REPORTAGEM
NOABR21 01
SUMÁRIO
PUB.
ABRIL
05
15
26
38
2021
ENTREVISTA
À MESA COM GUALTER FURTADO
OPINIÃO
JUVENTUDES PARTIDÁRIAS
REPORTAGEM
PORTUGAL ENQUANTO NAÇÃO ESPACIAL
REPORTAGEM
A ENERGIA RENOVÁVEL MARINHA COMO
ALTERNATIVA
REPORTAGEM
O FUTURO DO TURISMO: PARA QUANDO OS VALORES
DA PANDEMIA?
92
24
96
98
REPORTAGEM
50 TENDÊNCIAS GLOBAIS DE EMPREGO PARA A
JUVENTUDE
102
60 119
PROJETO “CULTURA, CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA
IMPRENSA” | CIÊNCIA
30 ANOS DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM PAPEL DE
JORNNAL
PROJETO “CULTURA, CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA
IMPRENSA” | SAÚDE
COMBATER A OBESIDADE E O EXCESSO DE PESO COM
A AJUDA DO TELEMÓVEL
PROJETO “CULTURA, CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA
IMPRENSA” | SAÚDE
INQUÉRITO INTERNACIONAL REVELA QUE
PORTUGUESES ESTÃO DEPRIMIDOS
CRÓNICAS
SÁTIRA POLÍTICA
PORTUGAL ENQUANTO
NAÇÃO ESPACIAL
26
A ENERGIA RENOVÁVEL
MARINHA COMO
DE EMPREGO PARA
ALTERNATIVA 38 50
TENDÊNCIAS GLOBAIS
O FUTURO DO TURISMO:
PARA QUANDO
OS VALORES DA
A JUVENTUDE PANDEMIA 60
02 NOABR21 NOABR21 03
EDITORIAL
JOVENS, POLÍTICA(S) E O FUTURO
Não é novidade dizer-se que
a nossa classe política está
cansada e viciada em si mesma.
Os mesmos lugares, em anos
diferentes, ocupados pelas
mesmas pessoas nas cadeiras
do parlamento açoriano. De
quatro em quatro anos, voltam a
aparecer nos panfletos que nos
entregam as mesmas caras, com
uma dúzia de jovens em lugares
ilegíveis.
Poder-se-á dizer que as
eleições que nos trarão um
maior vislumbre serão,
provavelmente, as autárquicas,
não fossem os presidentes de
junta de freguesia ter mandatos
eternos e ocuparem aqueles
cargos para o resto da sua vida.
Na verdade, a limitação de
mandatos não existe para as
eleições legislativas. Pode uma
senhora ou senhor deputado
começar a sua carreira política
aos 25 anos e até lá ficar
enquanto os açorianos assim
quiserem, seja apenas por
quatro anos ou por mais 40.
Poderão os críticos afirmar que
os lugares a que pertencem
nas listas aquando das eleições
são escolhas do partido e, a
partir do momento em que
os açorianos votam, quer à
esquerda, direita ou centro,
conhecerão quem estarão a
votar.
Mas depois, questionamo-nos
– porque não rejuvenescer a
nossa classe política açoriana?
Ora veja-se, existem apenas
seis jovens com idade até
aos 35 anos e com assento
na Assembleia Legislativa.
Representam 10,5% dos 52 que
a compõem.
Apregoa-se, tantas vezes, a
vontade pelo rejuvenescimento
dentro do seio político, por
aqueles que agora vivem
tempos diferentes e que
ganham, em virtude desses
tempos, também ideias,
doutrinas e pensamentos
adaptados ao novo quotidiano
que todos os dias ganha vida.
É igualmente fácil encontrarmos
discursos, quer à direita,
esquerda ou centro, o apelo
à participação dos jovens na
dinamização de novas políticas
sociais, económicas e culturais.
Pode um jovem, sem ter estado
ligado a qualquer partido nos
últimos anos, querer concorrer
como membro integrante de
uma lista? A verdade é que,
muitas vezes, não pode.
Não vale de nada apregoarse
pela participação cívica
jovem se os últimos sentem
descredibilidade naqueles que
são os protagonistas na nossa
Região. Apelar os jovens a
participarem, credibilizar a
nossa classe política, ouvindo
os seus pareceres, é o caminho a
seguir. Não vale nem tão pouco
apregoar-se pelo jovem quando
não se lhe dá a capacidade para
que possa mostrar o potencial.
Enquanto assim for, as taxas
de abstenção continuarão a ter
os números que nos têm vindo
a habituar, sendo depois alvo
de escrutínio e de possíveis
hipóteses para que tal tenha
acontecido, quando a resposta
parece ser óbvia – sem inclusão,
não haverá nunca participação.
Cláudia Carvalho
FICHA TÉCNICA:
ISSN 2183-4768
PROPRIETÁRIO ASSOCIAÇÃO AGENDA DE NOVIDADES
NIF 510570356
SEDE DE REDAÇÃO RUA DA MISERICÓRDIA, 42, 2º ANDAR,
9500-093 PONTA DELGADA
SEDE DO EDITOR RUA DA MISERICÓRDIA, 42, 2º ANDAR,
9500-093 PONTA DELGADA
DIRETORA ADJUNTA CLÁUDIA CARVALHO TPE-288A
REDAÇÃO CHEFE REDAÇÃO RUI SANTOS TPE-288 A,
CLÁUDIA CARVALHO TPE-288 A, SARA BORGES, ANA SOFIA
MASSA, ANA SOFIA CORDEIRO
REVISÃO ANA SOFIA MASSA
PAGINAÇÃO CARINA COELHO
CAPTAÇÃO E EDIÇÃO DE IMAGEM RODRIGO RAPOSO E
MIGUEL CÂMARA
DEPARTAMENTO DE MARKETING, COMUNICAÇÃO E IMAGEM
CILA SIMAS E RAQUEL AMARAL
PUBLICIDADE RAQUEL AMARAL
MULTIMÉDIA RODRIGO RAPOSO, RAFAEL ARAÚJO E MÁRIO
CORRÊA
INFORMÁTICA JOÃO BOTELHO
RELAÇÕES PÚBLICAS CILA SIMAS
Nº REGISTO ERC 126 641
COLABORADORES ANTÓNIO VENTURA, JOÃO CASTRO,
RICARDO SILVA
CONTACTOS MARKETING@AGENDADENOVIDADES.COM
ESTATUTO EDITORIAL:
A NO É UMA REVISTA DE ÂMBITO REGIONAL (NÃO FICANDO
EXCLUÍDOS OS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA E
COMUNIDADES PORTUGUESAS ESPALHADAS PELO MUNDO).
A NO DISPONIBILIZA INFORMAÇÃO INDEPENDENTE E
PLURALISTA RELACIONADA COM A POLÍTICA, CULTURA
E SOCIEDADE NUM CONTEXTO REGIONAL, NACIONAL E
INTERNACIONAL.
A NO É UMA REVISTA AUTÓNOMA, SEM QUALQUER
DEPENDÊNCIA DE NATUREZA POLÍTICA, IDEOLÓGICA
E ECONÓMICA, ORIENTADA POR CRITÉRIOS DE RIGOR,
ISENÇÃO, TRANSPARÊNCIA E HONESTIDADE.
A NO É PRODUZIDA POR UMA EQUIPA QUE SE COMPROMETE
A RESPEITAR OS DIREITOS E DEVERES PREVISTOS NA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; NA LEI DE
IMPRENSA E NO CÓDIGO DEONTOLÓGICO DOS JORNALISTAS.
A NO VISA COMBATER A ILITERACIA, INCENTIVAR O GOSTO
PELA LEITURA E PELA ESCRITA, MAS ACIMA DE TUDO,
PROMOVER A CIDADANIA E O CONHECIMENTO.
A NO REGE-SE PELO CUMPRIMENTO RIGOROSO DAS
NORMAS ÉTICAS E DEONTOLÓGICAS DO JORNALISMO E
PELOS PRINCÍPIOS DE INDEPENDÊNCIA E PLURALISMO.
À MESA COM
REPORTAGEM
GUALTER FURTADO
presidente do Conselho Económico e Social dos Açores
04 NOABR21 NOABR21 05
ENTREVISTA
ENTREVISTA EM
VÍDEO NA VERSÃO
DIGITAL
Sejam bem-vindos a mais um À Mesa
Com no restaurante da Associação
Agrícola. Eu tenho o prazer de vos
apresentar este mês o Doutor Gualter
Furtado, ele que é presidente do
Conselho Económico e Social dos
Açores (CESA). Começava por pedir
que me explicasse, no fundo, o que é o
CESA.
O CESA é uma instituição que está
prevista no estatuto políticoadministrativo
da Região Autónoma
dos Açores. Como sabem, um
dos pilares da nossa autonomia
democrática, juntamente com a
constituição da república e com
a lei das finanças das regiões
autónomas, e lá, digamos, está
prevista a criação deste órgão que é
um órgão independente, é um órgão
de aconselhamento do governo e
dos órgãos próprios do governo dos
Açores. É um órgão que tem como
missão principal instituir o diálogo
entre a sociedade civil e os órgãos de
governo dos Açores e, por conseguinte,
um órgão que funciona com base
numa grande representatividade
da sociedade açoriana. Lá estão
representadas praticamente todas as
organizações da sociedade civil e dos
parceiros sociais incluindo também do
governo. Este formato atual, que é um
formato independente, resulta muito
da vontade da Câmara de Comércio
e Indústria dos Açores, da Federação
Agrícola dos Açores e da UGT, que
mais tarde se juntou à AICOPA, que é
a sociedade da construção civil e eles
propuseram, digamos, na altura, aos
partidos e ao governo que o conselho
que existia, que era o Conselho de
Concertação Estratégica (CCE) e do
qual eu também fazia parte como
personalidade independente, de que
o conselho devia ter um formato
diferente e ser presidido por uma
pessoa que não o Presidente do
Governo dos Açores, porque antes
quem presidia o CCE era o Presidente
do Governo, mas uma personalidade
civil que fosse escolhida e que se
auto propusesse e depois fosse
aprovada no parlamento regional
com a maioria de 2/3; é um órgão
independente de aconselhamento
e agora tem funções amplas. Nós
desde logo temos competência de nos
pronunciarmos sobre os planos de
desenvolvimento da Região Autónoma
dos Açores sobre o orçamento. Temos
que nos pronunciar sobre a aplicação
e a gestão dos fundos comunitários,
sobre a relação da Região com
entidades externas à Região, ligadas
ao desenvolvimento económico, sobre
as leis laborais e sobre a concertação
social e, por conseguinte, nós temos
também essa incumbência de, ao
fim ao cabo, fazer a arbitragem e
intervir em possíveis plataformas de
entendimento entre as organizações
sindicais e as organizações patronais.
Por conseguinte, são competências
amplas e que nós fazemos questão em
cumprir.
06 NOABR21 NOABR21 07
ENTREVISTA
ENTREVISTA
Quem é o Doutor Gualter Furtado e como é que ele vem
parar a presidir o CESA em 2019?
Naturalmente isso resulta de um percurso de vida. Um
percurso que começa na escola primária no Vale das Furnas,
depois vem para Ponta Delgada, para a Escola Comercial
e Industrial de Ponta Delgada. De seguida, consegue ter
acesso a uma bolsa de
estudos das antigas
juntas gerais e, graças
a essa bolsa de estudos,
fui estudar para Lisboa,
para o Instituto
Comercial de Lisboa
fazer a secção de
Economia e também
Concluído isso, fui
parte do curso
para a universidade,
de Contabilidade.
para o Instituto
Superior de
Economia, que
naquela altura
fazia parte da
Universidade Técnica
de Lisboa, hoje tem a
designação de ISEG.
Tive a felicidade de
chegar a monitor,
depois assistente
da universidade.
Quando era
assistente da universidade fui desafiado a regressar aqui aos Açores
para fazer doutoramento no nosso instituto universitário e para vir
dar aulas. Nessa altura o diretor do departamento de Economia e
Gestão era o professor Monteiro da Silva e eu mais a minha mulher,
depois de uma avaliação que não durou muito tempo, resolvemos
regressar e viemos para os Açores em 1984 e a partir daí tive vários
desafios. Nunca me desliguei da
universidade totalmente. Até há
bem pouco tempo eu era membro
do Conselho Geral da Universidade
dos Açores, fui vice-presidente.
É uma instituição pela qual eu
tenho muito carinho, nunca me
desliguei dela, mas, entretanto,
fui fazendo outras coisas na vida.
Fui para a banca, para a Caixa
Económica da Misericórdia de
Ponta Delgada.
Depois fui desafiado pelo Doutor
Mota Amaral para fazer parte
de um dos governos dele como
Secretário Regional das Finanças
e Planeamento e que mais tarde
se acrescentou a Administração
Pública. Depois regressei à banca
novamente, ajudei a fundar o
banco que era o BES dos Açores.
Foi um banco de sucesso. No
meio dessa desgraça toda que
aconteceu ao grupo Espírito Santo
e ao BES, nós, felizmente, aqui
nos Açores, conseguimos não
ser intervenciados pelo Banco de
Portugal. Fomos considerados um
banco bom e isso significou que
os nossos acionistas nacionais e
regionais, que são 13 misericórdias
e o grupo Bensaude, continuassem
sempre a ter a sua posição
acionista. Mudámos de nome, mas
o espírito sempre foi o mesmo e
talvez foi esse percurso de vida que
fez com que me desafiassem alguns
partidos, sobretudo os chamados
partidos do arco da governação
para me candidatar ao CESA. Fi-lo
e felizmente obtive uma maioria
no primeiro mandato de 81.3%,
no segundo mandato de 91.2%.
Não estava no meu horizonte
candidatar-me a um segundo
mandato, mas digamos, a pedido de
alguns parceiros sociais e também
de alguns partidos políticos e
dos seus principais líderes e a
situação muito difícil que nós
estamos a passar, fez-me refletir
um bocado sobre pôr ao serviço
da comunidade e dos Açores a
minha experiência pessoal, técnica
e profissional e é isso que eu vou
procurar fazer de uma forma
independente e do melhor que sei.
Naturalmente, ninguém faz nada
na vida sozinho. Conto com o
apoio dos parceiros sociais, desde
logo, e também da Assembleia
Legislativa da Região Autónoma
dos Açores (ALRAA) e do Governo
para facilitar o nosso trabalho,
sempre numa base independente.
Isso então faço questão de ser
sempre numa base independente
e de concertação com os parceiros
sociais.
08 NOABR21
NOABR21 09
ENTREVISTA
ENTREVISTA
Passando agora para um assunto também ele muito importante que é o da
Economia. Foi alvo de muita contestação e também de alguma preocupação a
extinção da Secretaria da Economia em 2012. Agora, com o novo executivo, nós
temos a Economia e Finanças juntas na mesma secretaria. Qual é o parecer que
merece da sua parte esta junção das Finanças e da Economia numa só secretaria?
Bom, eu já fiz parte de um Governo em que
havia o Secretário Regional da Economia e
o Secretário Regional das Finanças. Depois
fiz parte de um Governo em que a Economia
fazia parte das Finanças e, por conseguinte,
já vivi isso tudo. O que eu acho é que uma
Secretaria Regional das Finanças bem
estruturada, com boas direções regionais
é suficiente. Eu acho que, nos Açores,
quanto menos complicarmos e quanto mais
simplificarmos o nosso modelo de governação,
mais eficiente ele vai ser. Por conseguinte, eu
julgo que não é criando muitas estruturas que
nos tornamos mais eficientes.
Aliás, eu penso que nós aqui nos Açores o que
nós temos que ter é valorizar a sociedade civil
e, por conseguinte, quando digo valorizar
a sociedade civil digo valorizar o papel dos
parceiros sociais da Federação Agrícola, das
Câmaras de Comércio, dos representantes das
Pescas, das Misericórdias, os representantes
do Ambiente, das Instituições Particulares
de Solidariedade Social, da Associação para
a Igualdade de Género, dos jovens, etc, e,
por conseguinte, valorizar isso, haver um
grande diálogo em concertação estratégica
para aí reduzir ao máximo estruturas e eu
penso que este governo vai ser avaliado e a
avaliação que vai ter no fim não é por ter mais
uma secretaria ou menos uma secretaria,
é pela capacidade de resposta que vai dar
aos problemas dos açorianos e da economia
açoriana. Por conseguinte, não vejo isso
com muitos maus olhos, o facto de se juntar
a Economia e as Finanças numa mesma
secretaria.
No fundo, era uma promessa do
governo uma racionalização do setor
público empresarial que também passa
pela SDEA. Acha que a extinção da
SDEA poderá provocar algum vazio na
orgânica do Governo Regional ou isso
não está iminente?
Bem, o que eu acho é que tem de
haver aqui um sentido de equilíbrio,
ou seja, não se pode estar a extinguir
essas estruturas e essas empresas,
e ao mesmo tempo, engordar o
Governo. Tem de haver um equilíbrio
e fazer isso sem prejuízo de aumentar
excessivamente também a máquina
governativa. É tudo uma questão de
bom senso como lhe digo, com boas
direções regionais, com bons diretores
regionais, podemos ter bons resultados.
Eu acho que podem dar conta do recado,
mas depende do funcionamento e da
própria orgânica do Governo. Agora,
o próprio Governo também tem que
dar um sinal de não excessiva gordura.
Evidentemente, do ponto de vista
da dívida pública, isso já estava tudo
consolidado. Hoje em dia, as empresas
públicas, os institutos já consolidam
com a dívida pública
regional. Eu sou a favor de que todas as
despesas e receitas relacionadas com a
administração pública regional tenham
um espelho no orçamento regional.
Qual é o grande desafio que os Açores
têm, que é o desafio de ontem, o desafio
de hoje e o desafio de amanhã? É o
facto de nós termos uma governação
nos Açores e termos uma sociedade nos
Açores a funcionar melhor do que na
Madeira e do que no Continente.
Para conseguirmos esse desiderato é
preciso que nos empenhemos em
tudo aquilo que fazemos com grande
qualidade e eficiência. Isso é que é o
grande desafio. Por conseguinte, termos
as nossas contas todas de uma forma
transparente é uma forma que contribui
para melhorarmos a qualidade da
administração pública regional e, por
conseguinte, eu sou a favor de que toda
a receita e despesa pública tenham um
reflexo no orçamento regional.
Por conseguinte, eu vejo bem que isso
termine nisso. Evidentemente que
alguns serviços acho que têm de se
manter em empresas públicas, por
exemplo no caso da EDA, ou no que se
refere ao SREA. Eu vejo por exemplo
como positivo que o SREA ganhe uma
autonomia maior, que seja um instituto
público de maneira a não ser permeável.
Não estou a dizer acabar com tudo.
Até por exemplo criar neste caso um
instituto público de estatística regional,
até já digo o nome: Instituto Público de
Estatística Regional dos Açores (IPERA).
Sou a favor disso. Mas agora o resto de
coisas assim marginais eu acho que só
ficamos a ganhar com a sua integração
no Governo. Essas empresas e esses
organismos que devem serem extintos
não têm a ver com as pessoas que
lá estavam a gerir, não estou a fazer
nenhum juízo de valor em relação às
pessoas que lá estavam, estou a dizer é
que é importante nessa fase em que nós
nos encontramos que haja uma grande
transparência orçamental e se esta tiver
de ser conseguida com integrações ou
fusões, que isto seja feito.
010 NOABR21
NOABR21 011
ENTREVISTA
ENTREVISTA
Durante muito tempo e para finalizar, nós fomos uma Região muito
demarcada pelo desenvolvimento na agropecuária. Depois da
agropecuária seguiram-se investimentos no turismo e acabaram
ambas as áreas por competir um pouco entre si. Nos Açores, na nossa
posição geoestratégica, será a tecnologia e a ciência o futuro dos
Açores?
Não tenho dúvidas nenhumas
que, tendo em conta o nosso
posicionamento insular geográfico
aqui no Nordeste Atlântico, espalhado
pelos nossos nove bocados plantados
aqui no Atlântico, o futuro é, de facto,
das novas tecnologias. É a ciência,
a investigação e formação. Hoje
em dia nós temos uma localização
geográfica fantástica, temos grandes
mais-valias ao nível por exemplo
de setores estratégicos como a
meteorologia. Nós estamos muito
longe de explorar o potencial que
temos a nível da metereologia,
como estamos longe de explorar o
potencial que a oceanografia e o mar
dos Açores podem representar no
futuro dos Açores, mas também as
pescas e as próprias comunicações.
