rico<br />

da Cristandade”. Nunca se afirmava:<br />

“Beltrano é o maior rei do mundo”, e<br />

sim “o maior soberano da Cristandade”.<br />

Porque esta era o autêntico valor<br />

22


e a verdadeira base da unidade medieval.<br />

Então, enquanto a fluidez determinava<br />

a nota característica do nacional<br />

e do regionalismo, esse conceito de<br />

Cristandade marcava o tônus internacional.<br />

Vê-se como toda essa concepção se<br />

espatifou! Hoje, ou se propugna o supranacionalismo,<br />

com o desaparecimento<br />

das nações, ou se permite que<br />

existam nações com ideal nacionalista<br />

hipertrofiado. Haja vista a famosa rivalidade<br />

franco-alemã, que reiteradas<br />

vezes tem lançado o mundo em sangrentas<br />

guerras. Infelizmente, não mais<br />

se tem idéia daquela posição de harmonia<br />

que a Cristandade medieval<br />

conheceu.<br />

Universalidade e<br />

regionalismo<br />

Decorrência desse equilíbrio entre<br />

o nacional e o internacional, havia também<br />

na Idade Média duas categorias<br />

de pessoas: aquelas que viajavam e as<br />

que permaneciam em suas respectivas<br />

cidades. As primeiras<br />

constituíam a minoria,<br />

pois em geral o grosso<br />

das populações era<br />

muito estável, não chegando<br />

a conhecer sequer<br />

as províncias próximas.<br />

Entre as que viajavam,<br />

existiam estudantes, padres,<br />

missionários, peregrinos,<br />

etc., porém aquele<br />

que mais se deslocava<br />

era o rei, itinerante<br />

por natureza. Exatamente<br />

pelo fato de a idéia de<br />

nacionalismo ser realizada<br />

em cada lugar, o<br />

soberano deveria estar<br />

transitando pelas diversas<br />

regiões, sem se estabelecer<br />

numa capital.<br />

Aliás, o contrário de hoje,<br />

quando os governantes<br />

passam a maior parte<br />

de seu tempo nas capitais,<br />

recebendo aí os que<br />

necessitam tratar com<br />

eles.<br />

Temos, uma vez mais, a maravilhosa<br />

harmonia medieval, onde a universalidade<br />

era muito garantida por essa<br />

gente que viajava, e o localismo assegurado<br />

pelas pessoas que se mantinham<br />

fixas nos seus lugares.<br />

Vem a propósito notar que a derradeira<br />

e mais bonita manifestação<br />

desse dueto regionalismo-cosmopolitismo<br />

foi o Império Austríaco, com<br />

aquele conglomerado de povos que<br />

acabou sendo desfeito pelo Tratado<br />

de Versailles, após a Primeira Grande<br />

Guerra.<br />

Harmonia entre a cidade<br />

e o campo<br />

Por fim, consideremos outro interessante<br />

aspecto da organização medieval,<br />

que é o harmonioso convívio<br />

entre a cidade e o campo. Com efeito,<br />

A harmoniosa relação entre campo e cidade era outra das<br />

admiráveis características da cristandade medieval<br />

verifica-se na Idade Média a existência<br />

de aglomerações populacionais<br />

grandes o suficiente para desenvolverem<br />

uma vida própria, sem nenhuma<br />

das características inerentes ao cotidiano<br />

campestre.<br />

Tome-se, por exemplo, certas cidades<br />

do interior brasileiro onde, ainda<br />

em nossos dias, sente-se a influência<br />

da circunvizinha vida do campo. Há<br />

uma atmosfera bucólica que domina e<br />

impregna a localidade, na qual entretanto<br />

se desenrola todo um existir urbano.<br />

É, mais ou menos, a situação<br />

que se conheceu na Idade Média. Cidades<br />

grandes, contudo sem a tendência<br />

de produzir a fuga do campo.<br />

Nelas viviam quem tinha razões naturais<br />

para isto, enquanto o camponês<br />

não tinha horror ao ambiente em que<br />

nascera e se estabelecera. Ali permanecia,<br />

laborioso e satisfeito. O problema<br />

da evasão do campo não se menciona<br />

na história da Idade Média.<br />

Ademais, não se tratando de urbes<br />

exageradamente grandes, mantinham<br />

elas uma constante relação com o<br />

meio campestre. O lavrador das vizinhanças<br />

visitava com freqüência<br />

a cidade, e o habitante<br />

desta saía amiúde<br />

para o campo. Essa permuta<br />

mantinha na cidade<br />

uma atmosfera de naturalidade<br />

