29.01.2018 Views

Revista Curinga Edição 16

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

estimação”, lamenta. Amante de sertanejo raiz, sempre no fim<br />

de semana ele e sua mulher levavam o violão e uma caixa de<br />

som na praça. Ele tocava e Irene cantava para espantar os males<br />

e trazer a alegria para perto. No final da conversa, Zezinho até<br />

deu uma palinha e fez questão de compartilhar com a gente<br />

uma de suas composições. A letra gritava para salvar a natureza.<br />

Ironia ou não, ela dizia: “e o que vai ser da gente?”<br />

Zezinho de Paracatu tem a música como algo que faz parte<br />

da sua identidade. Responsável pela Folia de Reis, tudo o que<br />

tinha foi embora. Pandeiros, xique-xique, reco-reco, bandeira.<br />

“Tô conseguindo arrumar alguns instrumentos, já ganhei<br />

bumbo, pandeiro. Porque eu não fico sem a folia não!”, avisa.<br />

Para ele, a festa era a coisa que mais gostava nesse mundo. Começou<br />

a acompanhar a Folia com nove anos, com seus pais e<br />

avôs. Quando cresceu, levou seus filhos. Com o passar do tempo,<br />

sua hora de comandar a Folia chegou e há 46 anos Zezinho<br />

está à frente do evento. “A festa que a gente homenageia o menino<br />

Jesus acontece todo mês de setembro. Eu dou de comer e<br />

beber no sábado e domingo para todo mundo sem cobrar. Tem<br />

barraquinhas, cozinheira, levantamento de mastro, celebrações.<br />

A gente toca. Uma alegria só!”, relembra sem saber da continuidade<br />

e do futuro que sua festa terá.<br />

No terceiro encontro, Zezinho de Bento revela que também<br />

já comandou uma Folia de Reis. O curioso é que os dois se conheceram<br />

num desses eventos de Folias. Contam que não conversaram,<br />

apenas se viram e sabiam da existência um do outro.<br />

A vida dos dois se cruza em várias estradas. Zezinho relata que,<br />

quando chegou em Bento, o pessoal o incentivava muito, pois<br />

sempre foi criativo. A todo momento estava tocando, cantando.<br />

Então, em 1986, pensou em formar uma Folia. Criou-se um<br />

grupo de 14 pessoas e sua esposa Irene também participava.<br />

Para sua tristeza, em 1995, a Folia começou a se separar. “Me<br />

deu muita satisfação e agora só resta saudade. Hoje em dia não<br />

existe mais isso, a criação mudou muito”.<br />

Liderar grupos é algo que os dois sabem bem. Zezinho de<br />

Paracatu faz isso com amor na Folia de Reis. Zezinho de Bento<br />

faz com dedicação sendo Presidente da Associação de Moradores<br />

e Líder Comunitário do subdistrito. Até dia 31 de dezembro<br />

de 2015 era o prazo para Zezinho continuar no seu cargo. Sua<br />

função desde 2012 tem sido de pedir, construir e correr atrás do<br />

crescimento do subdistrito. “Meu papel lá era esse, ver o que<br />

era melhor para Bento pra gente discutir a execução de obras”,<br />

declara humildemente.<br />

Ele sabe que muita gente deseja sua reeleição, pois o povo<br />

conhece sua maneira de trabalhar e sabe que se Zezinho sair,<br />

irá fazer falta para a comunidade. Admite que é uma responsabilidade<br />

muito grande e que para assumir o cargo tem que<br />

ter tempo disponível e principalmente pessoas para ajudar. “Sozinho<br />

é difícil! Antes de eu pegar, ninguém acreditava na Associação<br />

Comunitária. Depois que eu peguei, o relacionamento<br />

com a Prefeitura é muito melhor, com a Vale do Rio Doce, com a<br />

Samarco. É um porta-voz: você leva o que é ruim para eles e traz<br />

o que é bom, a solução”, discursa.<br />

Presente<br />

Ambos têm passado seus dias esperando as coisas se ajeitarem.<br />

No começo da conversa, em novembro de 2015, Zezinho<br />

de Paracatu estava no hotel sem previsão de uma mudança para<br />

casa. Frustado por ter apenas quatro paredes para nada se aventurar,<br />

desabafa que ali não era seu lugar. “Não nasci pra ficar à<br />

toa! Eu sou de idade, mas não paro não. Eu saio por aí andando<br />

para acalmar, passar o tempo. Não nasci para ficar quieto, tá<br />

ruim demais!”. No final de nossa conversa, uma parte de sua<br />

frustração pôde dizer adeus. Recebeu a notícia da mineradora<br />

que iria se mudar ainda naquele dia para um domicílio. De sua<br />

expressão sempre séria lhe fugiu um sorrisinho tímido, um pouco<br />

de felicidade em meio à tristeza.<br />

Já Zezinho de Bento conta que seus dias têm sido assim: batendo<br />

um papinho até ver se as coisas melhoram. Segundo ele,<br />

possuem tudo no hotel, desde refeição à roupa lavada. Não tão<br />

sufocado com a inércia quanto seu xará, espera o tempo passar.<br />

Apesar de tudo, os dois mantém a esperança dentro de si.<br />

Para Zezinho de Bento a expectativa daqui para frente é de tentar<br />

esquecer o passado e esperar o que isso traz de bom. Para<br />

Zezinho de Paracatu a ideia é voltar para o subdistrito e refazer<br />

as casas, tudo.<br />

Futuro do presente<br />

Em uma tarde abafada de dezembro, o reencontro dos dois<br />

aconteceu. Compartilhavam do mesmo olhar. Lembram do passado,<br />

de como viveram uma época diferente. Zezinho de Bento<br />

tinha compromisso. O encontro foi rápido, mas trouxe um<br />

significado importante. De frente um para o outro, a troca de<br />

olhares disse mais do que qualquer palavra falaria. A dor.<br />

E agora, José? “o que a gente tinha, jamais teremos de<br />

novo”. E agora, José? “tudo o que eu tinha foi-se embora”. No<br />

dia cinco de novembro suas vidas se entrelaçaram de lama e<br />

uma avalanche de perdas. Partilharam mais do que o nome e<br />

um apelido carinhoso: dividiram emoções e tristezas que não<br />

irão se apagar nunca. A cor marrom é a cor mais trágica. Ela<br />

suja, bagunça e destrói. Tudo o que eles querem são suas cores<br />

de volta.<br />

É, Josés, e agora?

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!