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Se considerarmos Nosso Senhor<br />
ao longo da sua peregrinação<br />
durante os três anos<br />
da sua vida pública, de um lado para<br />
outro pregando às multidões,<br />
quer no primeiro ano que foi gaudioso,<br />
em que a obra d’Ele iniciou-<br />
-se e mais ou menos encantou todo<br />
o povo de Israel; quer no segundo,<br />
quando as dificuldades começaram<br />
a aparecer; quer no terceiro, o qual<br />
foi dramático, chegando até o Gólgota<br />
e o Eli, Eli lammá sabactâni (Mt<br />
27, 46) – Meu Deus, Meu Deus, por<br />
que Me abandonaste? –; em quaisquer<br />
desses anos, como imaginaríamos<br />
Nosso Senhor?<br />
Majestosa e serena tristeza<br />
de Nosso Senhor<br />
Andando alegre de um<br />
lado para o outro, satisfeito,<br />
com a fisionomia contente,<br />
comentando despreocupadamente<br />
e de modo<br />
agitado os aspectos engraçados<br />
das coisas? Ou com<br />
um fundo de tristeza amenamente<br />
presente na sua<br />
personalidade, marcando<br />
seus divinos olhares e tudo<br />
quanto Ele dizia e fazia,<br />
exprimindo-Se aos homens<br />
em termos de um tratamento<br />
afável, doce, bondoso,<br />
mas também com um<br />
fundo de tristeza não dramática,<br />
nem lancinante,<br />
mas habitual, estável – para<br />
empregar uma comparação<br />
que não me satisfaz<br />
inteiramente, mas que diz<br />
algo –, um olhar que tivesse<br />
algo de luminoso, resplandecente,<br />
de tristonho<br />
como o luar?<br />
Sem dúvida, esse olhar<br />
assim tristonho, mas resignado,<br />
atento, afável, bondoso,<br />
exprimiria o fundo<br />
da alma d’Ele.<br />
Trata-se de saber por que essa majestosa,<br />
serena, imensa, afável tristeza<br />
de Nosso Senhor enchia de tal maneira<br />
a alma d’Ele. Começo por me perguntar<br />
que relação há entre esse olhar<br />
e a seriedade, e concluo ser esta a própria<br />
seriedade do Redentor. Não havia<br />
outro modo de ser sério. Ora, se<br />
era essa a seriedade d’Ele, não deve<br />
ser também essa a nossa seriedade?<br />
Se isso é assim, devemos nos indagar<br />
qual a razão pela qual sua tristeza<br />
era tão grande quanto a amplidão<br />
de suas vistas.<br />
Na divindade d’Ele não podia haver<br />
tristeza. Deus é de tal maneira<br />
perfeito, excelso, admirável, que<br />
n’Ele não cabe consternação. Havia<br />
tristeza na humanidade santíssima<br />
Nosso Senhor curando os enfermos<br />
Mosteiro de Nossa Senhora do Monte<br />
Carmelo e São José, Nova Iorque, EUA<br />
de Nosso Senhor. Mas essa natureza<br />
humana estava ligada hipostaticamente<br />
à Segunda Pessoa da Santíssima<br />
Trindade, constituindo uma só<br />
Pessoa continuamente na visão direta<br />
de Deus, no oceano de suas perfeições<br />
e de sua felicidade infinita e<br />
imperturbável por todos os séculos<br />
dos séculos sem fim.<br />
Logo, essa tristeza não poderia vir<br />
de Deus, mas só do Homem. Porque<br />
Nosso Senhor veio à Terra como Redentor<br />
e se encarnou para nos resgatar,<br />
morrendo na Cruz como Homem-<br />
-Deus e fazendo, portanto, que um<br />
Homem oferecesse um sacrifício infinitamente<br />
precioso que perdoasse o<br />
pecado original e os pecados posteriores,<br />
e abrisse o Céu. Então, torna-se<br />
claro que esse sofrimento só<br />
poderia vir do Homem.<br />
Como um Ser que era<br />
A. D. Ferreira<br />
Deus, e de tal maneira participava<br />
dessa felicidade<br />
infinita do Onipotente, podia<br />
ter tanta infelicidade,<br />
tanta tristeza a propósito<br />
dos homens que são tão<br />
menos do que Deus?<br />
Dir-se-ia que seria mais<br />
ou menos como se eu – vou<br />
falar em termos mundanos<br />
– recebesse de repente de<br />
herança uma fortuna inestimável,<br />
imensa, e no mesmo<br />
dia, ao partir uma fruta,<br />
corto um pouquinho o<br />
dedo. Aqui está um pequeno<br />
incômodo que coincide<br />
com uma causa de felicidade<br />
extraordinária, mas<br />
nem se pensa nele. Se à<br />
noite o dedo estiver molestando,<br />
começa-se a dar<br />
conta de que nele houve<br />
um corte de manhã, porque<br />
se pensou o dia inteiro<br />
na felicidade e na alegria<br />
em ter ganho uma fortuna.<br />
Com a devida reverência<br />
aplicada à comparação,<br />
poder-se-ia dizer que<br />
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