que o puro urbanismo<br />

de hoje parece ter<br />

suprimido completamente.<br />

Daí uma certa rusticidade<br />

da vida citadina na<br />

Idade Média. Mas daí também<br />

a grande e benéfica<br />

harmonia entre a existência<br />

campestre e a metropolitana,<br />

uma vez que esta<br />

última, sem nenhuma<br />

influência da primeira, parece-me<br />

desligada de seu<br />

equilíbrio próprio e normal.<br />

Eis mais uma das sapienciais<br />

ordenações da<br />

estrutura medieval, cujos<br />

ensinamentos e imitação<br />

muito aproveitariam a este<br />

desagregado mundo<br />

moderno... v<br />

23


DENÚNCIA PROÉTICA<br />

Como vencer<br />

a crise<br />

contemporânea?<br />

Enquanto o homem não se deixar<br />

reformar por uma profunda ação da<br />

Igreja, será vã qualquer tentativa de<br />

restauração da ordem social<br />

(refugiados da Guerra de Kosovo; ao<br />

fundo, a cúpula de São Pedro)<br />

24


E<br />

m seus tempos de faculdade, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> fundara a Ação Universitária<br />

Católica. Anos depois, já formado, continuava a orientar a juventude<br />

universitária, tanto através de conferências e palestras<br />

como pelas páginas do jornal “A.U.C.”. A denúncia aqui estampada é de<br />

1935.<br />

Para solucionar a crise contemporânea que tortura<br />

a humanidade, faz-se necessária uma atuação<br />

fundamentalmente moral e acima das nações —<br />

supranacional — que atinja diretamente o indivíduo e a<br />

sociedade. Sem esta ação, toda a ordem nacional será instável.<br />

Há, pois, uma obra supranacional (que distinguimos<br />

das relações internacionais, que mais se estendem entre<br />

nações, do que propriamente acima delas) a ser feita, e<br />

que só a Igreja Católica poderá levar a termo. É isto, precisamente,<br />

que passaremos a demonstrar.<br />

O único meio de se resolverem os problemas supranacionais<br />

é a realização de uma ação social una, que se estenda<br />

sobre o mundo inteiro, procurando trabalhar, ao<br />

mesmo tempo, o indivíduo e a sociedade, com real eficiência<br />

construtora.<br />

Ora, uma ação mundial una exige um pensamento uno<br />

no mundo inteiro, pois a unidade de ação pressupõe necessariamente<br />

a unidade de pensamento. E aqui esbarramos<br />

com o obstáculo<br />

insuperável para qualquer<br />

força que não a Igreja.<br />

país a influência de ideologias políticas, religiosas ou sociais<br />

[...] malsãs que destroem o Estado, pela corrupção<br />

moral e intelectual de seus próprios cidadãos. [...]<br />

Contra tais forças intelectuais que superam os canhões,<br />

o Estado moderno nada pode. Mesmo uma coligação de<br />

Estados, se agir sem a Igreja, nada poderá. A este respeito,<br />

a história nos apresenta um exemplo interessante. É a Santa<br />

Aliança, nascida de uma coligação de príncipes cristãos<br />

contra o espírito de revolução que ameaçava o mundo inteiro.<br />

Salvo em relação à Espanha, cuja ordem política foi<br />

restaurada, esta coligação formidável fracassou.<br />

É que se procurou combater com armas políticas um<br />

mal principalmente moral, cuja solução dependia muito da<br />

ação da Igreja sobre o indivíduo e a sociedade. Mas a Igreja<br />

era tiranizada, por isso a coligação de Estados onipotentes<br />

falhou.<br />

Portanto, um Estado ou uma coligação de Estados é impotente<br />

para resolver, por meio de uma ação supranacional,<br />

a crise contemporânea.<br />

Solução depende da<br />

ação da Igreja<br />

Comecemos pelo Estado.<br />

A estreita ligação que<br />

a vida moderna estabelece<br />

entre todos os Estados<br />

dá aos problemas que<br />

neles se agitam extensão<br />

mundial. O livro, o jornal,<br />

o cinema e o rádio espalham<br />

pelo mundo a influência<br />

intelectual de<br />

qualquer pensador de<br />

nossos dias. Os meios fáceis<br />

de comunicação e o<br />

entrelaçamento dos interesses<br />

comerciais, assim<br />

como o prestígio artístico<br />

e cultural de certos povos,<br />

possibilitam em qualquer<br />

“Encontro dos soberanos da Áustria, Prússia e Rússia” – O pacto da Santa Aliança,<br />

