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Revista Curinga Edição 16

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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Entes queridos<br />

Família. Esta é a palavra que melhor traduz os sentimentos<br />

construídos entre os moradores de Bento Rodrigues. As cervejinhas<br />

no fim da tarde. Conversas na porta de casa. Festas de finais<br />

de ano. Encontros dominicais na Igreja. Esses eram alguns<br />

dos acontecimentos que contribuíam para fortalecer a amizade<br />

conquistada entre os moradores que estavam distribuídos nas<br />

onze ruas do local. Sair de Bento em novembro de 2015 não<br />

estava nos planos de nenhuma das famílias que nos contou suas<br />

histórias. Pelo contrário. O desejo de estar sempre juntos fazia<br />

com que alguns deles ainda estivessem realizando reformas em<br />

seus terrenos, para estreitar ainda mais os laços e a vizindade<br />

entre os parentes. Judith de Souza, Rosa Maurília Gomes, Maria<br />

de Lourdes Carmo de Souza e Eurides da Paixão Souza, são<br />

exemplos de mães, de lares distintos, que juntas representam<br />

o que havia de mais comum em Bento Rodrigues: o desejo de<br />

criar e manter, por gerações, a proximidade entres seus entes<br />

muito queridos.<br />

Existir em conjunto<br />

Dona Rosa Maurília Gomes e dona Judith de Souza, apesar<br />

de não terem nenhum parentesco, consideram-se irmãs. Fazem<br />

parte, desde os anos 1970, da história de Bento Rodrigues.<br />

Dona Rosa foi transferida a trabalho para o subdistrito no ano<br />

de 1965, com seus três filhos ainda crianças. Continuou na região<br />

e casou os filhos lá também, que lhes deram cinco netos e<br />

um bisneto; com quem, mesmo em casas separadas por alguns<br />

muros, convivia todos os dias.<br />

Já dona Judith saiu da cidade de Cláudio Manoel para Bento<br />

em 1968, após casar-se com José Caetano. O que motivou sua<br />

mudaça para o subdistrito foi a oportunidade de continuar próxima<br />

de seus pais, que tinham acabado de adquirir um imóvel<br />

na região. Iniciou a vida de casada, convivendo próxima a seus<br />

pais, em uma casa simples e pequena. O terreno que era pequeno<br />

foi expandindo juntamente com o chegada de seus nove<br />

filhos. Em 2015, o lote de dona Judith e José Caetano comportava<br />

cinco dos filhos que casaram e ganharam um espaço para<br />

seguirem a vida ao seu lado. Dona Rosa e Judith intensificavam<br />

ainda mais o laço de irmandade quando compartilhavam o<br />

mesmo banco da igreja que frequentavam semanalmente.<br />

Sonhos construídos juntos<br />

Na década de 1980, Eurides Paixão de Souza deixou a cidade<br />

de Bicas, onde viveu grande parte de sua vida, para se mudar<br />

para Bento Rodrigues, local que ofereceu emprego para 8 de<br />

seus 12 filhos. A empresa de carvoaria, que mais tarde deu lugar<br />

à Samarco, contribuiu para que a família de Eurides se consolidasse<br />

ali. Sempre comunicativa e alegre, Eurides passou a ser<br />

reconhecida na região como dona Dirce, uma senhora que lutou<br />

para manter unida toda sua descendência. O que lhe rendeu em<br />

2015 o prêmio de Avó do Ano, concedido pela Escola Municipal<br />

de Bento Rodrigues (vó Dirce tem 50 netos, 20 bisnetos e 5<br />

tataranetos). Nesta mesma época, aos 83 anos, três filhos e 11<br />

netos dividiam com ela o mesmo teto. A casa de dona Dirce não<br />

lhe possibilitava mais abrigar toda sua geração, mas em algum<br />

lugar de Bento cabiam todos. O local escolhido era a Rua Das<br />

Mercês, que além de dona Dirce, abrigava praticamente toda<br />

sua família.<br />

Vidas que se entrelaçam<br />

O destino de Maria de Lourdes do Carmo de Souza, ao se<br />

mudar com sua mãe para Bento, ainda muito jovem, faz sua<br />

vida entrelaçar-se com a de dona Dirce, citada acima. Em sua<br />

adolescência, Maria de Lourdes, conheceu Onésio Isabel de<br />

Souza, um dos filhos de dona Dirce, com quem se casou. Compartilhando<br />

a vida há mais de 20 anos, o casal constituiu uma<br />

família de quatro filhos e dois netos, dos quais quase todos conviviam<br />

no mesmo lar, exceto uma filha e um neto que viviam a<br />

menos de um quarteirão de distância da casa de seus pais. A família<br />

de dona Dirce e Maria de Lourdes, já unidas por um casamento,<br />

se entrelaçaram novamente em 2015 com o nascimento<br />

de Stephany Sofia, fruto do relacionamento de Josemara Souza<br />

com Maurício Souza, respectivamente filha de Dona Maria de<br />

Lourdes e neto de Dona Dirce. Porém, a família de Josemara e<br />

suas próximas gerações não vão crescer em Bento Rodrigues. Na<br />

ocasião da tragédia, a segunda neta de Maria de Lourdes ainda<br />

se encontrava na barriga da mãe, que na data de seu nascimento<br />

estava alojada em um quarto de hotel.<br />

Incerteza<br />

A lama que saiu das barragens arrastou com ela não só as<br />

casas dessas famílias, como todos os sonhos construídos e compartilhados.<br />

É o caso de Conceição Caetano, uma das filhas de<br />

Dona Judith, que mesmo sem ter uma data marcada, tinha o<br />

sonho de se casar na Igreja Nossa Senhora das Mercês, a única<br />

Igreja Católica do subdistrito. Mas, quantos Silva, Almeida,<br />

Quintão, Pereira... não tiveram algum plano interrompido? A<br />

esperança de todos os nomes que fizeram parte da história de<br />

Bento Rodrigues é de que um dia eles possam ter um novo espaço<br />

que permitirá restabelecer a vida daquela comunidade, que<br />

interligou histórias de gerações inteiras. Um subdistrito que,<br />

apesar de pequeno em questão territorial, era de tamanho incalculável<br />

no amor e companheirismo cultivado por todas as<br />

famílias que juntas, ali, uniam-se em uma só.

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