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Boletim BIOPESB 2017 - Edição 29

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Serra do Brigadeiro Ano 7, n°<strong>29</strong> - Pág 7<br />

Conhecendo a biodiversidade do Brasil colonial: o contato dos<br />

naturalistas com a medicina tradicional<br />

Isabela Paes<br />

Isabella Britto<br />

Luís Vinícius<br />

Em meados do ano<br />

1662, iniciaram-se as<br />

primeiras expedições destinadas<br />

à exploração dos<br />

recursos naturais em Minas<br />

Gerais. Mais tarde, já no<br />

século XIX, com a vinda<br />

da corte portuguesa para<br />

o Brasil, vários naturalistas<br />

euro-peus vieram em<br />

expedições e relataram a<br />

riqueza da biodiversidade<br />

brasileira, retratando entre<br />

outras coisas, o uso da flora<br />

medicinal pela população<br />

local. Dentre estes naturalistas,<br />

pode-se citar: Von<br />

Martius, Von Spix, Saint<br />

Hilaire e G. Langsdorff,<br />

que tinham o objetivo de<br />

conhecer melhor as riquezas<br />

da geografia, flora e fauna<br />

do território brasileiro.<br />

Em 1822, Georg Heinrich<br />

von Langsdorff, médico,<br />

naturalista e explorador,<br />

percorreu cerca de seis mil<br />

quilômetros no interior do<br />

território brasileiro coletando<br />

informações sobre a<br />

fauna, flora e etnografia.<br />

Langsdorff cruzou a floresta<br />

Atlântica, o Cerrado,<br />

o Pantanal e a floresta<br />

Amazônica.<br />

Durante suas expedições<br />

por Minas Gerais, Langsdorff<br />

e sua equipe percorreram<br />

várias cidades; entre<br />

estas Viçosa, de acordo<br />

com o relato do historiador<br />

José Flávio Morais Castro.<br />

“No dia 26 de julho de<br />

1824, a expedição comandada<br />

por Langsdorff,<br />

vinda de São João del Rei,<br />

passando por Santa Rita<br />

(Viçosa), penetrou no ‘município<br />

de Guaraciaba’ pelo<br />

vale do rio Turvo Limpo.<br />

O naturalista relatou, em<br />

diário, a passagem por<br />

Barra do Bacalhau e o percurso<br />

realizado com destino<br />

a Piranga e Mariana”<br />

Em anotações diárias de<br />

suas viagens pelas províncias<br />

do Rio de Janeiro e<br />

Minas Gerais, entre o período<br />

de 1824 a 1825,<br />

relatou não medir esforços<br />

para coletar e identificar<br />

novas espécies vegetais,<br />

das quais muitas possuíam<br />

propriedades medicinais,<br />

como a raiz-preta, o jaborandi<br />

e a ipeca, que continuam,<br />

até hoje, sendo<br />

empregadas na medicina<br />

popular brasileira.<br />

Dentre as expedições de<br />

Langsdorff e sua equipe,<br />

os campos rupestres na<br />

região da Serra do Cipó<br />

em Minas Gerais (Serra da<br />

Lapa) foram os que mais<br />

os impressionaram, devido<br />

sua riqueza florística<br />

e exuberância das espécies<br />

encontradas. Em um de<br />

seus relatos diários, destaca-se<br />

a busca da planta<br />

ipeca, atualmente identificada<br />

como Psychotria<br />

ipecacuanha (Poaia), uma<br />

espécie medicinal usada<br />

como vomitivo em intoxicações.<br />

Naquela época,<br />

Langsdorff já mostrava<br />

preocupação quanto ao<br />

extrativismo de algumas<br />

espécies. No caso da ipeca,<br />

ele revela que, juntamente<br />

com o botânico<br />

alemão, Riedel, percorreram<br />

a floresta por quatro<br />

horas e conseguiram coletar<br />

apenas única planta,<br />

evidenciando a raridade<br />

da espécie devido a exploração<br />

indiscriminada<br />

por parte da população<br />

e com isso mostrando sua<br />

preocupação com a possível<br />

extinção da ipeca no<br />

Brasil. Langsdorff também<br />

relatou em seus diários<br />

várias práticas populares<br />

da época associadas ao<br />

manejo da biodiversidade,<br />

algumas incluindo a cultura<br />

dos índios Purís. Em outras<br />

anotações sobre a ipeca, o<br />

naturalista afirmou:<br />

“Foi um alívio para mim<br />

ouvir que os índios colhem<br />

essa planta, mas só retiram<br />

dela as raízes medicinais,<br />

voltando, em seguida, a<br />

fincá-la na terra. Com<br />

isso, ela volta a produzir<br />

nova raiz medicinal no ano<br />

seguinte. ”<br />

Isso confirma que o co-<br />

Imagem: reprodução<br />

nhecimento tradicional sobre<br />

as plantas medicinais<br />

já era comum entre os índios<br />

que viviam na floresta<br />

Atlântica da zona da mata<br />

mineira.<br />

Além de Langsdorff,<br />

Saint-Hilaire também<br />

caminhou por Minas Gerais<br />

e foi o primeiro naturalista<br />

a identificar a espécie<br />

Strychnos pseudoquina,<br />

conhecida como guararoba<br />

ou quina-mineira e usada<br />

pela população da<br />

época como antimalárico,<br />

antitérmico e cicatrizante.<br />

Esquecida por muito tempo<br />

pelos cientistas, atualmente<br />

esta espécie tem sido alvo<br />

de estudos de pesquisadores<br />

do grupo BIOPROS<br />

da UFV, que comprovaram<br />

atividade cicatrizante,<br />

além de atividades leishmanicida<br />

e antiviral. Este<br />

fato mostra a importância<br />

dos levantamentos realizados<br />

pelos naturalistas<br />

que vieram ao Brasil durante<br />

o período colonial.<br />

Atualmente, alguns diários<br />

desses naturalistas, como o<br />

de Langsdorff e de Saint-<br />

Hilaire foram traduzidos,<br />

servindo de importante<br />

fonte para o estudo de<br />

eco-logia, história, botânica,<br />

química de produtos<br />

naturais e outras disciplinas.

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