assinado por eles em setembro de 1815, redundou num inglório fracasso, por ter<br />

ignorado a ação da Igreja sobre o indivíduo e a sociedade<br />

25


DENÚNCIA PROÉTICA<br />

Cumpre reformar antes o homem<br />

Analisemos agora o indivíduo e a sociedade,<br />

sobre os quais se deve exercer a ação supranacional<br />

de que já falamos.<br />

O que logo nos impressiona é que a sociedade de hoje<br />

vive habitualmente em luta. Esta reveste as formas mais<br />

variadas, segundo se dá entre raças, entre nações, entre<br />

classes ou no seio da família. Contudo, se quisermos remontar<br />

à causa de tantas lutas, podemos dizer que os homens<br />

lutam porque não se amam; e não se amam porque<br />

nada, na mentalidade do homem moderno, existe que o<br />

leve ao amor do próximo.<br />

Assim, uma conclusão se impõe: enquanto a reforma<br />

não atingir o homem, será vã qualquer tentativa de restauração<br />

da ordem social. Atingido o âmago da ferida social,<br />

ter-se-á andado para a sua cura. [...]<br />

Reforma moral: obra da Igreja<br />

Uma das grandes obras da Igreja, que será sempre o<br />

terreno em que fracassarão os que procurarem imitá-la<br />

para combatê-la, é a reforma moral do homem.<br />

A ordem na sociedade é realizada por um processo ascendente,<br />

que consiste em instaurar a ordem no indivíduo,<br />

para projetá-la daí sobre a família e sobre a sociedade.<br />

Em virtude de sua infalibilidade, a Igreja retira ao fiel o<br />

direito do livre-exame, impondo-lhe uma rigorosa disciplina<br />

intelectual. Esta disciplina não é um sacrifício contrário<br />

à razão, mas uma conclusão da própria razão que, reconhecendo<br />

na Igreja o caráter divino, deve dobrar-se à sua<br />

autoridade.<br />

A Igreja prova que Cristo é Deus, e que Ele instituiu infalível<br />

a sua Igreja. Daí se segue que a adesão inteligente<br />

do fiel, se faz sacrificando ele apenas a sua<br />

arrogância, e não a sua independência intelectual,<br />

como disse orster, protestante<br />

ilustre, ex-reitor da Universidade de<br />

Berlim.<br />

Desta disciplina decorre uma unidade de espírito admirável;<br />

uma só moral e uma só crença se estendem pelo<br />

mundo todo, onde quer que existam católicos, e uma<br />

grande sociedade supranacional, a Igreja, governa as almas,<br />

dirigindo-as para a eternidade, influindo beneficamente<br />

nos destinos temporais dos povos. Pela sua perfeita<br />

unidade de pensamento e de ação, a Igreja se apresenta<br />

como única capaz de uma ação supranacional.<br />

Para reformar o homem, a Igreja ensina o amor ao<br />

próximo pelas suas regras de é e de Moral, e se incumbe<br />

de fazê-las praticar livremente pelos seus filhos. Para isto<br />

ela apresenta ao espírito humano os mais fortes argumentos<br />

que o possam impelir à prática do bem e afastar da<br />

prática do mal. Ela move ao bem a liberdade humana; e<br />

uma sociedade orientada pelos princípios católicos estará<br />

a salvo das lutas entre os seus membros.<br />

Portanto, concluindo, parece-nos que de todas as ações<br />

desenvolvidas no mundo moderno, nenhuma supera em<br />

importância e oportunidade a ação social da Igreja. Daí se<br />

infere que todos os católicos devem prestar a esta obra a<br />

máxima colaboração sem, contudo, negligenciar a respeito<br />

da vida política do Estado. Agir de tal forma é defender a<br />

causa da Igreja que, em última análise, é também a da Pátria,<br />

encarada nos seus mais profundos interesses.<br />

(Excertos do artigo publicado no “A.U.C.”,<br />

nº 18-19, setembro-outubro de 1935.<br />

Título e subtítulos nossos.)<br />

<strong>26</strong>


ECO IDELÍSSIMO DA IGREJA<br />

átima<br />

M<br />

aio de 1944. A Segunda Guerra Mundial convulsionava<br />

largas regiões do globo. Havia pouco, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