Por conseguinte, os Açores hoje em
dia são o porta-aviões, implantado,
é verdade, porque já não tem aquela
função física de ser porta-aviões
clássico como era, mas em tempos
de comunicações eu penso até que a
nossa posição geoestratégica hoje em
dia é mais reforçada do que nunca. Eu
estou convencido que a nossa posição
geoestratégica é até mais importante
do que era no passado. Temos que
valorizar muito a nossa relação com
as nossas comunidades. Nós somos
um povo extraordinário, temos
comunidades espalhadas por todo
esse mundo inteiro, mas desde logo
aquela forte comunidade dos Estados
Unidos e Canadá, mas também
das Bermudas. O Brasil, o mundo
imenso que é o Brasil. Nós temos
hoje pessoas no Brasil localizadas em
situações fantásticas, mas temos hoje
açorianos a trabalhar na Finlândia, na
Dinamarca, enfim, em toda a parte.
Em todo o Mundo temos açorianos
e, por conseguinte, esta rede que é o
povo açoriano espalhado pelo Mundo
pode ser de um valor geoestratégico
que está muito longe de ser explorado.
Depois, evidentemente, eu não
esqueço que a nossa Universidade
dos Açores tinha que ser repensada
e refundida. Quer dizer, a nossa
Universidade dos Açores tem que
ter um carinho especial e está sendo
maltratada. Eu próprio também fiz
parte do Conselho Geral, aprovámos
o novo estatuto, implementámos
uma nova orgânica, mas eu penso
que tem de ser feito um esforço
ainda maior. A própria Universidade
também tem que se internacionalizar,
tem tudo para ser um grande polo,
uma grande universidade no meio do
“O que relevo de mais
importante no CESA
é a mobilização e a
disponibilidade de todos
os Parceiros Sociais para
defenderem os seus
sectores específicos,
mas com abertura já
demonstrada para
trabalharmos em conjunto
e em concertação
para Desenvolvimento
económico, social e
cultural dos Açores, sem
nunca esquecer os nossos
emigrantes que são o nosso
prolongamento territorial,
de sangue e de afetividade,
a que junto os imigrantes
que por necessidade ou
outra razão escolheram as
nossas Ilhas para viver e
trabalhar”.
Discurso do Presidente
do CESA na Tomada de
Posse do II Mandato
Atlântico, mas também tem que ter apoios.
Finalmente, os nossos setores tradicionais
que é a questão das pescas e da agricultura
têm de continuar. É verdade que o Turismo
é muito importante, veio catapultar
os Açores para níveis de crescimento
inimagináveis. O setor do turismo é um
setor muito importante, tem um efeito
multiplicador muito grande sobre os outros,
mas é muito dependente do exterior.
Temos que ter aqui uma economia que
seja uma economia multissectorial e multi-
especialista. Não pode ser uma economia
afunilada só num tema, num setor
independente. Os Açores têm que dar muita
importância e jogar com a sua posição
geoestratégica nessa questão da Europa,
Estados Unidos da América, Brasil, China,
África. O Mundo encurtou-se, está mais
próximo, mas continua a haver barreiras e
os Açores no meio dessas barreiras podem
ter uma posição geoestratégica central a
desempenhar no futuro.
012 NOABR21 NOABR21 013
PUB.
REPORTAGEM
REPORTAGEM
OPINIÃO
JUVENTUDES
PARTIDÁRIAS
A NO Revista,
consciente da importância
dos jovens para o contributo
de uma sociedade mais plural, dá a
oportunidade, mais um mês, de dar voz
aos jovens dos oito partidos com assento
parlamentar no parlamento açoriano.
Assim, os jovens têm oportunidade
de expressarem as suas opiniões e
pensamentos sobre as políticas de
desenvolvimento na Região e
não só.
014 NOABR21 NOABR21 015
OPINIÃO
A verdadeira coesão e autonomia é não precisar mais do
dinheiro dos contribuintes portugueses e dos países ricos
da União Europeia. Ao contrário do que parece ser mais
intuitivo, o caminho da criação de riqueza e do bem-estar
social depende muito mais da forma como se alocam os
recursos do que da sua quantidade inicial. Por isso é que
economias livres em territórios inóspitos conseguem
prosperar e territórios ricos em recursos naturais ou
apoiados há décadas por fundos comunitários se mantêm
na pobreza.
A proposta de plano e orçamento para 2021 entregue
pelo governo no parlamento regional prevê gastar 45%
do dinheiro total em investimento público, designado por
plano. São 720 milhões mais outros fundos comunitários
para os diferentes secretários terem o mérito de
distribuir. Ademais, só para os leitores terem uma
noção do que a casa gasta, apenas 54% do orçamento
são receitas próprias da região, quase totalmente
provenientes dos impostos pagos pelos Açorianos. A
restante parte do bolo provém de transferências do
Orçamento de Estado (22%), transferências da União
Europeia (10%) e, como nada disto é suficiente, do
recurso ao endividamento de 250 milhões (15%).
Estes números até podem parecer normais à maioria
dos leitores, porque sempre foi assim por tantos anos
que até se esquece que há outra forma de fazer política
e alocar recursos. Mas para este jovem autor que tem
outras ambições para a sua querida terra representam o
José luís parreira
A fraude do
governo de direita
risco de os nossos recursos continuarem a ser gastos em
projetos sem retorno para a economia, que precisarão
de ser alimentados no futuro. No fundo, a continuação
do socialismo, cuja dívida herdada custar-nos-á 38,5
milhões em juros em 2021 (154 euros por habitante).
Em primeiro lugar, dirão os leitores que o momento
excecional da pandemia em que vivemos justifica
continuar a apoiar a economia, o emprego e os
desempregados, nem que para isso seja necessário de
recorrer ao endividamento. Certo. No entanto, apenas 44
milhões se destinam às medidas criadas em resposta ao
surto da covid-19. Além disso, o investimento em saúde
e educação representam outros 80 milhões de euros, ou
seja, apenas 11% do plano de investimentos. Então, e o
restante investimento? Aqui pouco importa discutir se
o investimento é destinado ao setor público ou privado,
porque todo o dinheiro gasto pelo estado acabará no
setor privado: os funcionários públicos, as empresas
fornecedoras do governo e os credores da região. Quem
mais contribui é também quem mais beneficia. Por isso,
o que este governo continua a fazer é nacionalizar parte
da economia, mantendo as empresas na dependência
do estado. Que os socialistas o fizessem era de esperar,
mas que a direita o faça só mostra falta de valores e
convicções fortes ou, então, deixaram-se corromper
pelo poder de ter o dinheiro na mão. O dinheiro dos
contribuintes, sejam eles açorianos, portugueses ou de
outro qualquer país da Europa, apenas deve ir para os
privados para contratar bens e serviços públicos
que estes forneçam de forma mais eficiente ou para
os indemnizar por perdas derivadas de decisões
governamentais, como o confinamento.
Em segundo lugar, dirão os leitores que havendo
dinheiro da solidariedade nacional e europeia à
nossa disposição, este deve ser usado e o que o que
é preciso é uma melhor aplicação e fiscalização dos
fundos. Todavia, o que ninguém sabe explicar é como
é que se garante isso. Nos próximos anos, há duas
alternativas: podemos continuar a financiar todos
os caprichos de uma maioria governativa, gastando
grandes quantidades, recursos e crédito, ou podemos
confiar na capacidade individual de cada um para
gastar o seu próprio dinheiro. O melhor investimento
que podem fazer para as próximas gerações é ir
pagando a dívida (ajuda não endividar mais) e
reduzir a despesa pública, seja levar à insolvência as
empresas públicas falidas, seja reduzir a dimensão
da administração pública (reformas antecipadas,
p.e.). O dinheiro da “Bazuca” deveria servir para
indemnizar e apoiar temporariamente todos os
prejudicados por essa redução de despesa, a fim de
irem confortavelmente à sua vida. Só assim se pode
baixar impostos sustentadamente e uma direita que
se preze era isto que deveria fazer. Caso contrário,
quando o dinheiro acabar, continuaremos a ter
um governo gordo para sustentar e uma economia
impreparada para andar pelas suas próprias pernas.
Enfim, será uma oportunidade perdida para quebrar
o ciclo vicioso de pobreza e dependência do estado
em que o socialismo nos deixou.
Em terceiro lugar, num tempo que que se vive
uma recessão e o investimento privado é reduzido,
por que razão há o governo de se comportar de
forma diferente, ainda para mais recorrendo ao
endividamento. Tirando as necessidades de acudir
à saúde pública, socorrer os desempregados e
indemnizar a economia, este deveria ser o momento
para se poupar recursos e adiar investimentos. No
entanto, este orçamento não evidencia um único
esforço para poupar qualquer tostão. Só gastar.
Vejamos 2 exemplos rápidos de investimento público,
pensado para 2021.
A SATA prepara-se para receber mais um aumento
de capital de 165 milhões em 2021 (em 2020 já tinha
pedido um empréstimo de 133M, com garantias
públicas). Estão a brincar! Um avião Twin Otter de
19 lugares novinho em folha custa 7 milhões e um
ATR de 50 lugares custa 10 milhões em segunda
mão. 165 milhões daria para comprar frota e meia
de 6 aviões inter-ilhas, pagos a pronto pagamento.
Isso sim permitia reduzir significativamente o preço
das viagens, nos próximos 10 anos, pois a empresa
já não tinha de imputar ao consumidor o pagamento
da prestação do avião. A SATA, cuja maioria dos
aviões não lhe pertence, deveria entrar num processo
de insolvência como qualquer empresa falida e o
serviço público de transporte inter-ilhas deveria
ser concessionado a outra empresa privada, como a
Binter, pagando o mesmo que pagamos à SATA que é
10.1 milhões de euros. É uma questão de “vender” o
caderno de encargos a nível internacional, nem que
se tenha de pagar um pouco mais.
Em segundo, subsidiamos 10.1 milhões uma
transportadora aérea para “tocar” diariamente em
todas as ilhas e, depois, vamos injetar mais de 10
milhões na Atlânticoline e gastamos outros tantos
milhões a realizar obras de terminais de passageiros
para fazer o mesmo transporte. Isso já não é brincar
com o dinheiro dos outros. É burrice! O transporte
marítimo de passageiros além de ter um custo
operacional por passageiro maior que o avião, ainda
reduz a procura do transporte aéreo, impedindo um
menor preço das passagens aéreas.
Em suma, a direita passa anos a falar mal do
socialismo e a dizer que não funciona, mas quando
está no poder não reduzem a despesa pública,
aumentam-na. Passam anos a chamar xuxalistas e
esquerdalha aos adversários, mas quando chegam
ao governo não têm coragem política para deixar
cair a SATA e negociar o caderno de encargos do
transporte aéreo de passageiros com a iniciativa
privada, a fim de o governo não ter de assumir as
dívidas de ninguém. São anos a criticar o polvo
socialista, mas continuam a manter as empresas
e a economia dependente do estado. Isto tem um
nome: hipocrisia. Deveremos estar satisfeitos apenas
por tirar os socialistas do poder e esperar que estes
sejam melhores gestores da coisa pública? Não. Isso
não é suficiente para os Açores. É preciso mudar de
políticas e a forma de fazer política.
016 NOABR21 NOABR21 017
OPINIÃO
Completados 126 anos
em março do “Decreto
Autonómico” de 1895, fruto
de um intenso trabalho de um
grupo de notáveis açorianos,
o diploma permitiu a
aplicação do (primeiro)
regime de autonomia
administrativa aos três
distritos açorianos da época.
É notório o papel que o
arquipélago dos Açores
desempenhou em várias fases
da História Portuguesa e
como os Açorianos sempre
se destacaram e, sobretudo
nesta última, pelo seu espírito
aguerrido na luta pela
Mariana Marques Quadros
CORSÁRIO
POLÍTICO
identidade regional e pelos
seus direitos, quer sejam eles
administrativos, legislativos
ou políticos que efetivamente
se foram consolidando ao
longo da História Açoriana.
A disputa por palco político
na região e a qualidade
política que temos vindo a
assistir sobretudo como se
verificou após o resultado
das últimas eleições
regionais, de um autêntico
Governo de retalhos, que
se apoia na muleta do
multipartidarismo, mesmo
sendo esse um “acordo de
incidência parlamentar com
o Partido Chega”, chega é a nós
um aspeto pouco plausível, de
corsários políticos, que quer seja
em alto mar como em terra firme,
o principal propósito rendeu-se ao
poder governar.
E, navegamos assim, sem
bússula nem quadrante, mas
não à deriva da distribuição
dos saques mediáticos, que
solidariamente foram utilizados
na figura de André Ventura ou no
aproveitamento da reeleição de
Marcelo, nem que seja porque já
se avista no horizonte as eleições
autárquicas. E qualquer corsário
que se preze assim o faz.
Assim como a afirmação
depreciativa da herança ou legado
regional que justifica determinadas
situações inconvenientes e,
portanto, maus vícios de 24
anos de oposição. Justifica sim,
a “herança” ser distribuída para
mais nomeações políticas e cargos
imprescindíveis para o novo poder
político exarcebado.
Vivemos por isso tempos de
crise e, enquanto jovem, afligeme
a mudança cada vez mais
visível na nossa sociedade, na
dualidade interpretativa que
mentalmente realizo, quer de um
lado o surgimento e representação
de partidos de extrema-direita
na nossa região, quer a disputa
política corrosiva que tem afetado
os bons valores democráticos e
o bem-estar das gentes açorianas
que só querem ver representados
os seus direitos.
Resta-nos a nós acreditar, mesmo
assim, se toda esta combinação
política ideológica que tanto
afirma ser fruto da manifestação
do voto açoriano nas últimas
eleições é de facto o caminho
da resolução dos desafios que
enfrentamos.
E, “se bem me lembro”, quando o
debate deixa de ser sério e o teatro
político se sobrepõe aos reais
interesses públicos, assistimos
novamente a um processo de
descrença na classe política.
018 NOABR21
OPINIÃO
ADEQUAR-NOS AOS NOVOS
HÁBITOS DA
Vitória Silva
JUVENTUDE!
A globalização digital e por
consequência a ascensão de uma
geração de influencers levanos a
refletir sobre as reais inquietudes
dos jovens no seu quotidiano.
Assim, devemos entender
essas inquietudes de forma a
sensibilizar, aplicar e instruir,
através dos meios digitais, aquilo
que são as maiores problemáticas
de uma política de e para a
juventude.
A transformação digital tem de
ser, efetivamente, a ferramenta
essencial para a fundamentação
dos novos hábitos de vida juvenis,
de forma a quebrar aquelas que
são as grandes lacunas no diaa-dia
de alguns jovens. Através
das redes sociais e de todo o
seu meio digital envolvente,
conseguimos chegar à geração
que vive para esta era, tornando-a
imprescindível, pois de outra
forma torna-se desadequado,
desadaptado e intransigente.
Deste modo, a promoção de
estilos/hábitos de vida saudáveis
e os mecanismos que devem
combater o flagelo social
que se vive, em que todos
temos conhecimento na nossa
Região, no que diz respeito às
elevadas taxas de consumos
de estupefacientes, abandono
escolar, gravidez na adolescência
ou outras preocupações, como as
desigualdades de oportunidades
sociais, devem também ser
combatidas, através dos meios
digitais com conteúdos explícitos
e adequados ao público-alvo.
A educação para a saúde deve
ter como princípio educar para
prevenir e não para correr atrás
do prejuízo. Desta forma, é
necessário ter sempre presente
a sua adaptação à realidade
social, para que a sua eficácia
seja benéfica e os jovens de hoje,
sejam os adultos de um amanhã,
como cidadãos sensibilizados
e educados para estas e outras
temáticas da nossa sociedade de
extrema importância.
É através do bem formar que
se deve construir os alicerces
de uma sociedade futura com
menores lacunas sociais. Só
assim iremos conseguir alcançar
resultados benéficos e produtivos
para uma geração que alguns
dizem ser dada como perdida.
Devemos lutar por políticas de
juventude assertivas e adequadas
à realidade do século XXI,
indiscutivelmente seria, se assim
não o fosse.
020 NOABR21 NOABR21 021
OPINIÃO
6 ANOS
A
No passado dia 23 de Fevereiro
foi finalmente aprovada, por
unanimidade, a proposta do PAN para
o fim imediato do abate de animais
errantes e de companhia na região
dos Açores. A primeira iniciativa
apresentada pelo PAN/Açores no
Parlamento Açoriano.
Esta é uma luta já de há 6 anos,
quando o recém-eleito deputado Pedro
Neves, enquanto cidadão, levou à
Assembleia Regional dos Açores uma
petição que tinha como objetivo este
mesmo fim e que foi chumbada pela
maioria parlamentar, num golpe muito
duro para o bem-estar e proteção
dos animais nos Açores. Mas não
desistimos!
Muitos terão achado este mais um
ALEXANDRE DIAS
DEPOIS,
VITÓRIA!
capricho do PAN - “aquele partido
animalista”. Não, não é um capricho
considerar que matar um animal “só
porque ele está a ocupar espaço” seja
um ato atroz e que nos dias de hoje
não deve ser tolerável.
São vidas que estão em jogo. Vidas
de animais que têm capacidade de
sentir amor e carinho, de se divertir
e brincar e que, por outro lado, agem
em legítima defesa se se sentem
ameaçados ou sofrem maus-tratos.
Este processo de socialização
entre o ser humano e os animais,
nomeadamente cães e gatos, remonta
há milhares de anos, por altura do
período Paleolítico, quando os cães
ainda eram lobos.
Inicialmente, não foi uma “amizade”
com um início fácil. Na verdade, não
passava de uma troca de interesses:
de acordo com os historiadores, os
lobos andavam atrás do ser humano
por causa dos restos de comida
deixados para trás, pois perceberam
que, assim, conseguiam obter
alimento facilmente. Começaram
então a partilhar o território com o ser
humano que, por sua vez, começou
a sentir-se mais protegido com os
lobos por perto. No fundo, criou-se
uma sinergia entre ambas as espécies.
Resultado? Os lobos deixaram de
caçar sozinhos.
Já com os gatos o processo
foi diferente. Estima-se que a
domesticação dos gatos teve um
forte impulso de agricultores, que os
usavam para proteger as plantações
de cereais de roedores. Mas já antes,
no Egipto, os gatos eram adorados
como se fossem deuses ou entidades
que simbolizavam sorte.
Desta forma, torna-se evidente como
esta sinergia entre ser humano e
animais é já antiga. Mesmo assim,
na nossa sociedade o abandono
de animais ainda é um fenómeno
generalizado. Com o fim do abate
de animais errantes e de companhia
conseguido pelo PAN nos Açores,
estes animais sofrem menos um
atropelo aos seus direitos.
É fundamental que as diferentes
forças políticas sigam o exemplo
do PAN, um partido que reconhece
a estes animais – e todos os outros
– a senciência e capacidades que a
ciência atesta. A verdade é que os
animais têm hoje um papel muito
significativo na nossa sociedade e
que, sem eles, a nossa vida seria
bastante diferente.
23 de Fevereiro de 2021 é, por isso,
uma data que deve ser relembrada
com um momento progressista, um
momento de viragem para possibilitar
o debate de novos temas. Da parte do
PAN, uma certeza: continuaremos a
levar à discussão pública as questões
transversais à nossa sociedade. Uma
sociedade em que se incluem as
Pessoas, os Animais e a Natureza.
022 NOABR21 NOABR21 023
REPORTAGEM PUB.
REPORTAGEM
PUB.
024 NOABR21 NOABR21 025
REPORTAGEM
REPORTAGEM
PORTUGAL
ENQUANTO NAÇÃO ESPACIAL:
UMA ESTRATÉGIA PARA UM FUTURO tecnOLÓGICO
ANA SOFIA MASSA
No final de 2000, Portugal tornou-se
membro da Agência Espacial Europeia
(ESA) e o Espaço e a utilização de
tecnologias espaciais sofreram uma
evolução substancial. A participação
do nosso país na ESA, que conta com
a colaboração do Instituto de Apoio
às Pequenas e Médias Empresas e à
Inovação (IAPMEI) e da Autoridade
Nacional de Comunicações (ANACOM),
tem contribuído para a criação de um
conjunto de empresas e instituições
científicas e tecnológicas, cujo objetivo
é desenvolver e disponibilizar soluções
para os desafios científicos e tecnológicos
que se colocam neste setor.
Atualmente, observam-se
mudanças estruturantes no
setor espacial, quer seja pela
crescente implementação
de tecnologias e serviços
espaciais no dia a dia da
população, como também
na difusão de sistemas
educacionais. Nos últimos
anos tem-se verificado um
forte investimento neste setor,
formando assim um novo
“ecossistema empresarial”
(p.7). Todavia e atendendo a
que este é um dos setores que
mais evolui tecnologicamente
e a velocidades difíceis às
vezes de acompanhar, muitos
países têm definido novas
linhas de posicionamento
estratégico, de maneira a
influenciar investimentos
futuros no setor.
