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Osório de Almeida, argumentava: “Se toda poluição gerada pelos países desenvolvidos pudesse ser<br />

banida do mundo, não se verificaria poluição de importância significativa no globo; vice-versa, se toda<br />

poluição atribuível à atividade de países subdesenvolvidos desaparecesse, manter-se-iam praticamente<br />

todos os atuais perigos e riscos de poluição” . 5<br />

Dispostos a “fazer a cabeça” de pessoas-chave nas discussões que iriam ocorrer em Estocolmo,<br />

entre 04 e 16 de junho de 1972, trouxeram ao Brasil o próprio secretário-geral da Conferência indicado<br />

pela ONU, Maurice Strong. Acompanhado pelo embaixador Amoroso Castro, então representante do<br />

Brasil na Inglaterra, Strong percorreu o país, ouvindo de seus anfitriões veementes discursos sobre a<br />

impropriedade de se aplicar ao Hemisfério Sul, com suas peculiaridades geográficas e climáticas, os<br />

mesmos critérios antipoluição do Hemisfério Norte.<br />

Quando os 1.200 delegados de 112 nações finalmente se encontraram em Estocolmo, já tinha<br />

havido, “graças à conduta firme do Brasil, uma evidente mudança da concepção geral sobre a questão”,<br />

nas palavras de Strong ao enviado especial do jornal O Globo, Jànos Lengyel. 6 O chefe da delegação<br />

brasileira, o ministro do Interior, general José Costa Cavalcanti, resumia: “A pior poluição é a da<br />

pobreza”. Esta espécie de poluição, dizia ele, “abrange, nas zonas rurais, a erosão do solo e a deterioração<br />

causada por práticas incorretas na agricultura e na exploração florestal. Abrange também condições<br />

sanitárias inadequadas e contaminação da água e dos alimentos. Nas zonas urbanas, os problemas são<br />

ainda mais complexos, como conseqüência de densidades urbanas excessivas, com baixos níveis de<br />

renda”.<br />

Em resumo, os brasileiros defenderam os seguintes princípios:<br />

1) Para os países em desenvolvimento, o melhor instrumento para melhorar o ambiente e<br />

combater a poluição é o desenvolvimento econômico e social;<br />

2) O desenvolvimento e o meio ambiente, longe de serem conceitos antagônicos, se<br />

completam;<br />

3) O Brasil defende intransigentemente a política da soberania nacional, no que se relaciona<br />

com o aproveitamento dos recursos naturais e acha que os problemas de meio ambiente são,<br />

na maioria, de âmbito nacional;<br />

4) Como a poluição industrial é provocada principalmente pelos países desenvolvidos, compete<br />

a esses países o maior ônus na luta contra ela.<br />

O governo brasileiro saiu vitorioso da Conferência de Estocolmo. A Declaração de Princípios<br />

finalmente assinada incorporava as posições do Brasil. Mas foi uma vitória com sabor amargo. Logo a<br />

opinião pública nacional e internacional interpretaria a posição brasileira como um elogio da poluição.<br />

“Brasil prega o desenvolvimento econômico a qualquer custo”, “Brasileiros querem poluição” – berravam<br />

manchetes de jornais na Europa e nos Estados Unidos. A distorção do que se defendera em Estocolmo<br />

não era de todo injusta. Mais de um ministro da área econômica deu entrevistas sugerindo que “se os<br />

países ricos não queriam poluição, suas indústrias seriam bem-vindas no Brasil”.<br />

A imagem do governo brasileiro no exterior já era péssima. Órgãos internacionais de defesa dos<br />

direitos humanos denunciavam as torturas e assassinatos de presos políticos, o amordaçamento da<br />

imprensa e a submissão do Congresso aos militares. Agora, além de torturadores, poluidores. Melhor não<br />

acrescentar mais essa conta a tal passivo, pensaram os generais. E decidiram dar uma satisfação à opinião<br />

pública: criar uma autarquia, subordinada ao Ministério do Interior, para cuidar da “conservação do meio<br />

ambiente e do uso racional dos recursos naturais”.<br />

Em 30 de outubro de 1973, o presidente da República, general Emílio Garrastazu Médici,<br />

assinava o decreto 73.030/73 que criava a Sema - Secretaria Especial do Meio Ambiente. Para chefiá-la,<br />

mandou buscar em São Paulo o biólogo Paulo Nogueira Neto.<br />

Nascido numa família de ricos usineiros paulistas, era irmão de José Bonifácio Coutinho<br />

Nogueira, um político ligado ao regime. Se essas ligações familiares o tornavam palatável para os<br />

militares, apresentava outros atributos que – como o tempo se encarregaria de mostrar – lhe confeririam<br />

legitimidade para permanecer nada menos que 12 anos no posto e entrar no panteão do ambientalismo<br />

nacional e internacional. Nesse período, ajudou a ampliar a noção de meio ambiente no Brasil, até então<br />

restrita aos conceitos de fauna e flora. Levou para a esfera governamental a discussão sobre poluição e<br />

desmatamento, num período em que programas de governo estimulavam a colonização da Amazônia à<br />

custa da derrubada de vastas extensões de matas e em que, nas principais cidades do país, a especulação<br />

imobiliária corria solta, também financiada por programas oficiais de incentivo à construção civil.<br />

Liderou a formulação da política nacional de meio ambiente, ainda hoje uma das mais avançadas do<br />

mundo; introduziu as Áreas de Proteção Ambiental e as estações ecológicas; e participou da formulação<br />

5 Citado no artigo Preservação do ambiente e aceleração do desenvolvimento, de Cândido Mendes,<br />

publicado no Jornal do Brasil de 11/06/1972.<br />

6 Brasil, país que mais contribuiu para reunião sobre meio ambiente. O Globo, 06/06/1972.

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