tomara conhecimento da mensagem de Nossa Senhora<br />

em átima, vendo logo, na correspondência da humanidade<br />

a ela, o único meio de interromper a decadência da civilização. O<br />

jovem líder católico utilizou, então, as páginas do “Legionário”<br />

para analisar pela primeira vez os acontecimentos da Cova da<br />

Iria. Pôs empenho em destacar a integridade moral de Lúcia e dos<br />

Bem-aventurados Jacinta e rancisco, como ponderável argumento<br />

em prol da autenticidade das aparições.<br />

Peregrinos<br />

diante do<br />

Santuário<br />

de átima, Portugal<br />

27


ECO IDELÍSSIMO DA IGREJA<br />

H á<br />

pouco menos de 30<br />

anos, a primeira conflagração<br />

mundial caminhava<br />

para seu declínio. Contido o ímpeto<br />

inicial da invasão teutônica, os<br />

franceses se dispunham a reconquistar<br />

o território perdido. Para os políticos<br />

de alto bordo e os observadores<br />

militares, já não era duvidoso o êxito<br />

final da luta. Toda a estratégia alemã<br />

se baseara na esperança do triunfo da<br />

blitzkrieg (guerra relâmpago). A primeira<br />

cartada se jogaria com imensas<br />

possibilidades de êxito. Mas era a única.<br />

Os alemães a tinham perdido. O<br />

resto, para os aliados, era apenas<br />

questão de tempo. Os financistas, os<br />

sociólogos, os politiqueiros, já começavam<br />

seu burburinho de antecâmaras<br />

e bastidores, para saber como o<br />

mundo se reorganizaria no após-guerra.<br />

E isto enquanto nos campos de<br />

batalha a luta ainda ia acesa, e os canhões<br />

germânicos troavam não muito<br />

longe de Paris.<br />

Esse burburinho tinha real importância.<br />

Tinha, mesmo, muito mais importância<br />

do que o troar dos canhões.<br />

Nos campos de batalha, se liquidava<br />

uma guerra já decidida in radice. Nos<br />

gabinetes, não se liquidava uma guerra,<br />

mas se elaborava uma nova era. O<br />

futuro já não estava na retranca das<br />

metralhadoras, mas nos pourparlers<br />

[negociações] dos bacharéis e dos técnicos.<br />

Grande fato da história<br />

contemporânea<br />

Quando começavam a delinear-se<br />

apenas, timidamente, as primeiras linhas<br />

desse mundo novo, verificou-se<br />

um dos fatos mais consideráveis da<br />

história contemporânea. Em nosso<br />

mundo são muitos os céticos que não<br />

acreditam nesse fato. Os que não são<br />

céticos são tímidos, e não ousam proclamar<br />

os fatos em que acreditam.<br />

Uns por falta de é, outros por falta<br />

de coragem, não ousam incorporar à<br />

história contemporânea esse acontecimento.<br />

Mas, os mais graves motivos<br />

sobre que a inteligência humana pode<br />

basear-se aí estão patentes, a atestar<br />

que Nossa Senhora baixou dos céus à<br />

terra, e que manifestou a três pequenos<br />

pastores de um recanto ignorado<br />

e perdido do pequeno Portugal, as<br />

condições verdadeiras, os fundamentos<br />

indispensáveis para a reorganização<br />

do mundo. Ouvida essa mensagem,<br />

a humanidade encontraria verdadeiramente<br />

a paz. Negada, ignorada<br />

essa mensagem, a paz seria falsa e<br />

