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outubro-2019

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Artigo<br />

Via de parto e autonomia do paciente: discussão pode chegar ao Judiciário<br />

O nascimento de uma criança é um momento<br />

sublime para uma família. Entretanto, o<br />

acontecimento pode se transformar em um momento<br />

de conflito no que se refere, por exemplo, ao direito<br />

da gestante em relação a escolha via de parto: se<br />

cirúrgico ou parto vaginal (natural). Em alguns<br />

caso, porém, essa decisão pode sair dos hospitais e<br />

consultórios e ganhar as cadeiras do Judiciário.<br />

Recentemente, um caso no Reino Unido<br />

reacendeu a discussão sobre o tema. Um juiz<br />

da alta corte do país decidiu que uma grávida<br />

de 25 anos poderia ser secretamente sedada<br />

durante uma visita ao hospital para permitir que<br />

os médicos realizassem uma cesariana contra<br />

a sua vontade. De acordo com o jornal The Sun,<br />

a mulher seria chamada para o hospital para<br />

uma consulta de rotina, onde seria drogada por<br />

algum medicamento colocado em sua bebida<br />

e, posteriormente, encaminhada para o centro<br />

cirúrgico a fim de se realizar a cesárea. Caso ela<br />

não pudesse ir ao hospital, a equipe médica estava<br />

autorizada ainda a ir à casa da paciente, sedá-la<br />

secretamente ou contê-la à força, se necessário,<br />

para depois levá-la ao hospital e realizar a cirurgia.<br />

Para justificar a ação, o juiz alegou que a grávida<br />

não tinha condições de tomar decisões por conta<br />

de dificuldades de aprendizagem.<br />

A mulher, contudo, deu à luz naturalmente<br />

(como desejava) antes que o plano, revelado há<br />

poucas semanas, fosse colocado em prática.<br />

Até que ponto é possível respeitar a autonomia<br />

da paciente? Há limites?<br />

Um outro exemplo, brasileiro, que envolve o<br />

tema da autonomia do paciente teve repercussão<br />

na mídia. Encontra-se no STF um Recurso<br />

Extraordinário, interposto com fundamento no<br />

art. 102, III, a, da Constituição Federal, apontando<br />

violação aos artigos 1º, III; 5º, caput, incisos II, VI e<br />

VIII; e 196 do texto constitucional.<br />

O processo envolve uma paciente que, em<br />

razão de doença cardíaca, foi encaminhada pelo<br />

Sistema Único de Saúde (SUS) para a Santa Casa de<br />

Misericórdia de Maceió, a fim de realizar cirurgia<br />

de substituição de válvula aórtica. Mas, por ser<br />

testemunha de Jeová, decidiu submeter-se ao<br />

tratamento de saúde sem o uso de transfusões de<br />

sangue alogênico (sangue de terceiros).<br />

A parte recorrente alega que a discussão dos<br />

autos cinge-se a saber se é legítima a recusa à<br />

transfusão de sangue no tratamento de saúde<br />

por paciente testemunha de Jeová. Se a paciente<br />

tiver uma hemorragia e precisar de transfusão de<br />

sangue no SUS, os médicos não poderiam atuar<br />

segundo a boa praxis. Se a paciente for a óbito, a<br />

responsabilidade será do médico? Novamente<br />

pergunta-se: qual o limite da autonomia do<br />

paciente?<br />

Ainda na esteira da autonomia e decisões<br />

médicas, no último dia 16 de setembro, o Conselho<br />

Federal de Medicina (CFM) publicou novas regras<br />

para a atuação de médicos nos casos em que um<br />

paciente recusa algum tipo de tratamento. Pelo<br />

viés da Resolução Nº 2.232/<strong>2019</strong>, a escolha da via<br />

de parto “deve ser analisada na perspectiva do<br />

binômio mãe e feto, podendo o ato de vontade da<br />

mãe caracterizar abuso de direito dela em relação<br />

ao feto”.<br />

A resolução também permite que pacientes<br />

recusem procedimentos médicos desde que não<br />

haja risco para a saúde de terceiros ( como o feto,<br />

por exemplo) ou doença transmissível que, se não<br />

tratada, contaminará a outros.<br />

Outra polêmica em torno do parto acontece<br />

com a discussão sobre uma nova lei , oriunda de um<br />

projeto de lei da deputada estadual de São Paulo<br />

Janaína Paschoal (PSL), que define que as mulheres<br />

poderão optar pelo procedimento cirúrgico<br />

independentemente de indicação médica. A lei<br />

sancionada recentemente pelo governo paulista<br />

combate a “ditadura do parto normal” e autoriza<br />

Sandra Franco*<br />

o a gestante usuária do Sistema Único de Saúde<br />

(SUS) a optar pelo parto cirúrgico a partir da 39ª<br />

semana de gestação. O texto garante o direito da<br />

mulher em receber analgesia no parto natural e<br />

optar pela cesariana, a partir da 39ª semana de<br />

gestação, mesmo que não haja indicação médica<br />

para isso.<br />

A esse respeito, emanam críticas de entidades<br />

alegando-se que o ensejaria uma discussão<br />

técnica aprofundada sobre o momento do parto e<br />

a saúde da mulher e do feto. A deputada diz que<br />

sua intenção é defender a vida e a autonomia das<br />

mulheres em relação ao que chama de “obsessão”<br />

por parto normal. Interessante ressaltar que a OMS<br />

(Organização Mundial de Saúde) preconiza que o<br />

percentual de cesarianas ideal estaria entre 15%<br />

e, somente na rede privada de saúde no Brasil,<br />

tem-se uma taxa de 88% de partos através do<br />

procedimento cirúrgico. Com a aprovação da Lei,<br />

o percentual de cesarianas no SUS irá aumentar<br />

consideravelmente.<br />

A decisão sobre a via do parto deve ser resultado<br />

de escolhas responsáveis. Por exemplo, a cesariana<br />

não precisa ser uma opção para a mulher que não<br />

quer sentir dor, pois é possível haver analgesia<br />

também durante um parto normal. A mulher, no<br />

entanto, precisa de informações para decidir.<br />

A Constituição Federal garante a liberdade do<br />

cidadão. Aliás, a autonomia do paciente está entre<br />

os princípios da Medicina. Resta evidente, porém,<br />

que nenhuma escolha sem informação está cravada<br />

pela consciência das consequências. É importante<br />

esclarecer que, independente da escolha, a saúde e<br />

a integridade física da mãe e do bebê devem ser a<br />

prioridade.<br />

A autonomia da mãe termina quando sua<br />

escolha possa causar danos ao bebê e, em nome do<br />

bebê, o Estado é chamado a intervir muitas vezes.<br />

A autonomia é um bem jurídico do ser humano,<br />

valor reconhecido pela legislação brasileira e que<br />

precisa ser tratado como tal.<br />

*Sandra Franco é consultora jurídica especializada em<br />

Direito Médico e da Saúde, doutoranda em Saúde Pública,<br />

MBA/FGV em Gestão de Serviços em Saúde, ex-presidente<br />

da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São<br />

José dos Campos (SP), membro do Comitê de Ética para<br />

pesquisa em seres humanos da UNESP (SJC) e presidente da<br />

Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde<br />

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(16) 3629-2119 | 99702-9305<br />

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