Neste âmbito, Portugal
apresenta assim uma
estratégia, alinhada com a
sua localização geográfica
e com o seu ecossistema
científico e empresarial, mas
também com a ambição de
um novo posicionamento a
nível internacional. Estabelece
ainda o desenvolvimento e
evolução dos quadros jurídico,
financeiro, institucional,
de internacionalização
e cultural/educacional
capazes de impulsionar o
desenvolvimento do sector
espacial em Portugal através
de iniciativas de carácter
nacional e da cooperação
internacional para a próxima
década.
Depreende-se assim que, quer
no território continental como
nos arquipélagos
dos Açores e da
Madeira, há que
continuar a apoiar
o crescimento deste
setor. Após a adesão
à ESA, Portugal
tem revelado uma
rápida adaptação
e integração
nos programas
espaciais. Como
resultado deste
investimento, o
ecossistema espacial
026 NOABR21
NOABR21 027
REPORTAGEM
REPORTAGEM
A SEGURANÇA E O BEM-ESTAR DA
SOCIEDADE “DEPENDEM CADA VEZ
MAIS DA INFORMAÇÃO E DOS SERVIÇOS
PRESTADOS A PARTIR DO ESPAÇO
empresarial português tem um retorno
económico superior a 120% na última
década, envolvendo uma força total
de trabalho de mais de 1400 pessoas,
incluindo 300 engenheiros qualificados,
e gerando um volume de negócios
relacionados com tecnologias espaciais
de cerca de 890 milhões de euros entre
2006 e 2015.
De acordo com uma publicação da
Fundação para a Ciência e a Tecnologia,
“Estratégia Portugal Espaço 2030.
Uma Estratégia de Investigação,
Inovação e Crescimento para Portugal”,
Manuel Heitor, Ministro da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior, afirma
que a segurança e o bem-estar da
sociedade “dependem cada vez mais
da informação e dos serviços prestados
a partir do Espaço, sendo de assinalar
a transferência de competências
adquiridas entre este setor e outros
como a agricultura, as pescas, a
monitorização de infraestruturas, o
desenvolvimento urbano, a defesa e a
segurança, e mesmo o setor da saúde
pública e monitoração de epidemias”
(p.7). Depreende-se, então, que a
aposta do Espaço na sociedade europeia
continue a aumentar, atendendo a que
atualmente a Europa cada vez mais se
torna unificada e mais próxima a nível
social.
Esclarece ainda Manuel Heitor que
“o Espaço deve ser
encarado como um bem
público, a associar às nossas
instituições e ambições
coletivas, sendo crítico
democratizar o acesso ao
Espaço. É neste âmbito que
as tecnologias espaciais
são incontornáveis para o
futuro da Humanidade”
(p.7), requerendo, assim,
continuar o investimento
na educação e cultura
para o Espaço, por forma
a atrair jovens cientistas e
engenheiros e a estimular
o interesse pelas áreas
da ciência, tecnologia,
matemática, entre outros.
O objetivo principal recai
na possibilidade de as
tecnologias espaciais
poderem ser um
instrumento através do
qual seja possível “capacitar
o Mundo para a Paz” (p.7).
Atendendo ao presente
projeto, a análise
da Organização
para a Cooperação
e Desenvolvimento
Económico (OCDE) ao
retorno do investimento
de Portugal na ESA
aponta para um efeito
multiplicador entre 4 e 5 do
financiamento público de
atividades de Investigação e
Desenvolvimento (I&D). “O
posicionamento atlântico
de Portugal é assim crítico
e abre novas oportunidades
no contexto internacional”
(p.9). De acordo com
Manuel Heitor, a localização
única da Região Autónoma
dos Açores assume uma
posição geoestratégica
adequada para a criação de
uma infraestrutura espacial
para o lançamento de
satélites. “A sua localização
em território da União
Europeia, no Espaço
Schengen, tão perto da
Europa Continental como
do continente americano
e com uma extensa
cobertura oceânica de mais
de 1500km em qualquer
direção, proporciona
vantagens absolutamente
únicas para a promoção e
desenvolvimento do “New
Space”, especialmente
através do reforço em curso
das infraestruturas de
monitorização de satélites,
como antenas, e, sobretudo,
a instalação de novos
serviços de lançamento
de satélites, incluindo o
028 NOABR21 NOABR21 029
REPORTAGEM
REPORTAGEM
HOJE PODEMOS DIZER QUE
OS AÇORES NÃO SÃO APENAS
MAR, SÃO TAMBÉM ESPAÇO
potencial para a instalação de um porto
espacial” (p.9). O desafio consiste, assim,
em garantir a instalação ao nível mundial
de um porto espacial aberto a todos os
operadores internacionais. Deste modo,
a “instalação de uma nova geração
de serviços de lançadores de satélites
ambientalmente sustentáveis e seguros,
abertos ao mundo, pode criar um novo
posicionamento de Portugal no mundo”
(p.9).
É neste contexto que o presente plano
“Portugal Espaço 2030”, aprovado pelo
Governo, mobiliza diversos setores da
sociedade para o Espaço, “valorizado
como um bem público” (p.9), potenciando
novas oportunidades de cooperação
institucional, industrial e internacional
e contribui para o desenvolvimento de
tecnologias inovadoras e competitivas
no mercado internacional. Para Manuel
Heitor, o desenvolvimento desta agenda
requer, também, o estabelecimento de uma
entidade reguladora que regista, autoriza e
regula as atividades e os objetos espaciais,
devendo funcionar como interlocutor
único entre o ator espacial e as entidades
públicas que, em razão da matéria, devam
intervir no procedimento. Estas entidades
devem ser criadas e reguladas através
de um quadro legal próprio, competitivo
internacionalmente.
Já Gui Menezes, antigo Secretário
Regional do Mar, Ciência e Tecnologia,
Governo Regional dos Açores, considera
ser “inegável a dimensão que a Região
Autónoma dos Açores confere a Portugal
por via da sua localização no centro
do Atlântico Norte. A essa dimensão
essencialmente marítima, junta-se uma
dimensão espacial que cada vez mais
deixa de ser objeto de análise e exploração
exclusiva das maiores potências. Hoje
podemos dizer que os Açores não são
apenas Mar, são também Espaço” (p.11).
Para o antigo Secretário, os Açores
desempenham um papel relevante fruto
dos investimentos que têm sido feitos
em infraestruturas, redes e projetos
relacionados com esta temática. Gui
Menezes começa por referir a integração
na rede NEREUS (Rede de Regiões
Utilizadoras de Tecnologias Espaciais)
desde a sua fundação, que tem permitido
acompanhar e contribuir para a definição
da Estratégia Europeia do Espaço. É
nos Açores que se encontra a primeira
estação da Agência Espacial Europeia
(AEE), instalada em Portugal e uma das
primeiras estações da rede ESTRACK,
com a capacidade de fazer rastreio de
lançadores de satélites, à qual foi anexado
um dos elementos do segmento terrestre
do sistema global europeu de navegação
por satélite, uma Galileo Sensor Station.
“Ainda neste âmbito, os Açores estão a
apostar na instalação de duas estações
de radioastronomia integradas na Rede
Atlântica de Estações Geodinâmicas
Espaciais (RAEGE) que, fazendo uso
de meios tecnológicos de rádio, tempo
e frequência, se constituem como as
mais adequadas infraestruturas para
a observação do Espaço profundo
e das fontes geradoras de sinal
eletromagnético que o constituem”
(p.11).
De acordo com Gui Menezes, é fulcral
para a Região continuar a apostar
não só nas tecnologias espaciais e
infraestruturas com elas relacionadas,
mas também em infraestruturas de
armazenamento, processamento
e disponibilização de dados de
observação da Terra e de serviços deles
derivados. Por exemplo, ao usufruir
da proximidade das infraestruturas
de receção de dados provenientes
dos satélites Sentinel, os Açores
“poderão oferecer uma plataforma
de apoio aos programas Copernicus
e Galileo”. Para além disso, o antigo
Secretário defende que há que apostar
no desenvolvimento científico e em
áreas como o Oceano, a Atmosfera e o
Clima, atendendo a que estas áreas de
investigação, bem como as de ponta,
poderão “beneficiar da aplicabilidade
de dados de observação da Terra e do
Espaço e do envolvimento da Região
na criação do Atlantic International
Research Centre (AIR Centre)” (p.11),
cuja sede poderá ser nos Açores. “Todas
as ilhas possuem um conjunto de
030 NOABR21 NOABR21 031
REPORTAGEM
REPORTAGEM
instalações, equipamentos e serviços
de apoio à atividade empresarial, como
portos, aeroportos, estradas e ainda
parques tecnológicos e industriais, com
excelentes infraestruturas, e uma rede
de comunicações de transmissão de alta
velocidade que liga os Açores a todo o
mundo” (p.12).
Também Paulo Ferrão, presidente
da FCT, considera que o Espaço tem
despertado nas últimas décadas uma
“ambição de explorar novas fronteiras,
de promover melhor conhecimento
da Terra e de disponibilizar sistemas
globais de comunicação, o sonho de
protagonizar a aventura espacial e o
conhecimento de base científica que
indiscutivelmente está associado ao
lançamento de veículos espaciais, à
operação de satélites ou à exploração do
espaço” (p.15).
Nesta estratégia apresentada, são
propostos três eixos estratégicos
principais que serão implementados
em colaboração com a ESA, a Comissão
Europeia e outros parceiros. No que
concerne ao Eixo 1, pretende-se
estimular a exploração de dados e sinais
espaciais através de serviços e aplicações
de base espacial ou habilitadas por
tecnologias espaciais, promovendo novos
mercados e o emprego qualificado em
diversas áreas. O Eixo 2 visa fomentar
o desenvolvimento, construção e
operação de equipamentos, sistemas e
infraestruturas espaciais e de serviços
de produção de dados espaciais, com
ênfase em mini, micro e nano satélites,
mas também abrindo novas áreas de
intervenção em Portugal para serviços
de lançadores e alargando as atuais
atividades de monitorização e rastreio
de satélites e observação da Terra. Por
fim, o Eixo 3 pretende continuar a
desenvolver a capacidade e competências
nacionais na área do Espaço através
da investigação científica, inovação,
educação e cultura científica, permitindo
a sustentabilidade a longo prazo das
infraestruturas, serviços e aplicações
espaciais.
A Estratégia Portugal Espaço
2030 preconiza, para o
desenvolvimento dos três eixos
apontados, o desenvolvimento
de um programa-quadro
envolvendo cinco linhas de ação
jurídica, financeira, institucional,
de internacionalização e de
cultura científica. No quadro
financeiro, prevê-se estimular
uma estratégia de investimento,
começando por complementar
e alargar o atual nível de
investimento público na ESA,
suportado financeiramente
através da FCT, I.P., com o apoio
do IAPMEI e da ANACOM,
bem como adequar os fundos
estruturais e programas de
financiamento público ao
desenvolvimento e capacitação
do setor do Espaço, de modo
a que o investimento no setor
possa alcançar um fator de
multiplicação de cinco nos
próximos cinco anos; e promover
a diversificação das fontes
de investimento, incluindo o
acesso ao Banco Europeu de
Investimento, entre outros
fundos internacionais.
No quadro institucional, está em
vista a criação de um “agente
regulador das atividades espaciais
em Portugal, responsável por
executar ações para monitorizar
032 NOABR21 NOABR21 033
REPORTAGEM
REPORTAGEM
e regular atividades espaciais em
Portugal, em linha com o projeto de
proposta de lei de acesso e exercício
de atividades espaciais” (p.34);
bem como de um “agente promotor
adequado e específico para o setor do
Espaço, com vista à futura criação da
Agência Espacial Portuguesa” (p.34).
Está também prevista uma missão de
preparação para a criação da agência
espacial com o apoio da ESA, de
especialistas internacionais, cabendo
assim assegurar a nova antena de 15
metros a ser instalada na ilha de Santa
Maria, a qual será propriedade da FCT,
I.P.; explorar a possibilidade da criação
de um centro de dados do Programa
Copernicus em Portugal, o qual iria
auxiliar na disseminação de dados,
entre outras estratégias.
No âmbito da internacionalização,
prevê-se o desenvolvimento de
uma “agenda para o Mediterrâneo,
garantindo a integração de dados
espaciais para o desenvolvimento
agroindustrial, a sustentabilidade
energética e a gestão da água,
através da cooperação com países
do Norte de África e Médio Oriente,
designadamente no quadro do
lançamento emergente a nível europeu
do Programa PRIMA (Partnership
for Research and Innovation in the
Mediterranean Area)” (p.35), assim
como a possibilidade de criar novas
parcerias internacionais com países
que ainda não desenvolveram ou estão
em vias de desenvolver capacidades
espaciais.
Por fim, no quadro da educação e
cultura científica para o Espaço, o
objetivo centra-se no reforço de uma
“estratégia humanista para o Espaço”
(p.36) que passa por promover
programas de difusão da cultura
tecnológica para o Espaço, estimular
o enriquecimento dos currículos
escolares no âmbito de matérias
relacionadas com o setor espacial e,
por fim “lançar e promover um portal
na Internet que possibilite o acesso
público a informação sobre programas
espaciais, atividades científicas e
tecnológicas, recursos de disseminação
de imagens de satélite, oportunidades
de formação, exposições e conferências,
entre outros conteúdos” (p.36).
Revisitando as palavras de Gui Menezes
relativamente à posição “ímpar”
da Região Autónoma dos Açores,
detentora de uma Zona Económica
Exclusiva (ZEE) com uma área de
aproximadamente 1.000.000 km²,
poderá concluir-se que a região “tem
as premissas de base para garantir
o desenvolvimento decorrente desta
NUM FUTURO
PRÓXIMO,
PORTUGAL SE
POSICIONARÁ
COMO UMA
VERDADEIRA
NAÇÃO ESPACIAL
mudança” (p.12). Já Manuel Heitor
fornece uma perspetiva de “prestígio
nacional” (p.9), afirmando que, num
futuro próximo, Portugal se posicionará
“como uma verdadeira nação espacial,
com capacidade de assumir os
novos desafios do sector. Tal é, aliás,
imperativo para um país que se procura
afirmar no cenário internacional pela
ciência e inovação” (p.9).
Bibliografia:
Estratégia Portugal Espaço 2030. Uma
Estratégia de Investigação, Inovação e
Crescimento para Portugal, Aprovada
no Conselho de Ministros de 15 de
fevereiro de 2018. (Resolução n.º
30/2018), Publicada em “Diário da
República” (1.ª Série, n.º 50), 12 de
maço de 2018.
034 NOABR21 NOABR21 035
PUB.
REPORTAGEM
REPORTAGEM
PUB.
036 NOABR21 NOABR21 037
REPORTAGEM
A ENERGIA
RENOVÁVEL MARINHA
COMO ALTERNATIVA
O aproveitamento das ondas está em
fase de demonstração, ou seja, encontrase
em fase de teste no mar e apenas
alguns dos estudos alcançaram a fase
de testes no mar em condições reais,
nomeadamente, o projeto Pelamis,
Tecnologia Powerbuoy, Tecnologia BOLT,
Tecnologia WaveRoller, entre outros.
Devido aos estudos já desenvolvidos,
esta energia desempenha um papel
importante na transição para um
sistema energético global mais
sustentável.
Em Portugal existem três projetos
de demonstração da ERM: dois de
tecnologia das ondas (WaveRoller em
Peniche) e o Centro das Ondas na ilha
do Pico, nos Açores e um de energia
eólica offshore (projeto Windfloat na
Aguçadora).
A energia renovável marinha
(ERM) “é qualquer tecnologia
que extraia energia renovável
do oceano. Abrange as energias
eólicas (tanto longe como perto da
costa), as energias provenientes
das ondas, das correntes de maré,
do gradiente de salinidade e a
energia gerada pelas diferenças
de temperatura”.
SOFIA CORDEIRO
O Centro das Ondas na ilha do
Pico “foi, ao longo da última
década, um importante centro de
teste europeu para tecnologias de
energia das ondas à escala real”. Foi
construído entre 1996 e 1999 como
um “projeto piloto” de energia das
ondas, financiado por programas de
investigação e inovação da Comissão
Europeia (Projetos JOULE1), mas
também por financiamento nacional
(Programa Energia) e pelas empresas
EDP e Electricidade dos Açores
(EDA), sensivelmente em partes
iguais. A obra ficou concluída no
verão de 1998. Em setembro do
mesmo ano, durante a instalação do
equipamento elétrico no interior da
Central, ocorreu uma tempestade
que provocou uma inundação e
danos graves nos componentes
elétricos. Os primeiros testes da
Central atrasaram-se, por este
motivo, até ao verão do ano seguinte.
Só quatro anos mais tarde viria a ser
possível o funcionamento
NOABR21 039
REPORTAGEM
REPORTAGEM
regular da Central, com o apoio
do Programa PRIME (DEMTEC)
da Agência Nacional de Inovação.
O Programa de Incentivos à
Modernização da Economia
(PRIME), lançado em 2003, tinha
um instrumento de financiamento,
designado DEMTEC, para apoio a
“projetos piloto” relativos a soluções
tecnologicamente inovadoras.
Foi no âmbito deste programa
nacional financiado pela Agência
de Inovação (atual ANI – Agência
Nacional de Inovação), que o
WavEC, criado em 2003, mobilizou
o apoio de parceiros portugueses
para submeter uma proposta de
recuperação e arranque da Central
do Pico.
A Central de Ondas da Ilha do Pico
“é uma versão costeira de uma
tecnologia designada por ‘Coluna
de Água Oscilante’, vulgarmente
conhecida pela sigla CAO. Esta
tecnologia é constituída por uma
estrutura oca, neste caso em betão,
formando uma câmara pneumática
sobre a superfície livre interior
da água. A câmara comunica
com a atmosfera (lado de terra),
através de uma conduta contendo
uma turbina de ar acoplada a um
gerador elétrico, e com o mar
exterior através de uma abertura
submersa, existente na parede
frontal da câmara. As ondas do
mar, ao propagarem-se para o
interior da câmara através da
abertura submersa, fazem oscilar
verticalmente a água no seu interior.
Consequentemente, movimenta-se
um fluxo de ar interior em sentidos
alternados, através da conduta que
liga a câmara à atmosfera. Esta
passagem de ar aciona a turbina
instalada na conduta, que deve ser
de escoamento reversível (isto é,
a turbina roda sempre no mesmo
sentido independentemente do
escoamento de ar ser de ou para a
atmosfera)”.
Os dados adquiridos na Central
do Pico, ao longo de vários
anos de operação, “têm sido
fundamentais para a melhor
compreensão deste tipo de
tecnologia”. A instrumentação
instalada para análise em tempo
real das condições do mar e de
operação da turbina “permitiram
tirar conclusões importantes sobre
o projeto deste tipo de centrais”.
O gráfico abaixo representado
mostra a evolução da produção
de energia elétrica nos últimos 10
anos de operação da Central. A
melhoria gradual das condições de
funcionamento nos primeiros três
anos “traduziu-se num aumento
substancial de produção de
energia elétrica em 2010, ano em
que foram implementados, com
sucesso, a operação autónoma e o
controlo remoto da central (sem
operador local). Em 2011, uma falha
grave no gerador, seguida de um
problema no inversor, obrigaram
a uma paragem prolongada para
diagnóstico e reparação dos
problemas” assim como em 2017.
Figura 1 - Energia Elétrica produzida pela Central
nos últimos 10 anos
Brito e Melo, Ana. “Um olhar sobre a Central Piloto
Europeia de energia das ondas na ilha do Pico”. 2018.
WaVEC Offshore Renewables.
Segundo um documento elaborado
em 2018 designado por “Um olhar
sobre a Central Piloto Europeia de
energia das ondas na ilha do Pico”,
a autora, Ana Brito e Melo, afirma
que a produção elétrica da Central
“ficou, no entanto, muito aquém
do previsto para uma Central de
400 kW de potência nominal. Os
constrangimentos financeiros não
possibilitaram a correção de todos
os problemas técnicos e limitaram a
sua plena operação. As deficiências
040 NOABR21 NOABR21 041
REPORTAGEM
estruturais da Central, na sua parte
submersa, e o seu agravamento ao
longo dos anos inviabilizam a sua
continuidade por muito mais tempo”,
mas a central “cumpriu muito bem
o seu papel de unidade piloto, de
demonstração e de formação, sendo,
de longe, a central de energia das
ondas com mais longevidade, e, talvez,
com mais visibilidade do mundo”.