o mundo emergirá em nova guerra. A<br />

guerra veio. A guerra aí está. Cogitase<br />

agora, como há 30 anos atrás, de<br />

reorganizar novamente o mundo. Nenhum<br />

momento é mais oportuno do<br />

que este, para recordar a aparição de<br />

Nossa Senhora em átima. E isto tanto<br />

mais quanto, há precisamente três<br />

dias, a Igreja celebrou a festa litúrgica<br />

de Nossa Senhora de átima.<br />

Analisemos primeiramente o fato.<br />

Lúcia, rancisco e Jacinta<br />

eram três pastores como<br />

Os três pastorinhos,<br />

no quintal da casa do pai<br />

de Lúcia<br />

28


os há tantos em Portugal. Educados<br />

em zona inteiramente isolada dos miasmas<br />

contemporâneos, conservam intacta<br />

a flor de sua inocência batismal,<br />

e, à falta de cartilhas e de grupos escolares,<br />

desenvolviam sua personalidade,<br />

sua formação, sua virtude, em<br />

contato com as belezas do campo,<br />

com os encantos da arte e da música<br />

popular de sua terra, com a suave austeridade<br />

dos ensinamentos cristãos recebidos<br />

dos lábios de suas mães, ou<br />

do singelo e piedoso magistério do<br />

Pároco da aldeia. Neles, como em todos<br />

os filhos da Igreja, era generoso o<br />

ânimo com que lhe correspondiam.<br />

Não passavam porém de três excelentes<br />

crianças, que cumpriam seus deveres,<br />

rezavam com uma piedade sincera<br />

à qual não era alheia por vezes<br />

certa preguiça, e passavam seus dias<br />

guardando conscienciosamente os rebanhos<br />

paternos.<br />

oi num dia destes, igual a todos os<br />

outros, que se manifestou para eles a<br />

primeira aparição, à qual depois muitas<br />

outras se seguiram. Eram crianças<br />

tão extremamente simples e ignorantes,<br />

que seriam incapazes de forjar<br />

qualquer quimera que por fim os sugestionasse.<br />

Quando vieram as primeiras<br />

aparições, nem sabiam com<br />

Quem tratavam. Descrevendo maravilhados<br />

a Pessoa que lhes aparecera,<br />

retratavam por suas palavras uma figura<br />

de uma elegância, uma majestade,<br />

uma nobreza que sua imaginação<br />

de pequenos pastores nunca teria podido<br />

forjar gratuitamente.<br />

Autenticidade dos três<br />

mensageiros<br />

Imediatamente se abateu sobre eles<br />

uma verdadeira perseguição. Estiveram<br />

na cadeia, foram ameaçados de<br />

morte, e até conduzidos ao lugar de<br />

seu suposto suplício; portaram-se com<br />

a dignidade dos mártires do Coliseu.<br />

Depois, foram objeto dos agrados indiscretos<br />

e frenéticos da multidão.<br />

Conservaram-se, no meio deste triunfo,<br />

sóbrios, simples, desinteressados<br />

como um Cincinato 1 . Interrogados muitas<br />

vezes em separado, com mil artifícios<br />

destinados a induzi-los ao exagero,<br />

ou à diminuição da verdade,<br />

sempre souberam conservá-la íntegra.<br />

Dois deles morreram ainda na<br />

infância, Jacinta e rancisco. Jacinta<br />

profetizou sua morte, quando<br />

nada faria suspeitar um fim<br />

tão prematuro. E ao morrer como<br />

dissera, fê-lo afirmando<br />

a verdade das revelações.<br />

rancisco também testemunhou<br />

a verdade do<br />

