29.01.2018 Views

Revista Curinga Edição 16

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

governo federal, que têm que cobrar. Eu acho que isso<br />

aí tem que ser feito mesmo. A empresa é responsável<br />

pela atividade que desenvolve, e se houve essa catástrofe<br />

na atividade, ela tem que ser responsabilizada, não<br />

tenho a menor dúvida. Agora, isso não tem nada a ver<br />

com continuar ou não continuar. Não se pode misturar<br />

a permanência dela aqui com a punição que ela merece<br />

e que está sendo imposta pelo Ministério Público, pela<br />

Justiça. Mariana depende da Samarco, precisa ter uma<br />

boa relação com ela. A Samarco depende de Mariana.<br />

C: É uma relação mútua.<br />

É, é uma relação adulta, sadia, simétrica, equivalente.<br />

Isso aí não tenho dúvida, temos que ter um bom<br />

relacionamento com ela. Agora, quanto às punições que<br />

ela tem que receber, um assunto não tem nada a ver<br />

com o outro. Ela tem que receber as punições, tem que<br />

construir, indenizar e isso não se discute. Agora, não é a<br />

cidade que vai por a faca no pescoço dela, é a Justiça. Para<br />

isso tem a Justiça.<br />

C: Você acha que a cidade também tem que<br />

pressionar para que tenha essa punição?<br />

Acho que não precisa nem pressionar, basta olhar. É<br />

lógico que a pressão popular, a pressão do administrador…<br />

C: As pessoas têm medo que a Samarco vá<br />

embora, no caso.<br />

Pois é, eu acho que é um medo um pouco<br />

improcedente. Porque de repente o jogo vira e a cidade<br />

fica de joelhos, fica de quatro diante da Samarco, como<br />

se ela estivesse dando uma esmola para Mariana, e não é<br />

isso. Ela tem uma atividade econômica. Se essa atividade<br />

deixar de ser lucrativa pra ela por alguma razão, cai-se<br />

naquele raciocínio anterior, ou seja, esse negócio um dia<br />

pode acabar, por força da exaustão ou por força de um<br />

incidente, ou acidente. Mas, por outro lado, ela não pode<br />

se omitir. É claro que tem que ter a preocupação com o<br />

emprego. Tem que ter a preocupação fundamental na<br />

questão da recomposição não só física de quem perdeu<br />

as coisas, as casas, mas uma recomposição sociopolítica,<br />

ambiental e geopolítica importantes. Porque não adianta<br />

você pegar essas pessoas e colocar numa vila de casinhas.<br />

C: Como fazer?<br />

Esse negócio tem que ser refeito mais ou menos<br />

repetindo a mesma lógica de relações que essa população<br />

tinha. Você vê: a igreja que desapareceu em Bento<br />

Rodrigues era do século XVIII. Havia um vínculo quase<br />

imaginário com a vida ali. O sujeito tinha os parentes,<br />

uma galinha, um cachorro, uma horta. Ele acordava de<br />

manhã e ia no bar comprar um pão, e você não pode<br />

ceifar, não pode arrancar da interioridade das pessoas.<br />

Isso porque elas cresceram assim. Esse contexto externo<br />

é constituinte do contexto interno, então você não pode<br />

simplesmente pegar essas pessoas e depositá-las num<br />

lugar por melhor que seja. Não pode tirar as pessoas<br />

daqui “vou dar para vocês uma casa nova no Alphaville”,<br />

não se trata disso, ninguém quer isso, ninguém quer se<br />

ascender socialmente.<br />

C: Eles querem viver em comunidade.<br />

Claro. Você pega o caso do Paracatu, um senhor que é<br />

muito amigo nosso, que faz 20 anos que produz uma horta<br />

orgânica. Todo o contexto ambiental em volta, ele levou<br />

vinte anos pra constituir, os rios, a mata, os peixes. Tudo<br />

isso fazia parte da lógica dele de se ter uma agricultura<br />

orgânica. E acabou tudo. Só não acabou a horta porque<br />

estava num lugar mais elevado, mas a horta era uma<br />

parte pequena dessa lógica de agricultura orgânica dele. O<br />

entorno, ele levou 20 anos plantando árvores, semeando,<br />

limpando o rio, etc. E agora? Não tem mais como fazer<br />

isso. Tem uma expressão que em português se traduz como<br />

emaranhado. Esse emaranhamento é essa inter-relação que<br />

existe entre homem e o meio, e você não pode separar isso.<br />

São coisas inseparáveis e você não pode romper. Há de se ter<br />

essa preocupação para que você não só reconstrua a parte<br />

física, mas que você pense também nessa inter relação com o<br />

que a pessoa construiu. Esse respeito é fundamental.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>16</strong> 81

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!