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Revista Curinga Edição 23

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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Resistência pela fé<br />

Erisvaldo Pereira dos Santos, professor do<br />

Departamento de Educação da Universidade<br />

Federal de Ouro Preto (UFOP), acredita que<br />

há uma semelhança entre as performances das<br />

celebrações do pentecostalismo e das religiões<br />

de matrizes africanas. “Esse foi o processo pelo<br />

qual se deu a aproximação das classes populares<br />

nessas igrejas, o fato de terem um tipo de<br />

culto e uma liturgia que mais afeta a relação<br />

com a corporeidade das pessoas”, afirma o<br />

professor e também Babalorixá no Terreiro de<br />

Candomblé em Contagem.<br />

A historiadora Débora Armelin<br />

Ferreira defende que os negros usaram<br />

suas próprias peles para manterem<br />

vivas suas culturas, apesar da tentativa<br />

do dominador europeu de apagar a<br />

tradição africana. Para ela, no período da<br />

escravidão, “o corpo torna-se possuidor<br />

de valores financeiros, e foi através da<br />

expressão de suas tradições culturais que<br />

eles ‘resistiram’ à escravidão capitalista,<br />

tentando romper este conceito de serem<br />

apenas bens móveis”, escreve em O<br />

Corpo Como Local De Discurso: artistas<br />

mulheres em África, texto de 2012.<br />

A religião e o sincretismo religioso<br />

foram uma forma de se ligarem com<br />

suas origens. O que faz acender hoje o<br />

debate sobre o que seria uma religião<br />

tradicionalmente negra. Para o professor<br />

Erisvaldo, a pessoa negra deve possuir<br />

autonomia para decidir o local em<br />

que se sente mais confortável. “O<br />

sujeito tem que avaliar não em cima de<br />

uma pressão política ou religiosa, mas<br />

tem que perceber o que há de força capaz<br />

de potencializar sua vitalidade”, afirma.<br />

Agdo Mariano é médium da Casa<br />

de Umbanda Mãe Maria e foi nessa<br />

religião que se sentiu preenchido. “A<br />

partir do momento que coloco minha<br />

roupa e a minha guia, penso que<br />

os meus problemas da porta pra dentro<br />

sumiram. Eu me sinto realizado, foi onde<br />

eu me encontrei”, afirma.<br />

No entanto, ao contrário dos casarões<br />

históricos que são protegidos por leis que,<br />

geralmente, são obedecidas, o corpo negro<br />

é visto como lugar abandonado, passível<br />

de violação. Wall Moraes, militante<br />

negra feminista, professora e pastora<br />

da Igreja Assembleia de Deus Liberdade<br />

e Vida do Distrito Federal, defende que<br />

“o cristianismo nasceu negro. O que<br />

aconteceu foi que as brancas europeias e<br />

os brancos europeus ocuparam os espaços<br />

de poder, detinham o capital às custas da<br />

escravização das africanas e dos africanos e<br />

impuseram uma história e cultura branca em<br />

todos os setores de atividades da sociedade<br />

civil”. Até mesmo na religião, ela conta que<br />

seus avós eram obrigados a se sentarem nos<br />

últimos bancos da igreja que iam por causa<br />

de suas etnias, “tudo relacionado a Deus é<br />

branco e relacionado ao Diabo é negro”, diz.<br />

Intolerância<br />

O médium Marcelo Ramos hoje<br />

comanda o terreiro de umbanda de<br />

Mariana junto com a mãe Maria Marta,<br />

mas carrega com ele uma lembrança<br />

negativa da escola. Ele estava em<br />

aula quando a professora perguntou<br />

sua religião. Ao responder que era<br />

católico e espírita, ele diz ter ouvido<br />

de um colega de classe: “Já que você é<br />

macumbeiro eu nunca irei na sua casa e<br />

nem irei comer nada na sua casa”. Tal<br />

desfeita foi seguida por uma cusparada.<br />

Racismo e intolerância religiosa estão<br />

intimamente ligados e, para combater esse<br />

problema, o professor Erisvaldo entende<br />

que a educação é uma saída. “Setores<br />

da educação se recusaram a entender<br />

a religião como fenômeno da nossa<br />

sociabilidade a escola precisa conversar<br />

com esse segmento e formar sujeitos<br />

para uma convivência mais amistosa,<br />

verdadeiramente solidária nas relações”.<br />

É entre essas questões que o<br />

corpo negro ressignifica o seu espaço,<br />

abandonando o lugar de marginalizado<br />

para se transformar em lares de<br />

divindades. No pentecostalismo e<br />

nas religiões de matrizes africanas,<br />

esses corpos são livres, pelo menos<br />

no momento em que o espiritual se<br />

manifesta em suas vidas.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>23</strong> 11

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