que vira, até morrer. Lúcia<br />

não morreu, mas<br />

tomou o hábito religioso.<br />

Pertence hoje<br />

à Congregação<br />

das beneméritas<br />

A Virgem de átima e seu Imaculado Coração cravado de espinhos<br />

Irmãs Dorotéias [transferiu-se depois<br />

para o Carmelo], e com sua responsabilidade<br />

de Esposa de Jesus Cristo<br />

confirma plenamente na idade adulta<br />

as afirmações que fizera em sua juventude.<br />

Ela estaria em pecado mortal,<br />

se não desmentisse as visões, no<br />

caso de as ter falseado de parceria<br />

com seus pequenos primos. Ela recebe,<br />

entretanto, continuamente o Santo<br />

Sacramento com a tranqüilidade<br />

dos justos. Essas são as testemunhas.<br />

O selo do martírio, o prestígio da inocência,<br />

a dignidade do hábito religioso,<br />

lhes asseguram a veracidade.<br />

Realmente, quando, diante de uma<br />

multidão calculada em milhares de<br />

pessoas, os pequenos pastores sustentavam<br />

que estavam vendo Nossa Senhora,<br />

não mentiam. Tudo em sua vida<br />

no-lo atesta. Até sua ignorância<br />

serve de credencial a esses pequenos<br />

arautos. Crianças que ao tempo das<br />

aparições nem sabiam quem é o Papa,<br />

não poderiam inventar o que disseram,<br />

como um analfabeto não inventa<br />

uma teoria de trigonometria, ignorando<br />

até as quatro operações da aritmética.<br />

Majestade e beleza da<br />

Senhora<br />

Examinados os mensageiros, analisemos<br />

a Senhora que lhes deu a mensagem.<br />

aça-se um teste: tomem-se<br />

29


ECO IDELÍSSIMO DA IGREJA<br />

várias crianças em separado, e mande-se-lhes<br />

que fantasiem a título de<br />

composição literária uma aparição de<br />

Nossa Senhora, descrevendo seu semblante,<br />

seu traje, suas expressões fisionômicas,<br />

seus gestos, anotando-lhe<br />

as palavras, o que sairia de tudo isto?<br />

Quanta coisa infantil, quanta concepção<br />

grotesca, quanto pormenor francamente<br />

ridículo!<br />

O nível de instrução das crianças<br />

de átima era incomparavelmente<br />

inferior ao de uma criança de cidade.<br />

Não conheciam teatros nem cinemas,<br />

não tinham visto livros com figuras<br />

representando rainhas, senhoras<br />

de corte dos tempos antigos, etc.<br />

Não tinham, pois, outra idéia de beleza,<br />

elegância e distinção, que não a<br />

que filtrava até elas — em que luscofusco!<br />

— através dos tipos femininos<br />

que viam em redor de si na aldeia.<br />

Não possuíam a menor noção da beleza<br />

própria aos vários coloridos e a<br />

suas respectivas combinações. Tudo<br />

isto não obstante, a Senhora que<br />

lhes aparece, eles a descrevem com<br />

pormenores suficientes para se ver<br />

que era uma figura de sublime beleza,<br />

trajada com uma rara majestade<br />

e simplicidade. Senhora, aliás, tão<br />

diferente de tudo quanto eles conheciam<br />

em matéria de imagens,<br />

que não suspeitariam que fosse Nossa<br />

Senhora, e nem sequer uma Santa.<br />

oi só quando a Senhora se declarou,<br />

que souberam com Quem tratavam.<br />

Lúcia, rancisco e Jacinta, pouco antes da última aparição de Nossa Senhora,<br />

