Crônicas. 46 | crônicas Coletiva | novembro • dezembro/<strong>2016</strong>
crônicas | 47 Velho com felicidade Dr. Celso Costa Ferreira, psiquiatra Quando perguntaram ao Nelson Rodrigues que conselho daria aos jovens, ele disse: “envelheçam”. Eu, que já cumpri com sobras este conselho, tenho, por direito adquirido, minha opinião sobre esta fase da vida, a única que não passa, como passam a infância, a juventude e a idade adulta. Só a velhice é definitiva. Não cede o lugar, acaba e pronto. De quebra, acaba também com a gente. Mas o que quero falar é de como geralmente se envelhece, os dois modos mais evidentes em minha encarquilhada visão. Primeiro, um cara legal transforma-se em um chato. Parece que é o que mais acontece. O sujeito fica cheio de razão, crítico de tudo, pleno de exemplos edificantes de como viveu, cricri, reclamante, moralista, irritado, ranzinza, desprazeroso e desprazerante. E sozinho. Atenção, cuidado com a conversa que se inicia assim: “no meu tempo ...”. Saia de fininho, se ouvir esta frase, porque lá vem comparação entre épocas e costumes incomparáveis. E, lógico, no tempo dele, tudo era melhor. E não é bem assim, alguns viveram antes de Alexander Fleming anunciar a descoberta da penicilina. E esse tipo de idoso diz que só fica em casa pois dói tudo. O que é verdade, dói tudo mesmo, mas saindo ou não de casa. E aproveitando a deixa, vem agora o outro tipo de velhice, que é a que recomendo. Neste caso, também tudo dói, mas o sujeito sai de casa com dor, pois sabe que a alegria do encontro é terapêutica. Ou como dizia minha tia Placidina, velhota que bebia e comia de tudo, quando lhe perguntavam se não passava mal com aqueles excessos: “Passo, meu filho, mas para isso é que existem remédios”. Esta espécie não tem tempo para “mimimi”, para ficar remoendo antigos preconceitos, abandonados ao perceber que só serviam para lhe causar aborrecimentos ou para discussões tolas que afastavam amigos. O tempo é hoje. Falando em amigos, chego ao ponto principal de como ser velho, mas não bitolado ou mumificado. Ter amigos é o fundamental. Velhos e grandes amigos e novas amizades jovens, de modo que a média aritmética da idade da turma não ultrapasse os quarenta anos, no máximo. Não se trata de querer ser jovem de novo, nada disso. Não queremos ser ridículos. Isso é o que recomendo, e o que procuro fazer. Não é difícil, tente. Tenha amigos de rir e de chorar, muitas vezes pelas mesmas razões. É isso, cultive a amizade, também conhecida como felicidade. Coletiva | novembro • dezembro/<strong>2016</strong>