A autora adiciona que há vários
fatores que afetaram a imagem da
Central do Pico, nomeadamente “o
seu enquadramento arquitetónico
deficiente, a fraca disponibilidade
para campanhas de informação
e sensibilização pública e a falta
de condições para permanência
de equipas no local”. No entanto,
o principal fator que afetou a sua
reputação, quer nos Açores quer
no Continente, “foi uma errada
expectativa para a sua missão,
nomeadamente na altura em que foi
construída”.
Quanto à energia eólica offshore,
a Europa detém um elevado
potencial eólico offshore. O
continente europeu é, atualmente,
o líder mundial em parques eólicos
offshore. No fim do primeiro
semestre de 2011 estavam em
operação 1247 turbinas eólicas com
uma capacidade acumulada de 3294
MW, correspondendo a 49 parques
eólicos existentes em nove países
europeus. Em 2010 a capacidade
média de cada aerogeador instalado
era de 3,2 M em parque eólicos com
uma dimensão média de 155,3 MW.
“A integração na rede elétrica da
energia produzida nos parques
eólicos offshore apresentase
como um novo desafio”,
implicando custos elevados e
o desenvolvimento de novas
tecnologias, tais como navios de
instalação, subestações ou cabos
de transmissão. No entanto, são
vários os projetos que visam o
desenvolvimento de super-redes
de recolha e transporte de energia
eólica offshore.
Os custos de capital associados à
produção das energias renováveis
“são ainda demasiado elevados”
para que aquelas tecnologias sejam
competitivas. Os custos da energia
eólica offshore são, atualmente,
2,5 vezes superiores aos custos
da eólica em terra (onshore),
enquanto os custos da energia das
ondas são seis vezes superiores.
No entanto, os especialistas esperam
que essa diferença venha a diminuir
significativamente, o que indica
que pode surgir uma oportunidade
de investimento nesta indústria no
futuro.
NOABR21 043
REPORTAGEM
Em Portugal, o desenvolvimento
de energias offshore envolve
custos e riscos de desenvolvimento
muito elevados. Por isso, o
desenvolvimento deste tipo de
tecnologias necessita de apoio
financeiro, não só no apoio em
inovação e desenvolvimento, como
em cofinanciamento público-privado
dos projetos de demonstração,
e ainda de tarifas bonificadas à
produção de energias.
O investimento em fontes de energias
limpas pode resultar em diferentes
benefícios, o que poderá motivar o
apoio público. Estes benefícios são
efeitos externos da utilização desta
energia como a redução de poluentes
locais com populações, mas também
a redução de emissões de dióxido de
carbono e de poluentes atmosféricos e
ainda redução do impacto visual entre
outros.
Pelo contrário, existem também efeitos
negativos como os impactos causados
pelo ruído, perda de biodiversidade
associada à instalação e operação de
dispositivos de energia, mortalidade
de aves devido à colisão com turbinas
eólicas e impactos na biodiversidade
associados aos efeitos dos campos
eletromagnéticos produzidos pelos
cabos enterrados no fundo do mar.
Relativamente aos apoios ao
investimento nestas energias o
investigador privado não investirá sem
apoio público, pois as receitas de venda
de eletricidade não são suficientes para
compensar os custos de capital nos três
tipos de infraestruturas de ERM. “Estas
tecnologias ainda não atingiram um
nível de maturidade suficiente, ao
contrário do que tem sido observado,
por exemplo, na indústria de energia
eólica onshore”. Ainda que os custos
de capital tendam a diminuir ao longo
do tempo, os resultados deste trabalho
sugerem que a ERM (incluindo energia
eólica offshore, nearshore e energia das
ondas) não será competitiva mesmo no
longo prazo.
De acordo com Maria Cunha-e-Sá, Ana
Faria Lopes e Filipa Saldanha, “existem
muitos fatores ao nível local que são
cruciais para garantir a viabilidade das
ERM. Por exemplo, a profundidade no
local de instalação, a fonte de energia
(velocidade do vento ou energia das
ondas), a distância à rede elétrica,
entre outros. Foram analisados vários
locais ao longo da costa portuguesa
para perceber como é que, do ponto de
vista social, as diferentes características
locais podem influenciar a viabilidade
do investimento. No caso da energia
das ondas, concluiu-se que nenhum dos
locais selecionados parece ser viável
devido aos elevados custos de capital,
dado que se trata de uma indústria
nascente. No caso da eólica nearshore,
os impactos paisagísticos podem ser
determinantes. No que se refere à
NOABR21 045
REPORTAGEM
REPORTAGEM
energia eólica offshore, enquanto o fator
de capacidade (ou seja, a percentagem
de tempo durante o qual a turbina
eólica está a operar, dado os regimes
de vento) é particularmente relevante
para a instalação deste tipo de energia,
a distância à rede também se revela
importante”.
Ao nível de Inovação e Desenvolvimento
em Portugal, destaca-se um conhecimento
científico importante, reconhecido a nível
mundial, em particular na energia das
ondas fruto dos projetos de investigação
que têm sido desenvolvidos nas últimas
três décadas e dos pilotos pioneiros que
já foram implementados. Em particular, a
atividade de Inovação e Desenvolvimento
começou nos anos 80, com o
desenvolvimento dos primeiros trabalhos
em energias das ondas. Na década de 90,
os trabalhos continuaram sobretudo no
âmbito do desenvolvimento do primeiro
projeto de demonstração, a central do
Pico. No entanto, só em meados da
primeira década de 2000 existiu um maior
envolvimento de entidades portuguesas
neste sector, sobretudo a nível de projetos
Europeus.
De acordo com Maria Cunha-e-Sá, Ana
Faria Lopes e Filipa Saldanha, a indústria
das ERM é um “investimento de
longo prazo”. A energia eólica offshore
poderá ser viável do ponto de vista
social. Em Portugal, as Feed-in-Tariffs
(FiTs) têm sido utilizadas para apoiar
projetos de energia renovável. A decisão
de investir em energia eólica nearshore
“está altamente dependente dos custos
associados à degradação da paisagem
que dela pode resultar. Uma vez que não
existem estudos de valoração que estimem
esses custos para Portugal, utilizámos
estimativas obtidas em estudos
realizados noutros países, depois de
devidamente ajustados para Portugal”.
Os resultados do estudo realizados
pela “Iniciativa Gulbenkian Oceanos”
sugerem a necessidade de promover
uma visão “mais integrada e de longo
prazo” que garanta estabilidade à
indústria das ERM. Por exemplo,
o apoio às ERM, através de FiTs,
ou mesmo os objetivos nacionais
propostos para as ERM, conforme
definidos no Plano de Ação para as
Energias Renováveis (PNAER), “não
têm sido consistentes ao longo do
tempo”, o que reduz a capacidade
de atração dessas tecnologias em
Portugal. Uma visão de longo prazo
para a indústria ERM reduziria a
incerteza regulatória, contribuindo
para o cumprimento dos objetivos
estabelecidos na Estratégia Nacional
para o Mar e no PNAER.
A decisão de investir em energia eólica
nearshore “está altamente dependente
dos custos associados à degradação
da paisagem que dela pode resultar,
uma vez que não existem estudos de
valorização que estimam esses custos
para Portugal”.
Bibliografia:
Brito e Melo, Ana. Um olhar sobre a
Central Piloto Europeia de energia das
ondas na ilha do Pico. (2018). WaVEC
Offshore Renewables.
Cunha-e-Sá, Maria A.; Lopes, Ana
Faria; Saldanha, Filipa. Energias
Renováveis Marinhas em Portugal.
(2017). Fundação Calouste Gulbenkian.
Silva, C. A. S., Matias, S., Mafra, C.,
Sim-Sim, F., Estaqueiro, A., Simões, T.,
& Cardoso, A. (2011). Roadmap para
as energias renováveis offshore em
Portugal. LNEG/UESEO, Lisboa.
046 NOABR21 NOABR21 047
PUB.
REPORTAGEM
REPORTAGEM
PUB.
048 NOABR21 NOABR21 049
REPORTAGEM
TENDÊNCIAS GLOBAIS
DE EMPREGO PARA A
JUVENTUDE:
tecnologia e o futuro dos empregos
SARA BORGES
A tecnologia destruirá empregos e
agravará a desigualdade ou trará
empregos mais significativos e
sociedades mais saudáveis? Esta questão
preocupa a humanidade desde que o
avanço tecnológico assumiu alguns
trabalhos manuais e aglomera diversas
conspeções entre investigadores e
instituições.
Deste modo, o presente artigo pretende
identificar as inovações que podem
levar a novos modelos de oportunidades
de trabalho para os jovens, tendo por
base diversos estudos. O objetivo é
entender os principais pontos chave
de influência para trabalhar com as
organizações, corporações e outros
grandes empregadores na construção
de empregos futuros para os jovens, a
partir de hoje.
A pandemia Covid-19 e os
confinamentos induzidos juntamente
com a recessão global que se prosseguiu
criaram perspetivas altamente incertas
para o mercado de trabalho e obrigaram
a uma alteração dos modos de trabalho.
De acordo com o relatório - The
Future of Jobs - divulgado pelo Fórum
Económico Mundial, vão surgir
novas funções, mas também vai
haver menos procura de alguns dos
trabalhos já existentes, destacando-se
o “potencial” para trabalho remoto
ou híbrido.
Os jovens, de um modo geral, tendem
a ter mais dificuldades em posicionarse
no mercado de trabalho seja
devido à idade, à falta de experiência
ou à inadequada educação. Certas
subpopulações enfrentam barreiras
ainda maiores devido a fatores como
raça, sexo e status socioeconómico.
Esses desafios são intensificados durante
uma recessão económica e deste modo
é fulcral perceber como se integram os
jovens nestes cenários de instabilidade.
Algoritmos inteligentes e redes de
robóticas estão transformando o
significado do trabalho. De acordo com
o relatório elaborado pelo Institute for
the Future (IFTF), em parceria com The
Rockefeller Foundation’s U.S. Youth
Employment initiative, a automação está
cada vez mais a substituir trabalhadores
de trabalhos rotineiros de manufatura
e serviços. Muitos empregos básicos
de salário mínimo estão a tornarse
escassos. Além de tudo isso, o
percurso escola - trabalho já não
funciona como antes, “um diploma
universitário não é mais um bilhete
infalível para um bom emprego”,
defende o IFTF.
Deste modo, antes de procedermos aos
possíveis cenários para os jovens no
mercado de trabalho importa salientar o
modo como este, possivelmente, estará
organizado.
050 NOABR21 NOABR21 051
REPORTAGEM
REPORTAGEM
Neste aspeto, o relatório divulgado pelo
Fórum Económico Mundial fornece
informações detalhadas para 15 setores
da indústria e de 26 países avançados e
emergentes.
De um modo sintetizado o relatório denota
que é expectável que o ritmo de adoção
da tecnologia permaneça inabalável e
que até possa acelerar em algumas áreas.
Consequentemente, a pandemia juntamente
com a automação estão a criar um cenário
de “rutura dupla” para os trabalhadores.
Note-se que a automação é o ato de tornar
um processo manual num processo
independente de interação humana. Desta
forma, as empresas estão e vão permanecer
em processos de adaptação. Na avaliação feita
pelo Fórum Económico Mundial, 43% das
empresas, de vários sectores, estão a procurar
obter “mais automatização e reduzir a força
de trabalho” humano; 34% quer aumentar
a força de trabalho “como um resultado
da integração tecnológica mais profunda”,
enquanto 41% procura contratar pessoas
para tarefas especializadas. De acordo com
o relatório, em 2025, “o tempo gasto em
tarefas atuais no trabalho por humanos e
as máquinas serão iguais” (2020, p. 5).
exacerbada devido ao duplo impacto da
tecnologia e a recessão pandémica”, refere
o relatório. Assim, prevê-se que, até 2025,
85 milhões de empregos no mundo sejam
adaptados de forma a conciliar o trabalho
entre humanos e máquinas. Além disso,
espera-se que possam surgir 97 milhões
de novas funções que permitam também
esta divisão laboral, mas com a inserção de
algoritmos.
No entendimento do Fórum Económico
Mundial, “durante a última década, um
conjunto de inovações e tecnologias
emergentes sinalizaram o início da quarta
revolução industrial” (2020, p. 8). Esperase
que mesmo aqueles que mantenham os
empregos necessitem de atualizar 40% das
competências para o futuro mercado de
trabalho, por forma a responder à quarta
revolução industrial. Além disso, conclui-se
também que o sector público precisa de dar
um apoio mais forte para a requalificação e
qualificação dos trabalhadores em risco de
perder o emprego ou vê-lo adaptado. Apenas
21% das empresas dizem “ser capazes de usar
fundos públicos para apoiar os funcionários”
(2020, p. 48) de forma a conseguirem
atualizar as suas competências.
Em relação à questão abordada na
introdução deste artigo, este relatório
projeta que, a médio prazo, “o trabalho
destruído provavelmente será compensado
pelo crescimento do emprego nos jobs of
tomorrow”, assim estes trabalhadores podem
preencher empregos na economia verde,
nas funções de vanguarda da economia de
dados e IA, como também em novas funções
na área de engenharia, computação em
nuvem e desenvolvimento de produtos. No
entanto, importa realçar que a criação de
novos empregos é mais lenta que a destruição
de antigos ofícios e a ausência de esforços
proativos, pode provocar uma “desigualdade
Assim, o Fórum Económico Mundial,
em parceria com o Fundo Monetário
Internacional, prevê que possam vir a
emergir novos empregos no campo da
tecnologia, como analistas e cientistas
de dados e especialistas em inteligência
artificial, e de profissões ligadas à
estratégia e ao marketing digital, como a
gestão de redes sociais, vendas e produção
de conteúdos, que permite trabalhar com
vários tipos de pessoas. Por outro lado, vai
reduzir a procura por empregos ligados à
administração, à montagem, à reparação e ao
atendimento ao público.
Relativamente às soft skills, em 2025, de
acordo com o relatório, vão ser valorizadas
as capacidades de “pensamento analítico
e de inovação”, a “resolução de problemas
complexos”, a “criatividade, originalidade e
a iniciativa”, a “flexibilidade”, bem como a
“gestão do stress” e a “inteligência emocional”
dos empregados.
Portanto, a questão mais relevante para as
empresas, governos e indivíduos não é até
que ponto a automação e aumento da força de
trabalho humano afetará os números atuais
de empregos, mas de que modo o mercado
de trabalho pode ser apoiado de forma a
encontrar um novo equilíbrio na divisão de
trabalho entre trabalhadores humanos, robôs
e algoritmos.
O desemprego, seja causado por uma
economia lenta, impulsionadores tecnológicos,
ou falta de preparação, cria dificuldades
duradouras para a juventude e para a
economia do país como um todo. Desta
forma, importa perceber quais os cenários
de futuro que os mais recentes estudos
indicam. Para tal, recorreremos a dois estudos
diferentes que preveem mundos alternativos
de trabalho. O primeiro incide no relatório
intitulado - The Future of Youth Employment
052 NOABR21 NOABR21 053
REPORTAGEM
elaborado pelo Institute for the Future (IFTF)
e o segundo da responsabilidade da Hesse e
Olsen denominado - What will work look like
in 2030?
Em relação ao relatório do IFTF, este recorre
a uma metodologia de cenários alternativos
desenvolvida na Universidade do Havaí para
quatro futuros arquetípicos: crescimento,
colapso, restrição e transformação. Sendo
assim, cada perspetiva de futuro agrega um
conjunto de elementos-chave, como também
recomenda estratégias-chave que podem ser
usadas por empregadores preocupados em
promover a preparação e o desenvolvimento
da força de trabalho para os jovens, e
recomendações de políticas para o governo.
Desta forma, os principais elementos e políticas
públicas recomendadas para cada cenários são
os seguintes:
Para o cenário de crescimento verifica-se
uma economia flexível, onde o mercado de
trabalho favorece “a elevada qualificação
dos funcionários em certos setores de
crescimento”. O mercado de trabalho é
“altamente fluido com abundância de novas
oportunidades”, mas as habilidades do
trabalhador devem ser “constantemente
atualizadas”. Em relação à educação, esta
expande-se em “instituições para o online e
espaços comunitários” e o “credenciamento
alternativo cresce e torna-se aceitável” (IFTF,
2014, p. 4).
Em termos de políticas públicas, o estudo
defende para este cenário a “subsidiação
do custo do emprego inicial para ajudar
jovens desfavorecidos”, como também
a implementação de “currículos de
aperfeiçoamento online e no trabalho”. Na
sequência do estudo, as empresas deveriam
receber incentivos para desenvolver e
distribuir material didático online como uma
ferramenta para encontrar e promover novos
trabalhadores (IFTF, 2014, p. 6).
Seguidamente, na abordagem do cenário de
colapso, “The Growing Gap”, surge a automação
crescente que reduz o conhecimento do trabalho
e de empregos de salário mínimo. Neste ponto,
existem “mais estudantes universitários a graduarse,
mas a descobrir que a sua especialização não é
comercializável”. Como também o “governo enfrenta
crises e é incapaz de abordar necessidades de uma
forma sistemática”, a “economia informal e moedas
alternativas crescem” (IFTF, 2014, p. 7).
Para este cenário, as políticas públicas recomendáveis
focam na obrigação dos “empregadores a designar
um tempo para melhorar as habilidades” e
“reconstituir o trabalho organizado para sustentar os
salários e proteger os empregos” (IFTF, 2014, p. 9).
Em terceiro lugar, surge o cenário de restrição, que
incorpora um mundo com “poucas oportunidades
de crescimento novas e o foco das empresas é na
redução de custos”. Aqui “as redes de trabalho online
funcionam como um suplemento altamente eficiente
para os funcionários” e as “estruturas organizacionais
são apoiadas por software de coordenação que
substitui a hierarquia tradicional” (IFTF, 2014, p. 10).
054 NOABR21 NOABR21 055
REPORTAGEM
De acordo com as caraterísticas do
cenário de restrição o estudo recomenda
as seguintes políticas públicas. Por um
lado, “melhorar a passagem da esfera
escolar para a esfera do mundo do
trabalho”, entre vários motivos, foca no
facto de os planos de carreira começarem
a ser definidos no ensino médio. Por
outro lado, defende a “promoção
da propriedade dos funcionários –
employee stock ownership (ESOPs)” ou
propriedade de ações por funcionários,
é quando os funcionários de uma
empresa possuem ações nessa empresa.
ESOPs demonstram que aumentam a
produtividade do trabalhador, segurança
económica e compensação (IFTF, 2014,
p. 12).
Por último, no cenário de transformação
ou transformista encontramos o
“indivíduo amplificado”. Neste ponto,
os “custos de coordenação caem
significativamente”, o “capital para
empresas de crowdfunding, bancos e os
VCs fluem livremente”. Este cenário é
“altamente empreendedor para empresas
e mentalidades flexíveis” e o “equilíbrio
de poder muda de grandes organizações
para indivíduos” (IFTF, 2014, p. 13).
E como políticas públicas para este
cenário recomendam “disponibilizar
microcréditos para empreendedores de
renda baixa”, como também, promover
“módulos de empreendedorismo em
toda a educação”, e por fim, “apoiar
o desenvolvimento de negócios
cooperativos dos trabalhadores” (IFTF,
2014, p. 15).
Em suma, os quatro cenários neste
relatório fornecem uma experiência
numa ampla gama de desafios
enfrentados por jovens desfavorecidos
no futuro emergente. Os autores
do estudo realçam que “todos esses
cenários estão já acontecendo, até certo
ponto e numa escala de cidade por
cidade. A partir daqui o futuro não irá
evoluir exatamente como descrito em
qualquer um dos quatro cenários, mas
provavelmente entrelaça os elementos
de cada um”. Assim, defendem que
“será importante para as partes
interessadas perseguir um portfólio
de estratégias e políticas durante os
próximos dez anos para tirar jovens
desfavorecidos do desemprego” (IFTF,
2014, p. 16).
Concluída a exposição da teoria
desenvolvida pelo Institute for the
Future, passamos agora a demonstrar
a teoria elaborada por Hesse e Olsen
da PricewaterhouseCoopers (PwC).
Esta perspetiva contém quatro mundos
alternativos de trabalhos, todos
com nomes e cores diferentes. Esses
exemplos, reconhecidos pelos autores,
como “extremos” de como o trabalho
poderia ser em 2030 são moldados
“pelas maneiras como as pessoas e as
organizações respondem às forças do
coletivismo e do individualismo, num
eixo, e integração e fragmentação, no
outro” (Hesse & Olsen, 2017). Desta
forma, existe o “mundo vermelho”, o
“mundo azul”, o “mundo verde” e o
“mundo amarelo”, cada um deles com
caraterísticas distintas.