em outubro de 1917<br />

Essa Senhora lhes disse coisas<br />

muito elevadas. alou-lhes da guerra,<br />

falou-lhes do Papa (que Jacinta, a<br />

menor, não sabia que existisse), faloulhes<br />

da pureza dos costumes e do respeito<br />

aos domingos, falou-lhes de<br />

política e de sociologia. E essas crianças<br />

repetem a mensagem com uma<br />

fidelidade extraordinária!<br />

Realmente, como diz a Escritura,<br />

Deus tira para si, “da boca das crianças,<br />

um louvor perfeito”.<br />

Mensagem absolutamente<br />

ortodoxa<br />

É o momento de considerarmos a<br />

mensagem. Antes de tudo, notemos<br />

que ela é absolutamente ortodoxa.<br />

Não é fácil inventar uma mensagem<br />

ortodoxa. Muito figurão “católico”<br />

que serve para discursos de inauguração,<br />

de luto, etc., etc., etc., toma um<br />

cuidado tremendo para não preparar<br />

um discurso que cheire a heresia... e<br />

solta duas ou três heresias em seu discurso.<br />

Ora, todas, absolutamente todas<br />

as palavras da Senhora aos pequenos<br />

Pastores são de uma ortodoxia<br />

absoluta. Tratando temas complexíssimos,<br />

Ela nem uma só vez erra em<br />

doutrina. Positivamente, isto não poderia<br />

ser invenção de pequenos pastores.<br />

Mas há mais. A mensagem da Senhora,<br />

que sobreveio precisamente no<br />

momento crucial em que se preparava<br />

o após-guerra, desprezando as manifestações<br />

aparatosas de falso patriotismo<br />

e de cientificismo dos “técnicos”,<br />

colocou com grande simplicidade<br />

todas as coisas em seus termos únicos<br />

e fundamentais. A guerra fora um<br />

castigo do mundo, por sua impiedade,<br />

pela impureza de seus costumes, por<br />

seu hábito de transgredir os domingos<br />

e dias santos. Isto resolvido, todos os<br />

assuntos se resolveriam por si. Isto<br />

não resolvido, todas as soluções nada<br />

resolveriam... E se o mundo não ouvisse<br />

a voz da Senhora, se ele não respeitasse<br />

esses princípios, nova conflagração<br />

viria, precedida de fenômeno<br />

celeste extraordinário. E essa confla-<br />

30


“Uma Senhora<br />

de sublime<br />

beleza, trajada<br />

com uma<br />

rara majestade e<br />

simplicidade...”<br />

gração seria muito mais terrível que a<br />

primeira.<br />

Desprezo, mais pecados e<br />

novo castigo<br />

Reuniram-se os técnicos .... et convenerunt<br />

in unum adversus Dominum<br />

[e decidiram por unanimidade contra<br />

o Senhor]. Construíram uma paz sem<br />

Cristo, uma paz contra Cristo. O<br />

mundo se afundou ainda mais no pecado,<br />

a despeito da mensagem de<br />

Nossa Senhora. Em átima, os milagres<br />

se multiplicavam, às dezenas, às<br />

centenas, aos milhares. Ali estavam<br />

eles, acessíveis a todos, podendo ser<br />

examinados por todos os médicos de<br />

qualquer raça ou religião. As conversões<br />

já não tinham número. E, tudo<br />

isto não obstante, ninguém dava ouvidos<br />

a átima. Uns duvidavam sem<br />

quererem estudar. Outros negavam<br />

sem examinar. Outros criam mas não<br />

tinham coragem de o dizer. A voz da<br />

Senhora não se ouviu. Passaram-se<br />

mais de vinte anos. Um belo dia, sinais<br />

estranhos se viram no céu... Era<br />

uma aurora boreal, noticiada por todas<br />

as agências telegráficas da terra.<br />

Do fundo de seu convento, Lúcia escreveu<br />

a seu Bispo: era o sinal, e dentro<br />

em breve a guerra viria. A guerra<br />

veio dentro em breve. Ela está aí, e<br />

hoje se cuida novamente de “reorganizar<br />

o mundo”, aos últimos clarões<br />

desta luta potencialmente já vencida.<br />

Não endureçamos nossos<br />

corações...<br />

“Si vocem ejus hodie audieritis, nolite<br />

obdurare corda vestra — se hoje<br />

ouvirdes sua voz, não endureçais vossos<br />

corações”, diz a Escritura. Inscrevendo<br />

a festa de Nossa Senhora de<br />

átima no rol das celebrações litúrgicas,<br />

a Santa Igreja proclama a perenidade<br />

da mensagem de Nossa Senhora<br />

dada ao mundo através dos pequenos<br />

pastores. No dia de sua festa,<br />

mais uma vez a voz de átima chegou<br />

a nós: não endureçamos nossos corações,<br />

porque só assim teremos achado<br />

o caminho da paz verdadeira.<br />

(Transcrito do “Legionário”, nº 614,<br />

14/5/1944. Subtítulos nossos.)<br />

1) Romano célebre pela simplicidade e<br />

austeridade de seus costumes.<br />

31


LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />

Mistérios<br />

e encantos do<br />

passado...<br />

Como é belo o passado! E como têm sua beleza própria as construções e monumentos<br />

transformados pelo volver dos séculos! De tal sorte que, se oferecessem<br />

restituir-lhes sua aparência primitiva, quando apenas saídos das<br />

mãos de seus artífices, tal proposta deveria ser tomada como insulto. Ainda que<br />

os anos e as intempéries tenham corroído as pedras, enegrecido os muros, coberto<br />

de vetusta pátina tetos e paredes, não importa: aquilo tornou-se mais bonito.<br />

