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Revista LesB Out! - Ed. 01

Bem-vindas à Revista LesB Out! Assim como o site, ela é feita por mulheres LGBTQIA+ para mulheres LGBTQIA+. Aproveitem!

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gosto de botar gaia em gente perigosa. Se eu vejo que a mulher

é trouxa, eu não faço nada. Agora, se a mulher é traficante,

matadora, se bate nas boysinha ou essas besteiras, eu vou

mermo! É pra ela sentir na gaia o mal que faz ao povo”,

afirmou Maria, com toda a pompa de justiceira social.

Uma velha manca, com a pele vermelha queimada de

sol, se aproxima da conversa e dá um tapa nas costas da

justiceira social incomum. “Eita, gota, Maria, fiquei

sabendo que tu vai morrer!”, disparou a senhora,

cega do olho direito, gargalhando com seus cabelos

grisalhos. Maria fitou o nada por alguns segundos,

com olhar sem expressão. Não demorou para que

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brincasse com a idosa: “Vamo comigo resolver o problema?”.

Minha bolsa ficou pronta. Olhei a costura e a velha avisou-me

que devia só R$ 3. Dei uma nota de R$ 10 e ela perguntou a mais nova se ela

tinha troco. Com a negativa, deu um assobio grande e chamou alguém identificado como ‘Neguinho’.

Neguinho se aproximou com sua bike e, ao contrário do que pensei, não era jovem.

Era um idoso que chegou com a camisa de botão aberta e mostrando sua pança redonda com

o umbigo para fora. Antes de pegar a nota da costureira para trocar o dinheiro, disparou para

Maria:

“Ei, mermã, tu tá metida a corajosa agora, né? Fiquei sabendo que tu tá marcada pra levar

bala! Se eu fosse tu, só voltava pra casa quando a corna voltar pro presídio”.

“Meu irmão, quando ela voltar pro presídio, eu vou mandar é áudio falando que vou casar

com a mulé dela”, respondeu Maria. Todos riram e a costureira mais nova disparou: “Manda

logo um vídeo! É bom que tua cara fica gravada”. Peguei meu troco,

minha bolsa e, mesmo perplexa e curiosa pela possibilidade da morte

desta “justiceira” incomum que acabara de conhecer, apenas agradeci

o serviço.

Quando dei as costas, Maria me provocou, rindo: “Ei, tu que é

grande, me dá teu número pra gente resolver essa parada!”. Escutei a

gargalhada geral, respondi que “sou ruim de briga” e desejei-lhe

apenas boa sorte.

Não sei qual foi o destino da justiceira social incomum, mas, desde

então, passei a escutar com mais atenção o Bandeira 2 e ler o Aqui PE,

esperando não encontrar seu nome no subtítulo de uma manchete

que anuncie “crime passional”.

*Esta crônica é baseada em diálogos reais. Para preservá-los, os

nomes dos personagens foram alterados.

Maria Izabelly Lopes

Izabelly Lopes é estudante de Psicologia e quando ninguém está

olhando, escreve e compartilha seus questionamentos e descobertas.

Nas horas vagas finge que é adulta, mas é obcecada por clichês

adolescentes, filmes cults e música pop. É recifense por destino,

mas sonha em sair por aí abraçando o mundo.

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