Televisão - Entre a Metodologia Analítica e o Contexto Cultural
Este livro tem sua origem no anseio de enfrentar uma dificuldade central para os Estudos de Televisão: como associar a metodologia analítica dos produtos televisivos com o conhecimento de aspectos contextuais? Análise e síntese – a combinação desses dois procedimentos cognitivos nunca é tão fácil quanto parece. Mais difícil ainda configura-se no caso dos Estudos de Televisão.
Este livro tem sua origem no anseio de enfrentar uma dificuldade central para os Estudos de Televisão: como associar a metodologia analítica dos produtos televisivos com o conhecimento de aspectos contextuais? Análise e síntese – a combinação desses dois procedimentos cognitivos nunca é tão fácil quanto parece. Mais difícil ainda configura-se no caso dos Estudos de Televisão.
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Essas escolhas por personagens estranhas não foi realizada de forma<br />
aleatória. Gomes admitiu que essa novela “tinha o duplo propósito de<br />
driblar a censura e experimentar uma linguagem nova na TV – o realismo<br />
absurdo” (GOMES apud SALIBA, 2013: 40). Essas personagens com<br />
características insólitas, aliadas à declaração de Gomes, permitem-nos<br />
vincular suas escolhas aos princípios do realismo maravilhoso nos quais<br />
os objetos, seres ou eventos gozam de uma probabilidade e de uma<br />
causalidade internas à diegese do texto. 9 Todas elas são de tal maneira<br />
estranhas aos padrões vigentes que, para compreendê-las, consideramos<br />
pertinente associá-las a esse realismo predicado de maravilhoso e como<br />
ele opera no espaço-tempo das narrativas.<br />
Tomemos como exemplo a personagem João Gibão. Por possuir<br />
um par de asas e o poder de prever acontecimentos futuros, ele se viu<br />
obrigado a esconder sua natureza, por medo de enfrentar a não aceitação<br />
dos outros. Autor do projeto de mudança do nome da cidade, João<br />
liderou o movimento dos “mudancistas” que, na verdade, aspirava por<br />
transformações políticas mais amplas. Durante toda a telenovela ele se<br />
preocupou em aparar suas asas e ocultá-las sob um colete de gibão –<br />
acessório que dá origem a seu apelido. Ao final da trama ele revelou do<br />
que era feita sua corcunda e realizou um voo sobre a cidade.<br />
O voo foi a última cena da novela. 10 Após descobrirem suas asas, João<br />
foi perseguido e encurralado pelo coronel Zico Rosado e seus capangas.<br />
Com medo de morrer, a personagem não hesitou, abriu suas asas e voou.<br />
A cena começou com um close do rosto amedrontado de Gibão que olhou<br />
em volta, soltou a arma da mão e, no momento em que a câmera fez um<br />
movimento de zoom out, preparou-se para voar. Sob olhares espantados<br />
dos seus perseguidores, João iniciou sua aventura. O que se seguiu<br />
foram planos mais fechados de Gibão, realizando seu voo, alternados<br />
com planos mais abertos dos capangas de Zico Rosado, atirando em<br />
sua direção, e com tomadas subjetivas expressando o ponto de vista de<br />
João sobre os moradores a admirar o seu feito. Essa alternância restrita<br />
9<br />
“Diegese” é uma palavra de origem grega que significa “narração”. É utilizada para indicar a instância representada<br />
no filme e na ficção televisiva (além de outros campos da ficção). Assim, por exemplo, tempo diegético é o tempo<br />
representado, ou seja, o tempo vivido pelos personagens (e não o tempo de exibição do produto audiovisual).<br />
10<br />
Cena disponível em: http://globotv.globo.com/rede-globo/memoria-globo/v/saramandaia-1a-versao-voo-de-joaogibao/2472998/<br />
Acesso em 25 jul. 2016.<br />
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