056 NOABR21 NOABR21 057
REPORTAGEM
No “mundo vermelho”, a tecnologia permitirá
que “pequenas empresas explorem os vastos
reservatórios de informações, habilidades e
financiamento”. De acordo com Hesse e Olsen,
os “recursos humanos não existirão mais como
uma função separada e os empreendedores
contarão com serviços terceirizados para
processos de pessoal”, referindo que haveria
uma “competição feroz” por talentos, e aqueles
com habilidades futuras exigidas obterão as
maiores recompensas.
Para o “mundo azul”, os autores realçam que
as corporações globais tornar-se-ão “maiores,
poderosas e mais influentes do que nunca”.
Pois, as empresas contemplam o seu tamanho e
influência como a melhor maneira de proteger
as suas margens de lucro. E neste cenário, em
semelhança ao anterior, os melhores talentos
são disputados ferozmente (Hesse & Olsen,
2017).
Em relação ao “mundo verde”, este apresentase
como sendo um mundo coletivo e integrado,
onde a tónica está na responsabilidade ecológica.
Assim, “é movido pela necessidade de uma
consciência social poderosa”. Neste mundo e
tendo em conta a forte opinião pública, como
também a escassez dos recursos naturais e
as rígidas regulamentações internacionais, as
empresas promoverão uma “forte agenda ética e
ecológica” (Hesse & Olsen, 2017).
Por último, no atual quadro teórico, existe
o “mundo amarelo”. Aqui os trabalhadores
e empresas buscarão “maior significado e
relevância”. Os trabalhadores deparam-se com
uma maior autonomia, flexibilidade e realização
quando trabalham para organizações com
“fortes padrões éticos e sociais” (Hesse & Olsen,
2017).
Desta forma, Hesse e Olsen referem que estes
cenários podem parecer “improváveis” ou até
mesmo “caprichosos”, no entanto defendem que
o futuro é incerto e que “as respostas podem
não parecer óbvias hoje”, mas é a partir da
construção de diversos cenários que se deve
“enfrentar o futuro do trabalho com um maior
senso de confiança”.
Sendo assim, como devem os jovens, as
empresas e os próprios governos
preparar-se para a incerteza
existente no mercado de trabalho,
ainda mais com as consequências
da pandemia Covid-19? Neste
novo contexto, pela primeira
vez nos últimos anos, a criação
de empregos está começando a
ser ultrapassada pela destruição
e este fator está prestes a afetar
os trabalhadores desfavorecidos
com particular ferocidade, alerta
o relatório do Fórum Económico
Mundial. Este relatório indica
que à medida que os números
do desemprego aumentam,
surge cada vez mais a urgência
para expandir a proteção
social, incluindo apoio para os
trabalhadores que necessitam ser
realocados enquanto navegam em
direção a novas oportunidades
no mercado de trabalho e para os
‘empregos de amanhã’. Abordando
os atuais desafios apresentados
pelo COVID-19, em conjunto
com a rutura representada pela
mudança tecnológica, isto requer
uma inovação do serviço público
para o benefício de trabalhadores
afetados em todos os lugares.
É neste sentido que o Fórum
Económico Mundial defende que
“os governos devem buscar uma
abordagem holística, criando
ligações ativas e coordenação
entre provedores de educação,
habilidades, trabalhadores e
empregadores, e garantindo
eficaz colaboração entre
agências de emprego, governos
regionais e governos nacionais”
(2020, p. 49).
Bibliografia:
Institute for the Future. (2014).
The Future of Youth Employment.
Retrieved from https://www.iftf.
org/our-work/global-landscape/
work/the-future-of-youthemployment/
Forum Económico Mundial
(2020). The Future of Jobs.
Retrieved from https://www.
weforum.org/reports/the-futureof-jobs-report-2020
Hesse, Jeff; Olsen, Jeff. (2017,
dezembro, 18). What will work
look like in 2030? Retrieved from
https://www.strategy-business.
com/article/What-Will-Work-
Look-Like-in-2030
058 NOABR21 NOABR21 059
REPORTAGEM
REPORTAGEM
A pandemia
CLÁUDIA CARVALHO
O FUTURO DO TURISMO:
PARA QUANDO OS VALORES ANTES DA PANDEMIA?
Não será novidade afirmar-se que a pandemia
veio trazer graves constrangimentos ao nível
do desenvolvimento e progresso económico das
pequenas, médias e grandes empresas, em virtude
do lockdown geral por todos os países – esse é um
facto que une todos os dirigentes, especialistas e
empresários.
Com o primeiro confinamento em Wuhan,
epicentro do SaRS-COV-2, seguiram-se países
como Itália, França e Espanha e, posteriormente,
o resto do Mundo, que viram as suas economias
fortemente abaladas por um vírus sem precedentes
e que viria a alterar não só a economia, mas todo o
nosso habitus na vida em sociedade.
Depois dessa data, escusado será dizer que tudo
mudou. Há, sem dúvida, uma realidade antes e
depois desta pandemia. A barreira que as separa
não é visível, mas as pessoas certamente recordarse-ão
do momento em que foram, pela virtude dos
acontecimentos, obrigados a ficar em casa, porque
assim lhes era pedido. Alteraram a sua forma de
agir, de conviver e de comunicar. Adaptaram-se
a novas formas de trabalho, em que conciliar o
teletrabalho e a vida doméstica parecia a tarefa
mais difícil de todos os tempos.
Extensível a todas as áreas da nossa vida, a
COVID-19 provocou graves constrangimentos a
todos os setores da nossa economia, destacandose
o setor dos transportes como um dos que mais
sofreu com a pandemia. Todos nos lembramos,
decerto, das famosas imagens de aeroportos,
em todo o Mundo, com os seus aviões parados,
imagem nunca antes vista. Também através de
aplicações mobile que monitorizam o tráfego
aéreo, podíamos fazer a mesma comparação face
ao período homólogo. Usarmos printscreens
do tráfego aéreo de fevereiro de 2019 e 2020 é,
deveras, devastador e assustador para qualquer um
de nós.
060 NOABR21
NOABR21 061
REPORTAGEM
REPORTAGEM
Os números
Na verdade, no ano de 2019,
segundo especialistas, o turismo foi
responsável por 7% do comércio
global, sendo que, nesse ano,
se registaram 1.500 milhões de
entradas de turistas internacionais e
outros 9 mil milhões de pessoas que
escolheram o seu próprio país para
fazer turismo. O setor do turismo,
depois de quase duplicar o seu peso
entre 2014 e 2019, continuou a bater
recordes: as receitas na hotelaria
tiveram um crescimento de 9,9%
nos primeiros dois meses de 2020,
em termos homólogos.
Numa nota emitida pelas Nações
Unidas, com palavras do secretáriogeral
António Guterres, dizia que,
em todo o mundo, 1 em cada 10
pessoas estão empregadas na área
do turismo. “Só na Europa, milhões
de negócios e cerca de 27 milhões de
pessoas subsistem graças ao setor”.
Segundo um documento intitulado
“Turismo e COVID-19”, apresentado
pelo secretário-geral em agosto de
2020, que se baseia em dados da
Organização Mundial do Turismo,
apesar do início do ano de 2020
ter sido verificado um crescimento
contínuo no setor, a verdade é que,
“desde o início da pandemia, o
setor do turismo tem sido dos mais
afetados”.
A ONU estimava, em agosto de
2020, que a entrada de turistas
pudesse cair entre 58% e 78%,
colocando assim em risco cerca
de 120 milhões de empregos e
de pequenos comércios afetos ao
turismo.
Os dados recentemente divulgados
pela International Air Transport
Association (IATA), em novembro
de 2020, previam que o prejuízo na
indústria da aviação continuasse no
ano de 2021, “apesar da expectativa
de melhoria no desempenho durante
o período da previsão”. As previsões
apontam, para o ano de 2020, para
um prejuízo líquido estimado de
US$ 118,5 biliões e, para 2021, de
US$ 38,7 biliões.
No press divulgado pela IATA,
Alexandre de Juniac, diretor-geral
e CEO da associação, referiu que
“a história registará 2020
como o pior ano financeiro
do setor, sem dúvida alguma.
Em média, as companhias aéreas
cortaram despesas de US$ 1 bilião
por dia em 2020 e ainda acumularão
perdas sem precedentes”, tendo
ainda deixado o alerta: “se não
fosse a ajuda financeira de US$ 173
biliões dos governos, teríamos tido
falências em grande escala”.
E em Portugal?
De acordo com o Boletim Económico
do Banco de Portugal, datado de
maio de 2020, de entre os setores de
atividade com a maior redução de valor
acrescentado bruto (VAB), constam os
transportes aéreos, com -87.1%, bem
como o alojamento e restauração, com
-70.3%.
No caso português, a companhia área
TAP chegou ao mês de setembro do ano
transato com um prejuízo de 700 milhões
de euros, sendo que o terceiro trimestre
foi o menos negativo do ano de 2020,
com a transportadora aérea a registar um
prejuízo de 118,8 milhões. O grupo SATA,
por sua vez, fechou o terceiro trimestre
de 2020 com prejuízos de 61 milhões de
euros, valor superior aos 36,8 milhões do
período homólogo de 2019.
O estudo da OIT, intitulado “Portugal:
Uma análise rápida do impacto da
COVID-19 na economia e no mercado
de trabalho”, explica que as companhias
aéreas são um foco particular de
preocupação devido à combinação de um
choque imediato profundo e perspetivas
sombrias para o futuro próximo. Em
2020, diziam que, para “além dos
voos cancelados, estão a ser efetuadas
poucas reservas e provavelmente vão ser
impostas medidas sanitárias restritivas
às viagens aéreas (reduzindo as receitas e
aumentando os custos), sendo expectável
que a procura leve algum tempo a
recuperar”.
A Secretária de Estado do Turismo de
Portugal, Rita Marques, no Anuário
de Tendências do Turismo, escrevia,
em maio de 2020, de acordo com o
barómetro anual do World Travel &
Tourism Council (WTTC), que em cada
cinco euros de receitas que eram geradas
em Portugal, um euro provinha do
turismo.
062 NOABR21 NOABR21 063
REPORTAGEM
REPORTAGEM
Os dados revelam que o turismo, em
Portugal, cresceu no ano de 2019,
registando-se valores históricos:
Portugal recebeu 27 milhões de
hóspedes em 2019 e registou 69.9
milhões de dormidas, correspondendo
a taxas de crescimento superiores às
verificadas em 2019. O VAB gerado pelo
setor chegou a 8% do VAB nacional
e o setor empregava mais de 400 mil
pessoas, correspondente a 9% do total
do emprego nacional.
O mesmo estudo da OIT referia,
inclusive, que a maior preocupação
é o risco de colapso das atividades
de turismo e dos transportes, já que
as medidas de distanciamento físico
tiveram um impacto imediato na
procura do setor do turismo.
No final de abril de 2020, 59.4% das
empresas do setor do alojamento e
da restauração tinham encerrado,
temporariamente (53.9%) ou
indefinidamente (5.5%). Já nos
estabelecimentos de alojamento
turístico, quase 4/5 das reservas entre
março e agosto do ano transato tinham
sido canceladas.
O ano de 2020, segundo explica
a Secretária de Estado, prometia
números muito animadores, com taxas
de crescimento em janeiro e fevereiro
ao nível das dormidas de 8% e 15%
face aos períodos homólogos. “Todos
os sinais eram muitíssimo positivos,
fazendo crer que o ano de 2020 iria ser
absolutamente extraordinário”, explica
Rita Marques.
Os obstáculos
Num relatório publicado pela IATA
confirmava-se, efetivamente, que um dos
principais fatores que dificultou e ainda
dificulta a retoma do setor são, sem dúvida,
as restrições às viagens e às medidas de
quarentena, “que impedem a volta das
viagens”. A solução mais imediata e adotada
por vários governos é, conforme explicam,
“a reabertura segura das fronteiras usando
testes sistemáticos para a COVID-19. A
longo prazo, a ampla disponibilização
de vacinas deve manter as fronteiras
abertas sem testes, mas o prazo para a
disponibilização dessas vacinas é incerto”.
À mesma conclusão chegaram a European
Travel Comission (ETC) e a Tourism
Economics (TE) que, num webinar
realizado em janeiro de 2021, debatiam as
tendências no turismo verificadas no final
de 2020 e as perspetivas que se poderiam
avizinhar para 2021 e anos conseguintes.
De acordo com a ETC e a TE, a ideia
principal é a de uma grande incerteza
sobre o que poderá ser e significar o
setor durante este ano. A incerteza,
segundo explicam, está relacionada com
o grau de sucesso nos programas de
vacinação nacionais, com a abertura e
encerramento de fronteiras e com o ritmo
de recuperação da economia mundial e do
emprego.
O estudo realizado pela OIT reiterava, de
certa forma, aquilo que já fora anunciado
por outros especialistas: “a incerteza, o
medo e a falta de confiança podem levar
a uma crise prolongada no setor”
064 NOABR21 NOABR21 065
REPORTAGEM
REPORTAGEM
Futuro e possíveis
cenários
Apesar de ressalvarem que as
perspetivas, naquela altura, já
permitiam algum otimismo, a
recuperação dos níveis dos fluxos
turísticos verificados em 2019, segundo
a ETC e a TE, “só ocorrerá entre 2023
e 2025”. Para ambas as entidades,
os desafios colocados à distribuição
da vacina influenciarão o nível de
recuperação e os impactos da recessão
económica farão, em última instância,
retrair a procura, especialmente nas
viagens de curta distância.
Ainda sobre o Anuário de Tendências
do Turismo de 2020, consta um
artigo de opinião de Peter Tarlow,
presidente das empresas Tourism &
More e SaferTourism, que defendia
que o turismo não pode estar em
“hibernação” de forma prolongada.
Apesar de Peter Tarlow reconhecer
que o futuro do setor é ainda uma
incógnita, explicou que existem dois
cenários: uma escola de pensadores
que acredita que o turismo sofrerá
grandes mudanças e que não voltará
aos padrões que existiam antes da
pandemia vs os defensores de que, após
o confinamento obrigatório e assim
que lhes seja permitido, os turistas
vão ter um enorme desejo de viver,
acumular experiências e viajar. “Numa
análise global, acredita-se que haverá
uma conjugação destes dois pressupostos.
Espera-se que alguns segmentos do
mercado queiram viajar brevemente
para destinos internacionais, enquanto
outros vão apostar nas férias locais/
domésticas”.
Também as conclusões da ETC e da
TE explicam que os turistas optarão,
inicialmente, por viagens de proximidade,
sobretudo turismo doméstico e
sobrevalorizando os modos de viagem
sustentáveis e as viagens de lazer
liderarão o processo de recuperação do
turismo, relegando o turismo de negócios
para uma posição de menor relevância.
Na publicação do “Guia para a Retoma
do Turismo”, autoria do Instituto de
Planeamento e Desenvolvimento do
Turismo (IPDT), a Secretária de Estado
do Turismo defende que, ultrapassada
a fase da pandemia, é preciso reforçar
esforços no sentido de retomar o caminho
que estava a ser trilhado na prossecução
das metas da Estratégia Turismo 2027,
“inovando e trabalhando para que
Portugal seja reconhecido como líder do
turismo do futuro”.
Para Rita Marques, é preciso inovar
na oferta, adaptando-a às novas
tendências da procura. Será certo que
o cliente de ontem não será o mesmo
que o de amanhã, que procurará,
em primeiro lugar, mais
segurança: “a implementação de uma
política de informação que permita uma
comunicação clara quanto à identificação
066 NOABR21 NOABR21 067
REPORTAGEM
de eventuais desafios de segurança,
bem como o controlo de possíveis
riscos inerentes à prática turística
e ainda a divulgação de informação
sobre a oferta de serviços de apoio
em casos de emergência, que se
tornará numa prioridade”.
Será ainda premente que o cliente
comece a procurar maior
flexibilidade aquando da
escolha do destino turístico,
fator que deverá ser acompanhado
pela inovação, de forma a conferir
mais direitos aos turistas em matéria
de viagens, nomeadamente no que se
refere aos requisitos de informação
ou à responsabilidade de cada parte
pela execução da viagem.
A Secretária de Estado considera,
também, que o cliente procurará
mais atividades de nicho, nas quais
a saúde e experiências ao ar livre
serão fatores inovadores, daí que
se imponha “trabalhar a oferta que
privilegia a Natureza”.
Num inquérito realizado pelo IPDT,
é referida uma tendência que se
poderá vir a verificar nos próximos
tempos: o peso do preço deixará
de ser tão determinante, já que, a
curto-prazo, o turista irá priorizar
a segurança, optando por destinos e
ofertas ligeiramente mais caras caso
possam usufruir de experiências
mais seguras.
Na verdade, um estudo da Singerman
e Makon, de agosto de 2020, refere
que mais de 70% das pessoas não
ponderavam viajar para um destino
que registe indicadores altos de
transmissão de COVID-19, “mesmo
que os preços praticados ao nível do
turismo sejam baixos”.
Apesar de a ETC e a TE terem
referido, como acima foi
mencionado, que os valores do
turismo a nível global 2019 só
deveriam começar a verificar-se
entre 2023-2025, no inquérito do
IPDT, sobre a retoma do Turismo,
onde 56% dos inquiridos afirmavam
que o ano de 2022 já será um ano de
progresso e onde serão alcançados os
resultados de 2019: “acredita-se que
em 2022 a pandemia de COVID-19
estará ultrapassada. As pessoas vão
sentir-se mais seguras para viajar e
o ecossistema turístico recuperará,
o que tornará possível alcançar
resultados próximos dos registados
em 2018 e 2019”.
A comunicação dos destinos será
determinante para a retoma do setor,
dizem os especialistas. O inquérito do
IPDT revelou que 75% dos inquiridos
concordam com a afirmação “os
destinos que tiverem os canais de
comunicação ativos e atualizados vão
sair na frente da corrida na preferência
dos turistas”.
O turista, antes de fazer qualquer
tipo de reserva, irá, provavelmente,
procurar informação sobre a evolução
pandémica no destino, daí que a
disponibilização organizada dos dados
num portal será uma mais-valia para
qualquer destino. Também as medidas
de entrada no país, como já se fez
referência ao longo do texto, serão
fator influenciador para as reservas.
No futuro, a estadia média não deverá
diminuir e os gastos dos turistas
devem aumentar – são também
algumas das conclusões do inquérito
do IPDT. O slow tourism vai marcar
o futuro do turismo, que contribuirá
para que a estadia média não sofra
grandes diminuições. Assim sendo, os
turistas vão procurar a oportunidade
068 NOABR21 NOABR21 069
REPORTAGEM
REPORTAGEM
de se tornarem parte dos
destinos, num ritmo de viagem
que lhes permita estar em
contacto com a comunidade
residente e a aprender a cultura
local. Contribuir para o comércio
local será ainda uma tendência
para que o IPDT aponta,
aumentando assim os gastos
durante a viagem: “também o
desejo de conhecer a cultura e a
gastronomia local serão fatores
que vão influenciar o aumento do
valor médio gasto por turista”.
Na verdade, seja qual for o futuro
do turismo, uma coisa é certa
– o comportamento do turista
não será mais igual. Teses de
pensadores de que as pandemias
serão cada vez mais recorrentes
poderão fazer-nos concluir que,
tal como antevia o Secretário
Geral da OMT, o turismo de
massas poderá chegar ao fim.
Com o seu fim, haverá espaço
pela procura de um turismo
de segurança, qualidade e com
menor fluxo de visitantes, com
novas formas de se oferecer
o destino e a experiência
turística. Afinal, aquilo que
tantos almejavam poderá
ser consequência do período
pandémico que ainda vivemos.
Fluxos turísticos controlados,
ou pelo menos a diminuição na
procura de destinos massificados
– é isso que os especialistas
projetam, mas tal como a
pandemia e em virtude dela,
independentemente dos estudos
e análises que possam ser feitas,
aguarda-nos o futuro para
podermos saber qual será o novo
panorama, a nova regra.
Bibliografia
Banco de Portugal. (maio de
2020). Boletim Económico: A
economia portuguesa em 2019.
Retrieved from https://www.
bportugal.pt/sites/default/
files/anexos/pdf-boletim/be_
mai2020_p.pdf
Centro Regional de Informação
das Nações Unidas (2020).
O Futuro do Turismo: A
transformação pós-pandémica.
