Comunidade e Africanidade na Capoeira Angola - Grupo de ...
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terreiro negro ‘solicita’ é a <strong>de</strong> uma origem e um <strong>de</strong>stino guiados pelo axé, pela força <strong>de</strong> vida e<br />
<strong>de</strong> realização” (SODRÉ, 1988a, p.102). O axé é um dos elementos fundamentais para os<br />
rituais negros: “Axé é força vital, sem a qual, segundo a cosmovisão <strong>na</strong>gô, os seres não<br />
po<strong>de</strong>riam ter existência nem transformação”. (I<strong>de</strong>m, Ib, p.129). O autor continua dizendo que<br />
essa noção <strong>de</strong> axé não se limita à cosmovisão <strong>na</strong>gô, mas também é referência ao povo Bantu<br />
(on<strong>de</strong> o <strong>Grupo</strong> Nzinga localiza sua referência).<br />
Percebo que esse continuum da cosmovisão i<strong>de</strong>ntificada como “afro-brasileira”<br />
encontra-se presente também nos saberes e nos fazeres da <strong>Capoeira</strong> <strong>Angola</strong>, on<strong>de</strong> o ritual da<br />
roda <strong>de</strong> capoeira tem papel central. É nele on<strong>de</strong> se transmite o axé, algo que só po<strong>de</strong> ser<br />
percebido e sentido estando presente e envolvido no momento em que acontece. Seria<br />
impossível <strong>de</strong>screver, com palavras, a emoção que é estar ao lado <strong>de</strong> um muleeke tocando o<br />
berimbau e fazendo o corpo arrepiar, <strong>de</strong> outro cantando e fazendo a energia vibrar, outro<br />
jogando, mandingando e enga<strong>na</strong>ndo seu camarada, seja um adulto, outro muleeke ou mesmo<br />
seu mestre ou sua mestra. Muleekes, esses, com ida<strong>de</strong> variando entre cinco e <strong>de</strong>zoito anos.<br />
O axé vai sendo, assim, transmitido durante a realização <strong>de</strong> cada roda do <strong>Grupo</strong><br />
Nzinga, entre adultos, crianças maiores e menores, adolescentes, pessoas mais antigas e mais<br />
novas. Os mestres e alunos mais antigos v vão mostrando aos outros como atuar. Seja pelos<br />
“toques”, falados, durante um jogo, dando pistas sobre como eles po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>senvolver os<br />
movimentos (“relaxa o corpo, mandinga, dança”), cobrando o respeito junto à “atitu<strong>de</strong><br />
guerreira” (“<strong>de</strong>vagar, muleeke!” / “vai pra cima <strong>de</strong>le, muleeke!”). Seja no próprio diálogo dos<br />
corpos, no observar, no gesto <strong>de</strong> um mais antigo (ainda que novo <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>) com o mais novo,<br />
pacientemente mostrando, com cuidado, a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> “vadiar” e brincar<br />
com o corpo.<br />
Ética e estética da não-violência<br />
As “regras” do ritual <strong>de</strong> uma roda <strong>de</strong> capoeira, por um lado, são relativamente muito<br />
recentes em nossa História, datados <strong>de</strong> meados do século XIX. Mas, po<strong>de</strong>mos compreendê-las<br />
como parte das formas simbólicas utilizadas por esses grupos para se posicio<strong>na</strong>rem em seu<br />
“contra-lugar” e re-criarem, permanentemente, seus sentidos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural afro-<br />
brasileira. Apren<strong>de</strong>r os fundamentos do ritual <strong>na</strong>s rodas remete, também, ao aprendizado<br />
sobre o posicio<strong>na</strong>mento que seus participantes <strong>de</strong>vem assumir <strong>na</strong> “gran<strong>de</strong> roda”, da vida.<br />
Assim, os muleekes vão, aos poucos, e cada um a seu tempo, apren<strong>de</strong>ndo as “regras do jogo”,<br />
não ape<strong>na</strong>s durante sua participação <strong>na</strong>s rodas, mas também <strong>na</strong>s aulas, nos eventos e <strong>na</strong><br />
convivência com os mestres e os outros membros do grupo e da comunida<strong>de</strong> da capoeira.<br />
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