Exemplo? Veneza.<br />

32


33


Atrás de majestosos portais, escadas<br />

que ao subir se perdem na penumbra,<br />

no mistério. A escadaria cambaia<br />

e meio inclinada, cujos degraus<br />

cansados e enfraquecidos certamente<br />

rangem quando neles se pisa, a escadaria<br />

que há muito não vê vassoura<br />

e não recebe o adorno de uma prestigiosa<br />

passadeira vermelha, fala<br />

entretanto de um passado longínquo,<br />

lamenta saudosas glórias.<br />

Tem-se a impressão de que, a<br />

qualquer momento, durante a noite,<br />

Igrejas-palácios, palácios-igrejas que<br />

conservam restos de dignidade e pulcritude;<br />

casas delabrées, escalavradas<br />

pelas injúrias do tempo, mas cujos antigos<br />

esplendores ainda se ufanam de<br />

se manifestar. Paredes que perderam<br />

o revestimento, velhos tijolos aparentes,<br />

emoldurados por colunas e esculturas<br />

que lhes emprestam uma nota<br />

de seriedade, de gravidade e de nobreza.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> admirando a paisagem<br />

de Veneza, em 1988<br />

34


descerão por ela num conciliábulo profundo<br />

as pessoas que aí viviam, para saírem correndo<br />

e tomarem gôndolas, depois de transmitida<br />

uma palavra de ordem e de executada uma<br />

conspiração.<br />

Nas entradas dos canais, gôndolas vazias<br />

parecem dormitar à espera de tripulação,<br />

amarradas a estacas de formas incertas, fincadas<br />

no fundo do mar raso, à maneira de<br />

uma floresta de linhas e silhuetas que querem<br />

exprimir não se sabe o quê. No topo de algumas<br />

delas vêem-se lampadários de vidros policromados,<br />

cintilantes durante a noite para<br />

sinalizar que não esbarrem, porque ali estão<br />

algumas das gôndolas de Veneza!<br />

Catedral de<br />

São Marcos<br />

Palácio dos Doges<br />

E as cúpulas da gloriosa Catedral de São Marcos,<br />

encimadas por cruzes de uma fantasia magnífica, leves<br />

e poéticas a ponto de darem a impressão de que,<br />

ao bater o vento, seus adereços de metal começarão<br />

a se agitar e a tocar música pelos ares!<br />

E o célebre Palácio dos Doges, com seu estilo ogival<br />

caracteristicamente veneziano, apoiado sobre um<br />

leve rendilhado de pedras que confere ao conjunto<br />

um efeito de agradável distensão. Ele é frágil, delicado,<br />

maravilhoso, e pode perdurar pelos séculos afora,<br />

do mesmo modo como tem se sustentado há centenas<br />

e centenas de anos, sem o menor perigo.<br />

Veneza, um extraordinário exemplo dos mistérios,<br />

atrativos e encantos do passado... v<br />

35


O poder<br />

da voz de<br />

Maria<br />

Ao som da<br />

voz de<br />

Maria<br />

Santíssima, São João<br />

Batista, ainda no<br />

seio materno, estremeceu<br />

de júbilo e,<br />

segundo os teólogos,<br />

nesse mesmo instante<br />

foi purificado da<br />

mancha original.<br />

Este fato nos revela<br />

a poderosa intercessão<br />

de Maria. O<br />

eco de sua voz transformou<br />

um homem, conferindo-lhe um eminente grau de santidade. Eis o que<br />

devemos esperar da Santíssima Virgem: que a sua voz fale no íntimo de nossas<br />

almas, e que, de um momento para outro, esse timbre imaculado nos santifique,<br />

concedendo-nos uma virtude que anos de lutas e de trabalhos não nos<br />

proporcionaram.<br />

Por isso, todo aquele que tenha algum desânimo, tristeza ou perplexidade na<br />

vida espiritual pode fazer sua a prece que a liturgia tomou das palavras do<br />

centurião a Jesus (Lc VII, 6-7) e dirigir-se a Maria Santíssima: “Senhora, eu<br />

não sou digno de ouvir a vossa voz, mas dizei uma só palavra e a minha alma<br />

será transformada, de um momento para outro, se Vós assim o quiserdes”.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!