Comunidade e Africanidade na Capoeira Angola - Grupo de ...
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Neste aprendizado para a autonomia encontra-se, como fundamental, o sentido <strong>de</strong><br />
ética <strong>na</strong> tradição negro-africa<strong>na</strong>, como bem nos esclarece Muniz Sodré, mostrando a<br />
importância do cumprimento das obrigações coletivas, por cada pessoa, e como a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
um afeta o grupo como um todo – tudo está conectado, <strong>de</strong> alguma forma. Ele propõe o<br />
conceito <strong>de</strong> ética como “lugar do homem” (éthos) ou “estruturação das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
convivência no interior <strong>de</strong> um território <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do” e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que<br />
É a ética que faz com que os direitos e as obrigações vinculados ao estatuto do<br />
indivíduo e da comunida<strong>de</strong> sejam rigorosamente observados. Isto é muito evi<strong>de</strong>nte<br />
<strong>na</strong> tradição negro-africa<strong>na</strong>. O homem do axé, o muntu e congêneres têm <strong>de</strong> se<br />
manter nos limites <strong>de</strong> seus direitos e <strong>de</strong>veres. O <strong>de</strong>scumprimento das obrigações<br />
afeta ao mesmo tempo o indivíduo e o grupo (SODRÉ, 1988b, p.88).<br />
As falas dos muleekes mostram que eles procuravam justificar sua escolha em não<br />
seguir cumprindo as obrigações que chegaram a assumir anteriormente <strong>de</strong>vido ao seu não<br />
cumprimento por parte dos adultos, o que também não contribui para a comunida<strong>de</strong>. Mas<br />
também mostram que <strong>de</strong> certa forma eles percebem a importância <strong>de</strong>ssa ética, ao<br />
reivindicarem que ela seja seguida por todos e ao continuarem presentes e atuantes no grupo,<br />
apesar das queixas. Quando perguntei a eles o que ainda os mantinha no grupo, um <strong>de</strong>les<br />
respon<strong>de</strong>u: “O que me mantinha <strong>na</strong> capoeira era a união, né. Pra mim união significa o quê:<br />
grupo, família” (grifos nossos). Ele expressa, aqui, a importância do vínculo com as pessoas<br />
do grupo, construída <strong>na</strong> convivência diária, nos próprios conflitos e negociações, no trabalho<br />
coletivo, que traz o sentimento <strong>de</strong> pertencer, ser parte, <strong>de</strong> um grupo/família/comunida<strong>de</strong> –<br />
com todas as contradições que ela possa carregar. Abib (2005, p.151) complementa essa idéia,<br />
quando diz que a comunida<strong>de</strong> trata-se <strong>de</strong> “uma reconstrução criativa das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se<br />
viver e se relacio<strong>na</strong>r com o mundo, com base em outros princípios e valores, pautados por<br />
uma dimensão mais solidária e humanizante”.<br />
Durante a realização do trabalho <strong>de</strong> campo, aconteceu o que mestre Poloca chamou <strong>de</strong><br />
“refluxo” no grupo. Alguns dos muleekes mais velhos, <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> entre 15 e 18 anos, haviam<br />
chegado a um nível <strong>de</strong> compromisso mais sério com o grupo <strong>de</strong> capoeira. Mas nesse<br />
momento, eles “recuaram”, fizeram uma “chamada” viii e começaram a se afastar dos treinos e<br />
rodas, gradualmente, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> se comprometer com as funções coletivas, mostrando-se<br />
algumas vezes “apáticos” e <strong>de</strong>sinteressados.<br />
Para compreen<strong>de</strong>r esse afastamento, <strong>na</strong> leitura das(o) mestras(e), faz-se importante<br />
consi<strong>de</strong>rar o momento <strong>de</strong> vida em que se encontram: fase da chamada adolescência, com<br />
muitas <strong>de</strong>scobertas, como a sexualida<strong>de</strong> e o envolvimento com outras ativida<strong>de</strong>s, a busca <strong>de</strong><br />
auto-afirmação i<strong>de</strong>ntitária, além das pressões em torno <strong>de</strong> sua inserção no mundo do trabalho,<br />
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