Retrieved from https://
unric.org/pt/o-futuro-doturismo-a-transformacao-pospandemica/
IATA. (2020). Prejuízo na
indústria da aviação segue em
2021. Retrieved from https://
www.iata.org/contentassets/9
8e73eed8f0642089447f885fbe
06e3b/2020-11-24-01-pt.pdf
IPDT. (2020). Turismo em
2020. Porto. IPDT Publishing
Retrieved from https://www.
ipdt.pt/publicacoes-turismo/
IPDT. (2020). Guia para a
Retoma do Turismo. Porto.
IPDT Publishing Retrieved
from https://www.ipdt.pt/
en/ipdt-e-book-guide-totourism-recovery/
Goodger, David; Sacks,
Adam (2021). TE-ETC
2020Q3 – Trends &
Prospects Travel Resilience
and Growth Opportunity
[Webinar]. Tourism
Economics and European
Travel Comission. https://
travelbi.turismodeportugal.
pt/pt-pt/Documents/
Comportamento%20do%20
Consumidor/etc-tourism-
trends-and-prospects-2020-
Q4-webinar.pdf
Organização Internacional do
Trabalho (2020). Portugal:
Uma análise rápida do
impacto da COVID-19 na
economia e no mercado de
trabalho. Retrieved from
https://www.ilo.org/lisbon/
publica%C3%A7%C3%B5es/
WCMS_754606/lang--pt/
index.htm
070 NOABR21
NOABR21 071
PUBLIRREPORTAGEM
IMPORTÂNCIA DE CRIAR UM
LOGÓTIPO PROFISSIONAL
Criar um logótipo é
essencial para qualquer
empresa, seja grande,
média, pequena ou
microempresa! Uma
empresa sem logótipo
é uma empresa sem
identidade, sendo
assim impossível de
ser reconhecida pelos
consumidores. Investir em
design gráfico é importante
e revela que a sua empresa
está verdadeiramente
empenhada em destacar-se
e oferecer valor aos seus
clientes.
E porque é importante
criar um logótipo para uma
empresa?
Um dos maiores erros que
você, como empresário,
pode cometer é fazer um
baixo investimento na
criação da identidade visual
da sua empresa. É meio
caminho para o insucesso.
Um logótipo criado por
uma empresa experiente
mostra:
1. PROFISSIONALISMO
A criação de logótipos é um
processo que implica análise
e pesquisa por parte de um
profissional qualificado,
desde pesquisar sobre a
concorrência, público alvo,
escolha de cores, definição
de tipografia, que formas e
símbolos usar e outros.
Todo este processo refletese
num logo cuidado e
pensado e os consumidores
apercebem-se disso. Mostra
que você colocou tempo
e dedicação na imagem
da sua marca, mostra
profissionalismo.
2. CREDIBILIDADE
Com certeza já lhe
aconteceu encontrar uma
empresa que tem um
logo claramente amador,
muitas vezes desajustado e
esticado, quando colocado
em materiais como flyers
ou imagens nas redes
sociais. À primeira vista, o
cliente não se sente muito
à vontade em comprar
daquela empresa. Criar um
logótipo profissional dá
segurança e confiança aos
consumidores, mostra que a
empresa tem credibilidade.
072 NOABR21
NOABR21 073
PUBLIRREPORTAGEM
PUBLIRREPORTAGEM
3. AUTENTICIDADE
Muitos pequenos
empresários recorrem
a serviços de design de
logótipo grátis. Usar
websites que têm a opção
de criar um logótipo grátis
pode ser um erro fatal. Para
além de mostrar falta de
profissionalismo, empenho
e credibilidade, existem
milhares de empresas com
o mesmo logo ou muito
parecido.
Isto é um problema
porque, primeiro, tira
todo o propósito de uma
identidade visual, que é a
autenticidade, e segundo,
porque pode receber
uma grande multa ou um
processo por usar um
logótipo, que outra empresa
já registou como sendo seu.
RETORNO SOBRE O
INVESTIMENTO
É completamente
compreensível que, para um
negócio que está apenas a
começar, se tente reduzir
custos ao máximo. No
entanto, esta não é a área
em que deve poupar!
À medida que as pessoas
começam a conhecer
e confiar numa marca,
e ao ver o logótipo
sucessivamente em vários
lugares, é mais provável
que elas respondam
positivamente aos seus
produtos ou serviços. Desta
forma, há um aumento
de vendas ou um maior
reconhecimento da sua
marca por parte do seu público alvo. Para além disso, um bom
logótipo pode levar potenciais clientes a escolherem a sua
empresa, em vez de um concorrente com um logótipo amador.
Esperamos que este artigo lhe tenha sido útil e se precisar de um
logótipo profissional, criativo e autêntico, contacte-nos.
Visite o nosso portfólio e veja os nossos trabalhos de criação de
logótipos:
https://acorespro.com/portfolio/
074 NOABR21 NOABR21 075
13% DOS DOENTES
ONCOLÓGICOS
TIVERAM TRATAMENTOS
SUSPENSOS POR
INDICAÇÃO MÉDICA
Liga Portuguesa Contra o Cancro divulga
estudo sobre o impacto da covid-19 nos
doentes oncológicos
Liga Portuguesa Contra o Cancro
(LPCC), entidade de apoio ao
doente oncológico e seus familiares,
realizou um estudo de âmbito
nacional com o objetivo de avaliar
a perceção do impacto social,
económico e psicológico da pandemia
COVID-19 nos doentes oncológicos/
sobreviventes de cancro e em
familiares/cuidadores. O estudo
está disponível em https://www.
ligacontracancro.pt/impactocovid/.
Ao nível do acesso aos cuidados
de saúde, o estudo realizado a
mais de 900 doentes oncológicos/
sobreviventes de cancro e a mais
de 300 familiares/cuidadores,
residentes em Portugal, revela que
13% dos doentes oncológicos tiveram
tratamentos oncológicos suspensos
por indicação médica; dois em
cada dez doentes e um em cada dez
cuidadores ponderaram suspender,
por sua iniciativa, os atos clínicos, por
medo de se dirigirem aos hospitais e
ainda que 57% dos doentes tiveram
receio de serem infetados por outros
doentes e profissionais de saúde. No
caso dos cuidadores, 75% tiveram
receio que o doente de quem cuidam
pudesse ser infetado.
A nível psicológico, cinco em cada
dez doentes oncológicos apresentou
distress (sofrimento) emocional
significativo durante a pandemia,
valor que aumenta nos casos dos
doentes que tiveram tratamentos
suspensos (seis em cada dez doentes).
Ainda, seis em cada dez cuidadores
com distress emocional significativo –
os dados mostram que os cuidadores
dos doentes oncológicos revelaram
um maior impacto emocional durante
a pandemia do que os doentes.
De acordo com os mesmos dados, é
ainda possível concluir que três em
cada dez doentes oncológicos e quatro
em cada dez cuidadores manifesta
ansiedade significativa e que dois em
cada dez doentes oncológicos e dois
em cada dez cuidadores manifesta
depressão significativa.
“Além do enorme impacto que o
diagnóstico e o tratamento do cancro
representam, doentes, sobreviventes
e familiares e cuidadores são agora
confrontados com desafios adicionais,
que passam pela necessidade de
proteção em relação ao vírus, gerir
a ansiedade e incerteza quanto à
continuidade do tratamento médico,
e adaptar-se às alterações nas rotinas
diárias e familiares, incluindo
a privação da autonomia e dos
contactos sociais”, afirma Natália
ARTIGO TEMÁTICO | SAÚDE
Amaral, membro da Direção da
LPCC.
Por sua vez, um em cada dez doentes
e cuidadores diz ter sentido bastante
a muitíssima dificuldade em pagar
as despesas familiares, indicadores
que demonstram o relevante impacto
socioeconómico da pandemia nestes
doentes.
O estudo realizado pela LPCC revela
ainda que a maioria dos doentes
oncológicos considera-se um doente
de risco para a COVID-19 (maior
probabilidade de contágio e maior
vulnerabilidade a complicações) e que
o mesmo acontece com os cuidadores,
relativamente aos doentes que cuidam.
Cerca de um a dois em cada dez
doentes revelaram desconhecimento
sobre o seu nível de risco.
076 NOABR21 NOABR21 077
REPORTAGEM
ARTIGO TEMÁTICO | CIÊNCIA
UNIVERSIDADE DE ÉVORA
DESENVOLVEU PROCESSO
TECNOLÓGICO PARA A
PRODUÇÃO EM MASSA DE
TÚBERAS
ladanifer (esteva), foi alcançado,
permitindo a partir de agora a
sua produção em massa para
utilização em diversos setores.
As túberas ou criadilhas (Terfezia
arenaria e T. fanfani) caracterizam-se
por permanecer debaixo da terra até
à maturação dos esporos possuírem
uma forma arredondada, medir em
média 4 a 8 cm diâmetro, podendo
atingir 10 cm, surgindo apenas na
primavera e sendo mais comuns no
sul do nosso país, região Alentejo, em
solos arenosos e ácidos, ocorrendo
também, com menos expressão, na
Beira Litoral e na Beira Baixa.
Esta importante descoberta aguarda
atribuição de patente europeia
e segundo Celeste Santos e Silva,
professora do Departamento de
Biologia e investigadora no MED
uma das etapas cruciais deste
processo tecnológico foi o
isolamento do micélio de
Terfezia em cultura pura, ou seja
“conseguir fazer crescer este
fungo numa caixa de Petri com
ágar-ágar, que dá ao meio uma
consistência gelatinosa, e com
uma determinada composição
de nutrientes e minerais”.
Um resultado só possível graças a
muitas tentativas, até porque, como
explica a investigadora, “muitas
cepas não podem ser subcultivadas,
e assim até agora,
as poucas tentativas bemsucedidas,
principalmente
com Terfezia, apresentavam
um crescimento muito lento
Com utilização em diversos setores,
como farmacêutico, cosmético,
alimentação e agricultura,
investigadores da Universidade
de Évora (UÉ) desenvolveram um
processo tecnológico para a obtenção
de plantas inoculadas visando a
produção de túberas lançando as bases
para uma nova forma de produção
de alimentos com propriedades
nutracêuticas e a exploração
sustentável deste recurso micológico,
de uma forma sustentável, resiliente e
economicamente rentável.
As túberas são a frutificação hipógea
(cogumelos subterrâneos) de fungos
micorrízicos que se associam
tradicionalmente a raízes de plantas
anuais e o desafio de conseguir a
associação micorrízica deste fungo
com plantas perenes, como o Cistus
salviifolius (sargaço) e Cistus
078 NOABR21 NOABR21 079
REPORTAGEM
ARTIGO TEMÁTICO REPORTAGEM
| CIÊNCIA
e deficitário para que fosse
possível produzir micélio nas
quantidades adequadas”.
Esta invenção, desenvolvida na
Universidade de Évora, referese
assim ao processo que permite
melhorar o isolamento e a
manutenção da cultura de micélio de
espécies do género Terfezia. Este
género é considerado o mais
diverso, rico em número de
espécies, do grupo das “trufasdo-deserto”.
“Conseguimos
melhorar as taxas de
isolamento e aumentar a
proliferação de Terfezia spp de
forma confiável e reproduzível”
destaca assim a investigadora da
academia eborense.
“Esta investigação lançou ainda
as bases para uma nova forma
de produção de alimentos com
propriedades nutracêuticas”
destaca a Investigadora referindo-se à
combinação dos termos “nutrição” e
“farmacêutica” mostrando utilidade,
entre outros para o sector agroflorestal
e “que permitirá a
exploração sustentável deste
recurso micológico, de uma
forma sustentável, resiliente e
economicamente rentável”.
Celeste Santos e Silva frisa ainda que
a disseminação de plantas inoculadas
com Terfezia spp., “previne a
desertificação e erosão do
solo, reforça a integridade
e a multifuncionalidade
da paisagem e permite a
recuperação de áreas ardidas e/
ou com solos degradados’’.
A concretização desta nova forma de
produção assegura a investigadora
do MED “possibilitará a
criação de mais emprego,
invertendo a tendência atual
para a desertificação das áreas
rurais”.
Investigadores descobrem novas
espécies de túberas
Foi também no âmbito do projeto
“Micorrização de Cistus spp com
Terfezia arenaria (Moris) Trappe
e sua aplicação na produção
de túberas”, que o grupo de
investigadores liderados por
Celeste Santos e Silva realizou uma
prospecção exaustiva na procura de
túberas e descreveu duas novas
espécies para a ciência, referimonos
a Terfezia lusitanica e Terfezia
solaris-libera.
“É muito difícil identificar
novas espécies dadas a
características morfológicas de
Terfezia, que são visualmente
muito semelhantes entre si, e
aqui a biologia molecular foi
absolutamente fundamental”
explica a investigadora destacando
que foi possível “atualizar e resolver
problemas sobre a taxonomia e
filogenia (relação evolutiva entre
grupos de organismos), deste género”.
080 NOABR21 NOABR21 081
REPORTAGEM
REPORTAGEM
ARTIGO TEMÁTICO REPORTAGEM
| CIÊNCIA
UNIVERSIDADE DE ÉVORA
DESENVOLVE MOLÉCULAS
PARA TRATAMENTO DE
VÁRIOS TIPOS DE CANCRO
Uma equipa de investigação
liderada por Anthony Burke,
professor do Departamento
de Química da Universidade
de Évora (UÉ) desenvolveu
uma série de pequenas novas
moléculas que mostram
potencial para o tratamento
de vários tipos de cancro,
incluindo o linfoma difuso de
grandes células B (DLBCLs).
O desenvolvimento destas
moléculas com potencial para o
tratamento de cancro e alguns
linfomas foi patenteado a nível
europeu.
“Um tratamento para o
linfoma difuso de grandes
células B (DLBCL) - o tipo
mais comum de linfoma - é
um objetivo muito importante,
pois afeta muitas pessoas”
explica o investigador da academia
eborense. As moléculas desenvolvidas
“mostram potencial também
para o tratamento deste tipo de
linfoma, o DLBCL”, um tumor
maligno do sistema linfático em que
as células tumorais são os linfócitos
B, de tamanho grande, que proliferam
e infiltram o gânglio de forma difusa.
Os resultados foram obtidos por
Anthony Burke e Carolina Marques,
investigadores do grupo de Síntese
Molecular da UÉ, um dos 11 grupos
que integram o Laboratório Associado
para a Química Verde (LAQV-
REQUIMTE), em colaboração
com investigadores internacionais
de Centros de I&D da Suíça e de
Espanha.
As novas moléculas “foram
sintetizadas usando métodos
químicos sustentáveis com
catalisadores metálicos” revela
o investigador e “apresentam uma
estrutura química relativamente
simples e são construídas por dois
anéis heterocíclicos (um composto
que tem um anel, do qual fazem parte
pelo menos dois tipos diferentes
de átomos), e em alguns casos são
quirais, ou seja, não podem ser
sobrepostos à sua imagem especular
(espelho)”.
A investigação na área da Química é
“absolutamente fundamental”
na deteção e tratamento do cancro,
doença que é a segunda causa de
morte a nível mundial e que apresenta
ainda altas taxas de morbilidade,
considera o também professor do
Departamento de Química da UÉ,
sendo “o do pulmão, colorretal e
linfomas os três tipos de cancro
mais difíceis de tratar”.
Além disso, “estas moléculas
também mostram atividade na
área de doença de Alzheimer,
principalmente na inibição de
uma enzima importante para a
progressão da doença chamada
082 NOABR21 NOABR21 083
REPORTAGEM
REPORTAGEM
REPORTAGEM
PUB.
butirilcolinesterase” destaca
Anthony Burke, referindo que o grupo
publicou este estudo no ano passado
na revista internacional Bioorganic
Chemistry, também aqui em
colaboração com grupos estrangeiros,
da Espanha, Itália e da Alemanha.
Este é mais um passo para o
desenvolvimento de novas formas
de tratamento do cancro estando
atualmente os investigadores
da Universidade de Évora “a
identificar os alvos moleculares
destas moléculas para permitir
melhorar as suas características
estruturais e assim aumentar
a sua potência farmacológica”,
avança Anthony Burke, para
que proximamente “possamos
avançar com estudos préclínicos
e conseguir determinar
a sua potência in vivo e o
seu comportamento geral no
organismo do animal”.
Recorde-se que a equipa de
investigadores liderados por
Anthony Burke, entre outros
avanços científicos, produziu
com sucesso um novo inibidor da
enzima Colinesterase, fundamental
para assegurar a comunicação
entre neurónios em doentes com a
doença de Alzheimer. Inovadora,
esta molécula apresenta apenas na
sua composição o ingrediente ativo
benéfico, por isso mais segura para o
organismo humano.
PUB.
9600-549 Ribeira Grande
geral@grupoideal.pt
GRUPO
084 NOABR21 NOABR21 085
ARTIGO TEMÁTICO | ALIMENTAÇÃO
REPORTAGEM
UE está a estudar o aumento das
restrições dos produtos de origem
vegetal e 76,4% dos consumidores
portugueses não estão de acordo
Estudo da Universidade Católica
para a Upfield apura o conhecimento
dos consumidores portugueses
relativamente a produtos vegetais no
sentido de averiguar a necessidade,
ou não, de uma regulamentação mais
restritiva sugerida pela União Europeia
com a Alteração 171.
De acordo com um estudo realizado a
uma amostra representativa de 1013
consumidores portugueses, 95.9% dos
inquiridos sabe distinguir produtos
lácteos e produtos de origem vegetal
quanto à origem dos seus ingredientes
e não se confundem com as diferentes
alternativas.
75.5% dos inquiridos “gostaria que as
restrições legislativas aplicadas a nível
europeu na rotulagem de produtos
lácteos cumprissem as mesmas regras
para rotular os produtos de origem
vegetal”, regras essas que hoje são mais
restritivas para os produtos de origem
vegetal.
Apenas 11.2% dos consumidores estão
a par da atual legislação que regula
a rotulagem de produtos de origem
vegetal.
A maioria dos portugueses (96.4%)
sabe que os produtos de origem
vegetal (plant-based) são produtos
com ingredientes maioritariamente
provenientes de origem vegetal e
95.9% sabe identificar corretamente
a diferença entre produtos lácteos e
produtos de origem vegetal quanto à
origem dos ingredientes com que são
produzidos. Estas são as conclusões
de um estudo levado a cabo pela
Universidade Católica para a Upfield,
a produtora líder de cremes vegetais,
margarinas e alternativas vegetais
ao queijo com mais de 100 marcas,
incluindo a PLANTA e BECEL.
Este estudo procurou determinar
o conhecimento dos consumidores
relativamente às alternativas vegetais
e insere-se no contexto da discussão
da Alteração 171 por parte da Comissão
Europeia, Conselho da UE e Parlamento
Europeu, previsto durante o mês de
março. Esta alteração, apresentada
por um grupo político que alega que
as práticas atuais de rotulagem de
alimentos de origem vegetal enganam
os consumidores, visa impor diversas
restrições na nomenclatura, no tipo
de embalagens, e nas imagens e
comunicações que podem ser utilizadas
nos produtos de origem vegetal.
Com o objetivo de avaliar perceções
dos consumidores sobre produtos de
origem vegetal a partir de diferentes
nomenclaturas e a sua capacidade para
os distinguir de produtos de origem
animal, o estudo demonstra que os
portugueses não ficam confusos no
supermercado e sabem identificar
e diferenciar os produtos de origem
vegetal, como no caso da ‘alternativa de
soja ao iogurte’ (95.1% dos inquiridos
considerou que este é um produto de
origem vegetal) ou do queijo vegan
onde 97,2% classificou corretamente
como ‘alternativa vegetal ao queijo’.
Assim, a respeito da rotulagem, 76.4%
dos consumidores entendem que
termos como ‘cremoso’ ou ‘não contém
lactose’ poderão aparecer nos rótulos
para qualificar alternativas de origem
vegetal, o que, segundo a Alteração
171 sugerida pela União Europeia não
poderá ser permitida.
Francisco Guerreiro, eurodeputado
do Verdes / EFA, comenta que “é
lamentável, em primeiro lugar, que a
imposição de mais restrições ao sector
alimentar de produtos vegetais seja
sequer discutida. O grupo político que
propôs esta alteração defende que
as práticas atuais de rotulagem de
produtos à base de plantas confundem
os consumidores - uma alegação criada
por setores que estão insatisfeitos com a
crescente preferência dos consumidores
por alternativas à base de plantas. Este
086 NOABR21 NOABR21 087
REPORTAGEM
ARTIGO TEMÁTICO |ALIMENTAÇÃO
REPORTAGEM
estudo muito oportuno vem provar
o que os consumidores, empresas e
ONGs têm tentado dizer aos decisores
políticos: não somos enganados por
produtos à base de plantas - compramos
porque gostamos destes produtos,
porque nos preocupamos com o planeta,
com a nossa saúde e com o bem-estar
animal!”
Qual o conhecimento dos consumidores
em relação ao quadro jurídico dos
produtos de origem vegetal?
O estudo em causa quis também
conhecer a opinião dos consumidores
portugueses sobre o quadro jurídico dos
produtos vegetais, de forma a perceber
a necessidade de uma alteração com
regras mais restritas. Questionados
sobre o conhecimento da legislação
em vigor sobre rotulagem de produtos
de origem vegetal, apenas 11.2% dos
inquiridos identificaram a resposta
correta e está ciente da legislação em
vigor.
A maioria, 88,8% dos consumidores
portugueses, não estão a par
da legislação em vigor. 59.5%
desconheciam que a informação de
que termos comumente conhecidos
como ‘iogurte de coco’, ‘leite de soja’,
‘queijo vegan’ ou ‘natas vegetais’ são
atualmente restritos e 29.3% referiram
desconhecer a legislação sobre este
assunto.
Álvaro Carrilho, Head of Sales Portugal
da Upfield, reafirma que “embora, pelo
estudo, a maioria dos consumidores
portugueses não o saibam, o atual
quadro regulamentar da União Europeia
já é suficientemente restritivo. Esta
Alteração 171, que está em vias de ser
discutida, pode significar a proibição
de produtos de origem vegetal
utilizarem embalagens com formatos
já reconhecidos (como por exemplo
um copo de iogurte), a utilização
de informação útil sobre saúde e
alergénios para descrever um produto
como “adequado para pessoas que
sofrem de intolerância à lactose” ou
palavras descritivas como “cremoso”
e “amanteigado” nas embalagens e na
publicidade dos produtos alternativos
aos lacticínios de base vegetal.”
Ainda neste âmbito, e apesar da
maioria dos inquiridos desconhecer o
quadro legal aplicável a produtos de
origem vegetal, 75.5% dos inquiridos
consideram que as restrições legislativas
aplicadas a nível europeu na rotulagem
de produtos lácteos cumprissem as
mesmas regras para rotular os produtos
de origem vegetal.
Os portugueses são também
muito positivos quanto ao acesso
a mais alternativas vegetais nos
supermercados, com 96.0% dos
consumidores a confirmar que a oferta
de produtos deve ser cada vez mais
alargada, possibilitando opções de
escolhas para todos os gostos, tipos de
alimentos e intolerâncias.
Metodologia
Realizado pela Universidade Católica
Portuguesa, para a Upfield, este
inquérito teve por base uma amostra
representativa de 1013 participantes,
recrutados através do Painel de Estudos
Online (PEO) da CATÓLICA-LISBON,
com uma distribuição semelhante à da
população portuguesa em termos de
sexo e faixa etária (i.e., 18-19, 20-29,
30-39, 40-49, 50-69 anos). De modo
a assegurar a qualidade dos dados
obtidos, a ordem de apresentação
das opções de resposta foi aleatória
e só foram considerados válidos os
questionários que obtiveram um tempo
de resposta superior a 2 minutos e 30
segundos. Os dados foram analisados
com recurso à versão 26 do software
IBM® SPSS®.
088 NOABR21 NOABR21 089
REPORTAGEM
ARTIGO TEMÁTICO REPORTAGEM
| ESTUDO TURISMO
Estudo avalia a perceção dos
residentes em cidades pequenas
sobre a atividade turística
Para os residentes em cidades pequenas,
os impactos socioculturais da atividade
turística são mais importantes do que
os impactos económicos, conclui um
estudo conduzido por investigadores
da Universidade de Coimbra (UC) e do
Instituto Politécnico de Viseu (IPV).
Esta investigação, que teve por objetivo
analisar a relação entre a ligação ao
lugar e os impactos percecionados
pelos residentes em cidades de pequena
dimensão relativamente à atividade
turística, envolveu 350 habitantes de
várias cidades, entre as quais Aveiro,
Covilhã, Figueira da Foz, Gouveia,
Guarda, Leiria, Seia e Viseu.
“A investigação sobre a visão dos
residentes relativamente à atividade
turística é pouco explorada, mais
ainda em cidades de pequena
dimensão. Por isso, este estudo
pretende precisamente colmatar
essa lacuna na literatura e contribuir
para um melhor planeamento destes
destinos que, fruto da pandemia,
vão ter uma maior procura”, afirma
Cláudia Seabra, investigadora e docente
da Faculdade de Letras da Universidade
de Coimbra (FLUC).
Uma explicação para os dados obtidos
no estudo, financiado pela Fundação
para a Ciência e a Tecnologia (FCT),
prende-se com o facto de “nas
pequenas cidades o espírito de
comunidade ainda ser forte. As
pessoas estão mais conscientes dos
efeitos sociais que o desenvolvimento
do turismo tem nas suas vidas
do que os efeitos económicos ou
ambientais. Em geral, as pequenas
cidades têm uma população
pequena e envelhecida, com menos
oportunidades de emprego, cuidados
de saúde e grandes infraestruturas de
comunicação”, afirma Cláudia Seabra.
Nessas comunidades, fundamenta, “as
pessoas geralmente estão ansiosas
para conhecer novas pessoas e se
conectar com outras culturas e
gerações diferentes. Em geral, os
impactos negativos dos grandes
centros urbanos onde milhares
de turistas se aglomeram não são
sentidos. Os turistas são vistos como
pessoas que trazem oportunidades
de negócios, visitando bares,
restaurantes, hotéis e atrações
da região, ao mesmo tempo que
compram produtos locais para levar.
Por outro lado, os turistas são fontes
de rejuvenescimento cultural”.
A docente e investigadora do Centro de
Estudos em Geografia e Ordenamento
do Território (CEGOT) considera
que os resultados deste estudo, além
de contribuírem para uma “maior
consciência dos efeitos que o
desenvolvimento do turismo está
a ter na comunidade dos destinos
das pequenas cidades, porque o
turismo pode ser um desafio para
as pequenas localidades e cidades,
sobretudo de forma sustentável”,
podem ajudar “os gestores a fornecer
benefícios económicos, sociais e
culturais de longo prazo para a
comunidade local, melhorando
a qualidade de vida e, assim,
fortalecendo o lugar e o vínculo com
a comunidade”.
090 NOABR21 NOABR21 091
REPORTAGEM
REPORTAGEM
ÁREA TEMÁTICA REPORTAGEM
| CIÊNCIA
30 anos de Ciência e
Tecnologia em papel de jornal
Rui Brito Fonseca
Partindo da análise de milhares de
artigos de jornais diários, pagos e
de circulação nacional, ou seja, sem
contemplar os jornais ditos regionais,
refletiu-se sobre as representações que
os portugueses têm da ciência e da
tecnologia, de 1976 até 2005.
A comparação efetuada, entre os jornais
de “qualidade” e os jornais “populares”,
revelou-se frutuosa, ainda que as
fronteiras entre estes dois tipos de
jornais sejam cada vez mais ténues.
A grande diferença identificada entre
estes dois tipos de jornal refere-se à
tendência geral observada. Nos jornais
de “qualidade, foi possível identificar
uma forte tendência para o aumento
dos artigos sobre assuntos de ciência e
tecnologia. Curiosamente, no caso dos
jornais “populares”, verificou-se uma
maior apetência para a publicação de
artigos sobre estes assuntos até finais da
década de 1980. A partir daí, observouse
uma opção editorial marcada pela
diminuição de publicação destes artigos.
Acrescente-se que, no caso dos jornais
“populares”, boa parte deste artigos
debruçou-se sobre estas temáticas de
forma superficial, abordando o assunto
do ponto de vista da curiosidade e da
bizarria.
No que diz respeito aos principais atores
presentes, em ambas as tipologias
de jornal, os artigos revelaram uma
ciência e tecnologia de rosto masculino,
não consonante com a proporção e
importância das mulheres na ciência
e tecnologia produzidas em Portugal,
ainda que se tenha observado uma
crescente presença de mulheres, à
Rui Brito Fonseca
Presidente e Professor Coordenador no Instituto
Superior de Ciências Educativas do Douro, em
Penafiel (desde 2019). Professor adjunto no
Instituto Superior de Ciências Educativas, em
Odivelas (desde 2010). Doutorado em Sociologia
e Mestre em Ciências do Trabalho, pelo ISCTE-
IUL. É também licenciado em Ciência Política
com especialização em relações internacionais,
pela Universidade Lusófona. É desde 2000
investigador, tendo vindo a desenvolver trabalho
sobre comunicação, media e compreensão pública
da ciência, sobre tecnologias da informação e
comunicação em saúde e sobre toxicodependências,
em diversos projetos de investigação.
092 NOABR21 NOABR21 093
ÁREA REPORTAGEM
TEMÁTICA | CIÊNCIA
ÁREA TEMÁTICA REPORTAGEM
| AMBIENTE
medida que nos aproximamos da
atualidade.
Relativamente aos temas dominantes,
em ambos os tipos de jornal, observouse
um predomínio generalizado dos
artigos que versavam sobre questões de
biologia humana e saúde. A presença
paradigmática da medicina e da saúde,
revelou uma imagem da ciência e
tecnologia muito conectada com as
preocupações quotidianas com a saúde.
Não obstante as nuances de proporção,
ao longo dos anos, também ambos
os tipos de jornal deram especial
ênfase à astronomia e ao espaço, e à
história, arqueologia e antropologia.
Se no caso da astronomia e do espaço,
os artigos eram muito relacionados
com a conquista espacial e a guerra
fria, no caso da história, arqueologia
e antropologia, os artigos reportavam
descobertas arqueológicas, bem como
o património histórico português, em
Portugal e no mundo.
Saliente-se que esta visão de autovalorização
da história e património
nacionais estava mais patente nos
jornais “populares”. Também não é de
descurar a relevância dada às questões
ambientais e relacionadas com a
energia nuclear e de uma crescente
consciencialização das populações,
para os problemas decorrentes da má
gestão ambiental – mais nos jornais
de “qualidade” – e aos computadores,
informática e internet – nos jornais
“populares”.
No sentido de compreender as
geografias da ciência e da tecnologia,
considerou-se relevante analisar a
localização geográfica dos eventos
relatados nos jornais. Assim, os dados
recolhidos permitem afirmar que
independentemente do tipo de jornal
os eventos ocorreram maioritariamente
na Europa, primeiro, e na América do
Norte, depois. Estamos perante uma
ciência e tecnologia Made in Europe
e Made in USA and Canada. Nos
últimos anos, ambos os tipos de jornais
transmitiram uma imagem da ciência e
da tecnologia de “rosto europeu”.
Quanto ao discurso dominante utilizado
na comunicação de questões de ciência
e tecnologia, também se identificaram
algumas nuances. Ao longo dos anos,
nos jornais de “qualidade” observou-se
a evolução de um discurso dominante
de benefício dos desenvolvimentos,
científicos e tecnológicos, para um
discurso tendencialmente enfatizador
dos riscos. Nos jornais “populares”, o
discurso do benefício foi predominante.
De um modo geral, a imagem da ciência
e da tecnologia parece ser dominada por
um discurso de benefício e de promessa.
Estes são alguns dos itens que
permitem compreender e refletir sobre
a presença da ciência e da tecnologia
na imprensa portuguesa, num longo
período da história recente de Portugal.
Dá que pensar…
094 NOABR21 NOABR21 095
ÁREA REPORTAGEM
TEMÁTICA | SAÚDE
ÁREA TEMÁTICA REPORTAGEM
|CIÊNCIA
Combater a obesidade e o excesso
de peso com a ajuda do telemóvel
José Pinto Gouveia
José Pinto Gouveia
Uma equipa de investigadores do Centro
de Investigação em Neuropsicologia e
Intervenção Cognitivo-Comportamental
(CINEICC) da Universidade de Coimbra
(UC), liderada por José Pinto Gouveia,
desenvolveu uma aplicação móvel (app)
para ajudar no combate à obesidade e
excesso de peso.
A app foi desenvolvida no âmbito
do projeto eBEfree, que tem como
grande objetivo fornecer ferramentas e
estratégias de regulação emocional que
permitam às pessoas com obesidade
ou excesso de peso eliminar ou reduzir
significativamente os episódios de
ingestão alimentar compulsiva, e
aumentar a sua saúde mental e qualidade
de vida.
No atual contexto da pandemia
Covid-19, «especialmente com o
confinamento geral no nosso país, vários
estudos sugerem que o isolamento vem
acompanhado de uma redução na saúde
mental das pessoas. Neste sentido, o
projeto eBEfree, nomeadamente pelo
seu formato digital, pretende ser um
contributo especialmente apropriado
à situação atual», explica a equipa do
projeto, financiado pela Fundação para a
Ciência e a Tecnologia (FCT).
A app eBEfree é constituída por
12 módulos, disponibilizado um
por semana, que abordam diversas
perspetivas do problema. «Os
conteúdos para o tratamento da
ingestão alimentar compulsiva, como
estratégias de regulação emocional
através de exercícios comportamentais
e de meditação foram desenvolvidos
com recurso a vídeos de animação
explicativos, exercícios áudio e vídeos
de psicólogos/as da nossa equipa a
abordar os temas relevantes», detalha
José Pinto Gouveia, acrescentando que
a aplicação inclui também um fórum de
discussão, «onde os utilizadores podem
colocar questões aos terapeutas (haverá
sempre um terapeuta a acompanhar o
funcionamento da app)».
Para testar e validar a eficácia da
aplicação, a equipa está a solicitar a
colaboração de pessoas de todo o país,
com idades compreendidas entre os
18 e os 55 anos, com excesso de peso e
ingestão alimentar compulsiva, e que
possuam um smartphone ou tablet com
acesso à internet. Os voluntários que
pretendam participar no estudo devem
contactar a equipa de investigação
através do endereço eletrónico: ebefree@
uc.pt.
A participação no estudo envolverá
uma entrevista inicial, via zoom, para
avaliar os critérios de elegibilidade,
o preenchimento de uma bateria de
questionários online e a utilização da
aplicação móvel.
O eBEfree resulta de um estudo anterior
cujos resultados evidenciaram que «estas
ferramentas de regulação emocional e
promoção de saúde mental são eficazes
quando implementadas presencialmente
em formato grupal. O que pretendemos
com o eBEfree é alargar esse estudo para
chegar a todo o território nacional, com
todas as vantagens de uma aplicação
móvel», conclui José Pinto Gouveia.
Mais informação sobre o projeto
disponível em: https://ebefree.uc.pt/
096 NOABR21 NOABR21 097
REPORTAGEM
REPORTAGEM
ÁREA TEMÁTICA REPORTAGEM
| SAÚDE
Inquérito internacional
revela que portugueses estão
deprimidos: jovens e famílias
com filhos são os mais afetados
Liliana Abreu
Liliana Abreu
Doutorada em Saúde Pública pelo Instituto de
Saúde Pública da Universidade do Porto (2018).
Obteve uma bolsa de Doutoramento da Fundação
para a Ciência e Tecnologia, tendo como Instituição
de Acolhimento o i3S – Instituto de Investigação e
Inovação em Saúde. Durante o seu doutoramento
obteve uma Bolsa Fulbright, que lhe permitiu
desenvolver parte do seu doutoramento nos EUA,
passando pela Universidade de Massachussets e
pela T.H. Chan Harvard School of Public Health.
A sua tese de doutoramento centrou-se no estudo
da literacia em saúde distribuída de pessoas com
doenças crónicas, especificamente, asma e diabetes.
Atualmente, é investigadora na Universidade de
Constança (desde 2019), Alemanha, no Grupo de
Desenvolvimento e Investigação, onde desenvolve
investigação na área da epidemiologia social em
países em desenvolvimento e dá aulas de Saúde
Global.
Com o objetivo de continuar a avaliar
o impacto social e económico da
pandemia a nível mundial, foi lançado
há cerca de seis meses a segunda fase
do inquérito mundial denominado
“Life with Corona” que, em Portugal,
tem como parceiro o Instituto de
Investigação e Inovação em Saúde da
Universidade do Porto (i3S). Os dados
já obtidos mostram que uma parte
considerável da população apresenta
sintomas ligeiros de depressão e
que cerca de 50% dos inquiridos de
Portugal, Argentina, Indonésia, Reino
Unido e Estados Unidos, assim como
40% dos alemães, revelam sintomas
mais graves de depressão. A geração
mais jovem e as famílias com filhos são
os mais afetados.
O “Life with Corona” foi lançado a 23 de
março de 2020 e, nesta segunda fase,
que começou a 1 de outubro, “tentámos
perceber os efeitos psicológicos que a
pandemia e as medidas preventivas
têm tido sobre as pessoas. Até 4 de
março recebemos um total de 21.552
respostas de 136 países e, até ao
momento, Portugal é o segundo país
com mais participações” no estudo,
depois da Alemanha, salienta Liliana
Abreu, investigadora portuguesa na
Universidade de Constança (Alemanha),
uma das instituições que lidera o
projeto.
Liliana Abreu, que já foi investigadora
no i3S e com o qual mantém a
colaboração através deste projeto,
explica que analisaram os dados
relativos a Portugal e verificaram que
“50% dos participantes apresentam
níveis de depressão moderada”, o
que, diz, “é significativo”. Uma das
causas identificadas tem a ver com a
diminuição dos rendimentos mensais.
“Percebemos também, ao contrário
do que se pensava, que os mais jovens
são mais propensos a apresentar
níveis mais elevados de depressão em
comparação com os mais velhos, o que
expõe o fardo adicional que as gerações
mais jovens estão a sofrer”, acrescenta.
“Existem imensos estudos a decorrer
sobre a pandemia, termos um bom
nível de participação num estudo
098 NOABR21 NOABR21 099
ÁREA REPORTAGEM
TEMÁTICA | SAÚDE
ÁREA TEMÁTICA REPORTAGEM
| SAÚDE
internacional demonstra o interesse
dos portugueses em nos ajudarem a
compreender o impacto que esta crise
está a ter nas suas vidas”, salienta
Liliana Abreu. Os dados que chegaram
de Portugal são semelhantes aos
obtidos nos restantes países e tornase
evidente que a saúde mental foi
fortemente afetada pela pandemia.
“Só o facto de ter sintomas da doença
pode desencadear problemas de saúde
mental. Isto sugere que o medo de
estar doente com COVID pode estar a
causar níveis mais elevados de stress”,
acrescentam os investigadores.
A equipa internacional de
investigadores está agora a comparar
como estão a reagir aqueles que vivem
sozinhos e aqueles que vivem com
outros, e também aqueles que vivem
com crianças e aqueles que não vivem.
Segundo os dados já disponibilizados
no site “Life with Corona” (https://
lifewithcorona.org/how-we-experiencethe-pandemic-is-shaped-by-whowe-live-with/),
as pessoas que vivem
sozinhas “emergem como o grupo que
teve as piores experiências durante a
pandemia. São mais propensos a relatar
níveis mais baixos de satisfação de
vida do que a média geral da amostra
e são também mais propensos a
sentir ansiedade ou depressão”. Pelo
contrário, os indivíduos que vivem com
uma outra pessoa “têm, geralmente,
lidado melhor com a pandemia e as
suas contramedidas. Em comparação
com a média da amostra, relatam
um maior bem-estar subjetivo, e
têm menos probabilidades de sentir
depressão, ansiedade ou demonstrarem
comportamentos agressivos”.
Quanto às pessoas que vivem com
um ou mais adultos e com crianças,
em comparação com a média da
amostra, “têm os piores indicadores de
consumo alimentar. É mais provável
que tenham ganho peso, petiscam mais
frequentemente e fumam e bebem
mais do que qualquer outro grupo.
Também apresentam níveis mais
elevados de ansiedade e agressividade.
É também mais provável que tenham
experimentado maiores tensões entre os
membros das suas famílias”.
O objetivo dos investigadores passa
por “gravar” as vozes e as experiências
dos cidadãos de todo o mundo durante
este período invulgar de pandemia.
Sem fins lucrativos, e baseado em
métodos académicos rigorosos, o
projeto visa populações adultas em
todo o mundo e está traduzido em
27 línguas. O inquérito continua em
curso (https://lifewithcorona.org/
survey/) pelo menos até finais de 2021,
pelo que ainda é possível participar.
Maria Rui Correia, investigadora no i3S
responsável por disseminar o projeto
em território português, apela “a todos
os portugueses para responderem ao
inquérito, pois só com a participação
dos cidadãos se consegue uma imagem
real do que se passa na nossa população
neste tempo de pandemia”.
A iniciativa do “Life with Corona”
partiu de uma equipa de investigadores
internacionais da área das ciências
sociais, nomeadamente do Centro
de Segurança e Desenvolvimento
Internacional (ISDC), na Alemanha,
do Instituto Mundial de Investigação
em Economia do Desenvolvimento
da Universidade das Nações Unidas
(UNU-WIDER), na Finlândia, do
Instituto Leibniz de Culturas Vegetais
e Ornamentais (IGZ), na Alemanha,
da Universidade de Constança, na
Alemanha, e do Instituto de Estudos
de Desenvolvimento (IDS), no Reino
Unido. O projeto é liderado por
Tilman Brück (ISDC/IGZ), Patrícia
Justino (UNU-WIDER), Anke Hoeffler
(Universidade de Constança) e
Wolfgang Stojetz (ISDC). Para
além do i3S, este projeto de Ciência
Cidadã contou com a participação de
instituições e organizações de vários
países. Os investigadores pretendem
obter dados relevantes para apoiar
respostas socioeconómicas sustentáveis
à pandemia causada pelo novo
coronavírus.
0100 NOABR21 NOABR21 0101
CRÓNICA
CRÓNICA
Enfermeira Sara Sousa,
Enfermeira Especialista em
Saúde Infantil e Pediátrica
Um ano passou desde o surgimento
do primeiro caso confirmado de
infeção pelo novo coronavírus nos
Açores. Momento de refletir sobre
algumas das mudanças que vivenciei
enquanto enfermeira neste mundo tão
particular que é a pediatria, a minha
área de cuidados de eleição, onde
exerço há 12 anos a minha atividade
profissional e pela qual ganhei um
gosto exponencial. O cuidado à
criança/jovem é um desafio constante,
não só por englobar várias faixas
etárias e diferentes especialidades
O cuidar em
pediatria em tempos
de pandemia
médicas e cirúrgicas, como também
porque a adesão e o resultado dos
cuidados prestados e objetivos
alcançados dependerá da relação
de confiança estabelecida entre
enfermeiro – pais – criança/jovem.
Há um ano atrás viveram-se dias
em contrarrelógio. Foi tempo
de adaptação a novas práticas,
reestruturação de espaços físicos e
equipas. Era urgente refletir da forma
mais criteriosa possível sobre todos os
pormenores. Vários cenários possíveis
foram antecipados de forma a provir
os ambientes de toda a segurança para
nós, profissionais de saúde, e para a
criança e sua família.
Reunidas as condições para
garantir uma resposta adequada
às necessidades identificadas,
começamos a escrever um novo
capítulo nas nossas vidas pessoais
e profissionais. O nosso número
mecanográfico deu lugar a imagens
de arco-íris, desenhados nas batas
junto ao nosso nome, como forma
de manter a esperança e amenizar a
insegurança causada pelo impacto
ameaçador do uso dos equipamentos
de proteção individual. O medo que
todos sentimos, e que era bem real,
converteu-se em coragem e seguimos
juntos, mais unidos do que nunca,
com os mesmos receios, mas também
com as mesmas armas – sorriso no
olhar e muita arte no brincar. Nem
sempre é fácil conquistar a confiança
das nossas crianças. Em pediatria nem
sempre o mais simples se torna fácil.
A pandemia trouxe-nos muitos
entraves na nossa forma de cuidar e o
nosso trabalho emocional foi o mais
afetado. O enfermeiro de pediatria
procura diariamente transformar
o internamento de uma criança/
jovem numa vivência positiva e não
num acontecimento potencialmente
traumático. A realidade dos tempos
que correm lançou-nos um desafio
ainda maior. Desenvolver uma
relação empática e terapêutica
estável, na adversidade imposta pelo
0102 NOABR21 NOABR21 0103
CRÓNICA
CRÓNICA
distanciamento físico e pelo uso de
máscaras que condicionam a perceção
das nossas expressões de afeto. Eles
não gostam do nosso rosto escondido,
mas percebem que o nosso olhar
é de confiança e isso, por vezes, é
inexplicável.
O foco de toda equipa foi sempre o
mesmo – reorganizar e reinventar
de forma a garantir a excelência do
cuidar – e isto não se reduz apenas aos
colegas que numa primeira instância
e de uma forma bastante altruísta
avançaram e constituíram a equipa
covid pediátrica. No exterior desta
ala estão sempre outros enfermeiros,
assistentes operacionais, médicos e
toda uma equipa de profissionais que,
com o mesmo afinco, trabalham para
assegurar as necessidades do serviço e
que, vestindo as suas fardas coloridas,
com personagens conhecidas do
mundo infantil, usando o seu
sentido de humor, disponibilidade,
tranquilidade e empatia dão suporte
às crianças/jovens e suas famílias,
não infetadas pelo vírus sarsCov2,
que são hospitalizadas para cumprir
tratamentos inerentes a outras áreas
de especialidade.
Era e é importante desmistificar
os receios inerentes ao recurso
aos cuidados de saúde e à própria
hospitalização em tempo de
pandemia. Todos os dias equipas
inteiras trabalham arduamente para
que os seus serviços sejam ambientes
seguros e acolhedores para os seus
utentes.
Embora tenham direito a um
acompanhante, as visitas diárias de
familiares numa altura pré-pandemia
constituíam um momento importante
no dia de uma criança/jovem
hospitalizada. Com as limitações
nas visitas era importante manter o
vínculo familiar e com a sua rede de
apoio. As visitas à janela do quarto,
onde a criança se encontra, são
uma alternativa que contribuiu para
manter uma aproximação benéfica ao
ambiente familiar. As videochamadas
e as plataformas digitais são, do
mesmo modo, recursos muito
utilizados para manter a comunicação
com amigos e familiares,
proporcionando sentimentos de
segurança e bem-estar importantes no
processo de cura.
As áreas lúdicas foram encerradas
e a partilha de brinquedos
desaconselhada, apesar da sua
limpeza e desinfeção frequente, que já
acontecia anteriormente como prática
comum. Impreterivelmente são
apuradas as competências criativas
dos enfermeiros. As atividades
recreativas num quarto onde estão
mais crianças foram ajustadas de
forma a não implicarem proximidade
no contato. Cenário nem sempre
fácil de controlar quando até aos
dias de hoje partilhar, ajudar e
brincar com os outros fazia parte
do quotidiano das nossas crianças,
noutros moldes. Contamos com
os pais como parceiros nesta tarefa
inglória, sendo que estes, geralmente,
se demonstram sensibilizados para
colaborar, privilegiando brincadeiras
mais individualizadas.
O brincar mantém-se o nosso
grande instrumento terapêutico de
trabalho, pois é a forma através da
qual as nossas crianças comunicam
connosco, com o meio em que vivem
0104 NOABR21 NOABR21 0105
CRÓNICA
PUB.
REPORTAGEM
e expressam os seus sentimentos.
Os enfermeiros de pediatria têm
inato um palhaço interior. Não
é treinado, nem forçado e não
há grande teoria que sustente
este nosso “saber ser”. É assim
que conquistamos as crianças
no nosso dia a dia – a brincar.
Minimizamos medos, inseguranças
e conseguimos a sua colaboração
até mesmo em procedimentos mais
invasivos.
Todas as estratégias têm um
cariz evolutivo e acompanham
as alterações que ocorrem nas
diretrizes do plano de contingência
hospitalar. Considero que poderia
descrever muito mais e assumo
que mais ainda poderia ser feito
no sentido de colmatar as lacunas
próprias dos obstáculos colocados
pela pandemia no cuidar em
pediatria. No entanto, e apesar
do inegável cansaço físico e
psicológico que nós, profissionais
de saúde, vivenciamos, o nosso foco
de atuação sempre esteve presente e
bem definido.
O caminho ainda é longo, mas
enquanto equipa seguimos com
a mesma linha de pensamento e
com a vontade comum de aligeirar
as sequelas deixadas por estes
tempos particulares que vivemos.
Cuidamos uns dos outros como
a segunda família que somos e
depositamos paralelamente toda
a emocionalidade, empenho e
profissionalismo no nosso cuidar.
0106 NOABR21 NOABR21 0107
CRÓNICA
CRÓNICA
Por Ricardo Silva
José Tolentino de Mendonça, O Que É Amar
um País, O Poder da Esperança, Quetzal, 2020
O madeirense, cardeal, poeta e pensador José
Tolentino Mendonça propôs como reflexão
no seu discurso de 2020, no Dia de Portugal,
de Camões e das Comunidades Portuguesas a
temática “O que é Amar um País”, convertida
em título do livro ora presente. O subtítulo
aponta para uma outra reflexão, traduzida numa
pequena coletânea de textos, feita no decorrer
da pandemia e que, pela sua profundidade,
merece um cuidado que este escrito não vai
observar. E isto porque o cidadão que foi
convidado para proferir o discurso do dia 10
de junho quis destacar a palavra Esperança
como o poder sobre a pandemia, embora na sua
intervenção solene tenha optado pela palavra
“raiz” que tenta interpretar aplicada ao nosso
país.
E se as raízes podem ser a força, a estabilidade
temporal e o vigor do crescimento, elas também
nos recordam que são vulneráveis às crises
meteorológicas e aos atos insanos dos homens.
Lembram-nos que, sendo ou parecendo
inabaláveis, são, também, frágeis aos tremores
do mundo físico e humano. E nesta oscilação
tem Portugal viajado no tempo.
O também pensador lembrou
Camões como o poeta que
desconfinou Portugal não só
porque nos deu “o poema” (Os
Lusíadas), mas, sobretudo,
“deixou-nos em herança a poesia
como ciência de navegação
interior” e “um guia náutico
perpétuo.” Releva Os Lusíadas
como um livro que nos conduz a
nós próprios “como indivíduos e
como nação” fazendo-nos chegar
à “consciência última de nós
mesmos”.
Refere a filósofa Simone Weil
para mostrar que amar um
país é amar o dinamismo da
sua história, os seus solavancos
e riscos, e não meramente a
imagem ideal do mesmo, fixa,
gloriosa, num dado momento,
e não aceitando as alterações
do tempo. Amar um país leva,
segundo Tolentino de Mendonça,
ao exercício da fraternidade e
da compaixão, numa viagem
nacional que inclui riscos, mas
que importa o caminho para
onde queremos ir.
Um país que, enquanto
comunidade cuida da vida de
cada um, formalizando um
pacto que não deve deixar para
trás os mais fracos, indiferentes
à sua sorte. Esta ideia de
pacto comunitário é tão mais
importante, conquanto hoje
voltam a germinar ideias de
discriminação e abandono de uns
por outros, num salve-se quem
puder que a pandemia mais
expôs.
O conceito seguinte de pacto
intergeracional é uma alusão
à necessidade de se reabilitar
e robustecer o diálogo entre
faixas etárias diferentes numa
perspetiva de ajuda mútua, de
aprendizagem e colaboração
pungente. Reforça a ideia de que
a sociedade é una, inclusiva e
0108 NOABR21 NOABR21 0109
CRÓNICA
REPORTAGEM
CRÓNICA
REPORTAGEM
não desagregadora e que os mais
velhos não podem ser vistos
como um peso sobre o manto dos
mais jovens.
É importante, porque evidente,
a sua chamada de atenção
aos jovens abaixo dos 35
anos, escolarizados e bem
qualificados, tantas vezes
vítimas de precariedade laboral,
impeditiva de realizar sonhos
pessoais e familiares em pleno.
As gerações devem olhar-se
em complementaridade, com
dignidade própria e com um
caminho de fortalecimento
mútuo.
O discurso no seu passo seguinte
releva a importância de mais um
pacto: o ambiental. O Homem
tem de assumir o papel de
cuidador do mundo, com uma
ética da criação, embora tenha de
mudar a “raiz” do sistema cujas
estirpes assentam no consumo
desenfreado e num conceito
de “progresso” e abundância
destrutivas. Mais se agrava a
situação é quando esta raiz até é
francamente desigual entre países
e continentes e, obviamente,
geradora de riqueza concentrada
em poucos face à miséria e
pobreza de muitos.
José Tolentino de Mendonça
recupera depois a ideia de
viagem a partir de Camões e
dos Lusíadas para comparála
a Portugal, esta nau de 9
séculos que em comunidade
vai melhorando o seu futuro.
“Portugal é e será, por isso, uma
viagem que fazemos juntos”,
terminando o seu discurso
afirmando que esta viagem é
como um grande Amor que não
se esgota na temporalidade da
história, vai além dela, criando
um rasto do seu fulgor.
Podemos afirmar que num ano
de pandemia, 2020, o nosso Dia
de Portugal, foi marcado por
palavras sensíveis de um cardeal
– poeta que apontam ao futuro
como União, Amor, Esperança,
Poesia, Raízes, Viagem e Pacto.
Com elas sabemos “o que é amar
um país”: Portugal.
A leitura vale a pena! E José
Tolentino Mendonça merece-o!
Ricardo Silva
TIAGO MATIAS
EDITOR
São a mesma coisa? É certo
que andam, muitas vezes,
de mãos dadas. Afinal de
contas, muitas vezes os
empreendedores em potência ou
os professores da área entendem
“empreendedorismo” como
sinónimo de “fazer coisas novas,
que não existam ainda”.
Vamos ao Dicionário. Infopédia.
Empreendedorismo significa:
“1) qualidade do que é
empreendedor; 2) atitude de
quem, por iniciativa própria,
assume os riscos financeiros
inerentes à criação de um
negócio com vista à obtenção
de lucro; 3) atitude de quem se
propõe a começar novo projeto
ou a implementar novo método
com vista a desenvolver uma
Empreendedorismo
Vs
Inovação
dada atividade ou a responder
a determinado problema; 4)
espírito de iniciativa; diligência;
dinamismo”.
Inovação significa: “1) ato ou
efeito de inovar; 2) introdução
de qualquer novidade na gestão
ou no modo de fazer algo,
mudança, renovação; 3) criação
de algo de novo, descoberta”.
Assim, ser empreendedor
– que não é sinónimo de
ser empresário – é tomar a
iniciativa, desenhar o seu
próprio caminho e ser inovador
é criar algo de novo.
Será necessário ser inovador
para ser empreendedor? Pois
aqui é que reside, muitas vezes, a
confusão.
Se uma pessoa se propuser
NOABR21 0111
CRÓNICA
REPORTAGEM
PUB.
a criar um negócio, como um
restaurante, um cabeleireiro, um
salão de estética, não estará a ser
inovador, mas sim empreendedor.
E só porque esse negócio
não comporta inovação, está
condenado ao fracasso? Não!
Quem quer criar um negócio
deve estudar muito bem a área
de negócio em que se pretende
envolver, estudar a concorrência,
pensar como irá viabilizar a sua
ideia e refletir sobre quais os
fatores de diferenciação que a
distinguirão da concorrência.
Em suma, fazer um plano de
negócios. Isto não implica
reinventar a roda nem pensar
em cultivar algas em ambiente
suborbital.
Assim, se estiver a pensar em
criar o seu próprio emprego,
não precisa de ter uma ideia
mirabolante. Pense nas suas
competências, pense no que
faz falta no mercado, quem irá
adquirir os seus produtos ou
serviços, se consegue ter preços
razoáveis e como será a melhor
naquilo que fizer. Pode também
ir pensando numa estratégia de
comunicação e sobre como irá
crescer nos próximos anos. Seja
realista. Recorde-se sempre do
princípio KISS - Keep it Short &
Simple. Descomplique.
Tiago Matias,
Editor
empregonosacores.blogspot.pt
tasmatias@gmail.com
PRATOS
GEOTERMICOS
U M A E X P E R I Ê N C I A Ú N I C A
I N S P I R A D A N A N A T U R E Z A
RESTAURANTE CALDEIRAS DA RIBEIRA GRANDE
0112 NOABR21 NOABR21 0113
CRÓNICA
JOÃO AZEVEDO CASTRO
joaocastro@sapo.pt
PROFESSOR
MESTRADO EM GESTÃO PORTUÁRIA
SUEZ
mais dias de navegação.
O porta contentores “Ever
Given” é um dos maiores
navios do mundo. Construído
no ano de 2018, com 400m de
comprimento, 59m de largura e
15,7m de calado, navegava sob o
registo da bandeira do Panamá,
com uma arqueação na ordem
das 200 mil toneladas, que
podem transportar até 20 mil
contentores de 20 pés (20.000
TEU’s).
O Canal do Suez, com 164 Km
de extensão, é um dos principais
circuitos do transporte marítimo
à escala global. Foi inaugurado
em 1869, sendo um “atalho”
na ligação marítima entre a
Ásia e a Europa, permitindo
aos navios economizar, cerca
de 6.000 milhas náuticas, em
relação ao percurso pela costa
de África através do Cabo da
Boa Esperança. Estima-se que
passem, pelo canal do Suez, cerca
de 19.000 navios anualmente,
representando 12% do total de
A navegação marítima
internacional foi surpreendida,
no passado dia 23 de março,
com o encalhe, do navio “Ever
Given” no canal do Suez,
onde navegava, tendo como
destino a cidade de Roterdão. O
acidente terá ocorrido devido
às condições meteorológicas,
com ventos fortes associados
a uma tempestade de areia,
após a passagem pela entrada
Sul do canal, que terá gerado
um problema de visibilidade e
controlo do navio.
Esta situação impediu a
passagem de centenas de navios,
que planeavam utilizar o canal,
que se aglomeram nos dois
lados da passagem, criando um
efeito de atrasos sucessivos,
com impactos significativos à
escala global, o que obrigará
a encontrar rotas comerciais
alternativas, certamente o cabo
da boa esperança, obrigando a
0114 NOABR21 NOABR21 0115
CRÓNICA
CRÓNICA
mercadorias transportadas no
mundo, tendo mesmo o registo
de 6,1 milhões de toneladas num
único dia.
Se pensarmos que mais de
80% das mercadorias, do
mundo, são transportadas
por via marítima, facilmente
se percebe que o Canal do
Suez é vital para as cadeias de
abastecimento global pelo que,
este acidente, terá consequências
significativas. Desde logo
pelas consequências diretas,
nos prazos de entrega, para as
mercadorias transportadas pelos
navios diretamente afetados, mas
também face a um previsível
congestionamento das cargas
nos portos europeus, para
os próximos dias, bem como
dificuldades no abastecimento
de recursos energéticos, como
o petróleo e o gás natural
liquefeito, com provável,
aumento dos preços.
Também nos portos as
consequências poderão
ser significativas, face às
transformações, a que tem sido
sujeita a operação portuária,
nos últimos anos, decorrentes
da implantação de meganavios
e à reestruturação das
alianças marítimas, efetuadas
pelas grandes empresas de
navegação. A procura por
ganhos de eficiência, das redes
de transporte marítimo, tem
aumentado o tamanho dos
navios, aumentando por esta
via o grau de exigência sobre os
portos, que tentam corresponder
ao desafio de adaptação a esta
realidade.
Enquanto alinhavávamos o
presente texto, os trabalhos
de desencalhe apresentavam
sinais de solução, prevendo-se
uma intervenção de dragagem
das areias, em que o Ever
Given ficou preso, ou mesmo
uma diminuição do peso
do navio, com a retirada da
carga (contentores), água e
combustível, o que atrasaria
inevitavelmente toda a operação
face aos meios necessários para a
concretizar.
Falamos de “milhões”, de
prejuízos, com impactos
previsíveis na economia
mundial, obrigando os navios
a procurar rotas alternativas,
com custos acrescidos para
as mercadorias, logo para o
consumidor.
Uma consequência parece já
clara, associada à pandemia que
o mundo enfrenta, este é um
evento que fará refletir sobre o
processo de globalização.
0116 NOABR21 NOABR21 0117
FRASES DO MÊS
REPORTAGEM
PUB.
“Estimamos que apenas cerca de 80 mil vacinas seriam
necessárias para nós. Não se trata de um pedido egoísta,
mas sim de uma necessidade específica”
José Manuel Bolieiro,
Presidente do Governo Regional
“O que vai acontecer é que, em vez da produção acrescida
ser feita no hospital público, a produção acrescida
será feita no hospital privado, o que terá custos muito
superiores para o Serviço Regional de Saúde”
António Lima, deputado do BE/Açores
“Precisa de ser a mulher a garantir a mudança de mentalidade
nas próximas gerações, a romper com o sentimento de culpa
que por vezes sente quem tem responsabilidades familiares e se
dedica a outras causas”
Sandra Dias Faria,
deputada do PS/Açores
“Se o incumprimento dos compromissos assumidos por António Costa
mereceu, ao longo de todos estes anos, apenas um mero encolher de
ombros por parte do PS de Vasco Cordeiro, estamos certos de que o
atual Governo Regional vai desencadear todas as ações para que a
República cumpra o que prometeu”
Pedro Nascimento Cabral, PSD/Açores
0118 NOABR21 NOABR21 0119
0120 NOABR21
REPORTAGEM